Insurreição
Comunista de 1935
em
Natal e Rio Grande do Norte
Revolucionários
Potiguares em Memórias do Cárcere
Graciliano Ramos
Nosso
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de Produção
Lauro Cortês Lago
Funcionário público,
10 anos de prisão 13
Alcides
Washington Guerra Carlindo
Revoredo Carlos
Wan der Linden Domicio Fernandes
Ephifânio
Guilhermino Ezequiel Fonseca
Filho Gastão
Correia da Costa João
Anastacio Bezerra João
Francisco Gregório João
Alves Rocha José
Macedo Lauro Cortês Lago
Leonila Felix
Mario Ribeiro de Paiva Miguel
Bezerra Morais Paulo Pinto Pereira
Ramiro Magalhães
Paiva Sebastião Felix
Aragão Vicente
Ribeiro da Silva
“Agora
a suspeita se desfazia. Sebastião Hora
parolava com José Macedo e Lauro Lago a
respeito da Aliança Nacional Libertadora,
a princípio sufocada, afinal posta no xadrez;
os meus companheiros de Alagoas, apenas entrevistos
no quartel, mal examinados nos sacolejos do caminhão,
desconhecidos quase todos, começavam a
entender-se com a gente do Rio Grande; e, sem
chapéu, sem valise, exibindo-me em camisa,
despojava-me da feição policial.”
“Estavam ali dois figurões, dois
responsáveis, dois criminosos, porque tinham
sido pegados com o rabo na ratoeira. Não
me arriscaria a dizer como se chamavam. Macedo
e Lauro Lago. Isso, repetido com freqüência,
me permanecia na memória, mas, se me dirigisse
a qualquer deles, trocaria as designações.
Falavam-me também num terceiro chefe da
sedição, o mais importante, conservado
em Natal por não se poder ainda locomover:
seviciado em demasia, agüentara pancadas
no rim e, meses depois da prisão, mijava
sangue. Arrepiava-me pensando nisso. Achava-me
ali diante de criaturas supliciadas e, conseqüentemente,
envilecidas.
dispensados antigamente aos escravos e agora aos
patifes miúdos. E estávamos ali,
encurralados naquela imundície, tipos da
pequena burguesia, operários, de mistura
com vagabundos e escroques. E um dos chefes da
sedição apanhara tanto que lá
ficara em Natal, desconjuntado, urinando sangue.”
“Em atitude canina, mastigando qualquer
coisa, parecia continuar no exercício do
seu cargo, esperando ordens do Presidente, que
discutia com José Macedo e Lauro Lago,
todos eles muito consideráveis. “
“Escrevi até à noite. Se houvesse
guardado aquelas páginas, com certeza acharia
nelas incongruências, erros, hiatos, repetições.
O meu desejo era retratar os circunstantes, mas,
além dos nomes, escassamente haverei gravado
fragmentos deles: os olhos azuis de José
Macedo, a contração facial de Lauro
Lago, a queimadura horrível de Gastão,
as duas cicatrizes de Epifânio Guilhermino,
o peito cabeludo e o rosário do beato José
Inácio, a calva de Mário Paiva,
os braços magros de Carlos Van der Linden,
o rosto negro de Maria Joana iluminado por um
sorriso muito branco.”
NO DIA seguinte descobri em Sebastião Hora
uma extravagância: expôs, quando nos
avizinhávamos da Bahia, o projeto de comunicar-se
com o governador, que certamente iria visitá-lo
a bordo. A princípio julguei que se tratasse
de brincadeira e resolvi colaborar nela. Perfeitamente:
um chefe de governo entrando no porão,
com ajudante-de-ordem coberto de alamares e troços
dourados, para entender-se com um prisioneiro
muito bem, nada mais natural. Em seguida alarmei-me.
O homem falava sério. Conhecera anos atrás
Juraci Magalhães, que certamente iria vê-lo,
prestar-lhe auxílio. Lauro Lago sorriu
e murmurou: Ilusão pequeno-burguesa.
Esse reparo foi insuficiente para chamar o nosso
amigo à realidade: forjara uma convicção
oposta aos fatos, queria firmar-se nela, cegar
voluntariamente, confessar aos outros a cegueira
e receber confirmação, pelo menos
apoio tácito que lhe preservasse o engano.
Tencionei divergir, indicar a degradação,
a miséria em que nos achávamos.
O desacordo seria inútil: ninguém
ali precisava que lhe avivassem os sentidos. Loucura
imaginar um político influente descendo
àquela profundeza; “
“antes de cair a noite Sebastião
Hora se decepcionaria. Claro, intuitivo. Mas não
desejava convencer-se e tinha fome de consideração.
Quando a miragem se dissipasse e o estado lastimoso
novamente lhe surgisse, maquinaria outros fantasmas,
embalar-se-ia noutros sonhos. Fora isso, revelava-se
perfeitamente lúcido examinando, com José
Macedo e Lauro Lago, as causas do insucesso do
movimento de Natal. Refugiava-se no passado ou
entretinha-se a adornar um futuro improvável;
não queria ver o presente. “
“A sinceridade patenteava-se no rosto de
Lauro Lago, na voz breve, sacudida, incisiva.
