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AP

 

SUSP Sistema Único de Segurança Pública Estados

Arquitetura institucional do SUSP

INTRODUÇÃO GERAL

Breve notícia sobre a história do projeto

Em janeiro de 2003, a Secretaria Nacional de Segurança Pública do Ministério da justiça, sob a gestão do então secretário, Dr. Luiz Eduardo Soares, passou a implantar as propostas apresentadas no Plano Nacional de Segurança Pública, que haviam sido submetidas à apreciação da sociedade brasileira, em 2001 e 2002. O Plano Nacional prevê cinco linhas de intervenção:

a) ações preventivas;

b) qualificação da formação policial;

c) modernização da gestão do conhecimento;

d) reorganização institucional;

e) valorização da perícia;

f ) valorização do controle externo para o cumprimento de sua missão constitucionaldas instituições da segurança pública, qual seja: a contenção - por meios estritamente legais e conformes aos direitos humanos- da criminalidade e da violência.

Nesse contexto, com o propósito de criar padrões mínimos de normatização e implementação do Plano Nacional referido, estabeleceu-se, em 10 de setembro de 2003, uma parceria entre o Ministério da Justiça – SENASP –, a Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (FIRJAN) e o Programa das Nações Unidas Para o Desenvolvimento (PNUD), com vistas á definição de conteúdos e orientações para uma ARQUITETURA INSTITUCIONAL DO SISTEMA ÚNICO DE SEGURANÇA PÚBLICA. O ponto de partida do trabalho foi o projeto cuidadosamente concebido pela SENASP, que procurou estrutura-lo em torno de nove eixos temáticos, a serem desenvolvidos por grupos de trabalho específicos. Os grupos de trabalho, dirigidos cada um deles por um coordenador, trataram dos seguintes eixos-temas:

a) Controle de Armas; coordenado pelo sociólogo Antonio Rangel Bandeira, do Viva Rio;

b) Controle Externo e Participação Social; coordenado pelo dr. Firmino Fecchio;

c) Estruturação e Modernização da Perícia, coordenado pela perita federal Marilia Mota;

d) Gestão da Segurança Municipal e Guardas Civis, coordenado pela profa. Miriam Guindani, da PUC-RS;

e) Sistema Penitenciário, coordenado pela dra. Julita Lemgruber, do CESEPUniversidade Cândido Mendes;

f ) Formação Policial, coordenado pelo prof. José Vicente Tavares, da UFRGS;

g) Gestão da Informação, coordenado pelo prof. Cláudio Beato, da UFMG;

h) Gestão Organizacional, coordenado pelos profs. Heitor Colliraux e Adriano Proença, da COPPE-UFRJ;

i) Prevenção do Crime e da Violência e Promoção da Segurança Pública no Brasil, coordenado pelo prof. Paulo Mesquita Neto, do Instituto São Paulo contra a Violência e do Núcleo de Estudos sobre Violência, da USP;

Os trabalhos dos cinco primeiros grupos listados foram financiados pela Federação das Indústrias do Rio de Janeiro. Além desse investimento, a - FIRJAN forneceu toda a infraestrutura material para o projeto, bem como o suporte financeiro para os deslocamentos necessários, para pesquisa e para reuniões gerais da equipe e encontros específicos dos grupos de trabalho. Graças à FIRJAN, o projeto pode contar, ainda, com a participação dos consultores internacionais Nuala O’Loan (Onbudsman da polícia da Irlanda do Norte), Spencer Chaney e Christopher Stone (Vera Institute, New York). A participação da FIRJAN denota o forte espírito público desta instituição, cuja ação extrapola a promoção dos interesses da indústria do Rio de Janeiro, por si sós legítimos, e alcança temas e preocupações de interesse público e coletivo. Em todo o decorrer do projeto, não nos faltou o apoio da FIRJAN.

Os demais quatro grupos temáticos foram financiados com a inestimável participação do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD, que, desta forma, reafirma seu tradicional compromisso com o entendimento e o tratamento prático de questões cruciais da agenda social e institucional brasileira.

A coordenação geral do projeto ficou a cargo do cientista político Renato Lessa, do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro. Do início do projeto – em setembro – até o início de janeiro, a coordenação do projeto beneficiou-se da valiosa cooperação do Ten.-Cel. PM-RJ Antonio Carlos Carballo, elo de ligação do projeto com a equipe da SENASP.

Cada um dos grupos contou, ainda, com a participação de diversos pesquisadores e consultores, todos indicados na listagem completa da equipe do projeto. Ainda que os coordenadores tenham responsabilidade pelos conteúdos aqui expressos, trata-se de um trabalho de equipe, cuja magnitude no campo dos estudos sobre a segurança pública no Brasil é, por certo, inédita. Trata-se ainda, de um trabalho executado por uma equipe multidisciplinar, na qual, estamos certos, todos aprenderam com todos. Superando a compartimentalização acadêmica a universitária dos saberes científicos, aqui cooperaram e trabalharam conjuntamente sociólogos, engenheiros, policiais federais, militares, peritos criminais, economistas, cientistas políticos, assistentes sociais; advogados; profissionais com grande experiência na gestão de instituições de segurança pública. Nossa cultura de trabalho procurou combinar a necessária especialização temática com uma forte preocupação quanto à articulação entre os resultados obtidos por cada grupo. Por esta razão, o leitor encontrará em cada relatório específico, menções a aspectos considerados pelos demais grupos temáticos. Esta orientação foi diligentemente perseguida, já que o objetivo centrar do projeto foi o de oferecer conteúdos normativos e práticos para o Sistema Único de Segurança Pública, por definição um sistema integrado e não mera justaposição de normas e práticas descoordenadas. Por esta razão, a leitura e a divulgação deste relatório devem estar atentas para o caráter temático cruzado aqui indicado.

