SUSP
Sistema Único de Segurança
Pública Estados
Arquitetura
institucional do SUSP
INTRODUÇÃO
GERAL
Breve
notícia sobre a história do projeto
Em
janeiro de 2003, a Secretaria Nacional
de Segurança Pública do Ministério da
justiça, sob a gestão do então secretário,
Dr. Luiz Eduardo Soares, passou a implantar
as propostas apresentadas no Plano Nacional
de Segurança Pública, que haviam sido
submetidas à apreciação da sociedade brasileira,
em 2001 e 2002. O Plano Nacional prevê
cinco linhas de intervenção:
a)
ações preventivas;
b)
qualificação da formação policial;
c)
modernização da gestão do conhecimento;
d)
reorganização institucional;
e)
valorização da perícia;
f
) valorização do controle externo para
o cumprimento de sua missão constitucionaldas
instituições da segurança pública, qual
seja: a contenção - por meios estritamente
legais e conformes aos direitos humanos-
da criminalidade e da violência.
Nesse
contexto, com o propósito de criar padrões
mínimos de normatização e implementação
do Plano Nacional referido, estabeleceu-se,
em 10 de setembro de 2003, uma parceria
entre o Ministério da Justiça – SENASP
–, a Federação das Indústrias do Estado
do Rio de Janeiro (FIRJAN) e o Programa
das Nações Unidas Para o Desenvolvimento
(PNUD), com vistas á definição de conteúdos
e orientações para uma ARQUITETURA INSTITUCIONAL
DO SISTEMA ÚNICO DE SEGURANÇA PÚBLICA.
O ponto de partida do trabalho foi o projeto
cuidadosamente concebido pela SENASP,
que procurou estrutura-lo em torno de
nove eixos temáticos, a serem desenvolvidos
por grupos de trabalho específicos. Os
grupos de trabalho, dirigidos cada um
deles por um coordenador, trataram dos
seguintes eixos-temas:
a)
Controle de Armas; coordenado pelo
sociólogo Antonio Rangel Bandeira, do
Viva Rio;
b)
Controle Externo e Participação Social;
coordenado pelo dr. Firmino Fecchio;
c)
Estruturação e Modernização da Perícia,
coordenado pela perita federal Marilia
Mota;
d)
Gestão da Segurança Municipal e Guardas
Civis, coordenado pela profa. Miriam
Guindani, da PUC-RS;
e)
Sistema Penitenciário, coordenado
pela dra. Julita Lemgruber, do CESEPUniversidade
Cândido Mendes;
f
) Formação Policial, coordenado
pelo prof. José Vicente Tavares, da UFRGS;
g)
Gestão da Informação, coordenado
pelo prof. Cláudio Beato, da UFMG;
h)
Gestão Organizacional, coordenado
pelos profs. Heitor Colliraux e Adriano
Proença, da COPPE-UFRJ;
i)
Prevenção do Crime e da Violência e
Promoção da Segurança Pública no Brasil,
coordenado pelo prof. Paulo Mesquita Neto,
do Instituto São Paulo contra a Violência
e do Núcleo de Estudos sobre Violência,
da USP;
Os
trabalhos dos cinco primeiros grupos listados
foram financiados pela Federação das Indústrias
do Rio de Janeiro. Além desse investimento,
a - FIRJAN forneceu toda a infraestrutura
material para o projeto, bem como o suporte
financeiro para os deslocamentos necessários,
para pesquisa e para reuniões gerais da
equipe e encontros específicos dos grupos
de trabalho. Graças à FIRJAN, o projeto
pode contar, ainda, com a participação
dos consultores internacionais Nuala O’Loan
(Onbudsman da polícia da Irlanda do Norte),
Spencer Chaney e Christopher Stone (Vera
Institute, New York). A participação da
FIRJAN denota o forte espírito público
desta instituição, cuja ação extrapola
a promoção dos interesses da indústria
do Rio de Janeiro, por si sós legítimos,
e alcança temas e preocupações de interesse
público e coletivo. Em todo o decorrer
do projeto, não nos faltou o apoio da
FIRJAN.
Os
demais quatro grupos temáticos foram financiados
com a inestimável participação do Programa
das Nações Unidas para o Desenvolvimento
– PNUD, que, desta forma, reafirma seu
tradicional compromisso com o entendimento
e o tratamento prático de questões cruciais
da agenda social e institucional brasileira.
A
coordenação geral do projeto ficou a cargo
do cientista político Renato Lessa, do
Instituto Universitário de Pesquisas do
Rio de Janeiro. Do início do projeto –
em setembro – até o início de janeiro,
a coordenação do projeto beneficiou-se
da valiosa cooperação do Ten.-Cel. PM-RJ
Antonio Carlos Carballo, elo de ligação
do projeto com a equipe da SENASP.
Cada
um dos grupos contou, ainda, com a participação
de diversos pesquisadores e consultores,
todos indicados na listagem completa da
equipe do projeto. Ainda que os coordenadores
tenham responsabilidade pelos conteúdos
aqui expressos, trata-se de um trabalho
de equipe, cuja magnitude no campo dos
estudos sobre a segurança pública no Brasil
é, por certo, inédita. Trata-se ainda,
de um trabalho executado por uma equipe
multidisciplinar, na qual, estamos certos,
todos aprenderam com todos. Superando
a compartimentalização acadêmica a universitária
dos saberes científicos, aqui cooperaram
e trabalharam conjuntamente sociólogos,
engenheiros, policiais federais, militares,
peritos criminais, economistas, cientistas
políticos, assistentes sociais; advogados;
profissionais com grande experiência na
gestão de instituições de segurança pública.
Nossa cultura de trabalho procurou combinar
a necessária especialização temática com
uma forte preocupação quanto à articulação
entre os resultados obtidos por cada grupo.
Por esta razão, o leitor encontrará em
cada relatório específico, menções a aspectos
considerados pelos demais grupos temáticos.
