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Tecido Social
Correio Eletrônico da Rede Estadual de Direitos Humanos - RN

N. 012 – 18/11/03

I Seminário Estadual contra a Tortura no RN

Por Antonino Condorelli

Nesta segunda-feira, 17 de novembro, teve lugar no Auditório da OAB-RN (Ordem de Advogados do Brasil-RN), em Natal, o I Seminário Estadual contra a Tortura no RN, organizado pelo diretor executivo do Centro de Direitos Humanos e Memória Popular (CDHMP) e Coordenador da Central Estadual da Campanha contra a Tortura no RN, Aluízio Matias dos Santos.

O evento contou com a presença de representantes de diversas entidades, entre os quais o Presidente da Pastoral Carcerária, Geraldo Soares Wanderley, o advogado e representante do Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH) em Recife (PE), Fábio Luis dos Santos Silva, o Procurador da República da Paraíba, Luciano Mariz Maia, os Promotores de Direitos Humanos e Cidadania Eduardo Cavalcante e Moema de Andrade Pinheiro, o Ouvidor Geral da Defesa Social do RN, Tertuliano Cabral Pinheiro, o Ouvidor da Defesa Social, Marcos Dionísio Medeiros Caldas, o representante da Coordenação de Direitos Humanos do Governo do Estado, Oswaldo Monte Filho, o diretor do jornal Tecido Social, Antonino Condorelli e a representante do Fórum de Mulheres do RN, Elizabeth Nasser.

O Seminário esteve dividido em dois painéis intitulados, respetivamente, Atuação do Ministério Público: monitoramento dos casos e novas perspectivas para o combate à tortura no Brasil (coordenado por Geraldo Wanderley e que teve como expositores Luciano Mariz Maia e Fábio Luis dos Santos Silva e debatedores Eduardo Cavalcante e Aluízio Matias) e A campanha contra a tortura no Estado do RN: balanço e perspectivas (coordenado por Aluízio Matias e que teve como expositores Geraldo Wanderley e Marcos Dionísio Medeiros e debatedores Moema de Andrade Pinheiro e Tertuliano Cabral Pinheiro).

O debate, em muitas ocasiões animado pelas intervenções dos participantes, trouxe à tona vários aspectos ligados ao fenômeno da tortura no Rio Grande do Norte. A partir do dado de que mais da metade dos casos registrados desta prática são de autoria de agentes do Estado, a discussão se focalizou sobre a identificação das razões pelas quais ela ocorre e os possíveis instrumentos para erradicá-la.

Os principais motivos que favorecem o uso da tortura por parte de policiais civis e militares no Estado foram identificados na falta de preparação dos policiais, nas deficiências estruturais do processo de investigação policial, na falta de fiscalização dos locais públicos e do processo de investigação em todas as suas fases e na existência dentro da população civil de uma cultura que considera a tortura um instrumento legítimo de punição dos criminosos ou de obtenção de confissões.

Quanto ao primeiro aspecto, Eduardo Cavalcante, Promotor de Direitos Humanos e Cidadania, ressaltou que a maioria dos que entram na polícia só têm primeiro grau e que é inadmissível que não exista nenhum tipo de formação para eles. Isto acarreta, segundo o Promotor, a difusão generalizada do segundo elemento acima mencionado: a crença de que a confissão é prova de delito, o que é completamente errado do ponto de vista jurídico e processual, ainda por cima quando se trata de confissões obtidas em delegacias. Por esta razão, acrecentou Cavalcante, a estrutura do processo de investigação policial é completamente arcaica, ao que se assoma a falta de fiscalização das suas diversas fases (perícias, interrogatórios, etc.) que deixa espaço a qualquer tipo de arbitrariedade. Também falta qualquer tipo de fiscalização dos locais onde a tortura é praticada (salas de delegacias, etc.), que são concebidos como lugares fora de qualquer forma de controle democrático. Existe uma ética oficial da polícia - continuou Cavalcante - expressa nos códigos deontológicos da profissão e uma ética oficiosa, um código interno entre os policiais: este último, afirmou o Promotor, é o que é realmente praticado, e este ninguém fiscaliza.

Um outro elemento decisivo em favorecer a prática da tortura, segundo o Procurador da República da Paraíba, Luciano Mariz Maia, é a existência de uma cultura generalizada dentro da população civil que a aceita porque entende que a polícia - concebida como instituição que defende a cidadania dos bandidos - a adota como método para obter resultados a favor do bem dos "cidadãos honestos". Segundo Mariz, na sociedade brasileira existe uma visão negativa dos defensores dos direitos humanos e uma aceitação do uso da tortura contra sujeitos considerados socialmente perigosos.