A qualificação da equipe e sua experiência prévia foram decisivas, das os estreitos limites de tempo que dispusemos. O projeto teve início em setembro de 2003 e suas conclusões foram definidas durante o mês de março de 2004. Para que tal prazo exíguo fosse cumprido, buscou-se, sem prejuízo da fundamentação científica, acadêmica e teórica necessária, orientar os resultados para uma finalidade prática. Cada grupo realizou uma análise crítica do estado da arte em seu campo específico e, a partir daí, desenhou um conjunto de propostas. Na definição dessas últimas, tanto quanto possível, o projeto procurou distinguir as propostas pela magnitude da alteração institucional e normativa que elas ensejam e exigem. Assim, serão encontradas no relatório desde propostas que dependem de ajustes administrativos a sugestões que exigiram estratégias legislativas mais agressivas. De modo consciente buscou-se combinar uma orientação prática e pragmática com um forte espírito de mudança, exigido ademais pela trágica situação da segurança pública no país.

A seguir, o leitor encontrará uma apresentação sumária dos conteúdos produzidos por cada grupo de trabalho.

Uma apresentação inicial dos conteúdos de cada grupo de trabalho

Controle de Armas

O grupo de trabalho encarregado do tema do Controle de Armas, ao mesmo tempo em que desenvolvia suas análises e propostas, no contexto do projeto, esteve diretamente envolvido no processo de discussão e votação do Estatuto do Desarmamento, no Congresso Nacional. A finalidade principal do projeto, a de definir um conjunto de propostas com forte conteúdo prático, viu-se realizada por esta inserção do na elaboração do novo marco legal. Parte significativa de suas sugestões tomou a forma de artigos e dispositivos do Estatuto. Mas, o trabalho não se esgotou neste envolvimento. Na verdade, um conjunto de análises e propostas de políticas específicas pode ser encontrado ao longo do capítulo dedicado ao tema. O trabalho revelou alguns dados de impacto. O Brasil é o segundo produtor de armas de pequeno porte, nas Américas. A magnitude do armamento produzido está associada à contínua migração de armas, entre os circuitos legal e ilegal. Estes fatores contribuem decisivamente para o fato de que somos o país industrializado no qual mais se mata no mundo por meios de armas de fogo. A centralidade das armas de fogo pode ser detectada em estatísticas brutais: 65,3% dos homicídios no país, em 2000, ocorreram com a utilização de armas de fogo. Elas estão presentes, ainda, em 65% das mortes sofridas por jovens masculinos (15 a 29 anos), no Rio de Janeiro em 2000. O quadro em São Paulo não é melhor: em 2003, 91% dos homicídios envolveram a utilização de armas de fogo. Um dos pontos fundamentais do relatório envolveu a elaboração de um diagnóstico preciso a respeito da centralidade das armas de fogo no mapa da violência no Brasil. O diagnóstico aprofunda-se ao indicar a deficiência dos mecanismos de controle interno: a criminalidade violenta é abastecida principalmente pelo próprio mercado legal. Cerca de 80% das armas apreendidas são oriundas de comércio legalizado. Mesmo não sendo a causa originária da violência, a facilidade do acesso às armas de fogo potencializa enormemente a disseminação do crime violento.

O quadro indica, portanto, a presença de um amplo fluxo migratório de armas, da legalidade para a ilegalidade. Além desse fator, dois grandes problemas compõem o diagnóstico: o descompasso entre a política interna de controle de armas, tal como definida pela Presidência da República e pelo Ministério da Justiça e inequivocamente orientada para a construção de um sistema de controle eficaz, e a participação tímida do país nos foros internacionais que lidam com a questão.

Ainda para compor a cena nacional no que concerne a disponibilidade de armas, é importante ressaltar a inexistência de controle externo dos estoques policiais e militares (que dispõem de enormes facilidades na compra de armas particulares, compondo assim um arsenal privado quase isento de fiscalização) e a parca fiscalização efetiva das empresas de segurança privada, o que contribui para alimentar as atividades criminosas com armas de uso restrito. Não existe destruição sistemática dos excedentes de arma e os estoques institucionais dispõem de sistemas de vigilância extremamente vulneráveis.

Diante desta configuração do problema, o grupo de trabalho em controle de armas identifica a necessidade de compartilhamento das informações entre as agências de segurança e ministérios como medida primária para promover maior eficácia do controle e, assim, mapear a rota dos fluxos ilegais. O Estatuto do Desarmamento já estabeleceu significativo avanço neste sentido, quebrando o monopólio de informações do Exército sobre comercialização e importação de armas. Entretanto, ainda há o que avançar, visto que as informações sobre exportação ainda estarão exclusivamente disponíveis às Forças Armadas.

Dentre as modificações introduzidas pelo Estatuto, a ampliação de responsabilidades do Sistema Nacional de Armas, SINARM, incluiu a ativação de um completo sistema cadastral e, assim, a possibilidade de rastreamento da origem de armas e munições que  tenham sido desviadas de seus proprietários legais, o que compõe os subsídios para o mapeamento e conseqüente intervenção nos fluxos ilegais. A elaboração de um modelo integrado de informações sobre AFME (armas de fogo e munições) que não esteja confinado aos arquivos do Exército, mas disponível aos formuladores e gestores de políticas públicas na área de segurança é, sem dúvida, grande subsídio para o controle, mas ainda sujeito a fortes limitações se não prever a cooperação internacional, sobretudo com os países fronteiriços. Por isso os padrões de marcação e as legislações sobre AFME precisam estar afinados e convergir para ações comuns, fundadas nos mesmos princípios e sustentadas por código compartilhado de identificação (em construção nas Nações Unidas).

