Insurreição
Comunista de 1935
em
Natal e Rio Grande do Norte
Giocondo Dias,
a Vida de um Revolucionário
Nosso
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Giocondo
Dias,
a Vida de um Revolucionário
João Falcão, Agir
1993
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da Revolução | A
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de comunistas
A
rebelião de Natal
-
O senhor está preso, em nome do general
Luiz Carlos Prestes.
Com estas palavras, o cabo Dias, agindo de surpresa,
prendeu o sargento José Farias de Almeida,
comandante da Guarda do quartel do 21º BC,
às 19,30 horas do dia 23 de novembro de
1935, auxiliado pelo músico da banda, sargento
Raimundo Francisco de Lima, vulgo Raimundo Tarol,1
ambos portando fuzil metralhadora. Incontinenti,
prenderam o Oficial-de-Dia, tenente Abel Cabral,
o tenente José Cícero de Souza e
o sargento João Barradas, todos recolhidos
ao cassino dos oficiais.
Giocondo Dias e Tarol deram, imediatamente, liberdade
a todos os praças sentenciados. Feito isso,
foi dado o toque de reunir, para atrair os militares
que, por qualquer circunstância, estavam
estranhos à rebelião e forçá-Ias
à adesão.2
Assim começou a revolução
comunista de Natal.
"Efetivamente", afirma Dias, "não
foi necessário um tiro sequer para tomarmos
o batalhão. Nós éramos de
tal forma organizados que a coisa não levou
mais de vinte minutos. Tínhamos organizado
tudo de modo que as autoridades fossem presas
no teatro da cidade. Estavam todos lá,
em uma comemoração. Depois que nós
tomássemos o batalhão, sairia um
agrupamento para o Quartel da Polícia,
onde nós já tínhamos apoio
do cabo da Guarda. Aí também não
seria necessário dar um tiro sequer. Em
seguida, este agrupamento iria para o teatro,
liberando os presentes, com exceção
das autoridades. Ocorre que houve vacilação
no grupo que deveria realizar a tomada do quartel.
Aí, me disseram: por que é que você
não vai tomar o quartel? E eu fui. No caminho
houve um tiroteio, um dos recrutas que iam conosco
atirou num soldado da polícia, na Delegacia
da Rua São Tomé. No tiroteio fui
ferido, levei três tiros e tive que ir ao
hospital. O restante dos camaradas ainda foi realizar
a missão, mas com o tiroteio as autoridades
foram alertadas e fugiram do teatro, e os oficiais
foram para o quartel da Polícia Militar."3
O cabo João Wanderley "ficou pálido
e lívido quando viu Giocondo com a cabeça
enfaixada. Esse ferimento causou-lhe muita preocupação,
pois ele era um dos líderes do movimento;
era um homem destemido e líder da Revolução".4
Segundo
narrativa do comandante do 21º BC, "de
começo condescenderam na entrada de alguns
oficiais na praça sublevada, com a tola
esperança de que viessem eles a aderir
ao movimento, assumindo sua direção.
Insistiram muito junto ao 1º tenente Luiz
Abner de Souza Moreira e ao segundo-tenente convocado
João Teles de Menezes, sendo que à
entrada do último chegaram a vivá-Io
como futuro governador do Rio Grande do Norte.
Tendo, porém, esses oficiais repelido com
enérgica dignidade semelhante proposta,
foram recolhidos presos, de sentinela à
vista.
"Imediatamente de posse de todo o material
bélico, tendo penetrado no depósito
respectivo pelo Posto Médico a fim de não
serem pressentidos, lançaram-se, em sua
maioria, para diversos pontos da cidade, em grupos
e em promiscuidade com civis armados, a tirotear
desordenadamente nesses pontos, de modo a amedrontar
a população ordeira e laboriosa
e embaraçar a ação das autoridades
responsáveis pela manutenção
da ordem pública.
"As ruas da cidade, às 20 horas, encontravam-se
desertas e as casas todas trancadas. Só
mesmo os que faziam parte da conspiração,
ou se encontravam intimamente ligados aos conspiradores,
é que podiam ajuizar, com acerto, do que
realmente se passava, pois a confusão era
de tal ordem produzida pelo tiroteio generalizado,
dando a impressão de que os desordeiros
mudavam constantemente de posição,
ou agiam em diversos pontos da cidade, que aos
leigos no assunto era impossível discernir.
"As ruas transversais à João
Pessoa", continua o comandante do 21 º
BC, "onde tenho a minha residência,
desde a esquina da Felipe Camarão até
a Vigário Bartolomeu, todas essas vias
públicas na direção norte-sul,
estavam enfiadas pelos projéteis, que sibilavam.
Em meio a esse tumulto, alcancei a casa de residência
particular do Governador do Estado, à Avenida
Deodoro, com o qual, na qualidade de Comandante
da Guarnição, havia dias antes conversado
sobre providências a serem adotadas no caso
de uma perturbação da ordem pública,
e de acordo com uma determinação
geral expedi da pelo Sr. Comandante da 7ª
Região Militar.