“
“Do lugar em que me achava distinguia-se
metade do alojamento; o sorriso e a barriguinha
de Macedo, os óculos de Lauro Lago, as
listas do pijama vistoso de Sebastião Hora
e o acaçapamento do negro Doutor, estavam
invisíveis”
“Inquietação vaga não
me permitia ficar muito tempo num lugar. Entrava
no camarote, saía, ouvia com fingido interesse
as conversas de Sebastião Hora, Macedo
e Lauro Lago. Tinha de cor diversas minúcias
da rebelião de Natal; contudo, por mais
que me esforçasse, não me era possível
entenda-las.
De pé, encostado ao umbral, confundindo
pessoas e acontecimentos do Rio Grande, as pernas
abertas para evitar alguma cambalhota, distraía-me
olhando a escada. as viagens incessantes dos companheiros
à latrina. Foi a curiosidade que me fez
imitá-los Isso e também a lembrança
de viver entre eles cinco ou seis dias, sem ter
ido ali uma só vez A imobilidade esquisita
das vísceras começava a alarmar-me.”
“Entra como se estivesse em sua casa.
Cheio de vergonha, nada respondi, pois me faltavam
elementos para refutar a opinião do homem.
Se ele, observador profissional dos delinqüentes,
me via assim, teria lá as suas razões.
Ponderei, extingui melindres. Tinha motivo para
escandalizar-me? Não. Em duros casos, a
observação podia ser considerada
elogiosa. Consigo realmente ambientar-me de pressa,
acomodar-me às circunstâncias. Percorrendo
o sertão, muitas vezes, quando a noite
descia, amarrei o cavalo a uma árvore,
envolvi-me na capa, estirei-me na terra e dormi,
tranqüilo e só. Não seriam
piores que as cobras e outros bichos do mato os
habitantes da prisão. Mas que teria eu
feito para o indivíduo confundir-me com
eles? Muitos ali aparentavam serenidade, riam,
falavam naturalmente, e a preferência me
tocara. Esquisito. Éramos quarenta pessoas,
a maioria aquela gente amorfa que, durante a viagem,
se arrumava pelos cantos do porão, no anonimato
e no enjôo. Lembro-me apenas de Sebastião
Hora, capitão Mata, Lauro Lago e Macedo.
Num instante abriram-se os malotes, desdobraram-se
e estenderam-se as redes no pavimento úmido.
Se não houvessem tomado as cordas, seria
possível armar algumas nos varões
de grades opostas. Agora serviam de camas. Sobre
a de Macedo, muito larga, foi aberto espesso cobertor
de lã; em seguida apareceram lençóis
e um travesseiro de penas.
Sentado na valise, encostado ao muro, distraía-me
seguindo os movimentos vagarosos e o capricho
do homenzinho gordo, envolto na fumaça
do cachimbo; as mais insignificantes pregas se
desfaziam, alisava-se cada peça com rigor.
Despojara-me voluntariamente, pela manhã,
de um objeto necessário: passaria a noite
mal. Onde estaria o sem-vergonha carrancudo que
me furtara cinco mil-réis e estivera uma
semana a esconder-se? Talvez não nos tornássemos
a ver. Éramos ali quarenta desordeiros,
quase todos espíritas e católicos,
segundo os papéis oficiais escritos à
tarde sobra do refugo humano acumulado no porão.
Dispersavam-nos, rompiam-se camaradagens alinhavadas
à pressa; a inquietação de
Miguel e a energia imóvel de João
Anastácio iriam morrer-me no espírito.
Novas caras surgiriam, novos hábitos e
não teríamos tempo de fixar-nos.”
“Chegando ao Pavilhão dos Primários,
fora recebido com o Hino do Brasileiro Pobre:
A tardinha surgiram novamente os caixões
e organizou-se a fila para o jantar. Devolvidos
os pratos, percebi um tilintar de chaves; fui
ao passadiço, vi no pavimento inferior
um guarda trancando portas; iam-se pouco a pouco
dissolvendo os grupos. Os tinidos aproximaram-se,
recolhi-me, um instante depois achava-me enclausurado,
um livro nas garras, tentando ler à luz
escassa da lâmpada. Capitão Mata
se acomodava, divagando por assuntos vários.
No cubículo à direita haviam-se
alojado Macedo e Lauro Lago; à esquerda
estavam Benjamin Snaider e Valdemar Bessa, médico,
cearense, bicudo. Julguei distinguir a voz de
Renato:
Alô! alô! Fala a Rádio Libertadora.”
“A direita os nossos vizinhos eram Macedo,
Lauro Lago, um terceiro, provavelmente do Rio
Grande também, pois aquela gente vivia
sempre junta. Perdidas as cordas na rouparia,
Macedo arranjara outras, muito longas, e conseguiria
armar a rede em varões das grades. Ficava
sentado nela horas extensas, calmo, risonho, fumando
cachimbo. De pé, gordinho, barrigudinho,
amável e resoluto, parecia-me deslocado.”
“Lauro Lago narrou o barulho de Natal.”
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