Esta orientação foi diligentemente perseguida,
já que o objetivo centrar do projeto foi
o de oferecer conteúdos normativos e práticos
para o Sistema Único de Segurança Pública,
por definição um sistema integrado e não
mera justaposição de normas e práticas
descoordenadas. Por esta razão, a leitura
e a divulgação deste relatório devem estar
atentas para o caráter temático cruzado
aqui indicado.
A
qualificação da equipe e sua experiência
prévia foram decisivas, das os estreitos
limites de tempo que dispusemos. O projeto
teve início em setembro de 2003 e suas
conclusões foram definidas durante o mês
de março de 2004. Para que tal prazo exíguo
fosse cumprido, buscou-se, sem prejuízo
da fundamentação científica, acadêmica
e teórica necessária, orientar os resultados
para uma finalidade prática. Cada grupo
realizou uma análise crítica do estado
da arte em seu campo específico e, a partir
daí, desenhou um conjunto de propostas.
Na definição dessas últimas, tanto quanto
possível, o projeto procurou distinguir
as propostas pela magnitude da alteração
institucional e normativa que elas ensejam
e exigem. Assim, serão encontradas no
relatório desde propostas que dependem
de ajustes administrativos a sugestões
que exigiram estratégias legislativas
mais agressivas. De modo consciente buscou-se
combinar uma orientação prática e pragmática
com um forte espírito de mudança, exigido
ademais pela trágica situação da segurança
pública no país.
A
seguir, o leitor encontrará uma apresentação
sumária dos conteúdos produzidos por cada
grupo de trabalho.
Uma
apresentação inicial dos conteúdos de
cada grupo de trabalho
Controle
de Armas
O
grupo de trabalho encarregado do tema
do Controle de Armas, ao mesmo tempo em
que desenvolvia suas análises e propostas,
no contexto do projeto, esteve diretamente
envolvido no processo de discussão e votação
do Estatuto do Desarmamento, no Congresso
Nacional. A finalidade principal do projeto,
a de definir um conjunto de propostas
com forte conteúdo prático, viu-se realizada
por esta inserção do na elaboração do
novo marco legal. Parte significativa
de suas sugestões tomou a forma de artigos
e dispositivos do Estatuto. Mas, o trabalho
não se esgotou neste envolvimento. Na
verdade, um conjunto de análises e propostas
de políticas específicas pode ser encontrado
ao longo do capítulo dedicado ao tema.
O trabalho revelou alguns dados de impacto.
O Brasil é o segundo produtor de armas
de pequeno porte, nas Américas. A magnitude
do armamento produzido está associada
à contínua migração de armas, entre os
circuitos legal e ilegal. Estes fatores
contribuem decisivamente para o fato de
que somos o país industrializado no qual
mais se mata no mundo por meios de armas
de fogo. A centralidade das armas de fogo
pode ser detectada em estatísticas brutais:
65,3% dos homicídios no país, em 2000,
ocorreram com a utilização de armas de
fogo. Elas estão presentes, ainda, em
65% das mortes sofridas por jovens masculinos
(15 a 29 anos), no Rio de Janeiro em 2000.
O quadro em São Paulo não é melhor: em
2003, 91% dos homicídios envolveram a
utilização de armas de fogo. Um dos pontos
fundamentais do relatório envolveu a elaboração
de um diagnóstico preciso a respeito da
centralidade das armas de fogo no mapa
da violência no Brasil. O diagnóstico
aprofunda-se ao indicar a deficiência
dos mecanismos de controle interno: a
criminalidade violenta é abastecida principalmente
pelo próprio mercado legal. Cerca de 80%
das armas apreendidas são oriundas de
comércio legalizado. Mesmo não sendo a
causa originária da violência, a facilidade
do acesso às armas de fogo potencializa
enormemente a disseminação do crime violento.
O
quadro indica, portanto, a presença de
um amplo fluxo migratório de armas, da
legalidade para a ilegalidade. Além desse
fator, dois grandes problemas compõem
o diagnóstico: o descompasso entre a política
interna de controle de armas, tal como
definida pela Presidência da República
e pelo Ministério da Justiça e inequivocamente
orientada para a construção de um sistema
de controle eficaz, e a participação tímida
do país nos foros internacionais que lidam
com a questão.
Ainda
para compor a cena nacional no que concerne
a disponibilidade de armas, é importante
ressaltar a inexistência de controle externo
dos estoques policiais e militares (que
dispõem de enormes facilidades na compra
de armas particulares, compondo assim
um arsenal privado quase isento de fiscalização)
e a parca fiscalização efetiva das empresas
de segurança privada, o que contribui
para alimentar as atividades criminosas
com armas de uso restrito. Não existe
destruição sistemática dos excedentes
de arma e os estoques institucionais dispõem
de sistemas de vigilância extremamente
vulneráveis.
Diante
desta configuração do problema, o grupo
de trabalho em controle de armas identifica
a necessidade de compartilhamento das
informações entre as agências de segurança
e ministérios como medida primária para
promover maior eficácia do controle e,
assim, mapear a rota dos fluxos ilegais.
O Estatuto do Desarmamento já estabeleceu
significativo avanço neste sentido, quebrando
o monopólio de informações do Exército
sobre comercialização e importação de
armas. Entretanto, ainda há o que avançar,
visto que as informações sobre exportação
ainda estarão exclusivamente disponíveis
às Forças Armadas.
Dentre
as modificações introduzidas pelo Estatuto,
a ampliação de responsabilidades do Sistema
Nacional de Armas, SINARM, incluiu a ativação
de um completo sistema cadastral e, assim,
a possibilidade de rastreamento da origem
de armas e munições que tenham sido
desviadas de seus proprietários legais,
o que compõe os subsídios para o mapeamento
e conseqüente intervenção nos fluxos ilegais.
A elaboração de um modelo integrado de
informações sobre AFME (armas de fogo
e munições) que não esteja confinado aos
arquivos do Exército, mas disponível aos
formuladores e gestores de políticas públicas
na área de segurança é, sem dúvida, grande
subsídio para o controle, mas ainda sujeito
a fortes limitações se não prever a cooperação
internacional, sobretudo com os países
fronteiriços. Por isso os padrões de marcação
e as legislações sobre AFME precisam estar
afinados e convergir para ações comuns,
fundadas nos mesmos princípios e sustentadas
por código compartilhado de identificação
(em construção nas Nações Unidas).
