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AP

 

SUSP Sistema Único de Segurança Pública Estados

Arquitetura institucional do SUSP

CAPÍTULO 7

Prevenção do Crime e da Violência e Promoção da Segurança Pública no Brasil

1. Apresentação

No ano 2000, 45.919 pessoas morreram vítimas de homicídio doloso no Brasil – o que representa uma taxa de 27 mortes por homicídio para cada 100 mil habitantes (Waiselfisz 2002). Segundo dados da Organização Mundial da Saúde, para um conjunto de 74 países, o Brasil é o país que registra a terceira maior taxa de mortalidade por homicídio. Apenas a Colômbia (61,6/100.000) e El Salvador (55,6/100.000) têm taxas superiores à taxa do Brasil (Krug et al 2002).

São 125 mortes decorrentes de homicídio por dia, que representam apenas a ponta mais visível e mais dramática de um problema grave na área da segurança pública que afeta a vida de milhões de indivíduos e milhares de comunidades em todo o Brasil. Crianças são vítimas da violência de seus pais. Idosos são vítimas da violência de seus filhos. Parceiros íntimos são vítimas da violência de seus companheiros. Homens e mulheres são vítimas da violência de seus amigos, colegas ou conhecidos. Jovens e adultos são vítimas de crimes comuns e de crimes praticadas por pistoleiros, justiceiros, membros de gangues, e de grupos ou organizações criminosas, freqüentemente envolvendo agentes públicos.

Nos grandes centros urbanos, o problema é agravado pela presença do crime organizado, tráfico de drogas e comércio ilegal de armas, fazendo com que o número de mortes por homicídio por 100 mil habitantes chegasse, no ano 2000, a 56,5 na Cidade do Rio de Janeiro, 64,8 na Cidade de São Paulo e 95,8 em Recife (Waiselfisz 2002). Além do problema humano e social, o crime e a violência representam um grave problema econômico. O custo do crime e da violência, incluindo, entre outras, despesas com saúde, segurança e justiça, perdas patrimoniais e perdas intangíveis, é estimado em 10,5% do produto interno bruto (Londoño e Guerrero 1999; Ayres 1998). Com o aumento da insegurança e do medo do crime e da violência nas décadas de 1980 e 1990, cresceram as demandas por penas mais duras, mais prisões, mais policiais, mais poderes, mais armas e mais equipamentos para as polícias. À medida que investimentos nesta direção não produziram os efeitos esperados na redução do crime e da violência e na melhoria da segurança pública, cresceram, a cada tragédia divulgada pela mídia, as demandas pela pena de morte, prisão perpétua e redução da maioridade penal, medidas que, além de ineficazes, contrariam a Constituição Federal e tratados internacionais assinados pelo Brasil. Cresceu também a demanda por serviços de segurança privada, que beneficiam principalmente a minoria da população que pode pagar por estes serviços e que, ao invés de complementar ou suplementar a atuação dos serviços de segurança pública, freqüentemente crescem empregando ilegalmente policiais e guardas municipais e contribuem assim para enfraquecer os serviços de segurança pública e agravar o problema da insegurança, do crime e da violência.

Na década de 1990, começou também a crescer a demanda por políticas e programas de prevenção do crime e da violência e melhoria da segurança pública. As instituições atuantes na área da segurança pública, da justiça criminal e da administração penitenciária têm um papel fundamental na prevenção do crime e da violência. Mas esta prevenção exige que se reoriente a atuação destas instituições, a fim de melhor compatibilizar o objetivo de identificar, prender, processar, julgar e punir os responsáveis pela prática de crimes e violências e o objetivo de reduzir a incidência e o impacto de crimes e violências na sociedade.

Exige ainda a articulação destas instituições às organizações do governo e da sociedade atuando na área econômica, social e cultural, inclusive com as organizações que atuam na área da segurança privada, visando à formulação, implementação, monitoramento e avaliação de políticas e programas de prevenção do crime e da violência.

Objetivos

O Relatório sobre Prevenção do Crime e da Violência e Promoção da Segurança Pública atende a uma solicitação da Secretaria Nacional de Segurança Pública, no âmbito do projeto “Arquitetura Institucional do Sistema Único de Segurança Pública”, desenvolvido com apoio do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) e da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan).

Em 2003, o Governo Federal adotou o Projeto Segurança Pública para o Brasil, elaborado originalmente pelo Instituto da Cidadania, como Plano Nacional de Segurança Pública. Inspirado na experiência do Sistema Único de Saúde (SUS), o Projeto Segurança Pública para o Brasil prevê – com a promoção do Ministério da Justiça, através da Secretaria Nacional de Segurança Pública – a construção do Sistema Único de Segurança Pública (Susp), a partir da integração das ações federais, estaduais e municipais na área da segurança pública, da constituição de gabinetes integrados de gestão da segurança pública nos estados e do desenvolvimento de planos estaduais e municipais de segurança pública. Visando a definir princípios, diretrizes e prioridades para a construção do Sistema Único de Segurança Pública, a Secretaria Nacional de Segurança Pública lançou o Projeto Arquitetura Institucional do Sistema Único de Segurança Pública e constituiu grupos de trabalho para apresentar propostas de ação em nove áreas estratégicas:

· Modernização da gestão das instituições de justiça criminal;

· Capacitação em gestão integrada da segurança pública;

· Bases nacionais de informação de Justiça Criminal;

· Gestão da prevenção em segurança pública;

· Controle e participação social na gestão das polícias;

· Aprimoramento dos serviços de polícia técnica;

· Controle de arma de fogo;

· Gestão municipal da segurança pública;

· Gestão do sistema penitenciário.

O grupo de trabalho de gestão da prevenção em segurança púbica é um grupo multidisciplinar, formado por profissionais com especialização em Ciências Sociais, Direito e Saúde Pública, atuando em centros de pesquisa e organizações da sociedade civil, visando a orientar, integrar e fortalecer as ações do governo e da sociedade na área da prevenção do crime e da violência e da melhoria da segurança pública.

O principal objetivo do grupo de trabalho de gestão da prevenção em segurança pública foi definir princípios, diretrizes e prioridades para o desenvolvimento de políticas e programas de prevenção do crime e da violência no âmbito do Sistema Único de Segurança Pública (Susp), visando a orientar, integrar e fortalecer as ações federais, estaduais e municipais nesta área crucial para a estruturação do Susp: a redução do crime e da violência e a melhoria da segurança pública no país.

Não se trata de aprofundar o estudo dos diversos tipos de crime e violência, de suas manifestações, causas e impactos, em diferentes regiões e estados do país. Os membros da equipe de trabalho consideram que estudos e pesquisas deste tipo precisam ser realizados regularmente, por acadêmicos e profissionais, atuando em organizações governamentais e não governamentais, sempre que possível com o apoio da universidade e do governo.

Devem, no entanto, subsidiar e orientar o desenvolvimento de políticas e programas de prevenção do crime e da violência, na esfera federal, estadual e municipal. Entretanto, neste relatório, o grupo de trabalho procurou focalizar as políticas e programas de prevenção do crime e da violência em desenvolvimento no Brasil e no Exterior.

Nesse sentido, o relatório procura identificar os princípios, diretrizes e prioridades que, de maneira geral, têm influenciado o desenvolvimento destas políticas e programas,  particularmente aqueles capazes de demonstrar resultados, bem como estratégias para sua promoção, consolidação e aperfeiçoamento no Brasil.

É importante ressaltar, desde o começo, que o grupo de trabalho procurou apresentar no relatório os resultados de avaliações dos programas de prevenção, quando disponíveis, sem, no entanto, julgá-los. No caso de programas desenvolvidos em outros países, o grupo não examinou a possibilidade e a conveniência de seu desenvolvimento no Brasil. As recomendações contidas no relatório dizem respeito, portanto, aos princípios, diretrizes e prioridades que devem orientar o desenvolvimento de políticas e programas e não a tipos específicos de políticas e programas de prevenção do crime e da violência.

Metodologia

O relatório foi elaborado a partir de levantamento da bibliografia nacional e internacional sobre a prevenção do crime e da violência, e levantamento de informações sobre programas de prevenção do crime e da violência desenvolvidos no Brasil. Os principais livros, artigos e relatórios consultados, bem como os principais websites utilizados no levantamento da bibliografia, são apresentados nas seções 8-9. Entre os estudos consultados, destacam-se, pela sua abrangência e qualidade: a) Sherman, Lawrence W., et al, Preventing Crime: what works, what doesn’t, what’s promising (Washington, DC: National Institute of Justice, 1998); b) Nuttall, C., Goldblatt, P. e Lewis, C., Reducing Offending: an assessment of research on ways of dealing with offending behavior (London: Home Office, 1998); c) Krug, Etienne G. et al., World Report on Violence and Health Geneve: World Health Organization, 2002).

Entre os documentos produzidos no Brasil, destacam-se, pela sua importância no desenvolvimento de uma política nacional de prevenção do crime e da violência:

a) Ministério da Justiça, Secretaria Nacional de Segurança Pública, Plano Nacional de Segurança Pública (Brasília, DF: Ministério da Justiça, Secretaria Nacional de Segurança Pública, 2001);

b) Ministério da Saúde, Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e Violências (Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2001); e c) Instituto da Cidadania, Projeto Segurança Pública para o Brasil (São Paulo: Instituto da Cidadania, 2002).

Informações básicas sobre um conjunto de programas de prevenção da violência e do crime em desenvolvimento no Brasil foram sintetizadas em fichas técnicas de cada programa e apresentadas na seção 7. As fichas técnicas contêm informações básicas de 109 programas, desenvolvidos em 15 estados e no Distrito Federal, com ações nas áreas da família, educação, trabalho, mídia, comunidade, polícia, justiça e saúde.

O conjunto de programas apresentados no relatório inclui aqueles sob a responsabilidade de organizações governamentais e programas sob a responsabilidade de organizações da sociedade civil. A maioria dos programas é resultado de parcerias entre governo e sociedade civil. Alguns são desenvolvidos exclusivamente em uma localidade, enquanto outros em diversos locais, segundo um modelo ou padrão adaptado às condições de cada localidade. Da mesma forma, existem programas centrados em um único tipo de ação, direcionada a um único tipo de fator de risco ou de proteção que afeta a incidência e o impacto do crime e da violência. Outros programas são compreensivos, integrando diversos tipos de ações direcionadas a diversos fatores de risco e de proteção. Alguns programas têm a prevenção do crime e da violência como objetivo. Outros atuam sobre fatores de risco e de proteção que afetam a incidência e o impacto do crime e da violência. Não é uma amostra “representativa” dos programas em desenvolvimento no país, nem uma amostra de programas “bem-sucedidos”. Um dos principais problemas constatados na maioria dos programas apresentados é justamente a ausência de indicadores de resultados e de instrumentos de monitoramento e avaliação dos resultados obtidos. O conjunto de programas apresentados é uma amostra preliminar de programas em  desenvolvimento no país, possível de ser identificada no curto espaço de tempo disponível para realização do relatório, que serve de base para uma análise/diagnóstico preliminar da situação da prevenção do crime e da violência no Brasil – e que pode servir de base para pesquisas mais aprofundadas sobre o assunto.

Para o levantamento de informações sobre os programas de prevenção do crime e da violência, foi realizado um mapeamento de programas em funcionamento no país nos últimos três anos. A base inicial para esse mapeamento foram programas conhecidos dos integrantes do grupo de trabalho, como o banco de projetos de prevenção da violência do Fórum Metropolitano de Segurança Pública na Região Metropolitana de São Paulo, os bancos de dados do Programa Gestão Pública e Cidadania da Fundação Getulio Vargas e do Prêmio Socioeducando, e a pesquisa “Cultivando Vida, Desarmando Violências” realizada em 2001pela Unesco no Brasil.

O grupo de trabalho solicitou a colaboração dos responsáveis por aproximadamente cento e cinqüenta programas. Desse contingente, por volta de noventa programas puderam colaborar. Para o levantamento das informações, foi elaborado um questionário semiaberto,apresentado na seção 7, com base em dois questionários preparados pela Organização Mundial da Saúde para a documentação de programas de prevenção da violência interpessoal. Parte dos questionários foi respondida diretamente pelos responsáveis pelos próprios programas e enviada por e-mail para o grupo de trabalho. A outra parte foi respondida por meio de entrevistas presenciais. Um pequeno número de programas foi visitado por integrantes do grupo de trabalho.

As informações levantadas nos questionários, complementadas com informações disponíveis em documentos sobre os programas, serviram de base para elaboração de fichas técnicas, segundo modelo desenvolvido pelo grupo de trabalho, apresentando as informações básicas sobre os programas pesquisados. Parte das fichas técnicas foi elaborada pelo grupo de trabalho, apenas com base em informações disponíveis em documentos sobre o programa.

Nos primeiros itens da ficha técnica, além do nome do programa e das localidades em que foi implementado, destaca-se a data em que se iniciou sua implementação oficialmente e, conforme o caso, a data de término de sua execução. No primeiro tópico (Problema), estão descritos os fatores ou as situações que motivaram o desenvolvimento do projeto. No segundo (Objetivos), descreve-se o objetivo geral e, eventualmente, os objetivos específicos visados. No tópico Ações Estratégicas, descrevem-se em linhas gerais quais seriam as principais atividades desenvolvidas para a realização da proposta. No quarto tópico (Coordenadores e Parceiros), destacam-se as instituições envolvidas diretamente em sua execução. No quinto (Orçamento/Recursos), detalha-se o custo para sua implementação e a fonte desses recursos. Em Resultados e Indicadores são descritas informações sobre o número de beneficiários e sobre os resultados destacados pelas equipes que responderam aos questionários. Finalmente, em Contato, indica-se o nome de um integrante da equipe responsável pelo programa além de seu endereço e telefone.

Estrutura do Relatório

A partir do levantamento da bibliografia nacional e internacional e de informações sobre programas de prevenção do crime e da violência no Brasil, o grupo apresenta uma análise/diagnóstico da situação do crime e da violência no país, focalizando principalmente o caso dos homicídios, das respostas do governo e da sociedade ao problema, e as iniciativas, programas e ações na área da prevenção do crime e da violência. Este diagnóstico é apresentado na seção 2.

Na seção 3, o relatório apresenta um panorama da prevenção do crime e da violência na sociedade contemporânea, que embasa o desenvolvimento de políticas de prevenção na área da saúde e da segurança pública em diversos países e que poderia servir de base para o  desenvolvimento de políticas de prevenção do crime e da violência e melhoria da segurança pública no âmbito do Sistema Único de Segurança Pública.

Na seção 4, o relatório analisa as características básicas de programas e ações de prevenção do crime e da violência em desenvolvimento no país e no exterior, em oito áreas: família; escola; trabalho; mídia; comunidade; polícia; justiça; e saúde.

Na seção 5, o relatório identifica práticas que, de acordo com estudos e pesquisas existentes, contribuem para o sucesso de políticas e programas de prevenção do crime e da violência, enfatizando a importância de um processo contínuo, aberto, transparente e participativo, de formulação, implementação, monitoramento e avaliação destas políticas e programas.

Na seção 6, o relatório apresenta propostas para o desenvolvimento de políticas de prevenção do crime e da violência e de promoção da segurança pública, nos âmbitos federal, estadual e municipal. O relatório focaliza e procura definir o papel da União, dos Estados e dos Municípios na área da prevenção do crime e da violência, focalizando estratégias de apoio político, econômico e técnico para incentivar programas e ações de prevenção do crime e da violência e promoção da segurança pública.

Na seção 7, o relatório apresenta fichas técnicas com informações resumidas sobre programas de prevenção do crime e da violência no Brasil. Apresenta também o questionário para levantamento de informações sobre programas de prevenção, que serviram de base para elaboração das fichas técnicas. Nas seções 8-9, o relatório apresenta referências bibliográficas e web-sites com informações sobre a prevenção do crime e da violência. O principal objetivo da apresentação de fichas técnicas de programas de prevenção, referências bibliográficas e web-sites é oferecer fontes de informações para pesquisadores e profissionais interessados no tema da prevenção do crime e da violência. A seção 10 traz um glossário, apresentando os principais conceitos utilizados no relatório.

Originalmente previsto para ser elaborado no período de quatro meses, o relatório foi elaborado em seis meses, sendo parcialmente interrompido no período de mudança na direção da Secretaria Nacional da Segurança Pública, entre o final de 2003 e o início de 2004. Apesar de todas as limitações inerentes a um trabalho desta magnitude realizado em período de tempo tão curto, os membros do grupo de trabalho esperam que organizações governamentais e da sociedade civil possam usar o relatório para promover ações federais, estaduais e municipais visando a desenvolver políticas e programas de prevenção do crime e da violência e melhoria da segurança pública no Brasil.