O Ouvidor da Defesa Social, Marcos Dionísio Medeiros, acrecentou que desde a época da escravidão até hoje, apesar das enormes mudanças sociais e culturais que se verificaram no Brasil, não mudou na população a percepção da tortura como prática legítima de punição. Segundo Medeiros, desde a colonização até hoje o Estado brasileiro tem sido o maior violador dos direitos dos seus cidadãos. A PM, afirmou, não foi contaminada pelo espírito da Constituição de 1988 e os organismos públicos da Defesa Social, na sua maioria, também não o foram. O Ouvidor sustentou a necessidade da Campanha contra a Tortura sair das mesas dos órgãos de fiscalização do poder público e chegar às ruas para conscientizar à população de que não é admissível que a polícia use a força para obter confissões (na maioria dois casos falsas, feitas só para acabar com o sofrimento infligido), de que a polícia não pode espancar, ameaçar, submeter a maus tratos a nenhum cidadão por nenhuma razão. Segundo Medeiros, há que acabar com a cultura de que "bandido bom é bandido morto", que só leva à cegueira e à barbárie.

O Ouvidor da Defesa Social acrecentou que cursos de formação de policiais existem, até demais, mas a questão real é a qualidade destes cursos. Hoje, disse, o Ministério da Justiça e o Governo Federal ainda financiam "escolas de tortura" no Brasil. Nas aulas se ensina como executar sumariamente a criminosos em caso de necessidade, mas não se menciona sequer o conceito de direitos humanos. Para Medeiros, há que criar um novo paradigma cultural, pois o Governo não pode continuar financiando a tortura.

Um aspecto que fortalece a tortura, afirmou Luciano Mariz, é a impunidade dos que a praticam. É a polícia que decide quais crimes investigar e quais encaminhar ao Ministério Público. As cadeias e as delegacias, disse o Procurador da República da Paraíba, estão lotadas de autores de crimes contra o patrimônio (bater carteiras, assaltos, etc.) mas nelas há pouquíssimos autores de crimes contra a pessoa humana, porque estes últimos são na sua grande maioria agentes do Estado. E quem é que investiga sobre os crimes da polícia?, se preguntou, respondendo em seguida: a própria polícia. Ela, disse o Procurador, é seletiva: age nos casos que quer, faz as investigações que quer e, sobretudo, protege a si mesma contra qualquer investigação.

O representante do Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH) de Pernambuco, Fábio Luis dos Santos da Silva, afirmou que o Movimento tentou sensibilizar a todas as entidades da sociedade civil, inclusive as que se ocupam de direitos temáticos não direitamente ligados à tortura, sobre a necessidade de mudar a percepção da população a respeito desta prática. Segundo o advogado, de fato, a tortura tem diversas implicações sociais e até políticas: em certos casos, é um instrumento de opressão de minorias como negros, indígenas, homosexuais, etc., ou de repressão política contra sindicatos, movimentos estudantis, trabalhadores rurais sem terra, etc. Existem, segundo Santos da Silva, diferentes formas de tortura: na família, no trabalho (principalmente as fazendas que usam trabalho escravo), nas delegacias e presídios, em diversas instituições públicas e privadas.

O problema principal da Campanha contra a Tortura, disse o representante do MNDH, foi e ainda é transformar as denúncias que chegam ao DISQUE DENÚNCIAS em processos contra os responsáveis. Na maioria dos casos isto é impossível pela dificuldade em garantir às testemunhas condições mínimas de segurança para dar seus depoimentos. O Brasil, segundo Santos da Silva, precisa de uma política pública de proteção às vítimas e testemunhas.

O advogado relatou também a experiência positiva das três caravanas estaduais de direitos humanos que foram realizadas em Pernambuco. Estas, afirmou, levaram denúncias a localidades nunca atingidas pela proteção dos direitos humanos e mostraram à população local, muitas vezes mantida em um estado de alienação, que onde ela mora existem grupos de extermínio e poderes econômicos ou políticos que torturam e assassinam, mas também instrumentos de denúncia e mecanismos de proteção.