Dentre
o círculo de recomendações, a modernização
e o controle efetivo dos estoques de patrimônio
das polícias, Exército e Judiciário é
crucial para inibir o desvio destes para
a ilegalidade, sobretudo para o crime
organizado no país. Além disso, a regulamentação
da destruição e destinação final das armas
apreendidas, evitando que permaneçam ociosas,
é medida crucial na tarefa de minimização
da disponibilidade de AFME.
O
grupo de trabalho reforça ainda a idéia
de que a segurança pública, em suas diversas
matrizes, não está confinada ao círculo
institucional dos agentes de segurança,
mas é tarefa compartilhada com a população.
Sendo assim, as estratégias de sensibilização
e mobilização da sociedade civil, alimentadas
por pesquisas e divulgação de informação
sobre AFME, devem compor o elenco de recursos
dos que intervêm na formulação das políticas
públicas de segurança, sejam eles membros
do terceiro setor ou agentes do governo.
Além disso, o grupo menciona a necessidade
de ativação do Ministério Público.
Controle
Externo e Participação Social
O
tema da participação social e do controle
do Estado – há muito suscitado pela demanda
por democratização no país – foi acolhido
pela Constituição de 1988. Com efeito,
o texto constitucional menciona explicitamente
a necessidade de mecanismos de controle
e de participação em esferas cruciais,
tais como a saúde e a educação pública.
O espírito da Carta foi marcado pela orientação
de buscar uma articulação cada vez maior
entre a sociedade e o Estado.
A
aproximação efetiva entre a letra constitucional
e o mundo real, no entanto, não depende
simplesmente da qualidade da orientação
normativa intrínseca da Constituição.
Um conjunto de fatores – no qual incluem-se
necessariamente a ação do governo, o processo
legislativo e a participação da sociedade
– determina o grau de efetividade e de
aplicação das normas constitucionais.
Neste sentido, apesar da clara orientação
constitucional para desenvolver formas
de controle social do Estado, há inúmeras
zonas de sombra, verdadeiros núcleos duros
da organização estatal, refratários a
qualquer controle real ou norma de responsabilização.
O campo da segurança pública no Brasil
pode ser incluído nesse universo opaco.
O
trabalho realizado pelo grupo parte da
discussão a respeito do significado de
controle externo, tal como definido pelo
Plano Nacional de Segurança Pública. Além
de um papel passivo – de recebimento e
classificação de queixas e denúncias –,
o PNSP fala da necessidade de uma ação
efetiva, no que diz respeito a controle
de metas e procedimentos administrativos
e da aplicação de medidas punitivas para
abusos de poder. Com base nas determinações
do PNSP, o grupo concentrou suas análises
e propostas nos campos do Ministério Público
e das Ouvidorias.
As
tarefas de controle externo da polícia
são constitucionalmente designadas ao
Ministério Público e às ouvidorias de
polícia, que não têm representação em
todos os estados. Na esfera local, fóruns
comunitários locais também podem exercer
funções de controle através da aproximação
e do diálogo com as polícias.
Quanto
ao Ministério Público, não há especificação
constitucional sobre o objeto de seu controle.
Tampouco as legislaturas estaduais se
dedicam a esta tarefa, o que implica em
fortes divergências conceituais quanto
ao âmbito de sua ação. Tal imprecisão
normativa converge, em geral, para sua
ineficácia na apuração de crimes cometidos
por policiais. No entanto, sendo o titular
da ação penal e sendo dotado de autonomia
e autoridade na condução de investigações,
trata-se do órgão que acumula maior potencial
de desempenho da função de controle.
No
que concerne as Ouvidorias, estas operam
em cenários de grave precariedade de infra-estrutura
e grandes limitações estruturais à sua
atuação, tais como a dificuldade de acesso
a inquéritos policiais e demais documentos
que devem servir de base de trabalho.
Além
disso, a indicação do Ouvidor, que muitas
vezes incide sobre policiais, não necessariamente
conta com participação da sociedade civil
e somente em alguns casos define um tempo
de mandato predeterminado. As legislações
estaduais sobre controle de polícia em
geral se atêm a prescrições burocráticas,
carecendo de maior efetividade.
Além
das barreiras institucionais ao controle
externo, a dificuldade de monitoramento
é ainda agravada pela inexistência de
um banco de dados que articule as polícias
e demais órgãos da justiça criminal em
nível nacional; pela falta de padronização
das formas de coleta de dados; e pela
disponibilização de dados excessivamente
agregados, impedindo que cada município
se reconheça nas estatísticas oficiais.
Diante
da precariedade das instâncias de controle
disponíveis, o grupo de trabalho propõe
que a Secretaria Nacional de Segurança
Pública se articule ao Ministério Público,
de modo a torná-lo um instrumento decisivo
na implementação do Sistema Único de Segurança
Pública.
Como
programa normativo, a intervenção da SENASP,
não deverá, entretanto, estar limitada
aos esforços de inclusão do MP na tarefa
de controle. Cabe também a ela o provimento
das condições para exercício do controle
também pelas Ouvidorias. Tais organismos
devem ter acesso garantido a todas as
leis orgânicas e regimentos procedimentais
que digam respeito às polícias, às movimentações
e escalonamento de pessoal da polícia,
às informações sobre organização administrativa
e atribuições de cada funcionário, bem
como às informações sobre seus antecedentes
funcionais e criminais. Devem também poder
conhecer as estatísticas oficiais sobre
inquéritos instaurados, número de policiais
e civis mortos em confronto. Devem ter
acesso a banco de dados sobre armas de
fogo e laudos periciais minimamente padronizados
e que façam constar um mínimo de informações
estipuladas.
