Tecido
Social
Correio Eletrônico da Rede Estadual de Direitos Humanos
- RN
E N.
002 – 20/10/03
ENTREVISTA
NÍLTON BARACHO
"A ALCALIS roubou
as terras ao povo"
Quando
a vigilância da SALINOR nos parou impedindo que continuássemos
a visita na área reivindicada pelos pescadores como pública,
um dos nossos acompanhantes, o pescador Nílton Barracho
(membro da Associação de Pescadores e Pescadoras de Macau),
concedeu esta entrevista a Tecido Social em frente à
barraca dos vigilantes que detiveram a visita. Do outro lado
dela, surge uma comunidade de pescadores praticamente cercada.
Barracho conta a este jornal as humilhações às quais os pescaEdores
de Macau são submetidos todo dia pela ALCALIS.
Por
Antonino Condorelli
Quando
começou a luta dos pescadores de Macau contra a empresa salineira
ALCALIS?
Onde
nos encontramos, onde hoje tem esta barraca, havia
um rio que a ALCALIS robou à população, um recurso
natural público de onde vários pescadores tiravam
seu sustento. Fui criado e pesquei nesse rio,
ele era navegável e a ALCALIS o cercou, matou
todo o manguezal e usou a área pela exploração
salineira. Aqui há vinte anos era cheio de mangue
seco. A empresa não fez isso só com este rio,
mas também com o rio Imburanas e queriam fazê-lo
com o rio Aquiqui mas a gente organizada conseguiu impedí-lo. E hoje a gente
não tem direito nem de passar por cima do paredão...
um rio que antes era
público, o lugar onde a gente pescava. A empresa
roubou, assaltou os pescadores. Eles hoje têm
que se organizar para que as autoridades lhes
devolvam o direito de pescar. Se o pescador não
se unir, vai chegar um tempo em que não vai haver
mais onde pescar aqui em Macau.
Qual
é o balanço humano do conflito com a empresa?
Já
morreram várias pessoas aqui de bala, de faca... alguns
já levaram tiros, outros foram torturados, a gente apanha da
polícia e apanha dos vigilantes. Vai dar parte, chega lá
mas o delgado não acata porque ele recebe propina, a
gente é testemunha de que há seis meses aqui ele mesmo pescava...
agora ele manda uma equipe. Esse peixe
que eles pescam é vendido às nossas barbas, não é um recurso
para a polícia, para ser distribuído aos soldados. Por não falar
dos outros abusos da ALCALIS. Nós temos um assentamento, um
ponto de apoio lá na Ilha do Barro Preto do qual somos posseiros
há mais de dez anos, com barracas de palha, de lona, etc. A
gente vai pescar, chega lá e pernoita por dois ou três dias
quando faz a conta de peixe que vai para a cidade. Agora com
essa especulação da carcinocultura a ALCALIS tentou nos tirar
de lá. Várias vezes os homens dela chegaram lá quando não tinha
ninguém e quebraram os barracos levando todos os objetos, os
de lona, de tudo, deixavam limpo. Depois a gente se uniu, há
três anos organizou uma associação no papel, com CNPJ e tudo,
para que eles não viessem mais derrubar o nosso patrimônio e
para conseguir fazer um Eviveiro para a criação de peixe. É a
Associação dos Pequenos Produtores da Pesca e Aquacultura,
que tem como objetivo garantir o direito de pescar e ao mesmo
tempo de criar peixe. Depois da gente criar a associação, uma
vez mandaram 25 policiais lá pela madrugada. Eu cobrei o mandato,
mas eles não quiseram conversa: invadiram o mangue, chegaram
atirando e quebraram todos os nossos objetos. Me
levaram preso junto com outros dois colegas, mas quando
chegamos ao quartel mandaram a gente ir embora. Foi muita crueldade:
fomos obrigados a experimentar a sensação de ser
presos... porque estávamos pescando,
porque estávamos buscando o nosso sustento! Eu fui procurar
o Promotor, mas ele disse que só me recebia com oito dias. Depois
eu fui para Natal denunciar o acontecido ao coronel Reis e quando
cheguei o coronel me cobrou o BO (Boletim de Ocorrência, n.
d. r.)... e não existia BO! Tudo
para fazer os caprichos da empresa, porque a polícia recebe
propina. Aqui colegas da gente foram massacrados, porradas nos
olhos, a cabeça lascada, então vão dar parte e quando chegam
o delegado recebe o cara como se o reu fosse ele, dá mais um
batido dizendo que o cara estava roubando... roubando!
Quando isso aqui era público, era patrimônio de todos, tudo
o mundo tirava seu sustento aqui, desse rio, desse manguezal!
EQuem
é o dono da empresa?
Segundo
as informações que temos é de Fragoso Pires. Agora, a cada mudança
de Governo ela muda de nome para conseguir empréstimos. A cada
novo Governo ela obtêm um novo empréstimo. Quando procuramos
legalizar nosso assentamento lá na Ilha do Barro Preto chegamos
na União e ela disse que a SALINOR estava interessada em comprar
o patrimônio salineiro da ALCALIS, mas ela não tinha vendido
porque estava inademplente com a União. Quando a gente foi expulsa
lá do Barro Preto, o juiz mostrou um papel à gente que dizia
que a ALCALIS era arrendatária, que as terras eram da SALINOR.