Dentre o círculo de recomendações, a modernização e o controle efetivo dos estoques de patrimônio das polícias, Exército e Judiciário é crucial para inibir o desvio destes para a ilegalidade, sobretudo para o crime organizado no país. Além disso, a regulamentação da destruição e destinação final das armas apreendidas, evitando que permaneçam ociosas, é medida crucial na tarefa de minimização da disponibilidade de AFME.

O grupo de trabalho reforça ainda a idéia de que a segurança pública, em suas diversas matrizes, não está confinada ao círculo institucional dos agentes de segurança, mas é tarefa compartilhada com a população. Sendo assim, as estratégias de sensibilização e mobilização da sociedade civil, alimentadas por pesquisas e divulgação de informação sobre AFME, devem compor o elenco de recursos dos que intervêm na formulação das políticas públicas de segurança, sejam eles membros do terceiro setor ou agentes do governo. Além disso, o grupo menciona a necessidade de ativação do Ministério Público.

Controle Externo e Participação Social

O tema da participação social e do controle do Estado – há muito suscitado pela demanda por democratização no país – foi acolhido pela Constituição de 1988. Com efeito, o texto constitucional menciona explicitamente a necessidade de mecanismos de controle e de participação em esferas cruciais, tais como a saúde e a educação pública. O espírito da Carta foi marcado pela orientação de buscar uma articulação cada vez maior entre a sociedade e o Estado.

A aproximação efetiva entre a letra constitucional e o mundo real, no entanto, não depende simplesmente da qualidade da orientação normativa intrínseca da Constituição. Um conjunto de fatores – no qual incluem-se necessariamente a ação do governo, o processo legislativo e a participação da sociedade – determina o grau de efetividade e de aplicação das normas constitucionais. Neste sentido, apesar da clara orientação constitucional para desenvolver formas de controle social do Estado, há inúmeras zonas de sombra, verdadeiros núcleos duros da organização estatal, refratários a qualquer controle real ou norma de responsabilização. O campo da segurança pública no Brasil pode ser incluído nesse universo opaco.

O trabalho realizado pelo grupo parte da discussão a respeito do significado de controle externo, tal como definido pelo Plano Nacional de Segurança Pública. Além de um papel passivo – de recebimento e classificação de queixas e denúncias –, o PNSP fala da necessidade de uma ação efetiva, no que diz respeito a controle de metas e procedimentos administrativos e da aplicação de medidas punitivas para abusos de poder. Com base nas determinações do PNSP, o grupo concentrou suas análises e propostas nos campos do Ministério Público e das Ouvidorias.

As tarefas de controle externo da polícia são constitucionalmente designadas ao Ministério Público e às ouvidorias de polícia, que não têm representação em todos os estados. Na esfera local, fóruns comunitários locais também podem exercer funções de controle através da aproximação e do diálogo com as polícias.

Quanto ao Ministério Público, não há especificação constitucional sobre o objeto de seu controle. Tampouco as legislaturas estaduais se dedicam a esta tarefa, o que implica em fortes divergências conceituais quanto ao âmbito de sua ação. Tal imprecisão normativa converge, em geral, para sua ineficácia na apuração de crimes cometidos por policiais. No entanto, sendo o titular da ação penal e sendo dotado de autonomia e autoridade na condução de investigações, trata-se do órgão que acumula maior potencial de desempenho da função de controle.

No que concerne as Ouvidorias, estas operam em cenários de grave precariedade de infra-estrutura e grandes limitações estruturais à sua atuação, tais como a dificuldade de acesso a inquéritos policiais e demais documentos que devem servir de base de trabalho.

Além disso, a indicação do Ouvidor, que muitas vezes incide sobre policiais, não necessariamente conta com participação da sociedade civil e somente em alguns casos define um tempo de mandato predeterminado. As legislações estaduais sobre controle de polícia em geral se atêm a prescrições burocráticas, carecendo de maior efetividade.

Além das barreiras institucionais ao controle externo, a dificuldade de monitoramento é ainda agravada pela inexistência de um banco de dados que articule as polícias e demais órgãos da justiça criminal em nível nacional; pela falta de padronização das formas de coleta de dados; e pela disponibilização de dados excessivamente agregados, impedindo que cada município se reconheça nas estatísticas oficiais.

Diante da precariedade das instâncias de controle disponíveis, o grupo de trabalho propõe que a Secretaria Nacional de Segurança Pública se articule ao Ministério Público, de modo a torná-lo um instrumento decisivo na implementação do Sistema Único de Segurança Pública.

Como programa normativo, a intervenção da SENASP, não deverá, entretanto, estar limitada aos esforços de inclusão do MP na tarefa de controle. Cabe também a ela o provimento das condições para exercício do controle também pelas Ouvidorias. Tais organismos devem ter acesso garantido a todas as leis orgânicas e regimentos procedimentais que digam respeito às polícias, às movimentações e escalonamento de pessoal da polícia, às informações sobre organização administrativa e atribuições de cada funcionário, bem como às informações sobre seus antecedentes funcionais e criminais. Devem também poder conhecer as estatísticas oficiais sobre inquéritos instaurados, número de policiais e civis mortos em confronto. Devem ter acesso a banco de dados sobre armas de fogo e laudos periciais minimamente padronizados e que façam constar um mínimo de informações estipuladas.