Estruturação
e Modernização da Perícia
O
trabalho desenvolvido pelo grupo encarregado
do tema Estuturação e Modernização da
Perícia teve por objetivo formular uma
solução global e integrada, em níveis
estadual e federal, abrangendo duas vertentes
fundamentais:
a)
A primeira delas inclui as áreas de criminalística,
identificação e medicina legal, além dos
laboratórios, em todas as suas especialidades
e necessidades de recursos materiais,
humanos, organizacionais, administrativos,
gerenciais e financeiros;
b)
A segunda considera aspectos de reorganização
institucional, gestão do conhecimento,
controle externo, valorização e formação,
atualização e especialização profissional,
prevenção, controle de armas, sistema
prisional e gestão da segurança municipal,
especificamente voltados para a área de
perícia.
O
desenvolvimento do trabalho envolveu passos
muito precisos. Em primeiro lugar, o relatório
expõe com clareza as bases jurídicas da
atividade de perícia vigentes no país.
Em seguida, procede à cuidadosa e detalhada
exposição e análise do estado da arte
da perícia no Brasil, destacando as seguintes
dimensões fundamentais:
a)
preservação de locais de crime;
b)
ciclo de vida da atividade pericial;
c)
recursos humanos;
d)
recursos materiais;
e)
infra-estrutura;
f
) planejamento na alocação de postos;
g)
gerenciamento das atividades de perícia;
h)
estrutura organizacional;
i)
recursos financeiros.
O
quadro geral revelado pela apresentação
e pela análise desses itens revela que
a situação da perícia no Brasil é extremamente
precária. O mapeamento dos problemas envolve
questões técnicas, orçamentárias e institucionais.
Dentre as dificuldades enumeradas, déficit
de profissionais, o nível salarial, a
inexistência de cursos regulares de aperfeiçoamento
e qualificação profissional e a precariedade
da estrutura disponibilizada para o trabalho
pericial são alarmantes. Todos esses elementos
convergem para a impossibilidade de cumprimento
dos prazos legais e qualidade duvidosa
dos laudos expedidos.
Somam-se
ainda a tais dificuldades estruturais
outros obstáculos que povoam o cotidiano
da atividade pericial. O desconhecimento
e a desvalorização do trabalho do perito
pelos próprios policiais, por exemplo,
incorre no equívoco incontornável de violação
das cenas de crime.
Além
disso, a inexistência de uma rede de comunicação
entre os órgãos de perícia dos diversos
Estados e União corrobora um ethos
isolacionista que reproduz uma situação
de pluralidade de normas, procedimentos,
metodologias e critérios de validação
das técnicas utilizadas. Não havendo qualquer
padronização procedimental, cada instância
pericial ou, o que é ainda mais grave,
cada perito é completamente autônomo para
decidir sobre os itens e as metodologias
que vão compor seu laudo, podendo, dessa
maneira, omitir informações centrais para
a resolução de um inquérito.
Quanto
à estrutura organizacional das perícias
oficiais, também não há qualquer regularidade.
Alguns institutos estão subordinados às
secretarias de segurança pública, ao próprio
governador ou ainda à Polícia Civil. A
mencionada desregulamentação e flexibilidade
dos laudos combinada à falta de autonomia
institucional e financeira da perícia
deixam os peritos extremamente vulneráveis
a interesses e influências exógenas alheios
à sua meta profissional de isenção.
Diante
deste panorama, as diretrizes delineadas
pelo grupo de modernização da perícia
buscam superar os principais entraves
para o funcionamento de uma perícia eficiente.
Dentre
elas, a “autonomia plena da perícia em
termos técnicos, operacionais, administrativos,
funcionais, patrimoniais e financeiros”
figura como um dos tópicos centrais. Para
isso, é necessário assegurar constitucionalmente,
na legislação específica de cada estado,
a autonomia plena da Perícia Oficial.
Além
disso, informatização, coordenação e padronização
da atividade pericial em nível nacional
também são pensadas pelo grupo de trabalho
como medidas cruciais não só para agilizar
a confecção dos laudos, como também para
superar o cenário de desarticulação.
Para
viabilizar esta proposta, o grupo propõe
a implementação de um Sistema Único de
Perícia Oficial que promova a integração
entre as perícias com base na idéia de
regionalização das soluções complexas
e de custo elevado.
Formação
Policial
O
trabalho executado pelo grupo encarregado
do eixo Formação Policial teve por meta
propor um Sistema Nacional de Educação
Policial. As bases normativas desse sistema
estão contidas no próprio Plano Nacional
de Segurança Pública, na ênfase que este
atribui à necessidade de uma formação
policial humanística, científica e altamente
profissionalizada, orientada pelos preceitos
da legalidade democrática e pelo respeito
aos direitos humanos.
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Tal
orientação, de modo inevitável, parte de
uma crítica forte à tradição brasileira
no campo da formação dos policiais, marcada
pela presença de um sistema heterogêneo,
desarticulado e socialmente perverso. Mais
do que superar os valores e hábitos desse
sistema ineficaz, o grupo indica – na linha
proposta pelo PNSP – a necessidade de integração
institucional, via unificação progressiva
das academias e escolas de formação policial.
Integração subordinada à idéia de que a
segurança pública e, por extensão, a formação
policial devem estar orientadas para a proteção
dos direitos constitucionais e fundamentais
dos cidadãos.
A
base deontológica da formação policial
foi enunciada pelo grupo de trabalho por
meio de um conjunto de cinco princípios
de responsabilidade social de educação
policial:
·
Garantir uma formação com respeito à dignidade
humana em toda a atividade policial;
·
Eliminar a discriminação de gênero, orientação
sexual, religiosa ou étnica, induzindo
uma formação orientada pelo respeito à
dignidade humana e às diferenças;
·
Propiciar uma educação orientada por uma
ética da responsabilidade social do serviço
público, de modo a controlar a corrupção
no interior das organizações policiais,
civis e militares;
·
Desenvolver uma formação orientada pela
transparência e responsabilização interinstitucional
e frente à sociedade civil;
·
Formação que reconheça a legitimidade
do controle externo das Polícias, prevista
na Constituição de 1988, pelo Ministério
Público, (Art. 129, VII).