Síntese das Conclusões e Propostas

Há diversas iniciativas, programas e ações de prevenção do crime e da violência em desenvolvimento, em muitos estados brasileiros, mas estas iniciativas têm alcance e impacto limitado e, até o momento, não foram capazes de conter e reverter a tendência de aumento do crime e da violência no país.2 Em parte, as limitações destas iniciativas devem-se ao fato da ausência ou fragilidade de políticas de prevenção do crime e da violência, incapazes de integrar e sustentar programas e ações em diferentes esferas e áreas do governo e da sociedade, direcionados a diversos fatores de risco e de proteção que afetam a incidência e o impacto do crime e da violência.

As limitações dos programas de prevenção do crime e da violência em desenvolvimento no Brasil devem-se também à presença de problemas de concepção e de gestão dos próprios programas. São problemas relacionados, em primeiro lugar, à falta de integração de ações em diversas esferas do governo e da sociedade. E, em segundo lugar, à falta de informações e dados sobre a incidência de crimes e violências, e sobre os fatores de risco e de proteção que afetam a incidência de crimes e violências, bem como à falta de instrumentos adequados para monitorar e avaliar a implementação e os resultados dos programas de prevenção. O desenvolvimento de políticas e programas de prevenção do crime e da violência no país é dificultado pela predominância de uma concepção de prevenção na área da segurança pública segundo a qual a prevenção seria uma responsabilidade das organizações atuando na área econômica, social e cultural. Não seria uma responsabilidade das organizações atuando nas áreas da segurança pública, justiça criminal e administração penitenciária, às quais caberia principalmente a aplicação da lei, mais especificamente a identificação, detenção, persecução, julgamento e punição dos responsáveis pela prática de crimes.

Esta concepção está apoiada na idéia de que as ações de prevenção se caracterizariam principalmente pela natureza da ação e, mais especificamente, pela ausência de punição ou ameaça de punição. Ou seja, pela redução da incidência e do impacto do crime e da violência na sociedade, e não tanto pelo resultado ou conseqüência da ação.

Uma concepção alternativa de prevenção do crime e da violência está apoiada na idéia de que as ações de prevenção se caracterizam principalmente pelo resultado ou conseqüência da ação, ou seja, a redução da incidência e do impacto do crime e da violência na sociedade.3 Esta concepção alternativa permitiria a melhor compreensão do fato de que tanto ações punitivas (especialmente, mas não apenas na área da segurança pública, justiça criminal e administração penitenciária) quanto ações não-punitivas (especialmente, mas não apenas nas áreas econômica, social e cultural) podem ser preventivas, na medida em que contribuem para reduzir a incidência e o impacto de crimes e violência, ou, alternativamente, podem ser criminógenas, na medida em que contribuem para aumentar a incidência e o impacto de crimes e violências. Esta concepção da prevenção do crime e da violência, centrada nos resultados e não na natureza das ações desenvolvidas, permitiria a melhor integração de programas e ações em diversas esferas e áreas do governo e da sociedade civil, direcionando-os ao objetivo comum de reduzir a incidência e o impacto de crimes e violências na sociedade. Além disso, permitiria o desenvolvimento de políticas de prevenção do crime e da violência que integrassem programas e ações de diversos tipos, em diversas áreas, ampliando assim o alcance e o impacto destes programas e ações. Permitiria, enfim, a superação de uma dicotomia ainda existente no país entre políticas e programas de segurança pública e políticas e programas de prevenção, que limita o alcance e o impacto de ambos os programas.4 Além disso, uma concepção da prevenção do crime e da violência centrada nos resultados e não na natureza das ações desenvolvidas chamaria a atenção para a necessidade de monitorar e avaliar o impacto sobre o crime e violência de diversos tipos de políticas, programas e ações, a fim de que se possa identificar, em todas as áreas, aqueles que efetivamente contribuem e aqueles que não contribuem para a prevenção do crime e da violência e para a melhoria da segurança pública.5

Políticas de prevenção do crime e da violência e de melhoria da segurança pública adquirem maior legitimidade e eficácia quando são embasadas na Constituição Federal e nos Tratados Internacionais ratificados pelo Brasil, e devem ser orientadas pelos seguintes princípios: promoção da democracia e dos direitos humanos, do desenvolvimento sustentável, e da cooperação internacional; responsabilidade do estado; participação da sociedade; universalidade; equidade; integralidade; descentralização.6 Políticas e programas de prevenção do crime e da violência são mais eficazes quando, além de centrados nos resultados e não na natureza das ações desenvolvidas, têm objetivos definidos de forma clara e precisa, são projetados levando em consideração as características específicas dos crimes e violências que se pretende evitar e das comunidades em que estes crimes e violências acontecem, e atuam sobre os fatores de risco e os fatores de proteção que afetam a incidência e o impacto de crimes e violências – sejam estes fatores relacionados às atitudes e comportamentos dos agressores e das vítimas, ou às situações ou contextos em que os crimes e violências acontecem.

A criminalidade e a violência são fenômenos complexos, que se manifestam de forma diferente, têm causas diferentes, e exigem soluções diferentes em estados, cidades e bairros diferentes. No Brasil, a criminalidade e a violência urbana são problemas particularmente graves. As grandes cidades e regiões metropolitanas registram taxas de homicídios extremamente elevadas em comparação com as registradas em outros países da região e do mundo. O problema da criminalidade e da violência urbana deve estar no centro das atenções no desenvolvimento de políticas e programas de prevenção. A violência familiar e doméstica, a violência de gênero – freqüentemente entre parceiros íntimos –, a violência contra membros de grupos minoritários e a violência envolvendo jovens são problemas graves que contribuem de maneira significativa para o aumento do crime na sociedade brasileira. Estes problemas devem ser considerados prioritários no desenvolvimento de políticas e programas de prevenção, particularmente nas esferas estadual e municipal.

O crime organizado, a corrupção e a violência – praticada por agentes públicos trabalhando nas polícias, nos sistemas penitenciários e nas unidades de internação de adolescentes – são problemas que não apenas contribuem para o aumento do crime e da violência na sociedade, mas ainda minam a capacidade das organizações governamentais e não governamentais de desenvolver políticas e programas de prevenção. Estes problemas também devem ser considerados prioritários no desenvolvimento de políticas e programas de prevenção, particularmente nas esferas federal e estadual.

Na sociedade brasileira, a desigualdade, a discriminação e a falta de oportunidades, particularmente na área da educação e do trabalho, a desigualdade no acesso aos sistemas de segurança e justiça, além do estresse e da instabilidade no ambiente familiar e comunitário, são fatores que aumentam o risco e agravam o impacto de muitos tipos de crimes e violências. Estes fatores devem ser levados em consideração no desenvolvimento de políticas e programas de prevenção. Políticas e programas de prevenção são mais eficazes se forem compreensivos e levarem em consideração o conjunto de fatores de risco e fatores de proteção cuja interação determina a vulnerabilidade ou resiliência dos indivíduos, famílias, grupos e comunidades diante do crime e da violência. Neste sentido, políticas e programas de prevenção devem ser multidisciplinares e multi-setoriais, incorporando assim a contribuição de profissionais especializados em diversas disciplinas e de grupos e organizações atuando em diversas áreas do governo e da sociedade. A interação e a colaboração de parceiros de disciplinas e setores diferentes é mais efetiva quando acontece desde o início – da fase de planejamento das políticas e programas, continuando nas fases de implementação, monitoramento e avaliação.7

Políticas e programas de prevenção são mais eficazes, do ponto de vista da redução do crime e da violência na sociedade, se forem direcionados para as áreas e grupos onde há maior concentração de fatores de risco de crimes e violências e menor concentração de fatores de proteção diante de crimes e violência. A exceção a esta regra geral seriam os programas de prevenção centrados na área da família, cuja aceitação pública, apoio político e econômico, e resultados comprovados em programas avaliados indicam a necessidade de sua universalização, ainda que a implementação deva levar em consideração as diferenças entre áreas e grupos em relação aos fatores de risco e aos fatores de proteção. Políticas e programas de prevenção são mais eficazes se o seu desenvolvimento estiver baseado em informações e dados não apenas sobre o tipo de crime e de violência que se pretende evitar, mas também sobre a implementação e os resultados de políticas e programas de prevenção semelhantes desenvolvidos anteriormente.

No Brasil, com poucas exceções, há carência de informações e dados sobre o crime e a violência, e falta transparência às instituições da área da segurança pública, justiça criminal  e administração penitenciária. Duas condições são fundamentais para o desen-volvimento e aperfeiçoamento de políticas e programas de prevenção do crime e da violência, nas esferas federal, estadual e municipal: a) a constituição de uma base de informações e dados sobre o crime e a violência e sobre políticas e programas de prevenção do crime e da violência, integrando informações e dados do governo e da sociedade, e que seja acessível aos governos e à sociedade; 8 b) a formação de profissionais, nas diversas áreas do governo, capazes de produzir, analisar e utilizar estas informações e dados, para planejar, implementar, monitorar e avaliar políticas e programas de prevenção.9

Para o desenvolvimento e aperfeiçoamento de políticas e programas de prevenção do crime e da violência e promoção da segurança pública, é indispensável também a constituição de unidades gestoras, responsáveis pela coordenação do processo de formulação, implementação, monitoramento e avaliação destas políticas e programas. Não é desejável estabelecer um modelo único de unidade gestora, necessariamente adaptada às condições e necessidades do governo federal e dos governos estaduais e municipais. Mas é indispensável que as unidades gestoras disponham de condições institucionais e de recursos humanos e materiais para realizar seu trabalho. É indispensável também que sejam articuladas com conselhos consultivos, paritários, com representantes do governo e da sociedade civil, responsáveis pela promoção da participação social e do controle externo no desenvolvimento de políticas de prevenção.

Também não é desejável estabelecer um modelo único de metodologia de desenvolvimento de políticas e programas. Mas é indispensável que as metodologias utilizadas contenham requisitos mínimos, entre os quais se destacam: o diagnóstico dos problemas a serem enfrentados e suas causas; a identificação de um conjunto de ações que sejam capazes de solucionar os problemas e sejam sustentáveis do ponto de vista político, econômico e social, e instrumentos de monitoramento e avaliação dos resultados.10 Por fim, é fundamental mobilização de recursos para a formulação, implementação, monitoramento e avaliação de políticas e programas de prevenção do crime e da violência e promoção da segurança pública, também nas esferas federal, estadual e municipal. A constituição de fundos de segurança pública é um procedimento que permite mobilizar recursos públicos (federais, estaduais e municipais) e privados e direcioná-los para o desenvolvimento de políticas e programas de prevenção do crime e da violência e promoção da segurança pública.

Política Nacional de Prevenção

O Governo Federal passou a dispor de um novo instrumento para apoiar o desenvolvimento de políticas e programas na área da segurança pública, inclusive políticas e programas de prevenção do crime e da violência, com a criação do Fundo Nacional de Segurança Pública em junho do ano 2000, através da medida provisória 2.029/00, posteriormente instituído pela lei federal 10.201/01, de 14 de fevereiro de 2001. Com a reestruturação do Fundo Nacional de Segurança Pública, através da lei federal 10.746/03, de 10 de outubro de 2003, o Governo Federal procurou criar condições mais favoráveis para o desenvolvimento de políticas de prevenção do crime e da violência por parte dos estados, integrando programas na área da segurança pública e programas de prevenção do crime e da violência desenvolvidos em outras áreas, além da participação dos municípios na prevenção do crime e da violência e na melhoria da segurança pública.

Além da ampliação dos recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública, é fundamental a definição de uma política nacional de segurança pública, articulada a políticas estaduais e municipais, na qual a prevenção do crime e da violência seja um objetivo central, e não apenas marginal, para orientar a aplicação dos recursos do Fundo. Somente assim será possível promover a efetiva integração entre os programas federais, estaduais e  municipais desenvolvidos na área da segurança pública, da justiça criminal e da administra-ção penitenciária, e os programas desenvolvidos nas áreas da saúde, educação, trabalho, pro-moção social, comunicação social, desenvolvimento urbano, direitos humanos, entre outras, que são relevantes para a prevenção do crime e da violência e a melhoria da segurança pública. Nesse sentido, o governo federal, através do Ministério da Justiça, deve desenvolver uma política nacional de prevenção do crime e da violência e promoção da segurançapública, que orientaria a aplicação de recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública e a aplicação de recursos de órgãos federais em políticas e programas federais, estaduais e municipais de prevenção do crime e da violência e promoção da segurança pública.

Os governos estaduais que se integrarem ao Sistema Único de Segurança Pública devem desenvolver uma política estadual de prevenção do crime e da violência e promoção da segurança pública alinhada à política nacional. Da mesma forma, os municípios que se integrarem ao Sistema Único de Segurança Pública devem desenvolver políticas municipais de prevenção do crime e da violência e promoção da segurança pública alinhada às políticas nacional e estadual. Na esfera da União, o Governo Federal poderia criar, junto ao Ministério da Justiça, uma comissão executiva ou gabinete de gestão integrada, responsável pelo desenvolvimento da política nacional de prevenção do crime e da violência e promoção da segurança pública.

A comissão executiva poderia ser presidida pelo Ministro da Justiça, coordenada pelo Secretário Nacional de Segurança Pública, contando com a participação de representantes dos diversos órgãos do Ministério da Justiça, representantes de outros ministérios e secretarias do Governo Federal, e ainda representantes dos governos estaduais e dos governos municipais. Esta comissão executiva poderia estar articulada a um conselho consultivo, responsável pela promoção da participação social e controle externo no desenvolvimento da política nacional de prevenção do crime e da violência e promoção da segurança pública. Este conselho seria paritário, com representantes do governo e da sociedade, e deveria contar com a participação de especialistas e representantes de organizações governamentais e da sociedade civil, atuando na esfera federal, estadual e municipal, nas áreas da segurança pública, justiça criminal, administração penitenciária, saúde, educação, trabalho, promoção social, comunicação social, desenvolvimento urbano, direitos humanos e outras áreas relevantes para a prevenção do crime e da violência. Em longo prazo, o Governo Federal poderia criar um Conselho Nacional de Prevenção do Crime e da Violência e Promoção da Segurança Pública, junto ao Ministério da Justiça, a partir da fusão do Conselho Nacional de Segurança Pública e do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária.

Em curto prazo, o Governo Federal poderia criar um Conselho Nacional de Prevenção do Crime e da Violência e Promoção da Segurança Pública, junto à Secretaria Nacional de Segurança Pública, a partir da reestruturação do Conselho Nacional de Segurança Pública. Esta reestruturação teria por objetivo ampliar a representatividade do conselho, através da inclusão de representantes de organizações governamentais (federais, estaduais e municipais), organizações da sociedade civil e da universidade, atuando em áreas relevantes para a prevenção do crime e da violência e a promoção da segurança pública.

Para promover a participação e integração de organizações federais ao Sistema Único de Segurança Pública, seria importante a participação de representantes da Polícia Federal, do Ministério Público Federal, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, Conselho Nacional de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial, Conselho Nacional de Educação, Conselho Nacional de Saúde, Conselho Nacional de Assistência Social, e Conselho Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. Para promover a participação e integração de organizações estaduais ao Sistema Único de Segurança Pública, seria importante a inclusão de representantes das secretarias de estado da segurança, da justiça e da administração penitenciária, de entidades da polícia civil, da polícia militar, da polícia técnico-científica, do Ministério Público Estadual, de conselhos estaduais da área da segurança pública, justiça e administração penitenciária. Para promover a participação e integração dos municípios ao Sistema Único de Segurança Pública, seria importante a participação de representantes de entidades nacionais dos municípios, entidades nacionais das guardas municipais, e conselhos municipais da área da segurança urbana. O Governo Federal deve ainda constituir um sistema nacional de informações sobre segurança pública e justiça criminal, definir e promover a implantação de regras mínimas para formação e aperfeiçoamento de profissionais de segurança pública, e identificar e promover inovações e boas práticas nos estados e municípios da federação. O Governo Federal deve, através do Ministério da Justiça, assumir a responsabilidade pela política de prevenção do crime organizado inter-estadual e internacional, contando sempre com a colaboração de outros ministérios e secretarias de estado do Governo Federal, e ainda dos estados e dos municípios, através de convênios ou protocolos estabelecidos entre as partes.

Políticas Estaduais e Municipais de Prevenção

O Governo Federal deve promover o desenvolvimento de políticas e programas estaduais e municipais de prevenção do crime e da violência e promoção da segurança pública, e a integração dos estados e municípios ao Sistema Único de Segurança Pública, através de apoio econômico, contando para isso com recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública e de outras fontes disponíveis, apoio técnico, apoio político, e da definição de regras mínimas para orientar o desenvolvimento de políticas estaduais e municipais articuladas com a política nacional.

