Tecido
Social
Correio Eletrônico da Rede Estadual de Direitos Humanos
- RN
N.
002 – 20/10/03
Audiência pública discute as violações dos
direitos humanos na região salineira
O DELEGADO DE MACAU: "NÃO ABRO MÃO DO MEU PEIXE"
Por
Antonino Condorelli
O
Conselho Estadual de Direitos Humanos do Rio Grande do Norte
coordenou na passada quarta-feira, dia 15 de outubro, uma audiência
pública sobre o tema A situação dos pescadores em Macau: uma grave violação
dos direitos humanos, que teve lugar na Câmara de
Vereadores de Macau, litoral norte do Estado. Na audiência,
aberta a toda a população da cidade, representantes da Associação
de Pescadores e Pescadoras de Macau relataram as
graves violações às quais os trabalhadores da pesca da região
são submetidos pela empresa salineira ALCALIS. Esta última,
que há aproximadamente 50 anos colocou barrangens no Rio Imburanas
que destruíram quase inteiramente o mangue da região (que é
reserva federal permanente), proibiu
a todos os trabalhadores que viviam da pesca de pescar na área,
implantou ali a sua atividade salineira e ao longo dos anos
foi se apossando sem base legal nenhuma de cerca de 5.000 hectares
de terras da União e águas de servidão pública, é responsável
por espancamentos, torturas, maus tratos e algumas mortes de
pescadores que procuravam sustento para eles e as prórprias
famílias na área da qual ela se diz dona. Tais violações, que
atingiram a mais de 50 trabalhadores da pesca e custaram
a vida de três deles, foram perpetradas por vigias da
mesma empresa e por policiais da cidade, já que existe um convênio
entre a ALCALIS e as polícias militar e civil de Macau graças
ao qual as segundas podem pescar em uma barraca cedida pela
empresa e vender o peixe obtido. Esta situação, veementemente
denunciada na audiência, faz que na maioria dos casos os pescadores
que sofrem espancamentos e maus tratos por parte dos vigias
da empresa não sejam atendidos nas delegacias ou até mesmo sejam
considerados culpados ao invés que vítimas, sofrendo muitas
vezes torturas.
Na
quarta-feira, uma comissão composta pelo Presidente do Conselho
Estadual de Direitos Humanos do Rio Grande do Norte, Roberto
Monte, pelo Secretário Executivo do Conselho e Coordenador de
Direitos Humanos do Governo do Estado, padre Fábio Santos, pela
militante do Centro de Direitos Humanos e Memória Popular
(CDHMP) Edileuza Dantas e pelo jornalista Antonino Condorelli,
do jornal Tecido Social, visitou a área que os pescadores
reivindicam como pública mas foram parados pela viligilância da ALCALIS e impedidos
de continuar a visita sem autorização escrita da empresa. No
ponto onde os visitantes foram parados, uma corrente unia uma
barraca da vigilância da empresa e uma placa da SALINOR fechando
o acesso a uma comunidade de pescadores que mora no outro lado,
confinada em um terreno que a empresa considera dela. A comissão
teve maneira de comprovar e fotografar o estado de completa
destruição de uma ampla área de manguezal (algumas fotos que
ela tirou estão nesta reportagem).
A
audiência pública que teve lugar na tarde do mesmo dia, presidida
por Roberto Monte e coordenada por padre Fábio Santos e Francisco
Carlos Mendoça da Silva da Comissão
Justiça e Paz de Macau, foi cenário de denúncias
e acusações de pescadores e outros representantes da sociedade
civil de Macau contra a ALCALIS (que não participou do evento)
e as autoridades policiais locais, representadas pelo delegado
da polícia civil Inácio Rodrigues e o Promotor de Justiça Pedro
Lopes. Rita de Cássio, esposa do pescador Manoel da Costa que
morreu em 1997 por causa das sequelas de um disparo de um vigia
da empresa (que deixou ele tetraplégico e a vítima morreu por
falta de curas adquadas um ano depois) enquanto estava simplesmente
procurando sustentar a ele a a sua
família, denunciou que a empresa primeiro tratou o marido dela
como um animal e depois não fez absolutamente nada para reparar
o dano que provocou a ela e a filha de três meses que o pescador
deixou. O trabalhador da pesca Francisco Cláudio, presidente
da Associação de Pescadores e Pescadoras de Macau, disse
que na hora em que o pescador vai apresentar queixa nas delegacias
ou não é atendido ou é espancado e, às vezes, ameaçado. O pescador
relatou as ameaças que sofreu no dia 7 de março deste ano pelo
sub-delegado da polícia civil, o qual
intimou que ele se cuidasse porque é um só contra a inteira
polícia de Macau. O padre Edilson Nobre, da diocese de Macau,
defendeu o direito à vida e ao próprio sustento dos pescadores
da região negado em nome de interesses particulares que nem
se sabe se legítimos pois não foi demostrado
que as terras pertencem à ACALIS. Anchieta Lopes, Presidente
da CEARA, disse que não existe nenhum registro de compra daquelas
terras e é importante investigar se a empresa é realmente legítima
proprietária, e padre Fábio Santos acrecentou que a Constituição
proibe a destruição de mangue independente de se uma área é
pública ou privada e que é inadmissível que o sustento dos funcionários
de polícia de uma cidade dependa de uma empresa privada (que
acaba usando eles como capangas para defender seus interesses),
pois esta é competência exclusiva do pode público e é por isso
que os cidadãos de Macau pagam impostos. O delgado Inácio Rodrigues
se defendeu das acusações de cumplicidade com as violações contra
os pescadores apelando à sua ética pessoal
mas afirmou que não vai abrir mão do convênio de pesca
na barraca da ALCALIS até que não lhe ofereçam uma alternativa
viável para melhorar os salários dos policiais. Desta maneira,
o delegado deixou entender que não tem nenhuma objecão ética
contra a existência de tal convênio, que considera normal que
a autoridade de segurança pública tenha um acordo com uma empresa
privada para obter lucro econômico de tal relação. Porém, o
pescador Nílton Barracho denunciou que os soldados da polícia
de Macau não recebem o produto daquela pescaria, que é vendido
por alguns que ficam com o dinheiro.
A
audiência terminou com uns encaminhamentos dos quais se fez
cargo o Conselho Estadual de Direitos Humanos: iniciar uma investigação
sobre a legitimidade da propriedade da ALCALIS sobre as terras
reivindicadas pelos pescadores como públicas e solicitar a reintegração
de posse imediata pela União dos terrenos não usados pela exploração
salineira (as áreas de Canto do Papagaio, Maxixe e Capim Grosso);
a promoção de uma ação legal contra a polícia de Macau para
que esta seja afastada do convênio com a ALCALIS; levar as ameaças
de morte e as violações sofridas pelos pescadores ao Ministério
Público; emprender uma ação legal contra a empresa pelas violações
cometidas pela sua vigilância e levar periodicamente o Ouvidor
de Polícia do Rio Grande do Norte a Macau.
Veja
também:
- Especial Denúncia. Violência
e impunidade contra os pescadores de Macau
- ENTREVISTA. Benito
Barros. "Os dirigentes da ALCALIS são os responsáveis
principais pelos crimes, mas nunca são punidos"
- ENTREVISTA. Nilton Baracho.
"A ALCALIS roubou as terras ao povo"
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