A
tarefa primordial para reversão do quadro
atual de heterogeneidade e desarticulação
é a unificação do sistema educacional
das polícias. Uma vez estabelecidos e
incorporados patamares procedimentais
comuns, as diversas agências de controle
social estarão habilitadas ao diálogo
e menos sujeitas às rivalidades e disputas
intra e inter institucionais. Ainda que
as particularidades de cada órgão de segurança
sejam garantidas, a formação única das
polícias (o que inclui também as guardas
municipais) poderá contribuir para uma
integração coordenada que esteja pautada
em parâmetros éticos e profissionais comuns.
Através
das Academias Integradas, voltadas para
o ensino da parte técnico-procedimental,
e de convênios com Universidades Públicas,
os policiais poderão ter acesso a uma
formação única, que não é só fruto da
integração dos currículos, mas da unificação
das escolas ou academias e formação.
O
preparo para o exercício da função policial
da mediação de conflitos deverá ser o
avesso da memorização de dogmas doutrinários
e de itens da legislação. A ênfase deverá
recair sobre a historicidade do direito
e da própria função policial. O estímulo
à reflexão conceitual deverá ser ativado
em detrimento do que foi denominado pelo
grupo de princípio da simplificação e
redução do real, sobretudo orientado por
uma lógica quantificadora.
Parte
importante do relatório constrói uma crítica
forte tanto dos conteúdos correntes da
educação policial como dos métodos de
aprendizagem empregados. A matriz curricular
da formação proposta abrigará uma formação
substantiva no campo das Ciências Humanas
e Jurídicas – enfatizando a trajetória
histórico-social das polícias e o tema
das diferenças – e perspectivas comparadas
de gestão e planificação integrada das
instâncias de controle social. O grupo
propõe um paradigma novo de capacitação
em detrimento das escolas tradicionais
de formação policial que desestimulam
a apropriação crítica e reflexiva dos
conteúdos ensinados.
A
proposta de currículo apresentada estrutura-se
por meio de quatro eixos temáticos – de
formação geral e específica –, cada um
deles composto por um conjunto de disciplinas,
cujas ementas são claramente apresentadas.
Trata-se da mais abrangente e inovadora
proposta de educação policial já estruturada
no país, com pretensão de âmbito nacional.
Mais do que sugerir e detalhar a grade
disciplinar, o foco do grupo incidiu sobre
a estrutura de ensino necessária para
maximizar os efeitos das inovações curriculares.
O grupo sugere, ainda, a criação – por
meio de uma articulação do Ministério
da Justiça e da SENASP com o Ministério
da Educação – de uma Agência Nacional
de Avaliação do Ensino Policial. E, na
medida em que as atividades de ensino
no nível pretendido, exigem constante
atualização e interação com atividades
de pesquisa, o grupo propõe a criação
de um Sistema Nacional de Pesquisa, de
caráter permanente, no campo da segurança
pública. Passo decisivo nesta direção
foi dado pela SENASP, por meio de convênio
com a Associação Nacional de Pesquisa
em Ciências Sociais – ANPOCS –, que por
meio de amplo edital convocou os cientistas
sociais brasileiros a ocuparem-se do tema
da segurança pública. Este acréscimo no
campo da pesquisa certamente ampliará
nossa capacidade analítica e propositiva.
Gestão
da Informação
Uma
das proposições mais fortes do capítulo
dedicado ao tema da Informação sustenta
que dentre as diversas causas de crime
destaca-se a nossa ignorância sobre a
matéria. As bases dessa ignorância
podem ser encontradas, principalmente,
na precariedade, na multiplicidade e na
desorganização dos sistemas de informação.
A sensação de vôo cego é inevitável, tanto
para analistas como para gestores de políticas
de segurança e, é evidente, para os cidadãos.
Diante
de tal quadro, o trabalho elaborado pelo
grupo propõe a implantação de um Sistema
de Indicadores Sociais de Segurança Pública
(SISSP), como parte integrante e necessária
do SUSP.
Sendo
a informação matéria-prima do desempenho
eficiente das agências de segurança publica,
o grupo de gestão da informação se dedica
ao aprimoramento da situação atual de
desorganização e incomunicabilidade entre
os diversos órgãos produtores de estatísticas
na área de justiça criminal.
A
imprecisão e falta de padronização dos
dados disponíveis combinadas à ausência
de articulação entre suas unidades produtoras
convergem para um quadro de ineficiência
que atende insatisfatoriamente às demandas
por segurança da população. Em geral,
a montagem de sistemas estatísticos se
dá conforme as necessidades imediatas
de cada órgão gestor. Isto contribui para
a proliferação de estatísticas que dificilmente,
ou sob risco de forte imprecisão, poderão
ser utilizadas para outros fins que não
aqueles que motivaram sua produção. Ou
seja, estatísticas que, padecendo do mal
da falta de padronização, permanecem confinadas
a um uso muito restrito, sendo dificilmente
incorporáveis a mapas mais amplos.
Uma
proposta de sistema de informação eficiente
para o caso brasileiro deve reconhecer
não só os vícios correntes na coleta e
tratamento dos dados (e buscar corrigi-los),
como também a especificidade da formação
institucional do país. Uma estrutura governamental
federada como a nossa está em desvantagem
com relação a países como França e Inglaterra
na construção de um sistema nacional de
estatísticas. A profusão de atores locais
com grande carga de autonomia tende a
prejudicar a produção de um sistema articulado
de informação. Esta é, portanto, uma das
dificuldades centrais a ser enfrentada
pelo planejamento de um sistema de informação
que integre, em nível nacional, não só
agências de segurança, mas também instâncias
administrativas que forneçam informação
sobre vitimização e situação de presidiários
ou criminosos procurados (hospitais e
presídios, por exemplo).
Para
pensar o impacto do federalismo na projeção
de um sistema de abrangência nacional,
o grupo de trabalho observa a experiência
americana também no monitoramento integrado
da área de segurança e a implementação,
no Brasil, do Sistema Único de Saúde.
Em ambos os casos, as dificuldades encontradas
foram basicamente as mesmas.
O
princípio fundamental do sistema proposto
pelo grupo é o de alimentação ascendente.