O Governo Federal deve condicionar os investimentos dos recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública à apresentação pelos estados e municípios de informações e dados sobre o crime e a violência e sobre a implementação e o resultado de políticas e programas de prevenção do crime e da violência, bem como à observância pelos estados e municípios das regras mínimas estabelecidas na política nacional, entre as quais se destacam:

· A constituição de unidades integradas de gestão da segurança pública responsáveis pelo desenvolvimento de políticas e programas de prevenção do crime e da violência e promoção da segurança pública, com representação de diferentes setores do governo;

· A constituição de conselhos consultivos para promover a participação social e o controle externo no desenvolvimento de políticas e programas de prevenção do crime e da violência e promoção da segurança pública, com representação de diferentes setores do governo, da sociedade e da universidade;

· A elaboração de políticas e programas de prevenção do crime e da violência e promoção da segurança pública, integrando ações de diferentes setores do governo e da sociedade civil;

· O desenvolvimento de bases de informação para subsidiar a formulação, implementação, monitoramento e avaliação de políticas e programas de prevenção do crime e da violência e promoção da segurança pública;

· A formação e qualificação de profissionais para formular, implementar, monitorar e avaliar políticas e programas de prevenção do crime e da violência e promoção da segurança pública.

· A constituição de fundos e a destinação de recursos públicos e privados para formulação, implementação, monitoramento e avaliação de políticas e programas de prevenção do crime e da violência e promoção da segurança pública. O Governo Federal deve reservar uma parcela dos recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública para promover o desenvolvimento de políticas e programas municipais de prevenção do crime e da violência, e a integração dos municípios ao Sistema Único de Segurança Pública. Na aplicação da parcela dos recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública destinada aos municípios, o Governo Federal deve priorizar os municípios que são capitais de estados, pertencem a regiões metropolitanas, são pólos regionais, têm alta concentração populacional e alta taxa de homicídio, além de municípios com experiências inovadoras na área da prevenção do crime e da violência.

Os estados devem assumir a responsabilidade pela política de prevenção do crime e da violência no seu território, especialmente a prevenção do crime organizado intermunicipal, a prevenção dos crimes e violências de maior gravidade, além da prevenção do crime e da violência nos municípios que não se integrarem ao Sistema Único de Segurança Pública, contando sempre com a colaboração da União e dos Municípios, através de convênios ou protocolos estabelecidos entre as partes. Os municípios que se integrarem ao Sistema Único de Segurança Publica devem compartilhar com o Estado e a União a responsabilidade pela política de prevenção do crime e da violência no seu território, especialmente no desenvolvimento de programas de prevenção primária e na prevenção dos crimes e violências de menor gravidade, da violência doméstica e de gênero, violência contra minorias e violência envolvendo jovens, da desordem urbana e dos conflitos interpessoais e sociais. Devem contar sempre com a colaboração do Estado e da União, através de convênios ou protocolos estabelecidos entre as partes.

Programas de Prevenção

De um modo geral, há pouco acompanhamento e monitoramento dos resultados de programas de prevenção do crime e da violência desenvolvidos no Brasil. Os indicadores mais freqüentes são os números de participantes e beneficiários, sendo que há poucos registros sobre a evolução do trabalho realizado e sobre o reflexo desses programas na prevenção do crime e da violência. Partindo do pressuposto de que a prevenção do crime e da violência exige políticas e programas que levem em consideração as características específicas dos crimes e violências que se pretende evitar, bem como das comunidades e locais em que estes crimes e violências acontecem, e que há poucos estudos e pesquisas avaliando o resultados de programas de prevenção no Brasil, não é possível nem desejável definir uma relação de programas a serem promovidos pelo Governo Federal e desenvolvidos pelo estados e municípios.

Entretanto, com base na experiência nacional e internacional, é possível apontar tipos de programas que poderiam ser alvo da atenção dos gestores federais, estaduais e municipais, no desenvolvimento de políticas de prevenção do crime e da violência e melhoria da segurança pública. Poderiam ser também foco de estudos e pesquisas, para que estes programas possam ser mais conhecidos e que seus resultados possam ser efetivamente avaliados.

Família

A avaliação de programas internacionais e nacionais revela que programas centrados na família, demonstrando bons resultados para a prevenção de crimes e violências, são geralmente compreensivos e continuados, com enfoque sobre vários fatores de risco que fragilizam as famílias. Estes tendem a apresentar resultados positivos em prazo mais longo. Programas de prevenção efetuados sobre famílias na fase de pré-natal, pós-natal e primeira infância dos filhos mostram os melhores resultados no que se refere à redução de envolvimento com o crime na juventude e também à obtenção de melhor rendimento escolar e maiores oportunidades de emprego no futuro. Efeitos mais imediatos surgem sobre a redução do comportamento anti-social e desordens de conduta e melhoria da  qualidade de cuidado dos pais com os filhos. Programas que fazem visitas domiciliares desde os primeiros anos de vida da criança, associados a programas de educação préescolar, também oferecem resultados muito promissores. Outro tipo de intervenção recomendada é a terapia familiar para adolescentes em situação de risco ou envolvidos com o crime e a violência.

Em relação à violência familiar envolvendo adultos, há evidências favoráveis a abrigos para atendimento, assistência e apoio a mulheres vítimas de violência. Visitas domiciliares realizadas por policiais após incidentes de violência doméstica são consideradas ineficazes. Há que se ressaltar que os especialistas concordam com o fato de que nenhuma medida isoladamente poderá reduzir definitivamente a violência familiar. Apresenta-se no relatório um total de 109 programas de prevenção do crime e da violência em desenvolvimento no Brasil (ver seção 7), 15 deles com ações centradas na esfera da família. Outros 20 programas, apesar de estarem centrados em outras áreas, especialmente nas áreas da saúde, da justiça e da comunidade, também desenvolvem ações no âmbito familiar, procurando integrar ações de prevenção em várias esferas. A maioria desses programas trabalha diretamente com o atendimento a vítimas da violência doméstica, particularmente crianças, adolescentes e mulheres. Há, contudo, os que trabalham principalmente sobre os fatores de risco, através da capacitação de profissionais de diferentes áreas para identificar e lidar com problemas de violência familiar, e do treinamento dos pais para educação dos filhos.

· Programas voltados para a unidade familiar, procurando englobar o maior número de familiares (e não apenas a díade mãe-filho), como estratégia fundamental para a prevenção de crimes e violências;

· Programas que respeitem a cultura na qual a família está inserida; que estabeleçam, juntamente com a família, as metas a serem alcançadas; permitam a integração social da família com a comunidade e tratem de forma respeitosa as práticas das famílias sobre as quais atuam. Enfim, programas que promovam a idéia de “empoderamento” da família como espaço privilegiado para a promoção de valores para a paz;

· Programas de melhoria do relacionamento familiar, que oferecem orientações sobre o desenvolvimento de crianças e adolescentes, práticas de educação dos filhos e práticas de comunicação e resolução de conflitos de forma não violenta, e que estabelecem ou reforçam crenças e atitudes favoráveis à não-violência;

· Programas de visitas domiciliares continuadas, que levem os serviços disponíveis na comunidade até as famílias, incluindo acompanhamento pré-natal, saúde maternoinfantil, saúde mental, educação e emprego para os pais, especialmente a famílias com o primeiro filho, com crianças pequenas e em situação de risco social, por serem as que mais se beneficiam desse tipo de programa;

· Programas voltados para famílias de um único parente, com poucos recursos econômicos e poucos vínculos com a área/comunidade de residência;

· Programas voltados para famílias de jovens em situação de risco social, a exemplo dos adolescentes em conflito com a lei e usuários de drogas;

· Programas de acolhimento a famílias de vítimas de violência, oferecendo apoio,m orientação e oportunidade para nova vinculação social;

· Programas de comunicação e informação que ampliem o acesso de membros da família a apoio médico, psicológico, jurídico e social para viabilizar o rompimento da situação de violência em que se encontram.

Escola

Na escola, os programas de prevenção que mostram bons resultados em avaliações são aqueles baseados no enfoque educativo com adolescentes, demonstrando resultados para a prevenção de agressões e brigas entre jovens, para a redução da violência juvenil, e para o desestímulo ao uso de substâncias psico-ativas. Três tipos de programas se mostram relevantes:

a) aqueles direcionados a aumentar a capacidade da comunidade escolar de iniciar e sustentar transformações, especialmente mudança do processo de tomada de decisões;

b) aqueles voltados para a delimitação de normas e reforço de comportamentos apropriados ao espaço escolar e estímulo à comunicação na comunidade escolar, especialmente através de campanhas contra a agressividade entre escolares (bullying), produção de textos, cartazes ou cerimônias com o tema da redução da violência na escola; c) programas educacionais compreensivos atuando sobre o estudante, com ênfase no aumento da competência e das habilidades sociais, o desenvolvimento de autocontrole e dos mecanismos para lidar com estresse, a responsabilidade na tomada de decisões, a resolução de problemas sociais e as habilidades de comunicação interpessoal.

Dos programas de prevenção de violência escolar que se mostraram ineficientes estão:

a) aconselhamento realizado por pares;

b) programas que apenas oferecem atividades alternativas para jovens (lazer, por exemplo), sem a presença de um programa de prevenção mais efetivo;

c) programas instrucionais que focalizam apenas a disseminação de informação, o crescimento do medo e o apelo moral.

Programas voltados apenas para a redução do consumo de substância têm piores resultados que os que associam o tema da redução do consumo de substâncias ao desenvolvimento de habilidades individuais e relacionais. Dentre os 109 programas de prevenção em desenvolvimento no Brasil apresentados neste relatório, treze estão centrados na escola. Dezoito programas, apesar de estarem centrados em outras áreas (especialmente na comunidade), também desenvolvem intervenções relacionadas ao espaço escolar, de forma integrada, visando à prevenção do crime e da violência na sociedade, especialmente entre os jovens. Cerca de metade dos programas direcionados para as escolas trabalha com o oferecimento de atividades extracurriculares.

Alguns trabalham com a democratização do espaço escolar e o estímulo ao protagonismo juvenil. Além disso, há também exemplos de programas de conscientização sobre as drogas, de capacitação de professores, de estímulo à educação artística e de inclusão dos portadores de necessidades especiais na comunidade escolar. A maioria dos programas investigados teve início nos últimos três anos.

· Programas direcionados a aumentar a capacidade da escola de se abrir à sociedade, iniciar e sustentar transformações na escola e na comunidade em que a escola está inserida. Escolas “inovadoras”, flexíveis e comprometidas com uma gestão participativa são cruciais não apenas para a redução da violência escolar, mas também para o bom rendimento acadêmico e crescimento moral dos adolescentes;

· Programas que envolvam a família e a comunidade de forma participativa na gestão escolar;

· Programas direcionados à melhoria de relacionamento entre alunos, tendo como base a ética e a cidadania, fundamentados em aprendizado de limites, resolução de conflitos, aumento da competência escolar e social e modificação de comportamentos;

· Programas que valorizem e capacitem os educadores para a prevenção da violência na escola;

· Programas de apoio à educação pré-escolar.

Trabalho

Há diversos estudos e pesquisas sobre as relações entre oportunidades de trabalho/ emprego e o crime e a violência que deixam claro que não há uma relação direta e automática entre eles. A falta de oportunidades de emprego/trabalho aumenta o risco de envolvimento dos indivíduos em crimes e violências e o risco de crimes e violências na comunidade. Mas isso não significa que a ausência de oportunidades de trabalho/emprego implique necessariamente o envolvimento na prática de crimes ou o aumento da criminalidade e da violência na comunidade.

Programas de prevenção do crime e da violência através do trabalho adotam dois

tipos de ações principais:

a) aumentar a qualificação e a inserção profissional das pessoas através de educação ou capacitação profissional;

b) programas que visam a aumentar as oportunidades de emprego/trabalho na comunidade.

Ações para aumentar a qualificação e a inserção profissional são direcionadas a grupos em situação de risco de desemprego, particularmente os jovens, os adultos que já receberam penas, e os adolescentes que já receberam medidas sócio-educativas pela prática de atos infracionais. Ações para aumentar as oportunidades de emprego/trabalho na comunidade são direcionadas a comunidades com poucas oportunidades de emprego/trabalho. A coordenação dos dois tipos de ação é um fator importante para aumentar a eficácia das ações de prevenção centradas no trabalho.

Dos 109 programas de prevenção do crime e da violência desenvolvidos no Brasil apresentados neste relatório (ver seção 7), dezesseis estão centrados na área do trabalho e renda. Outros quinze programas, apesar de estarem mais diretamente voltados para outras áreas (especialmente justiça e comunidade), também desenvolvem ações na esfera do trabalho. Muitos programas voltados para adolescentes em cumprimento da medida socioeducativa e mulheres vítimas de violência desenvolvem atividades de capacitação e inserção profissional, visando a ampliar as oportunidades de trabalho e renda destes grupos. Cerca de metade dos programas direcionados para trabalho e renda é voltada para os jovens.

· Programas voltados para ampliação da qualificação profissional e do acesso a oportunidades de emprego, direcionados particularmente para membros de grupos em situação de risco de desemprego:

. Inclui programas de estágio, primeiro emprego, mudança de emprego, cursos de curta e longa duração;

. Inclui programas direcionados para jovens, adolescentes em medida sócioeducativa, e para adultos cumprindo pena.

· Programas voltados para ampliação das oportunidades de emprego e trabalho, direcionados particularmente para comunidades e grupos com poucas oportunidades de emprego e trabalho.

. Inclui programas de incentivo ao desenvolvimento econômico, desenvolvimento de pequenas e médias empresas e cooperativas, e contratação de profissionais.

· Programas que integrem os dois tipos de programas mencionados acima, a fim de aproximar as oportunidades de emprego e trabalho e as pessoas e grupos que necessitam de emprego e trabalho.

Mídia

Há poucos estudos e pesquisas avaliando o impacto de programas de prevenção do crime e da violência centrados na mídia. Todavia, há uma rica produção teórica com claras indicações de ações que merecem ser analisadas e implementadas. Grande parte das propostas está voltada para a produção midiática oferecida às crianças e adolescentes, através de regulamentação da programação, da auto-regulamentação dos meios de comunicação e  da advertência às imagens de violência, ou ainda através da orientação dos pais para monitorar o acesso às mídias por seus filhos, educar pais e crianças sobre os potenciais riscos da violência na mídia, e estimular o diálogo sobre o conteúdo assistido, tentando reduzir a possibilidade delas imitarem o que vêem na mídia. O incentivo a que as instituições que produzem a informação se comprometam com uma comunicação ética e respeitadora dos direitos humanos também é consenso entre estudiosos. Outros pontos que constam dos debates são a restrição de horário e forma de apresentação dos crimes e violências nas mídias, a disseminação de experiências bem sucedidas na redução do problema e a ênfase da divulgação de mensagens preventivas.

O relatório não traz exemplos de programas de prevenção a crime e violência centrados na mídia. No entanto, em programas levantados nas esferas da comunidade e da escola, há ações diretamente relacionadas à comunicação, como a produção de jornais e revistas comunitários por jovens envolvidos com projetos nas suas comunidades, e a implantação de rádios comunitárias em escolas, envolvendo alunos e professores na utilização de novas tecnologias para promover formas de comunicação alternativas. Esses programas não têm uma relação direta com o conteúdo divulgado pela mídia escrita e televisiva, mas conscientizam sobre a importância da comunicação, além de capacitar jovens e adultos para atos de comunicação.

· Programas voltados para divulgação de leis e políticas de proteção e promoção dos direitos humanos, e o monitoramento do cumprimento dessas leis e políticas pelos meios de comunicação, em parceria com outros setores da sociedade.

· Programas voltados para ampliação da discussão das causas da criminalidade e da violência, fatores de risco e de proteção na esfera individual, dos grupos mais próximos, da comunidade e da sociedade, e das políticas, programas e ações de prevenção do crime e da violência em desenvolvimento no país.

. Inclui programas voltados para ampliação da discussão sobre o papel das armas de fogo no aumento da incidência e impacto de crimes e violências, e das medidas necessárias para limitar e controlar o porte e a comercialização de armas de fogo.

· Programas voltados para ampliação do intercâmbio de informações entre profissionais de diversas disciplinas e áreas de atuação, de forma a ampliar a compreensão da natureza, das causas e das soluções para o problema da criminalidade e da violência no país.

· Programas voltados para ampliação do conhecimento sobre as vítimas de crimes e violência, os diferentes tipos de vítimas e vitimização, bem como sobre os direitos das vítimas, os serviços disponíveis e as possibilidades de ação para as vítimas de crimes e violência.

· Programas voltados para a discussão da condição da juventude brasileira, considerando que:

a) hoje, no país, as principais causas de morte na faixa etária jovem são os homicídios e os acidentes de trânsito;

b) existe uma desproporcional representação da violência praticada por jovens.

· Programas voltados para divulgação de projetos de prevenção que obtêm resultados positivos em termos de redução do crime e da violência e melhoria da segurança pública.

Comunidade

Dois tipos principais de programas e ações de prevenção do crime e da violência têm sido desenvolvidos na esfera da comunidade. Por um lado, há programas de prevenção social, voltados para a redução dos fatores de risco e aumento dos fatores de proteção, de natureza econômica, social, cultural, ambiental e política-administrativa que afetam a incidência e o impacto de crimes e violências na comunidade. Por outro lado, há programas  de prevenção situacional, voltados para a redução das oportunidades da prática de crimes e violência na comunidade.

