Tecido
Social
Correio Eletrônico da Rede Estadual de Direitos Humanos
- RN
N.
015 – 08/12/03
ENTREVISTA
João Alfredo
(Deputado Federal do PT e fundador do Observatório do Judiciário
do Ceará)
"O Poder Judiciário também tem que responder
perante a sociedade"
Por
Antonino Condorelli
Quais
são as causas do mal funcionamento do Poder Judiciário e da
corrupção dos juízes no Brasil?
São
várias. Primeiro, a própria estrutura do Judiciário: esta é
vertical, hierarquizada de uma forma quase militar. Uma estrutura
assim dá excessivos poderes às cúpulas - que são os Tribunais
de Justiça, os Tribunais Federais e os Tribunais Superiores
- e acaba subjugando a elas os juízes de primeiro grau que,
na verdade, são a porta de entrada do cidadão na Justiça. Isto
leva à corrupção, ao tráfico de influências e à reprodução destes
grupos no poder. Ainda dentro do aspecto estrutural, outras
causas do mal funcionamento do Judiciário são a falta de um
controle externo por parte da sociedade e a falta de democracia
interna, que impede aos juízes de elegerem os presidentes dos
tribunais. Este último elemento faz que a estrutura do Judiciário
seja mais aberta à corrupção. Do ponto de vista cultural, uma
grande parte dos juízes - principalmente os juízes dos Tribunais
Superiores, como desembargadores, Ministros, etc. - tiveram
uma formação anterior à nossa Constituição e não aprenderam
os principios contidos nela. São conservadores, são liberais,
etc., mas nunca incorporaram a visão social que há na Constituição.
O terceiro aspecto é a forma de nomeação: sabemos que a nomeação
de Ministros, desembargadores, etc., é feita pelos Governadores,
pelo Presidente da República, etc., o que faz que este poder
esteja muito vinculado ao próprio Executivo. Depois há outros
problemas, como o excesso de recursos que faz com que os processos
demorem, a falta de responsabilização dos juízes (que muitas
vezes "sentam" encima de um processo e não tomam decisão
nenhuma), o próprio número de juízes que em muitos casos é insuficiente.
Estes últimos, porém, são problemas menores na frente do problema
estrutural.
O
Observatório do Judiciário do Ceará quebrou um tabu da sociedade
brasileira: o da "inviolabilidade" do Poder Judiciário.
Na sociedade cearense se produziu alguma mudança na percepção
que a população tem deste poder?
Eu
acho que nós quebramos dois tabus. O primeiro foi um tabu "interno":
os próprios juízes de primeiro grau se uniram e organizaram
para lutar pela democratização do Poder Judiciário. Na época
em que eu era Deputado Estadual, eles levaram uma proposta para
a eleição direta dos presidentes dos tribunais, orçaram uma
chapa independente de oposição à Associação dos Magistrados
no meu Estado e se juntaram a nós na luta pela moralização do
seu poder. O outro é um tabu mais amplo: a sociedade começou
a perder o medo do Judiciário. E isso aconteceu não só porque
o Observatório recebeu denúncias e as encaminhou aos órgãos
competentes para a apuração, mas também porque nós realizamos
- juntamente com a Associação de Parentes e Amigos de Vítimas
da Violência (APAVI) - algumas manifestações que foram o chamado
"Movimento dos Sem Justiça". Fizemos duas grandes
manifestações em frente ao Tribunal de Justiça e em frente à
Procuradoria Geral de Justiça (portanto, ao Ministério Público)
denunciando o descaso em uma série de processos ligados a crimes
que estavam - a alguns ainda estão - impunes no Ceará. Acho
que se criou uma situação que diria de protagonismo, de cidadania
ativa onde a sociedade entendeu que não só o Legislativo e o
Executivo são poderes que têm que responder perante a cidadania,
mas também o Judiciário está sujeito à soberania popular.
Além
dos dois desembargadores afastados durante o primeiro processo
encaminhado pelo Observatório do Ceará (ver Correio Tecido
Social da semana passada), houve mais denúncias, processos
e afastamentos de juízes do próprio cargo?
Sim.
Além destes dois desembargadores, houve três juízes que chegaram
a ser afastados. Neste período se fez funcionar efetivamente
a Corregedoria - que, de fato, nunca tinha funcionado - e se
fez que o Conselho Estadual de Magistratura apurasse estas situações,
provocamos o Ministério Público Estadual (que, no Ceará, nunca
teve nenhuma atuação) e, agora, o Ministério Público Federal,
que acabou encaminhando uma destas denúncias para o Superior
Tribunal de Justiça.
Quais
são as principais novidades da Reforma do Judiciário que está
sendo discutida no Parlamento?
A
Reforma do Judiciário trata de temas muito importantes para
o processo de democratização e moralização deste poder. Um é
o da sua democracia interna: através da Reforma, devemos garantir
que o conjunto de juízes de uma determinada instância possa
eleger os membros do seu governo. Ou seja, os juízes estaduais
devem poder votar para os presidentes dos Tribunais de Justiça,
os juízes federais para os dos Tribunais Regionais Federais,
etc. A segunda questão, que eu considero a mais importante,
é a formação de um órgão nacional de controle externo do Judiciário.
A proposta de criação deste órgão prevê a participação de juízes,
advogados, promotores e da sociedade no governo do Judiciário,
na promoção dos cargos, no combate ao nepotismo, no acompanhamento
da evolução patrimonial dos magistrados e também na apuração
de desvio de conduta. Uma terceira proposta é que este controle
externo também exista no âmbito estadual, abrindo os Conselhos
Estaduais de Magistratura para a participação do Ministério
Público, da advocacia, dos juízes de primeiro grau e da sociedade.
Um quarto aspecto consiste em mudar os critérios de nomeação,
transformar os critérios atuais de promoção. Outro elemento
importante é o combate ao nepotismo, incluindo a proibição de
parentes de Ministros e desembargadores de advogarem nos Tribunais
onde seus pais são membros. Outro fator é a diminuição da quantidade
de recursos para tornar a Justiça mais ágil. Por último, mas
não por menor importância, há a questão da publicidade: acabar
com a idéia de "segredo da Justiça". Em fim, são várias
propostas que esperamos que para o primeiro semestre do próximo
ano sejam votadas pelo Congresso Nacional.
Quais
são os principais obstáculos à aprovação da Reforma?
O
principal obstáculo se chama corporativismo: a força que as
cúpulas têm dentro da estrutura do Poder Judiciário. Depois
o jogo de interesses, o tráfico de influências, os tabus que
existem sobre o Judiciário (dentro e fora do próprio poder),
a procura de troca de favores entre membros do Judiciário e
do Legislativo: tudo isso torna difícil nossa luta pela reforma
deste poder. Mas hoje eu, como membro da Comissão da Reforma
na Câmara (da qual sou Vice-Presidente), percebo com muita satisfação
que há uma vontade mais forte de democratizar e moralizar o
Judiciário.
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