Ou seja, município e estado alimentam
a federação. A inclusão do nível local
é fundamental para que as informações
possam ser acessadas na forma menos agregada
possível, de forma que cada um possa reconhecer
sua localidade no mapa mais geral. Outra
característica importante do Sistema Único
de Segurança Pública é que sua composição
inclua tanto os registros administrativos
de agências do Estado como os surveys
populacionais. Dessa forma, a informação
conhecida não será apenas aquela produzida
pelas agências de justiça criminal e sujeita
às distorções de registro. A combinação
dos dois métodos produzirá maior garantia
de accountability.
A
cooperação vertical e horizontal (inter
e intraníveis municipal, estadual e federal)
norteada por políticas comuns de coleta,
integração e divulgação da informação
deverá ser a base do sistema proposto.
O cumprimento à risca desses procedimentos
permitirá melhores bases para decisões
acerca da alocação de recursos e formulação
de políticas públicas.
Partilhando
de uma concepção de segurança não restrita
ao dado da criminalidade, mas atenta às
causalidades específicas em cada ambiente
social, o grupo prevê a incorporação de
indicadores sociais (o que significa a
interface com outros sistemas de administração
publica) e informações sobre criminosos.
A gestão compartilhada do conhecimento
na área de segurança, ao promover uma
cultura de troca e resolução coletiva
de situações problema, pode significar
um movimento de assimilação de novo ethos
profissional, menos comprometido com
a prática corrente de compartimentalização
do conhecimento.
O
grupo de trabalho em gestão da informação
prevê, enfim, a formulação de um sistema
nacional geocodificado, atento não só
à ocorrência criminal, mas também à avaliação
de suas causalidades através do monitoramento
de organizações e instituições que possam
estar influindo de maneira positiva ou
negativa no controle da criminalidade.
A unidade municipal deverá ser a principal
fonte de alimentação desse sistema.
Gestão
da Segurança Municipal e Guardas Civis
O
diagnóstico do grupo de Gestão Municipal
sobre a atuação dos municípios na prevenção
local da criminalidade aponta para um
panorama essencialmente fragmentado e
carente de unidade normativa. A diversidade
de modelos possíveis e a inexistência
de
qualquer
organismo regulador convergem para um
ambiente de forte heterogeneidade. O não
compartilhamento de modelos de gestão
e a inexistência de uma linguagem comum
de armazenamento das informações compõem
grave obstáculo à comunicação entre os
municípios e entre estes e as unidades
federativas. A Constituição de 88 previu
a criação das Guardas Municipais, mas
não instituiu elementos para uma padronização
nacional mínima que contemplasse a incorporação
efetiva dos municípios no paradigma emergente
de descentralização das políticas de segurança
pública. A situação atual da segurança
municipal padece, enfim, da sua desregulamentação
originária.
Além
disso, a disponibilização, pelos estados
ou pela União, de estatísticas indistintamente
referidas às unidades federativas – e
não desagregadas, portanto, ao nível dos
municípios – impede a formulação de estratégias
locais. O município, em geral, não se
reconhece nas estatísticas oficiais e
isto constitui um sério entrave ao intuito
de municipalização do tema da segurança
pública.
Diante
desse quadro, o grupo propõe a formulação
de um modelo de gestão integrado que inclua
os três níveis da administração pública:
município, estado e federação. A atribuição
das respectivas competências deverá compor
a agenda da Secretaria Nacional de Segurança
Pública, de onde partirá a unificação
operacional e também a padronização de
parâmetros de conduta dos agentes de força.
Segundo o Plano Nacional de Segurança
Pública, a habilitação dos municípios
para lidar com a segurança pública deve
estar pautada numa perspectiva sobretudo
preventiva. Os agentes de segurança municipal
– movidos pelo princípio da mediação
de conflitos – deverão identificar os
focos potenciais de criminalidade e buscar
coibir sua tendência à incursão criminal.
A partir de estratégias de ação integrada
com outros órgãos da justiça criminal,
a estratégia municipal de segurança pública
deverá incidir, preventivamente, sobre
os focos potenciais de produção de criminalidade.
Embora
esta guinada para a inclusão ativa dos
municípios não dependa de alteração legislativa,
pois em si nada tem de inconstitucional,
seria potencializada por medida legislativa
que regulamentasse a competência municipal
no trato com a segurança. O estado de
coisas desejado aponta, portanto, para
a vitalização dos municípios e articulação
destes com as outras unidades administrativas
e órgãos da Justiça Criminal. A criação
de um banco de dados com acompanhamento
espaço-temporal da evolução dos índices
criminais, e portanto, com disponibilização
fragmentada da informação, poderia abrigar
uma rede de agentes da segurança fortemente
interligada e identificável em suas menores
partes.
Além
da necessidade de organização das estruturas
e atribuição de competências, a máxima
participação da sociedade civil também
é um dos protagonistas desta forma de
gestão proposta. Um dos objetivos centrais
da municipalização é justamente o de estreitar
os vínculos com a população local e tornar
o policial mais próximo do cidadão. Para
isso, a formação de gestores comunicativos,
criativos e aptos a diagnosticar e planejar
ações de inserção local é fundamental
para o sucesso da gestão centrada no município.
O espaço institucional para este intercâmbio
deverá ser garantido pela lei. A sugestão
do grupo de trabalho é que os Conselhos
Municipais de Segurança Pública e Cidadania
devam constar nas respectivas Leis Orgânicas
Municipais e assim acompanhar e intervir
nas deliberações orçamentárias e de procedimento
policial.
Cabe
destacar, ainda, no trabalho efetuado
pelo grupo a importância do material apresentado
em anexo. Ele contem uma importante análise
da experiência internacional, bem como
um mapa dos municípios brasileiros, no
que diz respeito ao seu grau de organização
e de institucionalização de conselhos
municipais. Apesar de destacado do corpo
principal do texto, o conteúdo do anexo
é fundamental para avaliar o alcance da
proposta no campo da gestão da segurança
muncipal.
Prevenção
do Crime e da Violência e Promoção da
Segurança Pública no Brasil
Justificativa
do tamanho. Parte I contém, de modo condensado,
o conjunto do trabalho.
