Insurreição
Comunista de 1935
em
Natal e Rio Grande do Norte
Revolucionários
Potiguares em Memórias do Cárcere
Graciliano Ramos
Nosso
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João
Anastacio Bezerra
Estivador
Alcides
Washington Guerra Carlindo
Revoredo Carlos
Wan der Linden Domicio Fernandes
Ephifânio
Guilhermino Ezequiel Fonseca
Filho Gastão
Correia da Costa João
Anastacio Bezerra João
Francisco Gregório João
Alves Rocha José
Macedo Lauro Cortês Lago
Leonila Felix
Mario Ribeiro de Paiva Miguel
Bezerra Morais Paulo Pinto Pereira
Ramiro Magalhães
Paiva Sebastião Felix
Aragão Vicente
Ribeiro da Silva
“SOMOS
animais bem esquisitos. Depois daquela noite, o primeiro
contato com a vida me provocou uma gargalhada. Não
o riso lúgubre dos doidos, manifestação
ruidosa e divertida, que me causava espanto e era impossível
conter. Foi este o caso. Logo ao clarear o dia, saltei
do estrado, busquei o vizinho do compartimento inferior,
para agradecer-lhe os fósforos, e percebi um
caboclo baixo, membrudo, hirsuto, a camisa de algodão
aberta, deixando ver um rosário de contas brancas
e azuis misturadas à grenha que ornava o peito
largo. Esse instrumento devoto me produziu a hilaridade:
O senhor usa isso, companheiro?
O
sujeito endureceu a cara, deitou-me o rabo do olho,
formalizou-se e grunhiu:
Quando
a nossa revolução triunfar, ateus assim
como o senhor serão fuzilados.
Esqueci
os agradecimentos e afastei-me a rir, dirigi-me ao ponto
onde, na véspera, tinha ouvido o rapaz de casquete:
esperava tornar a vê-lo, pedir informações
a respeito do estranho revolucionário. Logo soube
que se chamava José Inácio e era beato.
Homem de religião, homem de fanatismo, desejando
eliminar ateus, preso como inimigo da ordem. Contra-senso.
Como diabo tinha ido ele parar ali? Vingança
mesquinha de político da roça, denúncia
absurda, provavelmente e ali estava embrulhado um eleitor
recalcitrante, devoto bisonho do padre Cícero.
Com certeza havia outros inocentes na multidão,
de algumas centenas de pessoas.
A
luz do dia, várias figuras começavam a
delinear-se, nomes próprios chegavam-me aos ouvidos,
mas tudo se confundia e era-me impossível distinguir
João Anastácio de Miguel Bezerra, duas
criaturas muito diferentes. “
“João
Anastácio tinha a cara imóvel, de múmia
cabocla: sério, os olhos miúdos, parecia
muito novo ou muito velho, não tinha idade. O
primeiro se mexia demais e falava com exuberância,
desdizendo-se: falava como se quisesse inutilizar o
efeito de palavras largadas inconsideradamente; o segundo
me examinava em silêncio, desconfiado uma coruja.
Essas coisas só foram percebidas muito depois.
Naquela manhã tudo se atrapalhava, a luz que
vinha de cima e entrava pelas vigias era escassa. E
perturbado, no meio novo, esforçava-me por achar
um canto onde pudesse respirar.”
“Afastava-me,
acercava-me dos grupos, imiscuía-me neles: esforçava-me
por decifrar certas particularidades de linguagem e
em vão buscara reter as fisionomias, sempre renovadas.
Não havia jeito de casar às figuras incompletas
os nomes que me chegavam aos ouvidos. João Anastácio.
Bem. Esse conseguiu fixar-se. Anteriormente fundia-se
com Miguel Bezerra, mas agora se distanciava, e não
sei como baralhei pessoas tão diversas. Julgo
que me surgiram simultaneamente na atrapalhação
da chegada, falaram as duas ao mesmo tempo, quando não.
me era possível estabelecer a distinção:
olhos vivos, modos inquietos, rosto fino como um focinho
de rato; pele macerada, feições imóveis
de múmia cabocla. Tipos inconfundíveis,
caracteres diferentes. Miguel Bezerra tinha um modo
escorregadio de negar, de justificar-se; o outro afirmava,
lento e seguro, como se batesse em pregos: nunca vi
homem tão afirmativo.
“Essas
duas figuras me ficaram gravadas profundamente na lembrança,
não por haverem exercido qualquer influência
na minha esquisita aventura, mas porque avultaram no
rebanho indistinto, durante algumas horas. Depois se
afastaram, se diluíram: os hábitos de
classe me aproximaram do sujeito gordo e louro que fumava
cachimbo, sentado na rede, a sorrir, do rapaz estrábico,
de óculos. Importantes, um secretário
da Fazenda, outro secretário do Interior, no
governo revolucionário de Natal. Propriamente
não fora governo, fora doidice: nisto, embrulhados,
concordavam todos. “
Fiquei
a esperá-lo, conversando com João Anastácio
e Miguel, os dois passageiros que se haviam relacionado
comigo. Os outros ainda estavam nebulosos e distantes.“
“Se
Miguel e João Anastácio reaparecessem,
seriam criaturas diferentes, procuraríamos em
vão qualquer coisa nas suas fisionomias apagadas.
Instintivamente buscávamos associar-nos; a associação
precária num momento se desmancharia. E vivíamos
a receber choques na alma. Relações impostas,
desfeitas, mentes diversas agrupando-se, repelindo-se;
ajustamentos difíceis, súbitas explosões
de incompatibilidades. Nessa altura o excelente Macedo
me fez um gesto, cochichou oferta generosa, imprevista:
havia espaço ali para dois corpos.”
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