Programas de prevenção social – focalizando múltiplos fatores de risco e de proteção, envolvendo múltiplas ações estabelecidas por múltiplas agências – estão sendo desenvolvidos em diversos países, com a participação de governos municipais ou locais e de organizações da comunidade. Entretanto, estes programas ainda são relativamente recentes e não foram suficientemente avaliados. Programas que envolvem a organização e a mobilização da comunidade podem adotar estratégias horizontais e verticais de organização e mobilização.

Programas que adotam estratégias verticais e procuram organizar e mobilizar a comunidade para influenciar a ação das organizações públicas e privadas capazes de, efetivamente, resolver os problemas da comunidade são apontados como mais eficazes do que programas que adotam estratégias horizontais e atribuem à própria comunidade a responsabilidade pela resolução dos seus problemas. Programas compreensivos, multi-setoriais e continuados tendem a produzir melhores resultados, embora não imediatos. Programas de prevenção situacional podem produzir resultados imediatos, reduzindo a incidência de determinados tipos de crimes e violências, em determinadas situações, locais, e horários. Entretanto, o impacto deste tipo de programa sobre a criminalidade e a violência na comunidade ainda não foi suficientemente avaliado, havendo estudos que apontam o efeito da migração dos criminosos para outros tipos de crimes e para situações, locais e horários em que os programas não são implementados.

Dos 109 programas de prevenção do crime e da violência desenvolvidos no Brasil apresentados neste relatório, 34 são centrados na comunidade e cerca de 40 são centrados em outras áreas, apesar de realizarem ações na área da comunidade. A maioria dos programas de prevenção do crime e da violência na esfera da comunidade começou a ser implementada na década de 1990, mas trata-se de um leque bastante heterogêneo de iniciativas. Existem, também, programas iniciados na década de 1980. Os programas focalizados na comunidade são de dois tipos: há os que trabalham a inclusão social de uma forma mais completa, implementando diferentes programas sociais (saúde, renda, trabalho, moradia, cidadania) e revitalizando o espaço urbano em determinados bairros e/ou favelas das cidades; e há os que trabalham através da implementação de programas sociais específicos ou do incentivo à organização e mobilização da comunidade para melhoria no ambiente comunitário.

· Programas voltados para organização e mobilização da comunidade para participação nas decisões sobre interesses da comunidade, especificamente no desenvolvimento de políticas de prevenção do crime e da violência e melhoria da segurança pública;

· Programas voltados para evitar e para reduzir o envolvimento de grupos da comunidade com o crime e a violência;

· Programas voltados para evitar a vitimização e/ou reduzir seu impacto sobre as famílias, os grupos e a comunidade;

· Programas de prevenção social do crime e da violência, visando a reduzir os fatores de risco e ampliar os fatores de proteção que afetam a incidência e o impacto do crime e da violência na comunidade, especialmente nas seguintes áreas:

. Infra-estrutura urbana e habitação;

. Saúde, educação, emprego, promoção social;

. Cultura, esporte e lazer;

. Segurança e justiça;

· Programas de prevenção situacional, visando a reduzir as oportunidades para prática de crimes e violências nas áreas de risco (“hot-spots”).

Polícia

Nas décadas de 1970 e 1980, uma série de pesquisas mostrou as limitações, do ponto de vista da prevenção do crime, das estratégias tradicionais de policiamento centradas no aumento da presença policial, das operações de patrulhamento, do número de prisões, e da rapidez no atendimento de ocorrências. Estes estudos contribuíram para o desenvolvimento de uma série de inovações na área da polícia, particularmente o policiamento comunitário, o policiamento orientado para a resolução de problemas, o policiamento orientado para a manutenção da ordem e da melhoria da qualidade de vida, e o policiamentodirecionado para “hot-spots” (locais e horários de alto risco de crime e violência).

O policiamento orientado para a resolução de problemas e o policiamento comunitário, principalmente quando se aproxima do policiamento orientado para resolução de problemas, têm sido considerados como estratégias de policiamento eficazes para a prevenção do crime e da violência. A legitimidade da polícia e a existência de práticas de responsabilização da mesma, capazes de assegurar esta legitimidade, são fatores cruciais para o sucesso da polícia na prevenção do crime e da violência. Estudos e pesquisas mostram que a legitimidade da polícia, particularmente a decorrente do tratamento dispensado aos cidadãos, é um fator que contribui para a prevenção do crime e da violência e, no caso dos cidadãos já envolvidos com a prática de crimes e violências, contribui para a prevenção da reincidência.

Dos 109 programas de prevenção do crime e da violência desenvolvidos no Brasil apresentados neste relatório, seis estão centrados na polícia e onze incluem ações nesta esfera, apesar de estarem centrados em outras áreas, particularmente escola, comunidade e saúde. De um modo geral, os programas de prevenção do crime e da violência na esfera da polícia são recentes, ganhando importância a partir do final da década de 1990, particularmente através de programas de polícia comunitária e de atendimento especializado a mulheres e a crianças e adolescentes vítimas de crimes e violências. Dentre os programas levantados, boa parte deles desenvolve atividades de policiamento comunitário, incluindo a construção e implantação de bases comunitárias em locais específicos, a aproximação com a comunidade por meio de reuniões comunitárias, a realização de diagnóstico local sobre a situação da criminalidade e violência, e a interação com organizações comunitárias locais que prestam atendimentos a vítimas e agressores.

· Programas de apoio ao policiamento orientado para a resolução de problemas.

· Programas de apoio ao policiamento comunitário, quando:

. A comunidade efetivamente participa das decisões sobre as prioridades na prevenção do crime e da violência;

. A polícia e a comunidade priorizam a responsabilização e a legitimidade da polícia.

· Programas de apoio ao policiamento orientado para a manutenção da ordem e da qualidade de vida, quando:

. É possível resolver o problema de responsabilização e legitimidade da polícia.

· Programas de apoio ao policiamento orientado para áreas e horários de maior risco de crimes (“hot-spots”).

· Programas de apoio ao policiamento orientado para controle do comércio e porte de armas de fogo e para apreensão de armas de fogo ilegais, especialmente programas direcionados a:

. Áreas de risco de crimes praticados com arma de fogo;

. Rastreamento da propriedade de armas de fogo;

. Imposição de controles exigidos pela lei para venda de armas;

. Imposição de controles exigidos pela lei para compra, registro e porte de arma.

· Programas de apoio ao policiamento direcionado para prevenção da direção de veículo sob efeito de álcool.

· Programas de apoio à investigação criminal e à perícia técnica voltados para os casos de crimes mais graves, de criminosos com crimes mais graves e mais freqüentes, e de vítimas de crimes mais graves e mais freqüentes;

· Programas de apoio à investigação criminal e à perícia técnica voltados para os casos de violência familiar ou doméstica e violência sexual;

· Programas de redução da lentidão na tramitação dos inquéritos policiais;

· Programas de redução do número de pessoas presas em delegacias de polícias, aguardando julgamento e especialmente cumprindo pena;

· Programas voltados para a limitação e controle do uso da força em ações policiais;

· Programas de apoio ao registro, compartilhamento, análise e uso de informações sobre a incidência do crime e a estrutura e funcionamento do sistema de segurança pública, voltados para o desenvolvimento de políticas e programas de prevenção;

· Programas de apoio ao estudo e pesquisa sobre a estrutura e funcionamento do sistema de segurança pública, e sua relação com a prevenção do crime.

Justiça

Estudos e pesquisas internacionais indicam que a forma pela qual o sistema de justiça criminal aplica e executa as punições e trata os autores de crimes tem um impacto significativo sobre a reincidência criminal e a incidência de crimes e violências na sociedade. São fatores importantes o respeito à lei e aos direitos dos agressores, bem como a consistência na aplicação e execução das punições. Há pouca evidência, entretanto, de que o aumento das punições, especificamente o aumento da utilização da pena de prisão, contribua para a prevenção criminal.

Estudos internacionais também dão muito destaque às ações de prevenção do crime e da violência realizadas pelas organizações que atendem aos jovens infratores. Dois tipos de programas mostram bons resultados: aqueles com enfoque na reabilitação (em detrimento dos que possuem enfoque punitivo) e os com supervisão comunitária. Inúmeras avaliações mostraram a não eficiência dos programas que incutem o medo e a punição, aqueles de abordagem militar e os que priorizam apenas o aconselhamento individual ou coletivo dos jovens. Entretanto, os programas com base na reabilitação recebem dos avaliadores internacionais a mesma crítica feita no Brasil: embora a reabilitação seja o objeto principal das ações, na prática, são muito pobremente implementados, devido a fatores financeiros, gerenciais e relacionais.

Dos 109 programas de prevenção do crime e da violência em desenvolvimento no Brasil apresentados neste relatório, cerca de 19 são centrados na área da Justiça e outros 16 têm um componente na área da Justiça, apesar de estarem centrados em outras áreas, como família, trabalho, comunidade e saúde. Muitos programas de prevenção do crime e da violência na esfera da Justiça começaram a ser implementados a partir da década de 1990. Além dos programas destinados à população presa, há diversos programas voltados para os adolescentes em conflito com a lei, para as vítimas de crimes e violências, para a descentralização da justiça e aproximação de justiça e da comunidade.

· Programas de redução da lentidão na tramitação dos processos judiciais;

· Programas de redução da desigualdade no acesso ao sistema de justiça e da desigualdade no tratamento das pessoas e das comunidades pelos profissionais e organizações do sistema de justiça;

· Programas de apoio à resolução extrajudicial e comunitária de conflitos;

· Programas de redução do número de pessoas presas preventivamente aguardando julgamento;

· Programas de reabilitação e reinserção familiar, profissional e social, dirigidos a adultos cumprindo pena pela prática de crime e para adolescentes em medida socioedu cativa pela prática de ato infracional, com as seguintes características:

. Estruturados e direcionados para as características e as necessidades dos participantes;

. Centrados no desenvolvimento de habilidades acadêmicas, profissionais e sociais dos participantes;

. Centrados nos incentivos para mudanças de comportamento;

. Implementados de forma adequada, pelo tempo necessário;

. Integridade nas relações entre agentes responsáveis pela implementação e participantes.

· Programas de apoio à aplicação e execução de penas alternativas e medidas sócioeducativas em meio aberto, direcionados para:

. Crimes e infrações menos graves;

. Adultos e adolescentes com baixa reincidência;

. Casos em que penas alternativas possuam maior eficácia e/ou melhor relação custo-benefício.

· Programas de limitação da aplicação e execução da pena de prisão e medidas de internação aos crimes e infrações mais graves e aos adultos e adolescentes com alta reincidência;

· Programas de apoio à família de adultos cumprindo pena pela prática de crime e de adolescentes em medida sócio-educativa pela prática de ato infracional, especialmente nos casos de pena de prisão e medida de internação;

· Programas de apoio à expansão e aperfeiçoamento do papel da comunidade na reabilitação, tratamento e reinserção familiar, profissional e social dos adultos cumprindo pena pela prática de crimes e adolescentes em medida sócio-educativa pela prática de ato infracional;

· Programas de apoio ao registro, compartilhamento, análise e uso de informações sobre o processo judicial e a execução penal, bem como sobre a estrutura e funcionamento dos sistemas de justiça criminal e administração penitenciária, voltados para o desenvolvimento de políticas e programas de prevenção;

· Programas de apoio ao estudo e pesquisa sobre a estrutura e funcionamento do sistema de justiça criminal e administração penitenciária, e sua relação com a prevenção do crime.

Saúde

Na área da saúde, no Brasil e no Exterior, predominava inicialmente uma abordagem reativa e terapêutica ao problema da violência, centrada no atendimento e tratamento das vítimas. Posteriormente, principalmente no setor da saúde pública, os profissionais da saúde passaram a adotar uma abordagem mais pró-ativa e preventiva, procurando identificar a natureza e controlar a extensão do problema da violência na sociedade, identificar suas causas e possíveis soluções, e aplicar amplamente as medidas adequadas para solucionar o problema. No Brasil, o Programa Saúde da Família é um amplo programa de prevenção na área da saúde, de abrangência nacional, direcionado à família e à comunidade, que focaliza o problema da violência.

Dos 109 programas de prevenção do crime e da violência em desenvolvimento no Brasil apresentados neste relatório, seis estão centrados na área da saúde. Outros 21 programas, apesar de estarem centrados em outras áreas, também desenvolvem ações na saúde. Programas centrados na família – que atendem mulheres ou crianças e adolescentes vítimas de violência familiar–, e programas centrados na comunidade – que atendem a vítimas e familiares de crimes violentos – freqüentemente contam com a participação de profissionais da área da saúde, tais como atendimento médico e psicológico. A maioria dos  programas tem como preocupação central a saúde das vítimas de violência. Há também aqueles voltados para a saúde de crianças e adolescentes em situação de risco. E existem programas direcionados para o problema das drogas.

· Programas de prevenção e tratamento de problemas relacionados ao consumo de álcool e drogas;

· Programas de prevenção e tratamento de problemas psico-sociais e biológicos que aumentam o risco de comportamentos violentos;

· Programas de apoio ao registro, compartilhamento, análise e uso de informações sobre a incidência e o impacto da violência na sociedade, voltados para o desenvolvimento de políticas e programas de prevenção;

· Programas de apoio ao estudo e pesquisa sobre violência e prevenção da violência.

2. A Situação Atual: O Crescimento do Crime e da Violência e as Respostas do

Governo e da Sociedade no Brasil

No Brasil, a redução do crime e da violência e o aumento da segurança dos cidadãos são hoje um desafio do governo e da sociedade. O crime e a violência atingem pessoas de todos os grupos e classes sociais. Além das perdas sofridas pelas vítimas, inclusive da própria vida, o crescimento do crime e da violência contribui para a desintegração de famílias e comunidades, para a deterioração de centros urbanos e abandono de áreas públicas, além de dificultar o processo de desenvolvimento econômico e social e de consolidação da democracia em todos os estados do país.

Na década de 1990, o crescimento do crime e da violência fez com que o número de mortes resultantes de homicídios aumentasse 50,23%, passando de 30.566 em 1991 para 45.919 no ano 2000 (Waiselfisz 2002). A taxa de mortes resultantes de homicídio aumentou 29,19%, passando de 20,9 mortes por 100 mil habitantes em 1991 para 27,0 mortes por 100 mil habitantes no ano 2000 (Waiselfisz 2002).

O crescimento do crime e da violência não é um problema recente. Tem origens na década de sessenta e principalmente setenta, quando o país atravessou um processo acelerado de urbanização e de crescimento de grandes centros urbanos e regiões metropolitanas, sob um regime autoritário e excludente. A transição para a democracia, na década de oitenta, não resultou em mudanças imediatas na situação de desigualdade e exclusão social e de práticas autoritárias por parte de agentes públicos e privados (Pinheiro 1998). Persistiu um quadro marcado por graves violações de direitos humanos, incluindo execuções extrajudiciais, torturas e prisões arbitrárias, agravadas pelo crescimento do crime organizado (Pinheiro e Mesquita Neto 1999; Mesquita Neto e Affonso 2003). Antes de saltar de 20,9 em 1991 para 27,0 no ano 2000, a taxa de homicídio por 100 mil habitantes havia crescido de 7,9 em 1977 (Mello Jorge 1997) para 11,5 em 1980 (Yunes and Zubarew 1999). Apesar de não ser um fenômeno recente, o crescimento do crime e da violência ainda não se constitui um fenômeno generalizado. O crime e a violência estão distribuídos desigualmente no país, e atingem de forma particularmente grave a população jovem, do sexo masculino, nas cidades grandes e regiões metropolitanas, em áreas caracterizadas por carências econômicas, sociais, culturais e ambientais, por graves violações de direitos humanos e, freqüentemente, pela presença do crime organizado, do tráfico de drogas e do comércio e porte ilegal de armas (Campos et al 2003; Cardia, Adorno e Poleto 2003; Pochmann e Amorim 2003; Minayo e Souza 2003; Cardia e Schiffer 2002).

Em todas as regiões e estados do país, o crime e a violência estão concentrados nas grandes cidades e, principalmente, áreas metropolitanas (Waiselfisz 2002). Na década de 1990, o número de mortes por homicídios nas capitais aumentou 58,85%, passando de 12.023 em 1991 para 19.099 em 2000. A taxa de mortes por homicídios nas capitais aumentou 38,4%, passando de 34,1 mortes por 100 mil habitantes em 1991 para 47,2 mortes por 100 mil habitantes no ano 2000 – 74,8% superior à taxa brasileira. As capitais que registraram as maiores taxas foram Recife, Vitória, Cuiabá, São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Velho.

A violência também atinge de forma mais intensa os homens, os jovens e os moradores de comunidades carentes (Waiselfisz 2002). Das 45.919 mortes por homicídio registradas no país no ano 2000, 41.927 foram de homens (91,7%) e 3.791 de mulheres (8,3%). A taxa de mortes por homicídio entre os homens chegou a 50,2 mortes por 100 mil habitantes no ano 2000 – 11,4 vezes superior à taxa entre as mulheres, de 4,4 mortes por 100 mil habitantes, e 85,9% superior à taxa brasileira.