Estruturação e Modernização da Perícia

O trabalho desenvolvido pelo grupo encarregado do tema Estuturação e Modernização da Perícia teve por objetivo formular uma solução global e integrada, em níveis estadual e federal, abrangendo duas vertentes fundamentais:

a) A primeira delas inclui as áreas de criminalística, identificação e medicina legal, além dos laboratórios, em todas as suas especialidades e necessidades de recursos materiais, humanos, organizacionais, administrativos, gerenciais e financeiros;

b) A segunda considera aspectos de reorganização institucional, gestão do conhecimento, controle externo, valorização e formação, atualização e especialização profissional, prevenção, controle de armas, sistema prisional e gestão da segurança municipal, especificamente voltados para a área de perícia.

O desenvolvimento do trabalho envolveu passos muito precisos. Em primeiro lugar, o relatório expõe com clareza as bases jurídicas da atividade de perícia vigentes no país. Em seguida, procede à cuidadosa e detalhada exposição e análise do estado da arte da perícia no Brasil, destacando as seguintes dimensões fundamentais:

a) preservação de locais de crime;

b) ciclo de vida da atividade pericial;

c) recursos humanos;

d) recursos materiais;

e) infra-estrutura;

f ) planejamento na alocação de postos;

g) gerenciamento das atividades de perícia;

h) estrutura organizacional;

i) recursos financeiros.

O quadro geral revelado pela apresentação e pela análise desses itens revela que a situação da perícia no Brasil é extremamente precária. O mapeamento dos problemas envolve questões técnicas, orçamentárias e institucionais. Dentre as dificuldades enumeradas, déficit de profissionais, o nível salarial, a inexistência de cursos regulares de aperfeiçoamento e qualificação profissional e a precariedade da estrutura disponibilizada para o trabalho pericial são alarmantes. Todos esses elementos convergem para a impossibilidade de cumprimento dos prazos legais e qualidade duvidosa dos laudos expedidos.

Somam-se ainda a tais dificuldades estruturais outros obstáculos que povoam o cotidiano da atividade pericial. O desconhecimento e a desvalorização do trabalho do perito pelos próprios policiais, por exemplo, incorre no equívoco incontornável de violação das cenas de crime.

Além disso, a inexistência de uma rede de comunicação entre os órgãos de perícia dos diversos Estados e União corrobora um ethos isolacionista que reproduz uma situação de pluralidade de normas, procedimentos, metodologias e critérios de validação das técnicas utilizadas. Não havendo qualquer padronização procedimental, cada instância pericial ou, o que é ainda mais grave, cada perito é completamente autônomo para decidir sobre os itens e as metodologias que vão compor seu laudo, podendo, dessa maneira, omitir informações centrais para a resolução de um inquérito.

Quanto à estrutura organizacional das perícias oficiais, também não há qualquer regularidade. Alguns institutos estão subordinados às secretarias de segurança pública, ao próprio governador ou ainda à Polícia Civil. A mencionada desregulamentação e flexibilidade dos laudos combinada à falta de autonomia institucional e financeira da perícia deixam os peritos extremamente vulneráveis a interesses e influências exógenas alheios à sua meta profissional de isenção.

Diante deste panorama, as diretrizes delineadas pelo grupo de modernização da perícia buscam superar os principais entraves para o funcionamento de uma perícia eficiente.

Dentre elas, a “autonomia plena da perícia em termos técnicos, operacionais, administrativos, funcionais, patrimoniais e financeiros” figura como um dos tópicos centrais. Para isso, é necessário assegurar constitucionalmente, na legislação específica de cada estado, a autonomia plena da Perícia Oficial.

Além disso, informatização, coordenação e padronização da atividade pericial em nível nacional também são pensadas pelo grupo de trabalho como medidas cruciais não só para agilizar a confecção dos laudos, como também para superar o cenário de desarticulação.

Para viabilizar esta proposta, o grupo propõe a implementação de um Sistema Único de Perícia Oficial que promova a integração entre as perícias com base na idéia de regionalização das soluções complexas e de custo elevado.

Formação Policial

O trabalho executado pelo grupo encarregado do eixo Formação Policial teve por meta propor um Sistema Nacional de Educação Policial. As bases normativas desse sistema estão contidas no próprio Plano Nacional de Segurança Pública, na ênfase que este atribui  à necessidade de uma formação policial humanística, científica e altamente profissionalizada, orientada pelos preceitos da legalidade democrática e pelo respeito aos direitos humanos.

p ALIGN="LEFT">Tal orientação, de modo inevitável, parte de uma crítica forte à tradição brasileira no campo da formação dos policiais, marcada pela presença de um sistema heterogêneo, desarticulado e socialmente perverso. Mais do que superar os valores e hábitos desse sistema ineficaz, o grupo indica – na linha proposta pelo PNSP – a necessidade de integração institucional, via unificação progressiva das academias e escolas de formação policial. Integração subordinada à idéia de que a segurança pública e, por extensão, a formação policial devem estar orientadas para a proteção dos direitos constitucionais e fundamentais dos cidadãos.

A base deontológica da formação policial foi enunciada pelo grupo de trabalho por meio de um conjunto de cinco princípios de responsabilidade social de educação policial:

· Garantir uma formação com respeito à dignidade humana em toda a atividade policial;

· Eliminar a discriminação de gênero, orientação sexual, religiosa ou étnica, induzindo uma formação orientada pelo respeito à dignidade humana e às diferenças;

· Propiciar uma educação orientada por uma ética da responsabilidade social do serviço público, de modo a controlar a corrupção no interior das organizações policiais, civis e militares;

· Desenvolver uma formação orientada pela transparência e responsabilização interinstitucional e frente à sociedade civil;

· Formação que reconheça a legitimidade do controle externo das Polícias, prevista na Constituição de 1988, pelo Ministério Público, (Art. 129, VII).