Importância
do anexo
O
acirramento da criminalidade violenta
nas ultimas décadas produziu, a partir
dos anos 80, a demanda por penas duras
e o aumento dos serviços de segurança
militarizada. O pressuposto compartilhado
é militarizante; aposta na disponibilidade
de armas, munições e viaturas policiais
como estratégia de solução para o tema
do crime.
Diante
desse quadro, a questão da prevenção,
tal qual é concebida pelo grupo de trabalho
dedicado a este tema, foge a esta lógica
estritamente repressora e aposta em mecanismos
de mediação e diálogo com a população.
O esforço do grupo vai justamente de encontro
às soluções que concentram no conflito
militarizado as expectativas de minimização
da criminalidade, sobretudo da criminalidade
violenta.
Com
esta perspectiva, a investigação do grupo
se concentrou em iniciativas, programas
e ações de prevenção que, embora tenham
eficácia limitada, vislumbram a interlocução
com a população local e rejeitam a solução
estritamente repressora. O pequeno alcance
destes programas, segundo o grupo, tem
a ver com a fragilidade da informação
e a falta de planejamento integrado, denotando
forte insipiência das políticas de prevenção
do crime e da violência no país.
A
preocupação em conferir maior unidade
às metodologias dos programas de intervenção
não significa, entretanto, a desconsideração
das particularidades de cada
ambiente
social. Muito pelo contrário, a flexibilidade
é requisito essencial. Com base numa perspectiva
de intervenção multi setorial, profissionais
especializados atuarão nas suas respectivas
áreas, contribuindo para uma abordagem
ampla do problema da criminalidade.
A
implementação bem sucedida de programas
de prevenção estará vinculada a duas condições
essenciais. A primeira delas é a criação
de uma base de dados com abrangência nacional
acessível a órgãos do governo e sociedade
civil e a segunda é a formação de profissionais
capazes de interpretar essas informações,
planejar, monitorar e avaliar projetos
em vigência.
Para
driblar as limitações da estrutura federalista,
o grupo sugere que o governo federal condicione
a alocação de recursos do Fundo Nacional
de Segurança Pública a apresentação, por
estados e municípios, de informações sobre
crime, violência e programas de prevenção
em suas respectivas circunscrições. Além
disso, a concessão de recursos deverá
estar atrelada à adesão estadual e municipal
a unidades integradas de gestão de segurança
pública, elaboração e gestão de projetos
de prevenção e formação de profissionais
qualificados, sempre segundo os parâmetros
definidos pelo Plano Nacional de Segurança
Pública.
Embora
não existam fórmulas rígidas para o tema
da prevenção, sendo os projetos nessa
área essencialmente vinculados às características
locais da região a que se aplicam, alguns
programas podem ser apontados como modelares
por terem tido bastante êxito na reversão
de quadros de criminalidade acirrada.
Os
programas concentrados na família, por
exemplo, podem, em prazos maiores, reduzir
a incidência de violência doméstica. Nas
escolas e nos ambientes de trabalho a
ação preventiva também poderá minimizar
as situações de confronto violento. No
âmbito das comunidades, os programas de
prevenção situacional tendem a reduzir
o impacto da vitimização.
O
grupo também aponta a mídia como importante
ferramenta. Dependendo do seu uso, pode
incentivar ou inibir a criminalidade.
O objetivo é atentar para o seu potencial
favorável à idéia da prevenção. Há ainda
que considerar a importância de concentrar
o foco preventivo no próprio aparato policial,
especialmente propenso à incursão criminal
dada não só a disponibilidade da arma,
mas também uma cultura corporativa extremamente
violenta. Os programas de prevenção voltados
para a policia devem oferecer assistência
psicológica e treinamento para lidar com
momentos de enfrentamento e situações
criminais específicas, como a violência
doméstica.
O
grupo destaca ainda os programas centrados
na área da Justiça. Alem de incluir a
população presidiária, esses programas
lidam com vítimas da criminalidade, adolescentes
em situação de conflito com a lei, dentre
outros. Por fim, o grupo destaca a prevenção
na área da saúde, sobretudo voltada para
crianças e adolescentes em situação de
risco e para consumidores de álcool e
drogas ilícitas.
O
trabalho do grupo, a mais exaustiva pesquisa
sobre o tema da prevenção no Brasil, acrescenta
em seus anexos o questionário aplicado
aos programas de prevenção e uma inestimável
descrição de todos eles, destacando o
problema que pretendem tratar, seus objetivos,
suas ações estratégicas, sua estrutura
de coordenação e de parcerias, seu orçamento
e seus resultados e indicadores, além
de informação para contato. O mapa da
prevenção no Brasil está, portanto, disponível.
Sistema
Penitenciário
O
Sistema Penitenciário brasileiro passou
a abrigar, nos últimos dez anos, o dobro
do número de presos que abrigava. Apesar
do empenho dos governos estaduais em aumentar
seus espaços de carceragem para absorver
o fluxo crescente, o déficit de vagas
ainda é alarmante. Devido à falta
de espaço nos presídios, quase 25% dos
presos no país estão encarcerados nas
delegacias de polícia. A entrada de presos
é infinitamente superior à saída dos cárceres.
E isto não significa que os índices de
criminalidade tenham acompanhado este
crescimento no encarceramento. Muito pelo
contrário, não parece haver qualquer correlação
entre ambos, o que revela a adesão da
justiça criminal à lógica da repressão
máxima e à conseqüente descrença nas penas
alternativas e não privativas de liberdade.
Dos
condenados no país, 75% cumprem pena em
regime fechado, o que não é condizente
com a gravidade dos crimes cometidos.
A
condição degradante decorrente do confinamento
de presos em espaço insuficiente e inadequado
é ainda agravada pelo despreparo dos agentes
carcerários e profissionais de assistência
que trabalham nos presídios. À falta de
formação especializada somam-se a baixa
remuneração, a inexistência de planos
de cargos e salários, as péssimas condições
de trabalho e a exposição permanente a
situações de risco.