Na década de 1990, o número de mortes por homicídio entre os jovens de 15 a 24 anos aumentou 77%, passando de 10.036 em 1991 para 17.762 em 2000. A taxa de mortes por homicídios aumentou 48%, passando de 35,2 mortes por 100 mil habitantes em 1991 para 52,1 mortes por 100 mil habitantes no ano 2000 – 92,9% superior à taxa brasileira.

Comparando o aumento das taxas de mortes por homicídios na população de 15 a 24 anos e na população da demais faixas etárias, verifica-se que o crescimento deste tipo de violência nos últimos vinte anos no Brasil vitimou principalmente a população jovem. A taxa de vitimização na faixa de 14 a 25 anos aumentou de 30 mortes por 100 mil habitantes em 1980 para 52,1 mortes por 100 mil habitantes em 2000 (+73,7%). No mesmo período, a taxa de vitimização nas demais faixas etárias caiu de 21,3 mortes por 100 mil habitantes para 20,8 mortes por 100 mil habitantes (-2,35%). Nas capitais, a taxa de mortes por agressões na faixa etária de 15 a 24 anos chegou a 98,8 mortes por 100.000 habitantes no ano 2000 – 109,3% superior à taxa da população total das capitais e 265,9% superior à taxa brasileira. As taxas mais altas de mortes por agressões entre os jovens foram registradas em Recife, Vitória, São Paulo, Rio de Janeiro e Cuiabá.

Levando em consideração apenas a população masculina, de 15 a 24 anos, nas capitais, a taxa de mortes por agressões ou homicídios chega a 181,8 mortes por 100 mil habitantes – 424,5 em Recife, 309,0 em Vitória, 269,4 em São Paulo, 264,9 em Cuiabá e 252,3 no Rio de Janeiro. Mapas de risco da violência mostram que as maiores taxas de homicídio são registradas na periferia das grandes cidades, onde há maior pobreza, desemprego e falta de serviços básicos, como saúde, educação, esporte, cultura e lazer, transporte, comunicações, segurança e justiça (Campos et al. 2003; Cardia, Adorno e Poleto 2003; Cardia e Schiffer 2002; Cano 2001; Akerman e Bousquat 1999; Cedec 1996a, 1996b, 1997a, 1997b). É também nessas áreas que costumam ocorrer graves violações de direitos humanos, como execuções sumárias, tortura e detenções arbitrárias. Na cidade de São Paulo, por exemplo, a taxa de homicídio por 100 mil habitantes chega a ser 28 vezes maior em um bairro pobre de periferia, como o Jardim Ângela (116,23 homicídios por 100 mil), do que em um bairro rico na região central, como Moema (4,11 homicídios por 100 mil habitantes).

As Respostas do Governo e da Sociedade

O crescimento do crime e da violência e o aumento da organização e mobilização da sociedade civil, que acompanharam o processo de transição para democracia, contribuíram para estimular os estudos e pesquisas sobre o crime e a violência, particularmente na área  da saúde pública (Minayo e Souza 2003a; Minayo, Souza e Njaine 1999) e das ciências sociais (Lima et al 2000; Zaluar 1999; Adorno 1993). Em vários estados, professores e pesquisadores construíram centros para desenvolver estudos e pesquisas sobre o tema. Lideranças da sociedade civil criaram organizações não-governamentais, freqüentemente associadas a centros de estudos e pesquisas, para promover o debate e desenvolver ações na área de segurança pública. Vários destes centros de estudos e pesquisas e organizações não governamentais têm web-sites, cujos endereços são apresentados na seção 9 do relatório.

O Brasil tem um sistema político federal, integrado pela União, composto por 26 estados, o distrito federal e 5.561 municípios. As principais agências policiais são as polícias estaduais, a polícia militar, a polícia civil e a polícia técnico-científica, na sua maioria sob o controle de Secretarias de Estado da Segurança Pública. A polícia militar, força de reserva e auxiliar do Exército, é responsável pelo policiamento ostensivo e preventivo e manutenção da ordem pública. A polícia civil é responsável pela investigação criminal. A polícia técnicocientífica é responsável pela realização de perícias e elaboração de laudos nas áreas de identificação, criminalística e medicina legal. Apesar de haver um movimento favorável à autonomia institucional da polícia técnico-científica, na maioria dos estados a políciatécnico científica é parte integrante da polícia civil.

A União tem uma polícia federal e uma polícia rodoviária federal, sob o controle do Ministério da Justiça. A polícia federal é responsável pelo controle de fronteiras e investigação de crimes federais. A polícia rodoviária federal é responsável pelo patrulhamento das rodovias federais. O Exército, sob o controle do Ministério da Defesa, é responsável pela defesa externa, mas também pela manutenção da lei e da ordem.

Os municípios podem manter guardas municipais. Ainda que não tenham o poder de polícia, na prática as guardas realizam atividades de policiamento. Dos 5.561 municípios do país, 1.045 têm guardas municipais, dos quais 248 estão situados no Estado da Bahia e 176 no Estado de São Paulo. Das 1.045 guardas municipais, 911 estão em cidades com  menos de 100 mil habitantes e 134 em cidades com mais de 100 mil habitantes. Durante a década de 1980 e parte da década de 1990, a principal resposta ao crescimento do crime e da violência foi o aumento do efetivo das polícias, guardas municipais e das empresas e serviços privados de segurança. De 1985 para 1995, o número de policiais e guardas municipais no país, na sua maioria policiais militares e civis, cresceu de 339.900 para 494.162 (+45,4%). O número de pessoas empregadas na segurança privada cresceu de 640.500 em 1985 para 1 milhão em 1995, sem incluir os policiais e outras pessoas que trabalham ilegalmente na segurança privada.

Este fortalecimento das polícias contribuiu para a intensificação das ações policiais e para o aumento do número de pessoas presas, aguardando julgamento ou condenadas pela justiça, de 88 mil em 1988 para 126 mil em 1993, 170 mil em 1997 e 285 mil em junho de 2003. Na segunda metade da década de noventa, começou a perceber-se que o aumento do efetivo policial e das prisões não era suficiente para reduzir o crime e a violência, e particularmente o número de homicídios no país. Ficou evidente, também, que os sistemas de segurança pública, justiça criminal e administração penitenciária não tinham estrutura adequada para solucionar os problemas de segurança pública. Processos de reforma institucional nestes sistemas não foram suficientes para transformar práticas e superar deficiências herdadas do regime autoritário, consolidar práticas democráticas, e promover a integração das organizações destes sistemas com outras organizações governamentais, da sociedade civil e do setor privado.

No governo e na sociedade, surgiram diversas propostas de reforma das organizações dos sistemas de segurança pública, justiça criminal e administração penitenciária, e da sua integração com outras organizações governamentais, organizações da sociedade civil e do  setor privado, visando ao desenvolvimento e aperfeiçoamento de políticas e programas de prevenção do crime e da violência e melhoria da segurança pública. Cresceu a convicção de que a prevenção do crime e da violência e a melhoria da segurança pública não são responsabilidade apenas dos estados e das organizações da segurança pública, da justiça criminal e da administração penitenciária, mas que o governo federal, os governos municipais e a sociedade civil têm um papel fundamental a desempenhar nesta área.

A Prevenção do Crime e da Violência

A partir da segunda metade da década de 1990, nas áreas da segurança pública, da justiça criminal e administração penitenciária, dos direitos humanos, da saúde pública e do desenvolvimento urbano, entre outras, começou a haver uma crescente mobilização a favor do desenvolvimento de políticas e programas de prevenção do crime e da violência e melhoria da segurança pública. O Governo Federal criou a Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp) em 1997, no âmbito do Ministério da Justiça, reestruturando e fortalecendo a Secretaria de Planejamento das Ações Nacionais de Segurança Pública (Seplanseg), criada em 1995. A estrutura da Senasp passou por várias modificações e sua competência atual é definida no artigo 14 do decreto 4.991, de 18 de fevereiro de 2004, incluindo o assessoramento ao Ministro da Justiça “na definição, implementação e acompanhamento da Política Nacional de Segurança Pública e dos Programas Federais de Prevenção Social e Controle da Violência e Criminalidade”:

Art. 14. À Secretaria Nacional de Segurança Pública compete:

I - assessorar o Ministro da Justiça na definição, implementação e acompanhamento da Política Nacional de Segurança Pública e dos Programas

Federais de Prevenção Social e Controle da Violência e Criminalidade;

II - planejar, acompanhar e avaliar a implementação de programas do Governo federal para a área de segurança pública;

III - elaborar propostas de legislação e regulamentação em assuntos de segurança pública, referentes ao setor público e ao setor privado;

IV - promover a integração dos órgãos de segurança pública;

V - estimular a modernização e o reaparelhamento dos órgãos de segurança pública;

VI - promover a interface de ações com organismos governamentais e não governamentais, de âmbito nacional e internacional;

VII - realizar e fomentar estudos e pesquisas voltados para a redução da criminalidade e da violência;

VIII - estimular e propor aos órgãos estaduais e municipais a elaboração de planos e programas integrados de segurança pública objetivando controlar ações de organizações criminosas ou fatores específicos que gerem índices de criminalidade e violência, bem como estimular ações sociais de prevenção da violência e criminalidade;

IX - exercer, por seu titular, as funções de Ouvidor-Geral das Polícias Federais;

X - implementar, manter e modernizar o Sistema Nacional de Informações de Justiça e Segurança Pública - INFOSEG;

XI - promover e coordenar as reuniões do Conselho Nacional de Segurança Pública - CONASP; e

XII - incentivar e acompanhar a atuação dos Conselhos Regionais de Segurança Pública.

O decreto 4.991/04 também define, nos artigos 36 e 37, a competência do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (criado em 1980, instituído pela lei federal 7.210 de 1984) e do Conselho Nacional de Segurança Pública (criado em 1997), ambos no âmbito do Ministério da Justiça, atribuindo ao primeiro a formulação da política criminal, incluindo a prevenção do crime, e ao segundo a formulação da política de segurança pública:

Art. 36. Ao Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária compete:

I - propor diretrizes da política criminal quanto à prevenção do delito, administração da Justiça Criminal e execução das penas e das medidas de segurança;

II - contribuir na elaboração de planos nacionais de desenvolvimento, sugerindo as metas e prioridades da política criminal e penitenciária;

III - promover a avaliação periódica do sistema criminal para a sua adequação às necessidades do País;

IV - estimular e promover a pesquisa criminologia;

V - elaborar programa nacional penitenciário de formação e aperfeiçoamento do servidor;

VI - estabelecer regras sobre a arquitetura e construção de estabelecimentos penais e casas de albergados;

VII - estabelecer os critérios para a elaboração da estatística criminal;

VIII - inspecionar e fiscalizar os estabelecimentos penais, bem assim informarse, mediante relatórios do Conselho Penitenciário, requisições, visitas ou outros meios, acerca do desenvolvimento da execução penal nos Estados e Distrito Federal, propondo às autoridades dela incumbida as medidas necessárias ao seu aprimoramento;

IX - representar ao Juiz da Execução ou à autoridade administrativa para instauração de sindicância ou procedimento administrativo, em caso de violação das normas referentes à execução penal; e

X - representar à autoridade competente para a interdição, no todo ou em parte, de estabelecimento penal.

Art. 37. Ao Conselho Nacional de Segurança Pública - CONASP compete:

I - formular a Política Nacional de Segurança Pública;

II - estabelecer diretrizes, elaborar normas e articular a coordenação da Política Nacional de Segurança Pública;

III - estimular a modernização de estruturas organizacionais das polícias civil e militar dos Estados e do Distrito Federal;

IV - desenvolver estudos e ações visando a aumentar a eficiência dos serviços policiais, promovendo o intercâmbio de experiências; e

V - estudar, analisar e sugerir alterações na legislação pertinente.

No ano 2000, o Governo Federal lançou o Plano Nacional de Segurança Pública (Brasil, Ministério da Justiça 2001) visando a promover e integrar ações de organizações federais, estaduais, municipais, de entidades da sociedade civil e do setor privado, para controlar e prevenir o crime e a violência. Entre as medidas no âmbito da cooperação entre o Governo Federal e os governos estaduais, o Plano Nacional de Segurança Pública incluiu a intensificação das ações do Programa Nacional de Direitos Humanos, lançado em 1996 e atualizado em 2003, direcionadas para prevenção do crime e da violência. Entre as medidas de natureza institucional, o Plano Nacional de Segurança Pública incluiu a criação de um comitê de acompanhamento e integração de programas sociais, que deu origem ao Plano Integrado de Acompanhamento de Programas Sociais (Piaps), na esfera do Gabinete da Segurança Institucional da Presidência da República.

Também no ano 2000, o Governo Federal criou o Fundo Nacional de Segurança Pública (medida provisória 2.029/00; lei federal 10.201/01), visando a apoiar o desenvolvimento de projetos estaduais municipais na área da segurança pública e projetos da prevenção do crime e da violência enquadrados no Plano Nacional de Segurança Pública. Em 2002, o Ministério da Justiça constituiu um grupo de trabalho formado por representantes da Secretaria Nacional de Segurança Pública, Secretaria Nacional de Justiça e Secretaria de Estado dos Direitos Humanos para propor medidas visando à integração das ações federais, estaduais e municipais na área da segurança pública e a redução do crime e da violência no país. O relatório final do grupo de trabalho apresentou a proposta de constituição do Programa Nacional de Apoio à Administração da Segurança Pública nos Estados e Municípios (Penaspem), com o objetivo de integrar ações federais nas áreas da segurança pública, administração da justiça criminal, administração penitenciária e direitos humanos, bem com ações federais, estaduais e municipais, enfatizando a importância das ações de prevenção e visando à redução do crime e da violência no país no período 2002-2006.

Em 2003, entretanto, após a mudança na direção do Governo Federal, o Ministério da Justiça adotou o Projeto Segurança Pública para o Brasil, elaborado originalmente pelo Instituto da Cidadania, como Plano Nacional de Segurança Pública. Inspirado na experiência do Sistema Único de Saúde (SUS), o Projeto Segurança Pública para o Brasil prevê e o Ministério da Justiça promove, através da Secretaria Nacional de Segurança Pública, a construção do Sistema Único de Segurança Pública (Susp), a partir da integração das ações federais, estaduais e municipais na área da segurança pública, da constituição de gabinetes integrados de gestão da segurança pública nos estados e do desenvolvimento de planos estaduais e municipais de segurança pública.

Também em 2003, o Governo Federal reestruturou o Fundo Nacional de Segurança Pública, através da lei federal 10.746/03, procurando criar condições mais favoráveis para utilização dos recursos no desenvolvimento de programas estaduais e municipais de prevençãodo crime e da violência, na integração dos programas na área da segurança pública e nos programas de prevenção do crime e da violência desenvolvidos em outras áreas. Ainda em 2003, o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária aprovou a Resolução 16, de 17 de dezembro de 2003, que dispõe sobre as diretrizes básicas de política criminal quanto à prevenção do delito, administração da justiça criminal e execução da penas e medidas de segurança. A Resolução 16 atualiza a Resolução 5, de 19 de julho de 1999, reforçando a importância da prevenção do crime no contexto da política criminal e penitenciária.

Na área da saúde, o Governo Federal lançou a Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e Violências em 2001 (Brasil. Ministério da Saúde 2002). Assim como o Plano Nacional de Segurança Pública, a Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por Acidentes de Veículos e Violência enfatiza a importância de ações integradas, intersetoriais, comunitárias e preventivas para a redução da violência. Antes disso, em 1992, o Ministério da Saúde havia apresentado uma proposta de linhas de ação para prevenção da violência doméstica (Brasil, Ministério da Saúde, 1993).

Na área do desenvolvimento urbano, a Câmara dos Deputados, através da Comissão de Desenvolvimento Urbano e Interior, com apoio da Comissão de Direitos Humanos e do Conselho Nacional de Saúde, organizou o Seminário Nacional sobre Violência Urbana e Segurança Pública em 2001. Com apoio do Conselho Nacional de Saúde, organizou seminários regionais sobre Violência Urbana e Saúde Pública em 2002, nas cidades de Belo Horizonte, Recife, Curitiba e Belém. Ainda em 2002, organizou a IV Conferência das Cidades em 2002, sobre o tema “Cidade Cidadã: as diversas formas de superação da violência”.

A IV Conferência das Cidades sistematizou e consolidou as propostas de açã  apresentadas nos encontros anteriores, e enfatizou a necessidade de ações de natureza integradas, intersetoriais, comunitárias e preventivas para redução da criminalidade e da violência urbana, incluindo ações nas áreas do desenvolvimento urbano, educação, saúde, segurança, justiça, e comunicação social (Brasil, Câmara dos Deputados, Comissão de Desenvolvimento Urbano e Interior, 2002). Em junho de 2003, o Fórum Nacional da Reforma Urbana realizou encontro nacional e aprovou uma Plataforma para uma Nova Política de Desenvolvimento Urbano que inclui uma seção dedicada a diretrizes gerais para a política de segurança pública e promoção da paz nas cidades (Fórum Nacional da Reforma Urbana 2003).