A tarefa primordial para reversão do quadro atual de heterogeneidade e desarticulação é a unificação do sistema educacional das polícias. Uma vez estabelecidos e incorporados patamares procedimentais comuns, as diversas agências de controle social estarão habilitadas ao diálogo e menos sujeitas às rivalidades e disputas intra e inter institucionais. Ainda que as particularidades de cada órgão de segurança sejam garantidas, a formação única das polícias (o que inclui também as guardas municipais) poderá contribuir para uma integração coordenada que esteja pautada em parâmetros éticos e profissionais comuns.

Através das Academias Integradas, voltadas para o ensino da parte técnico-procedimental, e de convênios com Universidades Públicas, os policiais poderão ter acesso a uma formação única, que não é só fruto da integração dos currículos, mas da unificação das escolas ou academias e formação.

O preparo para o exercício da função policial da mediação de conflitos deverá ser o avesso da memorização de dogmas doutrinários e de itens da legislação. A ênfase deverá recair sobre a historicidade do direito e da própria função policial. O estímulo à reflexão conceitual deverá ser ativado em detrimento do que foi denominado pelo grupo de princípio da simplificação e redução do real, sobretudo orientado por uma lógica quantificadora.

Parte importante do relatório constrói uma crítica forte tanto dos conteúdos correntes da educação policial como dos métodos de aprendizagem empregados. A matriz curricular da formação proposta abrigará uma formação substantiva no campo das Ciências Humanas e Jurídicas – enfatizando a trajetória histórico-social das polícias e o tema das diferenças – e perspectivas comparadas de gestão e planificação integrada das instâncias de controle social. O grupo propõe um paradigma novo de capacitação em detrimento das escolas tradicionais de formação policial que desestimulam a apropriação crítica e reflexiva dos conteúdos ensinados.

A proposta de currículo apresentada estrutura-se por meio de quatro eixos temáticos – de formação geral e específica –, cada um deles composto por um conjunto de disciplinas,  cujas ementas são claramente apresentadas. Trata-se da mais abrangente e inovadora proposta de educação policial já estruturada no país, com pretensão de âmbito nacional. Mais do que sugerir e detalhar a grade disciplinar, o foco do grupo incidiu sobre a estrutura de ensino necessária para maximizar os efeitos das inovações curriculares. O grupo sugere, ainda, a criação – por meio de uma articulação do Ministério da Justiça e da SENASP com o Ministério da Educação – de uma Agência Nacional de Avaliação do Ensino Policial. E, na medida em que as atividades de ensino no nível pretendido, exigem constante atualização e interação com atividades de pesquisa, o grupo propõe a criação de um Sistema Nacional de Pesquisa, de caráter permanente, no campo da segurança pública. Passo decisivo nesta direção foi dado pela SENASP, por meio de convênio com a Associação Nacional de Pesquisa em Ciências Sociais – ANPOCS –, que por meio de amplo edital convocou os cientistas sociais brasileiros a ocuparem-se do tema da segurança pública. Este acréscimo no campo da pesquisa certamente ampliará nossa capacidade analítica e propositiva.

Gestão da Informação

Uma das proposições mais fortes do capítulo dedicado ao tema da Informação sustenta que dentre as diversas causas de crime destaca-se a nossa ignorância sobre a matéria. As bases dessa ignorância podem ser encontradas, principalmente, na precariedade, na multiplicidade e na desorganização dos sistemas de informação. A sensação de vôo cego é inevitável, tanto para analistas como para gestores de políticas de segurança e, é evidente, para os cidadãos.

Diante de tal quadro, o trabalho elaborado pelo grupo propõe a implantação de um Sistema de Indicadores Sociais de Segurança Pública (SISSP), como parte integrante e necessária do SUSP.

Sendo a informação matéria-prima do desempenho eficiente das agências de segurança publica, o grupo de gestão da informação se dedica ao aprimoramento da situação atual de desorganização e incomunicabilidade entre os diversos órgãos produtores de estatísticas na área de justiça criminal.

A imprecisão e falta de padronização dos dados disponíveis combinadas à ausência de articulação entre suas unidades produtoras convergem para um quadro de ineficiência que atende insatisfatoriamente às demandas por segurança da população. Em geral, a montagem de sistemas estatísticos se dá conforme as necessidades imediatas de cada órgão gestor. Isto contribui para a proliferação de estatísticas que dificilmente, ou sob risco de forte imprecisão, poderão ser utilizadas para outros fins que não aqueles que motivaram sua produção. Ou seja, estatísticas que, padecendo do mal da falta de padronização, permanecem confinadas a um uso muito restrito, sendo dificilmente incorporáveis a mapas mais amplos.

Uma proposta de sistema de informação eficiente para o caso brasileiro deve reconhecer não só os vícios correntes na coleta e tratamento dos dados (e buscar corrigi-los), como também a especificidade da formação institucional do país. Uma estrutura governamental federada como a nossa está em desvantagem com relação a países como França e Inglaterra na construção de um sistema nacional de estatísticas. A profusão de atores locais com grande carga de autonomia tende a prejudicar a produção de um sistema articulado de informação. Esta é, portanto, uma das dificuldades centrais a ser enfrentada pelo planejamento de um sistema de informação que integre, em nível nacional, não só agências de segurança, mas também instâncias administrativas que forneçam informação sobre vitimização e situação de presidiários ou criminosos procurados (hospitais e presídios, por exemplo).

Para pensar o impacto do federalismo na projeção de um sistema de abrangência nacional, o grupo de trabalho observa a experiência americana também no monitoramento integrado da área de segurança e a implementação, no Brasil, do Sistema Único de Saúde. Em ambos os casos, as dificuldades encontradas foram basicamente as mesmas.