"Não encontrei o chefe do Poder Executivo
Estadual, mas sim o Comandante da Polícia
Militar, major Luís Júlio, que no
momento aí se achava de automóvel,
também na ignorância do que na verdade
se estava passando, e com este decidi ir sem perda
de tempo até o quartel da Força
Pública com o fim de coordenarmos elementos
para o caso de uma reação imediata.
A suposição geral era a de que a
desordem fosse produzida por elementos indesejáveis;
praças do Exército e da Polícia
Militar, excluídas por má conduta,
aliadas a outros elementos desclassificados.
"O nosso percurso foi feito debaixo de renhido
tiroteio, que partia de diversos pontos da cidade.
No quartel da Polícia Militar o capitão
Joaquim Teixeira de Moura, no começo só,
e depois auxiliado pelo 1º-tenente José
Paulino de Medeiros e os 2ºs ditos Francisco
Bilaque de Farias e Pedro Sílvio de Moraes,
já havia repelido dois ataques. Conseguimos
penetrar na praça com as devidas precauções.
Procurei logo, mas em vão, ligar-me por
telefone público com o quartel do 21º
BC e, também, por um estafeta a pé,
que não mais voltou. Os ataques continuaram.
Os insurretos fizeram ocupar imediatamente a usina
e os centros elétricos, a estação
telegráfica, o centro telefônico
e as estações ferroviárias."5
O Chefe de Polícia João Medeiros
Filho foi a primeira autoridade a ser presa. Ele
mesmo depõe:
"- Pelas dezenove e meia hora, aproximadamente,
estava na Avenida Rio Branco, em companhia do
capitão Genésio Lopes, Delegado-Auxiliar,
quando se ouviram os primeiros disparos. Dirigimo-nos
imediatamente ao local de onde partiram os tiros
e lá nos deparamos com forças do
Exército. Ato continuo, fomos ao quartel
da Polícia Militar e, depois de breve entendimento
com o capitão Joaquim de Moura, ficou a
unidade de prontidão. Dali seguimos até
a Inspetoria de Polícia, antiga Guarda
Civil, transmitindo ordens no mesmo sentido. No
trajeto, nosso automóvel foi alvejado.
Entramos no Teatro Carlos Gomes, hoje Alberto
Maranhão, e nos avistamos com o Governador
e o Secretário-Geral, narrando as ocorrências,
sem poder explicar o seu significado.
"Em seguida, tomei a deliberação
de ir à Rua João Pessoa, na Cidade
Alta, onde se dizia estar o major Jacinto Tavares
à frente de um contingente policial. Embora
estranha a informação, agi automaticamente,
como se a prudência não me aconselhasse
outra atitude. Nessa ocasião, prontificou-se
Daniel Serquiz Farhat a sair comigo no seu automóvel,
o que fiz juntamente com José Seabra de
MeIo, em demanda daquela artéria da cidade.
Lá chegando, avistei, não o major
Jacinto Tavares, mas o sargento Amaro Pereira,
meu conhecido, com forças do Exército.
Perguntando-lhe sobre a natureza dos acontecimentos,
disse-me que estava cumprindo ordens, e, se quisesse
uma confirmação, poderia encontrar-me
com o capitão Cordeiro, meu amigo, que
estava no quartel do 21º. Aí então
esqueci as advertências que a mim mesmo
fazia e me meti na boca do lobo. Ao transpor o
portão do 21º, cercaram-me, ansiosos,
sendo desarmado e recolhido ao xadrez das praças."6
O governador Rafael Fernandes Gurjão, o
secretário do governador, Aldo Fernandes,
o ajudante-de-ordens do governador, capitão
José Bezerra de Andrade e o delegado-auxiliar,
capitão Genésio Lopes, refugiaram-se
na residência de Xavier de Miranda, na Rua
Duque de Caxias. O prefeito da capital, Gentil
Ferreira, o seu chefe de gabinete, Paulo Pinheiro
de Viveiros e o presidente da Assembléia
Legislativa, Monsenhor João da Matta Paiva,
homiziaram-se na residência do chileno Amador
Lamas. Posteriormente, o governador e demais autoridades
que o acompanhavam tiveram guarida no consulado
da Itália.
Ao chegar ao quartel da policia, o agrupamento
encarregado de tomá-Io pacificamente, contando
com o apoio do cabo da Guarda, foi surpreendido
por uma feroz resistência ao assédio
das forças revolucionárias, a qual
teria durado toda a noite.
Ao amanhecer, Giocondo toma conhecimento da inesperada
e obstinada resistência da Força
Pública. Em face da pouca gravidade dos
ferimentos recebidos na véspera, sai do
hospital sem extrair as balas e vai comandar a
tomada do quartel:
"Lá, nos defrontamos com alguns problemas.