Na Subchefia de Assuntos Federativos, da Casa Civil da Presidência da República, o Comitê de Articulação Federativa constituiu um grupo de trabalho sobre segurança pública, com o objetivo de produzir um texto de referência para discussão do papel dos municípios na área da segurança pública. O grupo de trabalho foi constituído por representantes da Frente Nacional de Prefeitos, Confederação Nacional de Municípios, Associação Brasileira de Municípios, Conselho Nacional das Guardas Municipais, Casa Civil/Subchefia de Assuntos Federativos, Ministério da Justiça/Secretaria Nacional de Segurança Pública e Ministério das Cidades. Sob a coordenação da Secretaria Nacional de Segurança Pública, o grupo de trabalho produziu o relatório “O Papel dos Municípios no Sistema Único de Segurança Pública” (Brasil, Ministério da Justiça 2003), que atribui aos municípios um papel central na área da segurança pública, especificamente no desenvolvimento de programas e ações prevenção do crime e da violência, e propõe a articulação de programas e ações municipais através de planos municipais e metropolitanos de segurança urbana e prevenção à violência criminal.

Sistema Internacional

Iniciativas internacionais incentivam e fortalecem iniciativas nacionais na área da prevenção do crime e da violência. Em 1995, o Conselho Econômico e Social da Organização das Nações Unidas adotou resolução definindo Diretrizes para Cooperação e Assistência Técnica no Campo da Prevenção da Criminalidade Urbana (Organização das Nações Unidas, Conselho Econômico e Social, Resolução 1995/9). Em 2002, o Conselho Econômico e Social da Organização das Nações Unidas adotou resolução para promoção da prevenção criminal, que define um conjunto de diretrizes para prevenção do crime (Organização das Nações Unidas, Conselho Econômico e Social, 13 Agosto 2002, E/2002/INF/2Add.2). A Organização Mundial da Saúde publicou o Relatório Mundial sobre Violência e Saúde (OMS 2002). Tanto o Conselho Econômico e Social da ONU quanto a Organização Mundial da Saúde ressaltam a importância de estratégias de prevenção para a redução do crime e da violência, recomendam a governos de todos os países o desenvolvimento e o fortalecimento de políticas de prevenção do crime e da violência, e a organizações internacionais o apoio a políticas nacionais de prevenção do crime e da violência.

Programas de Prevenção do Crime e da Violência

Desde a década de 1990, governos estaduais, prefeituras municipais e organizações da sociedade civil passaram a desenvolver programas e ações de prevenção do crime e da violência, em várias áreas, incluindo não apenas na segurança pública, justiça criminal e administração penitenciária, mas também nas áreas da saúde, educação, trabalho, promoção social, comunicação social e direitos humanos (Brasil, Ministério da Justiça 1997). Mais recentemente, algumas prefeituras passaram a desenvolver programas municipais de segurança pública e prevenção do crime e da violência, como aconteceu com a Prefeitura Municipal de Porto Alegre (RS), São Paulo (SP), Diadema (SP) e Resende (RJ). Em algumas regiões metropolitanas, as prefeituras começaram a se articular em fóruns regionais para debater e promover programas e ações municipais na área da segurança pública, particularmente na prevenção do crime e da violência. Em São Paulo, os prefeitos da Região Metropolitana de São Paulo, com apoio do Instituto São Paulo Contra a Violência, do Núcleo de Estudos da Violência e da Rede Globo de Televisão, criaram o Fórum Metropolitano de Segurança Pública, em março de 2001, para promover programas e ações municipais na área da segurança pública, particularmente de natureza preventiva, em parceria com o governo federal, o governo do estado e a sociedade civil. A partir de 2003, diversas prefeituras estabeleceram convênios com o governo do estado, através dos quais o governo do estado passou a disponibilizar mapas de ocorrências criminais no território do município para o desenvolvimento de programas municipais de prevenção do crime e da violência.

Em Pernambuco, os prefeitos da Região Metropolitana de Recife, juntamente com o Governo do Estado e o Governo Federal, decidiram criar uma Câmara de Defesa Social no Conselho de Desenvolvimento da Região Metropolitana de Recife e desenvolver um Programa Metropolitano de Segurança Urbana e Prevenção da Violência e da Criminalidade em 2003.

Levantamento preliminar realizado pelo grupo de trabalho sobre gestão da prevenção em segurança pública, responsável pela elaboração deste relatório, identificou 109 programas de prevenção do crime e da violência em desenvolvimento em 15 estados e no Distrito Federal, com ações nas áreas da família, educação, trabalho, comunidade, polícia, justiça e saúde. Fichas técnicas com informações básicas sobre estes programas são apresentadas na seção 7 deste relatório.

O conjunto de programas apresentados no relatório inclui aqueles sob a responsabilidade de organizações governamentais e programas sob a responsabilidade de organizações da sociedade civil. A maioria deles é resultado de parcerias entre governo e sociedade civil. Alguns são desenvolvidos exclusivamente em uma localidade, enquanto outros em diversos locais, segundo um modelo ou padrão adaptado às condições de cada localidade. Da mesma forma, existem programas centrados em um único tipo de ação, direcionada a um único  tipo de fator de risco ou de proteção que afeta a incidência e o impacto do crime e da violência. Outros programas são compreensivos, integrando diversos tipos de ações direcionadas a diversos fatores de risco e de proteção. Alguns programas têm a prevenção do crime e da violência como objetivo. Outros atuam sobre fatores de risco e de proteção que afetam a incidência e o impacto do crime e da violência. De maneira geral, o levantamento mostra a disseminação de iniciativas, programas e ações na área da prevenção do crime e da violência. Mas mostra também que, de maneira geral, estas iniciativas são recentes, têm duração limitada, alcance e impacto limitado, não estão integradas entre si, e não encontram sustentação em políticas municipais e estaduais de prevenção do crime e da violência e de melhoria da segurança pública. Na maioria dos casos, os programas de prevenção do crime e da violência não são dotados de instrumentos de monitoramento e avaliação e não são capazes de demonstrar os resultados alcançados.

Desafios na Prevenção do Crime e da Violência

Apesar do crescente interesse no desenvolvimento de políticas e programas de prevenção do crime e da violência, e do empenho do Ministério da Justiça e da Secretaria Nacional de Segurança Pública neste sentido, o governo e a sociedade enfrentam enormes desafios no desenvolvimento destas políticas e programas. Ainda prevalece no país uma concepção tradicional da prevenção do crime e da violência, como se a prevenção constituísse uma área dissociada, complementar ou suplementar às áreas da segurança pública, justiça criminal e administração penitenciária. Na esfera federal, a dissociação entre a prevenção do crime e da violência e a segurança pública fica particularmente evidente na estrutura do Ministério da Justiça, onde até hoje existe um Conselho Nacional de Segurança Pública com competência para assuntos de segurança pública e um Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária com competência para assuntos de prevenção do crime, administração da justiça criminal e execução das penas e medidas de segurança.

Esta concepção tradicional da prevenção do crime e da violência, que associa a prevenção a ações na área econômica, social e cultural, dificulta a realização de mudanças na estrutura e funcionamento de organizações governamentais, a integração de ações em diversas esferas do governo, e o desenvolvimento de políticas e programas integrados, voltados para a prevenção do crime e da violência e a melhoria da segurança pública.

Além disso, os governos e a sociedade civil freqüentemente deixam de dar atenção ao desenvolvimento de políticas e programas de prevenção do crime e da violência, assumindo que políticas e programas econômicos, sociais e culturais, particularmente aqueles capazes de reduzir a desigualdade e a exclusão social, independentemente de ações direcionadas especificamente à redução do crime e da violência, possam resolver os problemas de segurança pública.

A carência e a baixa qualidade das informações e dados sobre o crime e a violência e sobre a atuação das agências dos sistemas de segurança pública, justiça criminal e administração penitenciária também dificultam – se não inviabilizam – o planejamento, o monitoramento e a avaliação adequada de políticas e programas de prevenção do crime e da violência.

Na área da segurança pública, ainda não há um sistema nacional de registro de ocorrências criminais, apesar da realização de estudos para criação deste sistema. Cada estado tem seu próprio sistema. A metodologia e a qualidade do registro de ocorrências criminais varia de estado para estado e mesmo de um governo para outro. As informações dos estados não são imediatamente comparáveis. Pesquisas de vitimização são realizadas nas capitais, mas não regularmente, de forma a permitir um monitoramento adequado das tendências da criminalidade nos estados ou mesmo nas capitais. Na área da saúde, há um sistema nacional de registro de mortes violentas, que produz dados nacionais sobre o número de mortes resultantes de agressões, de acidentes, de suicídio, e de arma de fogo. Os dados de morte por agressões, da área da saúde, entretanto, não são diretamente comparáveis com os dados de ocorrências de homicídio, da área da segurança pública. O setor da saúde registra informações e dados sobre o número de mortes violentas, a causa da morte e as características da vítima, com destaque para o local de residência. O setor de segurança pública registra informações e dados sobre o número de ocorrências criminais, as circunstâncias da ocorrência, com destaque para o local da ocorrência, e as características dos autores, vítimas e testemunhas dos crimes. Freqüentemente, há discrepâncias e conflitos entre os dados da saúde e da segurança pública.

Além da falta de informações e dados, há também uma carência de profissionais qualificados para fazer a análise das tendências e das causas do crime e da violência, e formular, implementar, monitorar e avaliar políticas e programas de prevenção do crime e da violência. O problema é grave, inclusive na área da segurança pública, na medida em que as organizações policiais estão voltadas principalmente para o atendimento a ocorrências, a investigação criminal e a prisão dos responsáveis por crimes e violências, e dão pouca atenção ao desenvolvimento de programas de prevenção do crime e da violência.

3. Proposta de Mudança: Uma Visão da Prevençaõ do Crime e da Violência no

Sistema Único de Segurança Pública.

O conceito de prevenção ganhou importância inicialmente na área da saúde, na década de 1950, a partir da pressuposição de que é possível “antecipar, preceder ou tornar impossível por meio de uma providência precoce” o desenvolvimento de doenças e agravos à saúde. Leavell & Clarck (1976) defenderam que os objetivos finais de toda atividade de saúde eram a promoção da saúde, a prevenção das doenças e o prolongamento da vida. Responsáveis pela disseminação do conceito de prevenção, idealizaram estratégias de prevenção primária, secundária e terciária das doenças, definidas principalmente pelo aspecto temporal.

As ações de prevenção secundária e terciária têm sido mais implementadas, mas recentemente tem crescido a importância das ações de prevenção primária e de promoção da saúde e da qualidade de vida (Krug et al 2002).

A prevenção primária se dirige a prevenir a violência antes que ela surja, atuando sobre os fatores contribuintes e os agentes da violência. Foi denominada por Leavell & Clarck como fase pré-patogênica, em analogia ao modelo médico etiológico de enfermidades. Engloba atividades de promoção da saúde e medidas de proteção específicas (por exemplo, imunização contra doenças). Com o passar dos anos, a importância dessa forma de prevenção tem ocupado maior destaque na área da saúde, embora seja mais utilizada quando existem medidas de proteção mais objetivamente percebidas, que mostrem um custo-benefício razoável (vacinas, medicamentos). É ainda pouco utilizada quando requer medidas ampliadas e que demandam investimento em mudança de comportamento (estratégias educativas, de apoio à melhoria de qualidade de vida, entre outros). É uma meta de mais difícil execução, pois requer a participação de todos os setores da sociedade, muitas vezes contrariando interesses políticos e comportamentos habituais. Busca motivar mudanças no nível educacional, legal e social, tendo impacto importante na saúde e bem estar da população.

A prevenção secundária se caracteriza pelas respostas mais imediatas à violência, enfocando a capacidade de diagnóstico, tratamento precoce e limitação do dano. Nesse nível de atuação, os sistemas assistenciais e as redes de apoio social e comunitário são extremamente relevantes, pois permitem a identificação de casos e populações sob risco. Escolas, creches, lideranças comunitárias, serviços de segurança e de saúde, especialmente ambulatoriais e de emergência, representam instituições sociais cruciais para a prevenção neste segundo nível. A prevenção terciária compõe-se de respostas de mais longo prazo, destinadas ao processo de reabilitação das vítimas. Embora devesse ser utilizada apenas nos casos em que as medidas anteriores não tivessem surtido efeito, costuma ser ainda estratégia muito utilizada. Visa a intervir, controlar e tratar os casos reconhecidos, buscando reduzir os efeitos, seqüelas e traumas, evitar que a violência se torne crônica e promover a reintegração dos indivíduos. No Brasil, o conceito de prevenção ganhou maior importância na área da saúde com o Movimento da Reforma Sanitária, a Constituição Federal de 1988 e a estruturação do Sistema Único de Saúde, a partir da promulgação das Leis Orgânicas da Saúde (Lei 8.080/90 e 8.142/ 90), com o objetivo de garantir o direito à saúde “mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e outros agravos e assegurem o acesso universal igualitário a ações e serviços de promoção, proteção e recuperação da saúde” (CF 1988, art. 196).

Há hoje uma ampla literatura sobre a prevenção de doenças e agravos à saúde, incluindo estudos e pesquisas sobre a prevenção da violência que, devido ao elevado número de mortes violentas registrados no país, particularmente entre os jovens, passou cada vez mais a ser considerada um problema de saúde pública (Minayo e Souza 2003; Minayo, Souza e Njaine 1999). Em 2001, o Ministério da Saúde lançou a Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e Violências (Ministério da Saúde 2001).

A Prevenção na Segurança Pública

A difusão do conceito de prevenção na área da segurança pública realizou-se nas sociedades industriais avançadas na década de 1970 e 1980. Diante do crescimento da criminalidade, e de estudos e pesquisas mostrando os limites das respostas repressivas (isto é, da punição e/ou ameaça de punição), principalmente através das organizações policiaise dos sistemas de justiça criminal e administração penitenciária, para reduzir a incidência e o impacto de crimes na sociedade, houve um importante movimento no sentido de desenvolver teorias e práticas sobre a prevenção do crime (Bennet 1998; Pease 1997).

O desenvolvimento de teorias e práticas sobre a prevenção do crime na área da segurança pública foi paralelo ao desenvolvimento de teorias e práticas sobre prevenção da violência na área da saúde pública (Minayo e Souza 2003; Krug et al 2002). Na área da segurança pública, entretanto, o desenvolvimento de teorias e práticas sobre a prevenção foi prejudicado pela incompreensão e pelo debate em torno do conceito de “prevenção”. Na área da segurança pública, a prevenção é freqüentemente apresentada e percebida como um tipo específico de ação visando à redução da criminalidade, alternativa a ações repressivas, centradas na punição ou ameaça de punição dos autores de crimes, estas últimas sob responsabilidade das organizações policiais e do sistema de justiça criminal e de administração penitenciária. Deste ponto de vista, as organizações policiais e do sistema de justiça criminal e administração penitenciária não teriam atuação na área da prevenção. A prevenção diria respeito apenas ou principalmente a ações econômicas, sociais, culturais e ambientais ou urbanísticas, fora da área de atuação das organizações policiais e do sistema de justiça criminal e administração penitenciária.

Segundo outro enfoque, entretanto, a prevenção é entendida como um resultado de ações visando à redução da criminalidade, que pode ser alcançado através de diferentes tipos de ações, incluindo a punição ou ameaça de punição dos autores de crimes, mas também ações econômicas, sociais, culturais e ambientais ou urbanísticas. Deste ponto de vista, a prevenção diz respeito apenas ou principalmente a ações capazes de produzir um resultado específico: a não-ocorrência de um ou mais crimes que teriam ocorrido na ausência da ação preventiva (Bennet 1998, Sherman 1997).

Este segundo entendimento do conceito de prevenção tem três vantagens sobre o primeiro: a) chama atenção para a importância do monitoramento e avaliação dos resultados de diferentes tipos de ações visando à redução da criminalidade; b) chama a atenção para a possibilidade de redução da criminalidade através de diferentes tipos de ações, tanto ações punitivas, sob responsabilidade das organizações policiais e do sistema de justiça criminal e administração penitenciária, quanto através de ações econômicas, sociais, culturais e ambientais ou urbanísticas, sob responsabilidade de outras organizações; e c) chama a atenção para as similaridades e não para as diferenças, conseqüentemente promovendo a cooperação e não o conflito entre as organizações policiais e do sistema de justiça criminal e administração penitenciária e outras organizações governamentais e não-governamentais visando à redução do crime e da violência na sociedade.