O princípio fundamental do sistema proposto pelo grupo é o de alimentação ascendente. Ou seja, município e estado alimentam a federação. A inclusão do nível local é fundamental para que as informações possam ser acessadas na forma menos agregada possível, de forma que cada um possa reconhecer sua localidade no mapa mais geral. Outra característica importante do Sistema Único de Segurança Pública é que sua composição inclua tanto os registros administrativos de agências do Estado como os surveys populacionais. Dessa forma, a informação conhecida não será apenas aquela produzida pelas agências de justiça criminal e sujeita às distorções de registro. A combinação dos dois métodos produzirá maior garantia de accountability.

A cooperação vertical e horizontal (inter e intraníveis municipal, estadual e federal) norteada por políticas comuns de coleta, integração e divulgação da informação deverá ser a base do sistema proposto. O cumprimento à risca desses procedimentos permitirá melhores bases para decisões acerca da alocação de recursos e formulação de políticas públicas.

Partilhando de uma concepção de segurança não restrita ao dado da criminalidade, mas atenta às causalidades específicas em cada ambiente social, o grupo prevê a incorporação de indicadores sociais (o que significa a interface com outros sistemas de administração publica) e informações sobre criminosos. A gestão compartilhada do conhecimento na área de segurança, ao promover uma cultura de troca e resolução coletiva de situações problema, pode significar um movimento de assimilação de novo ethos profissional, menos comprometido com a prática corrente de compartimentalização do conhecimento.

O grupo de trabalho em gestão da informação prevê, enfim, a formulação de um sistema nacional geocodificado, atento não só à ocorrência criminal, mas também à avaliação de suas causalidades através do monitoramento de organizações e instituições que possam estar influindo de maneira positiva ou negativa no controle da criminalidade. A unidade municipal deverá ser a principal fonte de alimentação desse sistema.

Gestão da Segurança Municipal e Guardas Civis

O diagnóstico do grupo de Gestão Municipal sobre a atuação dos municípios na prevenção local da criminalidade aponta para um panorama essencialmente fragmentado e carente de unidade normativa. A diversidade de modelos possíveis e a inexistência de

qualquer organismo regulador convergem para um ambiente de forte heterogeneidade. O não compartilhamento de modelos de gestão e a inexistência de uma linguagem comum de armazenamento das informações compõem grave obstáculo à comunicação entre os municípios e entre estes e as unidades federativas. A Constituição de 88 previu a criação das Guardas Municipais, mas não instituiu elementos para uma padronização nacional mínima que contemplasse a incorporação efetiva dos municípios no paradigma emergente de descentralização das políticas de segurança pública. A situação atual da segurança municipal padece, enfim, da sua desregulamentação originária.

Além disso, a disponibilização, pelos estados ou pela União, de estatísticas indistintamente referidas às unidades federativas – e não desagregadas, portanto, ao nível dos municípios – impede a formulação de estratégias locais. O município, em geral, não se reconhece nas estatísticas oficiais e isto constitui um sério entrave ao intuito de municipalização do tema da segurança pública.

Diante desse quadro, o grupo propõe a formulação de um modelo de gestão integrado que inclua os três níveis da administração pública: município, estado e federação. A atribuição das respectivas competências deverá compor a agenda da Secretaria Nacional de Segurança Pública, de onde partirá a unificação operacional e também a padronização de parâmetros de conduta dos agentes de força. Segundo o Plano Nacional de Segurança Pública, a habilitação dos municípios para lidar com a segurança pública deve estar pautada numa perspectiva sobretudo preventiva. Os agentes de segurança municipal – movidos  pelo princípio da mediação de conflitos – deverão identificar os focos potenciais de criminalidade e buscar coibir sua tendência à incursão criminal. A partir de estratégias de ação integrada com outros órgãos da justiça criminal, a estratégia municipal de segurança pública deverá incidir, preventivamente, sobre os focos potenciais de produção de criminalidade.

Embora esta guinada para a inclusão ativa dos municípios não dependa de alteração legislativa, pois em si nada tem de inconstitucional, seria potencializada por medida legislativa que regulamentasse a competência municipal no trato com a segurança. O estado de coisas desejado aponta, portanto, para a vitalização dos municípios e articulação destes com as outras unidades administrativas e órgãos da Justiça Criminal. A criação de um banco de dados com acompanhamento espaço-temporal da evolução dos índices criminais, e portanto, com disponibilização fragmentada da informação, poderia abrigar uma rede de agentes da segurança fortemente interligada e identificável em suas menores partes.

Além da necessidade de organização das estruturas e atribuição de competências, a máxima participação da sociedade civil também é um dos protagonistas desta forma de gestão proposta. Um dos objetivos centrais da municipalização é justamente o de estreitar os vínculos com a população local e tornar o policial mais próximo do cidadão. Para isso, a formação de gestores comunicativos, criativos e aptos a diagnosticar e planejar ações de inserção local é fundamental para o sucesso da gestão centrada no município. O espaço institucional para este intercâmbio deverá ser garantido pela lei. A sugestão do grupo de trabalho é que os Conselhos Municipais de Segurança Pública e Cidadania devam constar nas respectivas Leis Orgânicas Municipais e assim acompanhar e intervir nas deliberações orçamentárias e de procedimento policial.

Cabe destacar, ainda, no trabalho efetuado pelo grupo a importância do material apresentado em anexo. Ele contem uma importante análise da experiência internacional, bem como um mapa dos municípios brasileiros, no que diz respeito ao seu grau de organização e de institucionalização de conselhos municipais. Apesar de destacado do corpo principal do texto, o conteúdo do anexo é fundamental para avaliar o alcance da proposta no campo da gestão da segurança muncipal.

Prevenção do Crime e da Violência e Promoção da Segurança Pública no Brasil

Justificativa do tamanho. Parte I contém, de modo condensado, o conjunto do trabalho.