Não tínhamos munição
para os morteiros e muito pouco para as metralhadoras.
Começamos a assediar o quartel da Polícia.
Mas ele estava numa espécie de 'ângulo
morto': as balas das metralhadoras não
atingiam ao alvo. Foi aí que eu discuti
com o cabo Valverde - um dos homens mais valentes
que eu conheci na minha vida, dois anos mais moço
do que eu - e resolvemos cercar o quartel pelos
fundos, pois tínhamos certeza que pela
frente eles não poderiam fugir.
Os sitiados resistiram até o último
cartucho, quando já passava das 14 horas
do dia seguinte. Não lhes restava outra
alternativa senão tentar a fuga pelo rio
Potengi que passava pelos fundos do quartel, em
direção ao mar.
Quando eles foram saindo, fomos prendendo. Daí
separamos: oficiais de um lado, praças
de outro. Estes últimos aderiram em massa
ao movimento. Levamos os oficiais para o nosso
quartel e os prendemos no cassino deles."7
Ao tentarem alcançar a Escola de Aprendizes
de Marinheiros, os comandantes do 21º BC
e da Polícia Militar foram presos por uma
patrulha chefiada pelo sargento da PM Sizenando
Filgueiras da Silva e levados, também,
para o cassino dos oficiais.
Após dominar o quartel, os revolucionários
apossaram-se dos armamentos ali encontrados: quatro
metralhadoras, 300 fuzis, duas pistolas-metralhadoras
Royal, 52 revólveres parabelum. Toda a
munição foi gasta no combate.8
Nessa ocasião houve saque de móveis
e utensílios, praticados por soldados e
populares. Depois, foram tomados, simultaneamente,
o Esquadrão de Cavalaria, a Chefatura de
Polícia e a Casa de Detenção,
de onde todos os presos foram soltos.
Cerca de cem soldados do 21º Batalhão
de Caçadores e outro tanto de ex-membros
da Guarda Civil, além de mais de cem civis,
participaram das ações militares
comandadas pelo sargento Quintino Clementino de
Barros e pelo cabo Giocondo. Nenhum oficial foi
morto. Durante o combate registraram-se baixas
de soldados, de ambos os lados. Além disso,
ocorreram poucas mortes. A jovem Maria Carmen
Tavares, Sinhá, dezesseis anos, cunhada
do cabo Giocondo e irmã de Lourdes, foi
morta acidentalmente, vitimada por uma bala na
cabeça, ao passar pelo tiroteio no quartel
da Polícia.
A oficialidade do 21º BC era composta do
coronel José Otaviano Pinto Soares, comandante;
capitães Aluísio de Andrade Moura
e Antônio Alves Cordeiro; os 1ºs-tenentes
Luiz Abner de Souza Moreira, Ivo Borges e Edson
Hipólito; 2ºs-tenentes Hélio
de Albuquerque, Manoel de Castro, José
Alves de Morais Segundo, João Cícero,
Antônio Oscar Fernandes, Antônio Roberto,
Luiz Rodrigues, João Teles de Menezes,
Abel Batista, Vicente Euclides Pereira Pinto,
Severino de Oliveira Mendes e Clotário
Gomes. Os que não foram aprisionados asilaram-se
em residências particulares.9
Os presos estavam apavorados e Dias foi ao cassino
falar com eles. O Chefe de Polícia que
estava preso, João Medeiros Filho, disse-lhe:
"- Estão ameaçando nossas vidas."
Ele respondeu que todos estavam com a vida garantida,
que seriam julgados por um Tribunal Popular, e
quem não tivesse culpa no cartório
não precisava se preocupar.10
Notas:
1
- Tarol é o nome do instrumento que Raimundo
tocava na banda do 21º BC, uma espécie
de tambor.
2 - João Medeiros Filho.
82 Horas de Subversão. Natal, Ed. do Centro
Gráfico do Senado Federal, 1980, p. 125.
3 - Giocondo Dias. Ob. cit., p.
151-52.
4 - Depoimento do ex-primeiro
cabo telegrafista do 21º BC. João
Wanderley, 75 anos, ao repórter Luiz Gonzaga
Cortez, do jornal O Poti, Natal, edição
de 21/10/85.
5 - Relatório do Comandante
do 21º BC, coronel José Otaviano Pinto
Soares, ao Comandante da 7ª Região
Militar, general Manuel Rabelo, Recife (processo
nº 76, apelação nº 218,
do TSN, 112 volume).
6 - João Medeiros Filho.
Ob. cit., p. 14.
7 - Giocondo Dias. Ob. cit., p.
152-153.
8 - João Medeiros Filho.
Ob. cit., p. 21. Ofício do major Luiz Júlio,
comandante do Batalhão de Polícia
Militar, ao governador Rafael Fernandes.
9 - João Medeiros Filho.
Ob. cit., p. 27.
10 - Giocondo Dias. Ob. cit.,
p. 153.
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