Uma contradição, pois lá na União nos tinham dito que eram da
ALCALIS e a SALINOR estava interessada em comprar. Mas quando
fomos despejados de lá, a maior decepção dos pescadores foi
ouvir do juiz que a ALCALIS era arrendatária, não era dona:
porém, nós fomos expulsos por ela. Depois de seis meses, ela
mudou de carácter social e virou SALINOR definitivamente. Tudo
foi uma manobra orquestrada só para enganar a gente e as autoridades.
Que
acontece com a comunidade que mora aqui do lado e à qual não
nos deixaram acessar?
É
a comunidade do Maxixe, é uma comunidade mais velha do que a
própria ALCALIS. Por causa de tanta repressão, foi a
única comunidade que não se desenvolveu aqui em Macau, ela ficou
minguando e hoje fica em torno de dez moradores, os restantes
foram embora pelas pressões da empresa, pois ela não aceita
nem passar água para o terreno da comunidade, se você tem um
veículo ela não lhe deixa passar por aqui, só aceita passagem
a pé. E a comunidade ficou confinada a um pequeno bloco de terra
porque ao redor a empresa diz que é tudo dela, tanto o Maxixe
quanto a Ilha do Porto da Folha que chamam de Ilha do Paraíso.
Na Ilha da Casqueira há o mesmo problema, ela se diz dona de
tudo. Tem o mesmo poder de um cartel organizado: onde quer que
a gente for, ela diz que aquele território
é seu e todo mundo concorda com ela, acata o que ela faz por
medo ou conivência.
Qual
é a extensão da área de maguezal que foi destruída pela ALCALIS?
A
área de manguezal destruída aqui é em torno de 5.000 hectares,
fora os rios que eram navegáveis e onde eles mataram o mangue,
os represaram somente para sal que não está servindo de nada...
hoje é só um rio de Esal, onde antes
tinha uma área navegável de até três metros de profundidade.
Hoje é só sal e ainda por cima não o estão nem utilizando.
Quantas
pessoas sofreram violações por parte da polícia de Macau e da
vigilância da ALCALIS?
De
mortes houve três, agora de violações como espancamentos, etc.,
muito mais de cinquenta e ainda continuam. Quem for pego aqui
pescando é tachado como um ladrão: a polícia vem, leva o cara
preso e ainda por cima e toma as armadilhas de pesca e não devolve.
Há
quanto tempo dura este conflito?
Há
aproximadamente 50 anos. De dez em dez anos a empresa foi pegando
mais um pedaço de terra, um pedaço de rio da população. Tem
uma parte do rio, aqui nesse paredão perto de onde nós estamos
agora, que eles também iam tomar para matar o manguezal. Mas
a gente se movimentou, se organizou até que conseguiu dar um
basta. Agora a gente não pode ter uma organização melhor poque
não tem um advogado, não tem nada. Muitas vezes eles drenam
E uma água densa (que não serve mais para o sal) na maré seca,
fazendo um verdadeiro massacre no rio, matando tudo quanto é
peixe. A gente como pescador vai dar parte, um dia desses fomos
obrigados a dar parte na polícia porque o prefeito não quer
saber, o Secretário do Meio Ambiente diz que a gente filme,
mas com que se a gente não tem nada? Nós somos pescadores! Estamos
lutando não só para nós, mas para toda a comunidade, para que
todos tenham um rio limpo porque as autoridades não fazem nada.
A gente até se encarrega de limpar o mangue, somos os únicos
que o fazem. E a empresa diz nas suas placas: "preservem
o meio ambiente, não jogem lixo no mangue", quando são
eles quem jogam o pior veneno nele,
a água densa que faz um verdadeiro estrago na vida do rio! O
pescador é revoltado com a ALCALIS. Agora ele não pode nem falar
porque se fizer ela manda borracha!
Quais
são as soluções ao coflito que vocês propôem?
Os
pescadores acham que as terras que não foram secas ainda devem
ser devolvidas ao povo, para que os pescadores possam usá-las
para a carcinocultura, a piscicultura e até para fazer moradias
nas ilhas. Seria o ideal para os pescadores
nativos, os que estão vivos porque alguns Ejá morreram,
uma parte deles de desgosto por terem visto se negar o direito
de posse sobre cantos nos quais moraram por mais de trinta anos:
os expulsaram das ilhas e destruíram as suas casas. As autoridades
recebem todas propinas, têm acesso a uma pescaria especial que
eles chamam de "cortesia". A ALCALIS não dá "cortesia"
nem para os trabalhadores dela, isso é propina para as autoridades,
para elas pescarem nas áreas das quais se diz dona e tirarem
proveito disso. E para que elas tratem aos pescadores que trabalham
e buscam sobreviver como marginais.
Veja
também:
- Especial Denúncia. Violência
e impunidade contra os pescadores de Macau
- Audiência pública discute as violações
dos direitos humanos na região salineira. O DELEGADO
DE MACAU: "NÃO ABRO MÃO DO MEU PEIXE"
- ENTREVISTA. Benito
Barros. "Os dirigentes da ALCALIS são os responsáveis
principais pelos crimes, mas nunca são punidos"
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