Importância do anexo

O acirramento da criminalidade violenta nas ultimas décadas produziu, a partir dos anos 80, a demanda por penas duras e o aumento dos serviços de segurança militarizada. O pressuposto compartilhado é militarizante; aposta na disponibilidade de armas, munições e viaturas policiais como estratégia de solução para o tema do crime.

Diante desse quadro, a questão da prevenção, tal qual é concebida pelo grupo de trabalho dedicado a este tema, foge a esta lógica estritamente repressora e aposta em mecanismos de mediação e diálogo com a população. O esforço do grupo vai justamente de encontro às soluções que concentram no conflito militarizado as expectativas de minimização da criminalidade, sobretudo da criminalidade violenta.

Com esta perspectiva, a investigação do grupo se concentrou em iniciativas, programas e ações de prevenção que, embora tenham eficácia limitada, vislumbram a interlocução com a população local e rejeitam a solução estritamente repressora. O pequeno alcance destes programas, segundo o grupo, tem a ver com a fragilidade da informação e a falta de planejamento integrado, denotando forte insipiência das políticas de prevenção do crime e da violência no país.

A preocupação em conferir maior unidade às metodologias dos programas de intervenção não significa, entretanto, a desconsideração das particularidades de cada

ambiente social. Muito pelo contrário, a flexibilidade é requisito essencial. Com base numa perspectiva de intervenção multi setorial, profissionais especializados atuarão nas suas respectivas áreas, contribuindo para uma abordagem ampla do problema da criminalidade.

A implementação bem sucedida de programas de prevenção estará vinculada a duas condições essenciais. A primeira delas é a criação de uma base de dados com abrangência nacional acessível a órgãos do governo e sociedade civil e a segunda é a formação de profissionais capazes de interpretar essas informações, planejar, monitorar e avaliar projetos em vigência.

Para driblar as limitações da estrutura federalista, o grupo sugere que o governo federal condicione a alocação de recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública a apresentação, por estados e municípios, de informações sobre crime, violência e programas de prevenção em suas respectivas circunscrições. Além disso, a concessão de recursos deverá estar atrelada à adesão estadual e municipal a unidades integradas de gestão de segurança pública, elaboração e gestão de projetos de prevenção e formação de profissionais qualificados, sempre segundo os parâmetros definidos pelo Plano Nacional de Segurança Pública.

Embora não existam fórmulas rígidas para o tema da prevenção, sendo os projetos nessa área essencialmente vinculados às características locais da região a que se aplicam, alguns programas podem ser apontados como modelares por terem tido bastante êxito na reversão de quadros de criminalidade acirrada.

Os programas concentrados na família, por exemplo, podem, em prazos maiores, reduzir a incidência de violência doméstica. Nas escolas e nos ambientes de trabalho a ação preventiva também poderá minimizar as situações de confronto violento. No âmbito das comunidades, os programas de prevenção situacional tendem a reduzir o impacto da vitimização.

O grupo também aponta a mídia como importante ferramenta. Dependendo do seu uso, pode incentivar ou inibir a criminalidade. O objetivo é atentar para o seu potencial favorável à idéia da prevenção. Há ainda que considerar a importância de concentrar o foco preventivo no próprio aparato policial, especialmente propenso à incursão criminal dada não só a disponibilidade da arma, mas também uma cultura corporativa extremamente violenta. Os programas de prevenção voltados para a policia devem oferecer assistência psicológica e treinamento para lidar com momentos de enfrentamento e situações criminais específicas, como a violência doméstica.

O grupo destaca ainda os programas centrados na área da Justiça. Alem de incluir a população presidiária, esses programas lidam com vítimas da criminalidade, adolescentes em situação de conflito com a lei, dentre outros. Por fim, o grupo destaca a prevenção na área da saúde, sobretudo voltada para crianças e adolescentes em situação de risco e para consumidores de álcool e drogas ilícitas.

O trabalho do grupo, a mais exaustiva pesquisa sobre o tema da prevenção no Brasil, acrescenta em seus anexos o questionário aplicado aos programas de prevenção e uma inestimável descrição de todos eles, destacando o problema que pretendem tratar, seus objetivos, suas ações estratégicas, sua estrutura de coordenação e de parcerias, seu orçamento e seus resultados e indicadores, além de informação para contato. O mapa da prevenção no Brasil está, portanto, disponível.

Sistema Penitenciário

O Sistema Penitenciário brasileiro passou a abrigar, nos últimos dez anos, o dobro do número de presos que abrigava. Apesar do empenho dos governos estaduais em aumentar seus espaços de carceragem para absorver o fluxo crescente, o déficit de vagas ainda é  alarmante. Devido à falta de espaço nos presídios, quase 25% dos presos no país estão encarcerados nas delegacias de polícia. A entrada de presos é infinitamente superior à saída dos cárceres. E isto não significa que os índices de criminalidade tenham acompanhado este crescimento no encarceramento. Muito pelo contrário, não parece haver qualquer correlação entre ambos, o que revela a adesão da justiça criminal à lógica da repressão máxima e à conseqüente descrença nas penas alternativas e não privativas de liberdade.

Dos condenados no país, 75% cumprem pena em regime fechado, o que não é condizente com a gravidade dos crimes cometidos.

A condição degradante decorrente do confinamento de presos em espaço insuficiente e inadequado é ainda agravada pelo despreparo dos agentes carcerários e profissionais de assistência que trabalham nos presídios. À falta de formação especializada somam-se a baixa remuneração, a inexistência de planos de cargos e salários, as péssimas condições de trabalho e a exposição permanente a situações de risco.