O organizador do Seminário, Aluízio Matias dos Santos, fez uma balanço negativo do resultado de dois anos de Campanha contra a Tortura no RN. Segundo o diretor executivo do Centro de Direitos Humanos e Memória Popular (CDHMP), faltou em primeiro lugar um interesse constante da mídia sobre o argumento que dificultou o processo de divulgação da Campanha. Em segundo lugar, para converter as denúncias recolhidas na central estadual do DISQUE DENÚNCIAS em processos houve o problema da consistência das provas: muitas vezes, os representantes da Campanha foram obstaculizados na obtenção de provas e não conseguiram realizar as perícias e exames necessários, enquanto na maioria dos casos as torturas não deixam marcas visíveis nas vítimas devido ao "profissionalismo" dos torturadores. O terceiro problema, segundo Matias dos Santos, foi a falta de recursos da Campanha, tanto a nível estadual quanto a nível nacional. A Campanha contra a tortura, afirmou, precisa de resultados práticos, de condenações, pois as sentenças têm um duplo efeito: geram jurisprudência e sensibilizam a sociedade.

Geraldo Soares Wanderley, da Pastoral Carcerária, relatou as dificuldades do seu trabalho em contato diário com os presos e as condições desumanas em que são obrigados a viver. Afirmou que para combater a prática da tortura é fundamental responsabilizar aos altos cargos das instituições penitenciárias, fazê-los se sentirem constantemente monitorados para que não se auto-percebam como imunes. Contou que o primeiro diretor da Penitenciária Regional de Caicó foi designado consultando a Pastoral Carcerária e durante seu mandato só houve um caso de tortura, punido imediatamente com a expulsão do autor. Com o segundo diretor houve duas sessões de tortura e por ambas ele está respondendo penalmente porque a Pastoral fiscalizou sua administração e o responsabilizou. Wanderley acrecentou que quando esta mesma pessoa dirigiu o Presídio Provisório de Natal, este último virou um dos maiores centros de tortura do Estado, pois o diretor não se sentiu mais monitorado nem responsabilizado. O representante da Pastoral Carcerária denunciou também que é um escândalo que, depois dos recentes acontecimentos no Presídio Provisório de Natal, onde 20 presos foram submetidos às mais bárbaras atrocidades, o diretor Paulo Jales não tenha sido nem sequer removido do cargo.

Moema de Andrade Pinheiro, Promotora de Direitos Humanos e Cidadania, lembrou a recente greve dos policiais militares do Rio Grande do Norte e afirmou que é uma vergonha que os PM's sejam jogados na rua para defender a cidadania sem condições minimamente dignas de trabalho e de vida. Os soldados da polícia militar, disse a Promotora, ganham 620 reais mensais para arriscar a vida todo dia, as condições higiênicas e sanitárias dos seus alojamentos são indignas de seres humanos e a maioria são mandados a invadir favelas e trocar tiros com traficantes sem coletes por falta de recursos, e ninguém é à prova de bala. A Promotora acrecentou que se os policiais militares vissem seus direitos humanos respeitados pelo poder público, talvez respeitassem os dos cidadãos.

O Seminário, animado por múltiples intervenções, se concluiu com três encaminhamentos: 1) a recomposição do Comitê Estadual contra a Tortura com reuniões acopladas às do Conselho Estadual de Direitos Humanos do Rio Grande do Norte a serem realizadas no dia primeiro de todo mês, às 15:00 horas, no Auditório da Secretaria de Justiça e Cidadania (SEJUC) em Natal, e que se ocuparão de casos concretos; 2) a realização de um seminário técnico para avaliar o acompanhamento das denúncias de tortura já apresentadas, do qual participarão o MNDH, a Ouvidoria da Defesa Social do RN, a Corregedoria Geral da Defesa Social do RN, o Ministério Público estadual e federal e representantes do poder judiciário; 3) a solicitação ao poder executivo para que reestruture a Corregedoria da Defesa Social e forneça condições de infraestrutura para a Ouvidoria visando criar condições para o combate à tortura realizada por agentes de segurança.

O Seminário também promoveu duas moções, que serão encaminhadas pelo Conselho Estadual de Direitos Humanos - RN. A primeira para a remoção do atual diretor do Presídio Provisório de Natal, Paulo Jales. A segunda para a remoção do cargo e a punição penal dos agentes penitenciários envolvidos nos gravíssimos episódios de torturas acontecidos no começo de novembro no mesmo presídio.

Veja também:
- TORTURA: A BANALIDADE DO MAL
- TESTEMUNHO. O horror atrás das grades

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