A
tais profissionais cabe a organização
do ambiente carcerário. Segundo dados
levantados pelo grupo de trabalho, tal
função organizativa, em 25% dos estados
brasileiros, não obedece a qualquer regulamento
penitenciário, estando as funções de rotina
do presídio relegadas ao arbítrio dos
agentes.
Dentre
a população carcerária, 70% não completaram
a instrução primária e apenas 17% estão
envolvidos em alguma atividade educacional
no interior dos presídios. Quanto à disponibilidade
de postos de trabalho, também está muito
longe de atender à demanda.
Apenas
26% dos presos trabalham e com isso conseguem
redução da pena. Neste ambiente repleto
de focos de conflito e muitas vezes carente
de qualquer regulamentação procedimental,
a invisibilidade social compõe mais um
elemento de agravo.
Pouco
se sabe realmente sobre o que acontece
nas prisões. Os órgãos de controle externo
são praticamente inexistentes e submetidos
a uma série de restrições às ações de
monitoramento e fiscalização.
Além
destes temas, o relatório do grupo também
trata da especificidade do encarceramento
feminino, do tema do egresso penitenciário
e dos programas, já em pleno vigor, de
terceirização dos presídios.
Diante
deste panorama do sistema penitenciário,
o grupo de trabalho enumera soluções de
cunho mais imediato, que não implicam
em alteração constitucional, e outras
que exigem modificação na legislação,
como a regulamentação das competências
específicas da área de segurança penitenciária.
Dentre as propostas de realização no curto
prazo, a articulação do CNPCP e do DEPEN
com os conselhos profissionais de enfermagem,
serviço social, psicologia, direito, dentre
outros, pode garantir melhor prestação
de serviço e condições de trabalho no
interior dos presídios. A ativação e até
mesmo a criação de organismos de controle
externo também não implica em qualquer
alteração constitucional e significa maior
visibilidade ao cotidiano da carceragem,
elemento central para a melhoria das condições
de vida neste ambiente.
Na
execução de seu trabalho, o grupo constatou
o estado precário e incompleto das informações
a respeito do sistema presidiário no país.
Na ausência de um censo penitenciário
atualizado e tecnicamente confiável, o
grupo organizou um exaustivo questionário,
que foi remetido aos estados da federação.
O que resulta é um retrato claro e atual
do estado da arte no campo carcerário.
O volume de dados coligidos e organizados
já seria suficiente para justificar o
trabalho executado pelo grupo. Nos anexos
desse relatório, o leitor encontrará informações
inestimáveis sobre o sistema penitenciário,
bem como uma rigorosa análise de quadros
e tabelas, seguida de levantamento exaustivo
das normas e regulações carcerárias praticadas
por alguns estados da federação.
Ênfase
Final
O
trabalho realizado, embora em tempo curto
e altamente concentrado, é um marco na
discussão sobre segurança pública no país.
Pela primeira vez no Brasil, por inciativa
de uma agência estratégica do Estado brasileiro,
apoiada por uma importante organização
empresarial brasileira e por um programa
internacional de fomento ao desenvolvimento,
um grupo de especialistas foi convocado
a por seu trabalho e competências específicas
a serviço de um projeto voltado para estabelecer
os marcos da política de segurança em
tempos democráticos. Nesse sentido, o
sucesso desse esforço está diretamente
associado às possibilidades de implementação,
com correções e acréscimos que além de
possíveis são desejáveis. Diante do elenco
de temas e propostas é inevitável a indagação
a respeito do que no projeto é realmente
prioritário. A única resposta genuína
seria: tudo. É evidente que, porm razões
práticas, a implementação pode implicar
em alguma escolha com relação a por onde
começar. Mas isto não oblitera o fato
de que o projeto teve como idéia força
a interdependência de todos os seus componentes
temáticos. A crise da segurança pública
no Brasil vem acompanhada da percepção
de que a demanda por segurança é um direito
fundamental de cidadania. Em tempos não
tão remotos, as idéias de ordem e segurança
evocavam sensações negativas. Hoje sabemos
que as ditaduras, mesmo quando obcecadas
pela disciplina, são promotoras de desordem
e de insegurança. Em um contexto democrático,
ordem e segurança são bens públicos e
tornase fundamental redefinir o papel
das agências estatais que cuidam da segurança
pública.
Os
desafios presentes são imensos, mas as
condições gerais para uma reforma e reconstrução
do sistema brasileiro de segurança pública
nunca foram tão favoráveis. A principal
condição favorável resulta do próprio
agravamento do quadro da segurança pública
no país. Diante da desorientação generalizada,
emerge uma consciência de que o tema da
segurança pública é item de uma agenda
de Estado, e não deve ficar subordinada
aos espasmos governamentais, cativos do
ciclo eleitoral. Diferentes forças da
sociedade, mais do que pressionar os governos
– em seus diferentes níveis – para obter
resultados imediatos, voltam-se cada vez
mais para a busca de soluções institucionais
permanentes. É verdade que tal processo
mal se inicia, mas sabemos que a qualidade
de uma política depende em grande medida
da qualidade e da intensidade da demanda
social.
Em
2002 o país vivenciou a mais importante
eleição de sua história, um verdadeiro
desaguadouro de décadas de expectativas
e de projetos de reforma social. A legitimidade
deste governo para promover alterações
inéditas no campo social e institucional
não pode ser desprezada. É fundamental
que as propostas aqui delineadas sejam
consideradas pela SENASP. Desde já estamos
certos de que o serão. É vital envolver
o Legislativo no aperfeiçoamento dos instrumentos
legais que darão consistência ao SUSP.
Da mesma forma, as dificuldades inerentes
do federalismo devem ser contornadas pela
convocação dos governadores e prefeitos
a esse novo marco civilizatório no tratamento
do tema da segurança pública.
O
país já conta hoje com expressivo número
de profissionais e instituições capacitadas
para contribuir na concepção, gestão e
avaliação dos sistemas de segurança. Parte
deles esteve vinculada a este projeto
e se dispõe a seguir militando pelo aperfeiçoamento
e pela democratização do sistema de segurança
pública no Brasil.
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