A fim de identificar e planejar corretamente as ações preventivas, entretanto, é importante ressaltar que prevenção do crime não implica necessariamente redução da criminalidade. Num contexto de queda da criminalidade, ações preventivas bem sucedidas contribuem para acentuar a redução da criminalidade. Mas, num contexto de crescimento da criminalidade, ações preventivas podem contribuir para a reversão da tendência e redução da criminalidade ou, alternativamente, podem contribuir apenas para a contenção do crescimento da criminalidade (Bennet 1998). Políticas e programas de prevenção, portanto, devem levar em consideração o contexto, a fim de definir seus objetivos e adequar objetivos, ações e recursos.

Tipos de Prevenção

Na área da segurança pública, como na área da saúde pública, as ações preventivas são freqüentemente classificadas como ações de prevenção primária, secundária e terciária. Mas o critério de classificação não é temporal. É principalmente o objeto ou o foco da ação. A prevenção primária diz respeito a ações dirigidas ao meio ambiente físico e/ou social, mais especificamente aos fatores ambientais que aumentam o risco de crimes (fatores de risco) e/ou aos fatores ambientais que diminuem o risco de crimes (fatores de proteção), visando a evitar incidência e/ou limitar e controlar as conseqüências negativas de crimes e violências. A prevenção primária pode incluir ações que implicam mudanças mais abrangentes, na estrutura da sociedade ou comunidade, visando a reduzir a pré-disposição para a prática de crimes e violências na sociedade (prevenção social). Ou, alternativamente, pode incluir ações que implicam mudanças mais restritas, nas áreas ou situações em que ocorrem os crimes e violências, visando a reduzir as oportunidades para a prática de crimes e violências na sociedade (prevenção situacional).

Ampliação dos serviços de saúde direcionados a famílias com filhos recém-nascidos, ampliação das oportunidades de educação e trabalho na comunidade, por exemplo, são ações típicas de prevenção social. Limitação e controle do uso de armas, modificação de horários e locais de atividades econômicas, sociais e culturais, aumento da vigilância através da presença de policiais, guardas municipais, seguranças privados ou circuitos de televisão, são ações típicas de prevenção situacional.

O fato de exigir recursos menores é uma vantagem que tem facilitado o desenvolvimento da prevenção situacional, particularmente no setor da segurança privada, mas também no setor da segurança pública. A maior desvantagem da prevenção situacional, particularmente do ponto de vista da segurança pública, é o risco de deslocamento dos agressores para outras áreas ou situações ou para outros tipos de crimes. Assim, ao invés de contribuir para a redução da criminalidade na sociedade, a prevenção situacional poderia contribuir apenas para a redução da criminalidade em áreas ou situações específicas ou para a redução de tipos específicos de crimes. Defensores da prevenção situacional, entretanto, argumentam que o deslocamento nem sempre acontece e nem sempre é uma desvantagem, e que a prevenção situacional pode contribuir efetivamente para a redução da criminalidade na sociedade.

A prevenção secundária diz respeito a ações dirigidas a pessoas e grupos mais suscetíveis de praticar crimes e violências e aos fatores que contribuem para a vulnerabilidade e/ou resiliência destas pessoas e grupos, visando a evitar o seu envolvimento com o crime e a violência ou ainda limitar os danos causados pelo seu envolvimento com o crime e a violência. Diz respeito também a pessoas e grupos mais suscetíveis de serem vítimas de crimes e violências, visando a evitar ou a limitar os danos causados pela sua vitimização. Ações de prevenção secundária são freqüentemente dirigidas aos jovens e adolescentes, e a membros de grupos vulneráveis e/ou em situação de risco, inclusive crianças, mulheres e idosos em casos de violência doméstica ou intrafamiliar, mulheres em casos de violência de gênero, e negros em casos de violência contra minorias. O que diferencia a prevenção secundária da prevenção primária é principalmente o fato de que a secundária está mais direcionada a pessoas e grupos, enquanto que a primária está mais direcionada ao meio-ambiente, áreas ou situações. Freqüentemente, políticas e programas de prevenção combinam ações de prevenção primária e secundária. É o caso, por exemplo, de uma política de limitação e controle do uso de armas de fogo, ou de ampliação das oportunidades de trabalho, direcionada especificamente a adolescentes e jovens.

A prevenção terciária diz respeito a ações dirigidas a pessoas que já praticaram crimes e violências, visando a evitar a reincidência e a promover o seu tratamento, reabilitação e reintegração familiar, profissional e social, bem como a pessoas que já foram vítimas de crimes e violências, visando a evitar a repetição da vitimização e a promover o seu tratamento, reabilitação e reintegração familiar. No Brasil, assim como em outros países, o principal foco das ações de prevenção terciária são os adultos que praticaram crimes e os adolescentes que praticaram infrações. Mas, cada vez mais, programas e ações de prevenção são direcionados às vítimas de crimes e violências. Tradicionalmente, o governo e a sociedade têm adotado uma postura reativa diante dos problemas de segurança pública, privilegiando as ações de prevenção terciária, geralmente sob responsabilidade do sistema de justiça criminal e de administração penitenciária, comparativamente a ações de prevenção primária e secundária. Cada vez mais, entretanto, diante do agravamento dos problemas de segurança pública, a sociedade  e o governo procuram adotar uma postura mais pró-ativa e procuram desenvolver também ações de prevenção secundária e primária, selecionando estratégias ou combinações de estratégias em função da natureza do problema.

Além disso, tradicionalmente, a sociedade e o governo têm privilegiado ações preventivas direcionadas para os fatores de risco, privilegiando a estratégia de reduzir ou enfraquecer os fatores de risco como forma de reduzir a vulnerabilidade de indivíduos, famílias e comunidades diante de crimes e violências. Cada vez mais, entretanto, refletindo e reforçando a tendência à adoção de posturas mais pró-ativas, dá-se crescente atenção à estratégia de aumentar ou fortalecer os fatores de proteção como forma de aumentar a resiliência de indivíduos, famílias e comunidades diante de crimes e violências. Valoriza-se, assim, a promoção da segurança pública e o desenvolvimento de ações de prevenção antes mesmo do aumento dos fatores de risco e da vulnerabilidade de indivíduos, famílias e comunidades diante de crimes e violências.

Ao mesmo tempo em que são valorizadas as estratégias de prevenção primária e secundária e as estratégias direcionadas para os fatores de proteção, são valorizadas também as estratégias desenvolvidas através de parcerias entre organizações governamentais e organizações da sociedade civil atuando em diversas áreas, incluindo área econômica, social, cultural, segurança pública, justiça criminal e administração penitenciária.

Contextos da Prevenção

Ações de prevenção primária, secundária e terciária são cada vez mais desenvolvidas simultaneamente, de forma mais ou menos integrada, em diversas áreas ou contextos institucionais. Torna-se, assim, freqüente a utilização de outra forma de classificação das ações preventivas, centrada no contexto institucional nos quais as ações se desenvolvem, com destaque para os seguintes contextos: família, escola, trabalho, mídia, comunidade,  polícia, justiça e saúde.

Tradicionalmente, na esfera das organizações policiais e organizações do sistema de justiça criminal e de administração penitenciária, a prevenção do crime e da violência tem sido entendida simplesmente como resultado de ações punitivas e/ou de ameaças de ações punitivas, particularmente através da pena de prisão. Estudos e pesquisas recentes, entretanto, indicam que a punição ou a ameaça de punição tem um impacto limitado na prevenção do crime e da violência, e podem eventualmente contribuir para o aumento do crime e da violência na sociedade, particularmente quando aplicadas em desacordo com as exigências da lei e as expectativas da comunidade (Sherman 1997). O que contribui efetivamente para a prevenção do crime e da violência é a forma como as organizações policiais e do sistema de justiça criminal lidam com os agressores, vítimas e testemunhas, e ainda a natureza das relações destas organizações com organizações atuando em outros contextos da sociedade, na família, escola, trabalho, comunidade, mídia, saúde (Sherman 1997, Nuttal 1998). Exemplos de ações preventivas nestas áreas incluem o policiamento orientado para a comunidade, para a resolução de problemas e para situações de risco,  assim como programas de tratamento, reabilitação e re-inserção social para adultos e também jovens e adolescentes envolvidos com o crime e a violência.

Estudos e pesquisas recentes indicam também que ações na esfera da família, escola, trabalho, comunidade, em situações de risco, mídia e da saúde podem contribuir de maneira significativa para a prevenção do crime e da violência na sociedade (Sherman 1997, Nuttal 1998). Ainda há menos programas de prevenção do crime e da violência, e menos estudos e pesquisas sobre prevenção do crime e da violência nestas áreas do que na área da polícia e do sistema de justiça criminal. Entretanto, algumas ações nestas áreas têm sido consideradas eficazes do ponto de vista da prevenção do crime e da violência, particularmente em relação aos crimes e violências intrafamiliares e praticados por jovens e adolescentes, claramente associados aos crimes e violências praticados na sociedade. São recentes os estudos e pesquisas sobre a eficácia e eficiência de diferentes tipos de prevenção do crime e da violência, bem como de ações preventivas em diferentes contextos institucionais. Há poucas conclusões definitivas nesta área. Mas há um amplo consenso em relação à importância de integrar ações de governo, da sociedade civil e do setor privado, ações de prevenção primária, secundária e terciária, ações direcionadas a fatores de risco e a fatores de proteção, ações em diferentes contextos institucionais, bem como de direcionar ações de prevenção para áreas e situações de risco e para grupos vulneráveis, e adequar as ações de prevenção às condições da sociedade e às necessidades, interesses e expectativas de seus membros.

4. Programas de Prevenção do Crime e da Violência: O Que Fazer para Prevenção do Crime e da Violência?

Este capítulo apresenta e analisa as conclusões de estudos e pesquisas sobre a eficácia e as condições para o sucesso de programas de prevenção do crime e da violência, realizados principalmente na América do Norte e na Europa Ocidental, particularmente nos Estados Unidos e Inglaterra.11 Muitos programas de prevenção do crime e da violência desenvolvidos na América do Norte e na Europa Ocidental começam a ser adotados no Brasil, conforme mostra o levantamento de programas em desenvolvimento no Brasil apresentado na seção 7 deste relatório. Entretanto, no Brasil, estes programas ainda têm alcance limitado e são desenvolvidos sem o esforço de monitoramento e avaliação existente nos Estados Unidos e, em menor escala, na Inglaterra. Como não é possível ter certeza de que programas eficazes na América do Norte e na Europa Ocidental são também eficazes no Brasil, é importante monitorar e avaliar os programas desenvolvidos neste país, e promover a pesquisa e desenvolvimento de programas de prevenção do crime e da violência adequados às necessidades e especificidades do Brasil.

Apesar dos avanços realizados pelos estudiosos e pesquisadores nos últimos anos, ainda há pouco conhecimento acumulado sobre as causas do crime e da violência e sobre a eficácia, o custo-benefício e as condições necessárias para o desenvolvimento de programas de prevenção do crime e da violência. Neste sentido, uma das principais contribuições que os governos podem dar para a prevenção do crime e da violência é incentivar o monitoramento e a avaliação dos programas de prevenção do crime e da violência a fim de identificar os programas mais eficazes e que têm a melhor relação custo-benefício, bem como as condições necessárias para o desenvolvimento destes programas.

Estudos e pesquisas desenvolvidos na América do Norte e Europa Ocidental mostram que aumentos e reduções da criminalidade são resultados da influência de múltiplos fatores,  incluindo fatores contextuais, ligados às características da sociedade, da comunidade, do grupo e da família na qual os indivíduos se inserem, e fatores associados às políticas e programas governamentais, não havendo um fator determinante nem uma explicação simples para o aumento ou a redução do crime e da violência. Separar e diferenciar as influências de múltiplos fatores é um desafio permanente dos pesquisadores e estudiosos (Reiss e Roth 1993; Sherman et al 1997; Nuttall, Goldblatt e Lewis 1998; Krug et al 2002). Os estudos e pesquisas disponíveis mostram que a eficácia de políticas e programas de prevenção do crime depende do contexto econômico, social e cultural em que são desenvolvidos e da integração das políticas e programas desenvolvidos em diferentes contextos institucionais, mais especificamente, na área da família, da escola, do trabalho, da comunidade, da polícia, da justiça e da saúde (Sherman et al. 1997; Nuttall, Goldblatt e Lewis 1998; Krug et al 2002). A eficácia e a relação custo-benefício de políticas e programas de prevenção do crime também dependem da sua abrangência. Programas desenvolvidos com sucesso em áreas de alto risco de crime e violência freqüentemente não podem ser implementados em toda a sociedade devido ao alto custo da expansão, ou podem ser implementados em áreas maiores, mas com maior custo e/ou menores benefícios (Sherman et al 1997; Nuttall, Goldblatt e Lewis 1998). Há fatores contextuais e mais especificamente práticas sociais que contribuem para o aumento e para a redução do crime independentemente de políticas e programas governamentais. Neste sentido, é possível falar em “fatores de risco”, quando estes fatores aumentam o risco de crimes e violências, e “fatores de proteção”, quando estes fatores diminuem o risco de crimes e violências.

Políticas e programas de prevenção podem reduzir ou limitar a ação dos fatores de risco e/ou aumentar ou ampliar a ação dos fatores de proteção, contribuindo assim para redução do crime e da violência, principalmente quando são direcionados para problemas específicos, áreas de risco e grupos vulneráveis, quando têm a participação de ação de organizações do sistema de justiça criminal e organizações da sociedade, e quando são apoiados em estudos e pesquisas sólidas. Programas compreensivos e intersetoriais, que focalizam múltiplos fatores de risco e fatores de proteção, em diversos contextos institucionais, implementados consistentemente ao longo do tempo, têm mais chance de produzir resultados positivos do que programas que focalizam apenas um fator de risco ou proteção, em apenas um contexto institucional, de forma esporádica e descontínua. O problema do crime e da violência nas grandes cidades, objeto da atenção das polícias e demais organizações do sistema de justiça criminal, está associado a problemas na esfera da família, da escola, do trabalho e da comunidade, que atingem crianças, adolescentes e jovens adultos, aumentando as chances da sua exposição ao crime e à violência, e do seu envolvimento com o crime e a violência. Conseqüentemente, políticas e programas de prevenção do crime e da violência desenvolvidos na esfera da polícia e da justiça têm alcance limitado e dificilmente produzem resultados duradouros se não estiveram associados a políticas e programas desenvolvidos na esfera da família, da escola, do trabalho e da comunidade. Da mesma forma, políticas e programas de prevenção do crime e da violência destinados aos adultos têm alcance limitado e dificilmente produzem resultados duradouros se não estiverem associados a políticas e programas destinados aos jovens adultos, adolescentes e crianças.

Em vários países do mundo, há uma tendência a valorizar e incentivar estudos e pesquisas sobre políticas e programas de prevenção primária, desenvolvidos na esfera da família, da escola, do trabalho e da comunidade, e políticas e programas destinados aos jovens (Krug et al 2002; US Department of Health and Human Services 2001; Nuttall,  Goldblatt e Lewis 1998; Sherman et al 1997). Há também uma tendência de valorizar políticas e programas que focalizam não apenas os fatores de risco, mas também fatores de proteção, com o objetivo de reduzir a vulnerabilidade e também aumentar a resiliência de indivíduos, famílias, grupos sociais e comunidades diante do crime e da violência (Travis e Waul 2002; Hampton, Jenkins and Gullota 1996).

Nas próximas seções são apresentados diversos tipos de programas de prevenção do crime e da violência na esfera da família, da escola, do trabalho, da mídia, da comunidade, da polícia, da justiça e da saúde. Há programas nas diversas esferas que têm por objetivo principal ou secundário a prevenção do crime e da violência. Há programas que contribuem para a prevenção do crime e da violência, mas são desenvolvidos com outros objetivos, sem uma preocupação explícita com a redução do crime e da violência. Há também programas que não contribuem diretamente para a redução do crime e da violência, mas contribuem para diminuir os fatores de risco e aumentar os fatores de proteção associados à incidência de crimes e violências.

Freqüentemente, programas de prevenção do crime e da violência estão centrados em uma área, por exemplo a família, mas incluem ações em diversas áreas, por exemplo saúde, justiça, trabalho e comunidade. Neste relatório, os programas são apresentados na área em que estão centrados, ainda que seja às vezes difícil determinar a principal área de atuação do programa. O Programa da Saúde da Família, por exemplo, é apresentado na seção dedicada à saúde, ainda que tenha muitas ações na esfera da família e da comunidade. Programas de policiamento comunitário são apresentados na área da polícia, ainda que tenham ações na esfera da comunidade. Programas de delegacias especializadas no atendimento de mulheres e de crianças e adolescentes são apresentados na área da polícia, ainda que tenham ações na área da justiça, da saúde e da família. Programas de aplicação e execução de penas alternativas e de medidas sócio-educativas a adolescentes em conflito com a lei são apresentados na área da Justiça, ainda que tenham muitas ações na esfera da família, escola, trabalho e comunidade.