A tais profissionais cabe a organização do ambiente carcerário. Segundo dados levantados pelo grupo de trabalho, tal função organizativa, em 25% dos estados brasileiros, não obedece a qualquer regulamento penitenciário, estando as funções de rotina do presídio relegadas ao arbítrio dos agentes.

Dentre a população carcerária, 70% não completaram a instrução primária e apenas 17% estão envolvidos em alguma atividade educacional no interior dos presídios. Quanto à disponibilidade de postos de trabalho, também está muito longe de atender à demanda.

Apenas 26% dos presos trabalham e com isso conseguem redução da pena. Neste ambiente repleto de focos de conflito e muitas vezes carente de qualquer regulamentação procedimental, a invisibilidade social compõe mais um elemento de agravo.

Pouco se sabe realmente sobre o que acontece nas prisões. Os órgãos de controle externo são praticamente inexistentes e submetidos a uma série de restrições às ações de monitoramento e fiscalização.

Além destes temas, o relatório do grupo também trata da especificidade do encarceramento feminino, do tema do egresso penitenciário e dos programas, já em pleno vigor, de terceirização dos presídios.

Diante deste panorama do sistema penitenciário, o grupo de trabalho enumera soluções de cunho mais imediato, que não implicam em alteração constitucional, e outras que exigem modificação na legislação, como a regulamentação das competências específicas da área de segurança penitenciária. Dentre as propostas de realização no curto prazo, a articulação do CNPCP e do DEPEN com os conselhos profissionais de enfermagem, serviço social, psicologia, direito, dentre outros, pode garantir melhor prestação de serviço e condições de trabalho no interior dos presídios. A ativação e até mesmo a criação de organismos de controle externo também não implica em qualquer alteração constitucional e significa maior visibilidade ao cotidiano da carceragem, elemento central para a melhoria das condições de vida neste ambiente.

Na execução de seu trabalho, o grupo constatou o estado precário e incompleto das informações a respeito do sistema presidiário no país. Na ausência de um censo penitenciário atualizado e tecnicamente confiável, o grupo organizou um exaustivo questionário, que foi remetido aos estados da federação. O que resulta é um retrato claro e atual do estado da arte no campo carcerário. O volume de dados coligidos e organizados já seria suficiente para justificar o trabalho executado pelo grupo. Nos anexos desse relatório, o leitor encontrará informações inestimáveis sobre o sistema penitenciário, bem como uma rigorosa análise de quadros e tabelas, seguida de levantamento exaustivo das normas e regulações carcerárias praticadas por alguns estados da federação.

Ênfase Final

O trabalho realizado, embora em tempo curto e altamente concentrado, é um marco na discussão sobre segurança pública no país. Pela primeira vez no Brasil, por inciativa de uma agência estratégica do Estado brasileiro, apoiada por uma importante organização empresarial brasileira e por um programa internacional de fomento ao desenvolvimento, um grupo de especialistas foi convocado a por seu trabalho e competências específicas a serviço de um projeto voltado para estabelecer os marcos da política de segurança em tempos democráticos. Nesse sentido, o sucesso desse esforço está diretamente associado às possibilidades de implementação, com correções e acréscimos que além de possíveis são desejáveis. Diante do elenco de temas e propostas é inevitável a indagação a respeito do que no projeto é realmente prioritário. A única resposta genuína seria: tudo. É evidente que, porm razões práticas, a implementação pode implicar em alguma escolha com relação a por onde começar. Mas isto não oblitera o fato de que o projeto teve como idéia força a interdependência de todos os seus componentes temáticos. A crise da segurança pública no Brasil vem acompanhada da percepção de que a demanda por segurança é um direito fundamental de cidadania. Em tempos não tão remotos, as idéias de ordem e segurança evocavam sensações negativas. Hoje sabemos que as ditaduras, mesmo quando obcecadas pela disciplina, são promotoras de desordem e de insegurança. Em um contexto democrático, ordem e segurança são bens públicos e tornase fundamental redefinir o papel das agências estatais que cuidam da segurança pública.

Os desafios presentes são imensos, mas as condições gerais para uma reforma e reconstrução do sistema brasileiro de segurança pública nunca foram tão favoráveis. A principal condição favorável resulta do próprio agravamento do quadro da segurança pública no país. Diante da desorientação generalizada, emerge uma consciência de que o tema da segurança pública é item de uma agenda de Estado, e não deve ficar subordinada aos espasmos governamentais, cativos do ciclo eleitoral. Diferentes forças da sociedade, mais do que pressionar os governos – em seus diferentes níveis – para obter resultados imediatos, voltam-se cada vez mais para a busca de soluções institucionais permanentes. É verdade que tal processo mal se inicia, mas sabemos que a qualidade de uma política depende em grande medida da qualidade e da intensidade da demanda social.

Em 2002 o país vivenciou a mais importante eleição de sua história, um verdadeiro desaguadouro de décadas de expectativas e de projetos de reforma social. A legitimidade deste governo para promover alterações inéditas no campo social e institucional não pode ser desprezada. É fundamental que as propostas aqui delineadas sejam consideradas pela SENASP. Desde já estamos certos de que o serão. É vital envolver o Legislativo no aperfeiçoamento dos instrumentos legais que darão consistência ao SUSP. Da mesma forma, as dificuldades inerentes do federalismo devem ser contornadas pela convocação dos governadores e prefeitos a esse novo marco civilizatório no tratamento do tema da segurança pública.

O país já conta hoje com expressivo número de profissionais e instituições capacitadas para contribuir na concepção, gestão e avaliação dos sistemas de segurança. Parte deles esteve vinculada a este projeto e se dispõe a seguir militando pelo aperfeiçoamento e pela democratização do sistema de segurança pública no Brasil.

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AP

 
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