4.1. A Prevenção na Família

A conexão entre violência na família e a ocorrência de violências e crimes na sociedade está claramente estabelecida por estudos científicos nacionais e internacionais. De um lado, a violência familiar ou doméstica – na maioria das vezes contra mulheres, crianças, adolescentes e idosos – contribui para aumentar a incidência e o impacto de violências e crimes na sociedade. Por outro lado, a exposição à violência na família é um fator que aumenta o risco de envolvimento de crianças e adolescentes em outros tipos de violência e crimes quando eles crescem. Embora exista clareza teórica sobre a importância das ações de prevenção de crimes e violências centradas na família, tendo como objetivo reduzir a incidência da violência familiar e a exposição de crianças e adolescentes à violência familiar, no campo das práticas políticas e sociais essas ações ainda têm muito espaço para se consolidarem efetivamente. Tomar as ações na esfera da família como parte importante para a prevenção dos  crimes e violências não significa definir os problemas das famílias como causa da violência social, pois esta tem causas muito mais complexas e intrincadas, na esfera da escola, do trabalho, da comunidade, da polícia, da justiça e da saúde, como assinalado nas próximas seções deste capítulo. Significa, sim, o reconhecimento de que a violência social é potencializada pela violência familiar, especialmente pelo fato da família produzir e reproduzir cultura e mentalidade, atitudes e comportamentos, sendo a responsável pelo crescimento e desenvolvimento das crianças, adolescentes e jovens, que podem vir a se envolver com o crime e a violência. Além disso, a família é a unidade básica de pertencimento dos indivíduos, acolhendo-os e possibilitando a integração com a sociedade que a cerca.

Estudos com adolescentes e jovens envolvidos em infrações e violências mostram que esses jovens comumente provêm de famílias com problemas de violência familiar, em que estão presentes vários fatores de risco, especialmente relacionados a: a) estresse - intensos conflitos familiares, pobreza, criminalidade de familiares, psicopatologia de familiares, entre outros; b) profunda instabilidade – mudanças constantes, limites muito rígidos ou inconsistentes, punições excessivas ou inconsistentes, supervisão familiar precária, apoio familiar, escolar e comunitário precários (Sherman et al 1997; Schoemaker 1996; Nuttall, Goldblatt e Lewis 1998; Negreiros 2001; Thornton et al 2002; Krug et al 2002).

As pesquisas também mostram que, à medida que se reduzem os fatores de risco para violência familiar, obtém-se efeito substancial na redução de crimes e violências na sociedade. Entretanto, há mais pesquisas realizadas e mais conhecimento acumulado sobre a redução da violência familiar envolvendo crianças e adolescentes do que sobre redução da violência familiar envolvendo adultos (Sherman et al 1997). No Brasil, a maioria dos autores confirma a existência de freqüentes violências nas famílias submetidas a várias situações de risco, tais como pobreza, envolvimento familiar com a criminalidade, mortes na família, desigualdade e exclusão social e violência na comunidade, decorrentes das ações do narcotráfico, das gangues e da polícia (Silva 1997; Rizzini et al 2000; Assis 1999; Assis e Constantino 2001). A idéia de ciclo da violência também faz parte da preocupação dos autores nacionais e internacionais. A existência da relação entre sofrer violência na família e praticar ou continuar a sofrer violência na vida adulta tem sido reiteradamente apontada, embora não seja uma relação de causa e efeito. Essa relação é mediada por vários atributos, tais como características bio-psicológicas da vítima, existência de outras formas de suporte familiar, escolar ou comunitário, grupo de pares e apoio escolar vivenciado. Em concordância com a bibliografia internacional, um estudo realizado com 1.685 adolescentes de escolas públicas e particulares de São Gonçalo, município da região metropolitana do Rio de Janeiro, comprovou que os alunos que sofrem violência nas suas famílias são três vezes mais vítimas de violência na escola e quase quatro vezes mais vítimas de violência na comunidade em que vivem. Também são três vezes mais transgressores das normas sociais (Assis & Avanci 2003).

Estudos longitudinais vêm comprovando que programas de prevenção efetuados sobre famílias na fase de pré-natal, pós-natal e primeira infância dos filhos mostram os melhores resultados no que se refere à redução de envolvimento com o crime na juventude e também à obtenção de melhor rendimento escolar e maiores oportunidades de emprego no futuro. Efeitos mais imediatos surgem sobre a redução do comportamento anti-social e desordens de conduta e melhoria da qualidade de cuidado dos pais com os filhos (Sherman et al 1997; Nuttall, Goldblatt e Lewis 1998). Os programas de prevenção do crime e da violência centrados na família – estratégia que se propõe compreensiva e continuada – tendem a mostrar resultados positivos em longo prazo. Embora mudanças de comportamento e relacionamento na família sejam visíveis em prazo mais curto, o objetivo final de redução dos crimes e violências na sociedade pode ser evidenciado até duas décadas depois que as ações de prevenção tenham sido realizadas (Sherman et al 1997).

Uma avaliação das intervenções preventivas realizadas nas últimas décadas nos EUA, patrocinada pelo governo federal, indicou que os programas mais bem sucedidos na redução de crimes são programas compreensivos e continuados, que atuam sobre mais fatores de risco que fragilizam as famílias e sobre crianças desde os primeiros anos de vida. Programas que fazem visitas domiciliares desde os primeiros anos de vida do primeiro filho, associados a programas de educação pré-escolar, oferecem resultados muito promissores, reduzindo violências contra crianças e envolvimento em crimes e violência na adolescência e juventude (Sherman et al 1997). Outro tipo de intervenção recomendada é a terapia familiar para  adolescentes em situação de risco ou envolvidos com o crime e a violência (Sherman et al 1997). Essas evidências são reafirmadas por pesquisas inglesas, que afirmam que para se promover uma sociedade com menos crimes é necessário prevenir o envolvimento de jovens com a criminalidade e violência, através de intervenções intensivas sobre crianças e famílias em situação de risco e do aumento da coesão das famílias e comunidades (Nuttall, Goldblatt e Lewis 1998).

Em relação à violência familiar envolvendo adultos, há evidências favoráveis a abrigos para atendimento, assistência e apoio a mulheres vítimas de violência (Sherman et al 1997). Visitas domiciliares realizadas por policiais após incidentes de violência doméstica são consideradas ineficazes (Sherman et al 1997). Há que se ressaltar que os especialistas concordam com o fato de que nenhuma medida isoladamente poderá reduzir definitivamente a violência familiar. Recomendam um pacote de melhores práticas – aquelas cujos resultados sejam evidentes e comprovados através de avaliações – a serem desenvolvidas e integradas consistentemente ao longo do tempo (Nuttall, Goldblatt e Lewis 1998).

São várias as iniciativas nacionais e internacionais de prevenção do crime e da violência que têm a preocupação de incluir a família. Contudo, cada sociedade possui um sistema próprio de defesa e promoção de direitos, que é reflexo e que se reflete na forma como concebe as ações de prevenção dos crimes e violências, incluindo-se as abordagens direcionadas às famílias. Os programas de prevenção da violência familiar podem ser classificados em dois tipos principais, classificação que se aplica também programas de prevenção em outras áreas (Sherman et al 1997; Krug et al 2002): a) “universais”, direcionados a todas as famílias; b) “localizados”, que podem ser dirigidas a famílias em situação de risco (“escolhidos”) ou famílias que já manifestaram problemas de crime e violência (“indicados”). Segundo Sherman (Sherman et al 1997), programas de prevenção do crime e da violência centrados na família são uma exceção à regra geral, válida para as outras áreas de prevenção, e que programas “localizados”, isto é, direcionados para grupos em situação de risco, são mais efetivos do que programas “universais”. Programas localizados fazem uso mais eficaz e eficiente de recursos disponíveis, normalmente limitados. Mas programas universais são política e socialmente mais atraentes e podem receber mais recursos por família do que programas focalizados. Devido à freqüente oposição a ações governamentais na esfera da família, identificada como a esfera da vida privada, a adoção de programas universais pode ser uma necessidade para torná-los política e socialmente aceitáveis e para viabilizar investimentos públicos nesta área. Uma forma de compatibilizar as vantagens de programas universais e focalizados seria a adoção de programas universais, capazes de direcionar mais recursos por família em média, levando em consideração as necessidades de cada família na alocação dos recursos destes programas – como acontece, por exemplo, no Programa Saúde da Família, no Brasil (ver seção sobre prevenção na área da saúde).

Quanto à implementação das ações e alocação de recursos financeiros para a prevenção da violência familiar, há que se reconhecer que as ações precisam ser implementadas e os recursos precisam ser alocados de forma multidisciplinar e multi-setorial, através de programas que podem ser implementados na residência da família, na pré-escola e na escola freqüentada pelas crianças e adolescentes, em unidades de saúde freqüentadas pela família, em entidades comunitárias, órgãos de assistência social, unidades policiais ou do sistema de justiça a que se dirigem membros da família enfrentando diferentes tipos deproblemas e conflitos familiares (Sherman et al 1997). Em relação à prevenção da violência na família, os EUA registram esforços desde a década de 70, momento em que foram priorizadas as ações de prevenção centradas em visitas domiciliares a famílias sob risco, educação parental e grupos de pais, voltadas para os momentos de crise familiar. Essa visão de prevenção, centrada nas relações pais-filhos, recebeu críticas nos anos seguintes, recolocando as relações comunitárias e as relações sociais mais amplas como fatores que podem influenciar tanto a origem quanto a possibilidade de resolução dos problemas familiares (Daro & Donnely, 2002). Durante a década de 80 houve uma multiplicação e diversidade de serviços comunitários para dar suporte às famílias norte-americanas, prevenir a violência familiar e proteger as crianças/adolescentes. Os anos 90 se caracterizaram pela consolidação do sistema de suporte às famílias e prevenção à violência, que se inicia na gravidez e que acompanha o indivíduo em toda a sua formação. As visitas domiciliares são o cerne das medidas preventivas, pois oferecem serviços mais diretos e personalizados para as famílias com problemas (especialmente para aquelas incapazes de chegarem aos serviços de atenção). Também se aproxima mais dos valores culturais e necessidades de cada núcleo familiar (Daro & Donnely, 2002).

Várias experiências internacionais ocorridas na última década, especialmente na Europa e EUA, destacam a importância do atendimento à família promover o seu empoderamento (empowerment intervention). O “empoderamento“ da família em seu ambiente natural busca estimular as capacidades existentes, assumindo que os pais têm capacidade para identificar o que é melhor para a família, respeitando e apoiando os valores do sistema familiar, promovendo a auto-estima da família e o resgate, ou mesmo a construção do seu papel protetor e cuidador. Essa tendência tem sido incorporada por vários serviços nacionais (Deslandes e Assis, 2003).

Sherman (Sherman et al 1997), comparou 18 programas norte-americanos com esse enfoque. Variam quanto à freqüência, conteúdo, habilidades desenvolvidas na família e contexto sociocultural-familiar. A qualidade das visitas domiciliares é aspecto importante no sucesso da intervenção: quando constantes e feitas por pessoas bem treinadas e supervisionadas, constata-se maior redução da violência na família, interações mais positivas entre pais e filhos, além de maior probabilidade da família se aproximar de outras instituições, reduzindo o seu isolamento (Daro & Donnely, 2002). A formação dos visitadores é variada: enfermeiras, assistentes sociais, professores pré-escolares, psicólogas ou para-profissionais. O papel do visitador é cuidar do desenvolvimento da criança através do contato com os pais e a criança. Podem apenas dar informações, suporte emocional, ensinar ativamente ou apenas acompanhar a família e ouvir as dificuldades. Os visitadores podem ser treinados em práticas de saúde, desenvolvimento humano e instruções sobre habilidades cognitivas e sociais. Contudo, o trabalho essencial é prover uma ponte entre os pais (especialmente a mãe) e a criança.

Uma outra forma de aplicação de visitas domiciliares focaliza famílias de jovens infratores da Flórida/EUA, com resultados bem sucedidos (Cervenka et al 1996; Dembo et al 1999). É uma intervenção intensiva baseada na linha sistêmica, efetuada sobre a família e sobre o domicílio dos jovens. Um consultor se encontra com a família por uma hora, no mínimo, três vezes por semana, durante aproximadamente dez semanas. Todos os membros da família participam dos encontros. Após esse período de contato intensivo, permanece a comunicação telefônica com os pais, durante quatro anos, visando a monitorar o funcionamento familiar e o nível de estresse. Toda a intervenção é baseada na retaguarda de serviços de apoio, que são acessados de acordo com a necessidade de cada família. Um ponto importante abordado por alguns serviços é o relacionamento da família com o sistema jurídico, enfocando o fato de que os pais se sentem sem poder quando não são informados das decisões, de atrasos ou do não andamento dos processos (Grosz et al 2000). Na experiência internacional, a prevenção da violência realizada no espaço doméstico é bem freqüente e criativa. Os profissionais que visitam as famílias compartilham momentos, procuram a melhor forma de tratar um problema sem agredir a cultura familiar, desenvolvem  a habilidade de resolução de problemas, utilizando como ponto de transformação a observação das atitudes inadequadas. Para tanto, precisam ter um respeito profundo pelos membros da família e a capacidade/conhecimento que cada um dos membros possui. Nota-se um cuidado muito grande com a postura do profissional na residência, para que ele não reproduza, com suas ações, a postura autoritária com que a sociedade costuma tratar as famílias por ela rotuladas como “problemáticas” (Deslandes e Assis 2003).

Outro modelo de ação preventiva é o de centros comunitários. As estratégias empregadas são grupos de auto-ajuda (composto por pais), grupos terapêuticos (de pais, de crianças/adolescentes) e terapia domiciliar (Pillai et al, 1982). A participação nestes grupos permite romper com o isolamento, sentir-se apoiado, ter um espaço para conversar com pessoas que passam por situações semelhantes. Um exemplo de um serviço centrado na família que faz articulação entre o sistema de justiça e saúde é o “FAMILY VIOLENCE PREVENTION SERVICES” (http://www.serve.com/fvps/), localizado na Carolina do Norte/EUA. Promove tratamento e prevenção para famílias que vivenciam situação de agressão ou violência. Faz acompanhamento de grupos separados de homens, mulheres e crianças/adolescentes durante 21 semanas. A intervenção enfatiza o poder de escolha, as conseqüências e a responsabilidade. É uma alternativa efetiva de programa para evitar que a família cumpra sentença judicial. A cada ano, menos de 5% de clientes que receberam penas nas cortes e que completaram o programa retornam à Corte que lida com a violência familiar. O programa também tem ajudado a reduzir a superlotação nas prisões e a manter homens e mulheres nos lares, no trabalho e no grupo familiar enquanto recebem a ajuda que necessitam. Fazem intervenção junto à vítima; comunicação à corte de justiça; terapia em grupo para homens e para mulheres; terapia em grupo para crianças/adolescentes; terapia para casais; projetos de prevenção à violência nas escolas; serviços de informação e referência por telefone; informação e educação para comunidades.

Nos Estados Unidos, existem cerca de 1.800 programas que abrigam mulheres agredidas e seus filhos, cuja principal finalidade é prover um local durante um período de risco existente após as agressões familiares (Sherman et al 1997). Problemas decorrentes de superlotação são relatados como críticos. Dentre os poucos destes serviços que foram avaliados, um deles informa que para aquelas mulheres que deram passos no sentido de buscar ajuda junto a outras pessoas ou instituições houve redução do cometimento de novas agressões durante seis semanas. Para aquelas que apenas viram a permanência temporária no abrigo como a forma de resolução do conflito, a reincidência foi elevada.

A análise da atuação dos serviços internacionais de atenção às famílias envolvidas com a violência traz importantes reflexões para a realidade nacional. Neles, a abordagem de toda família com histórias de violência é a marca principal, com atividade paralela e intensiva com os diferentes personagens da trama violenta. A concepção de atendimento familiar se cristaliza e a meta de prevenção secundária e terciária é efetivamente aplicada. Há serviços que incorporam também os irmãos, concebendo que eles também são elos importantes a serem trabalhados e modificados pela atuação, além de fontes potenciais para a transformação familiar. Em boa parte desses serviços, os pais agressores são também atendidos, um deles utilizando, inclusive, a atenção oferecida como alternativa ao aprisionamento (Deslandes e Assis, 2003).

Brasil

No Brasil, a história da prevenção do crime e da violência através de ações centradas na família é mais recente e ações que ocorreram seqüencialmente nos Estados Unidos ocorrem também no Brasil. A fase do estabelecimento do conceito de violência familiar e

da importância da violência familiar no contexto da violência social já teve início, mas ainda se faz necessária, face à dimensão continental e à diversidade de conhecimentos nos  diferentes grupos culturais. A proliferação dos serviços e programas já se iniciou, em diversas áreas, particularmente nas áreas da saúde, da justiça e da comunidade, mas ainda há muitíssimo a ser realizado, especialmente no que se refere à integração dos mesmos, configurando uma rede social forte e atuante. A priorização de um contato mais aproximado da família ainda é um ideal, reconhecido pelos serviços e demandado pela população, embora alguns passos já comecem a ser dados (Deslandes e Assis 2003). Há no país, hoje, a presença de muitos tipos de programas e ações desenvolvidas há décadas nos países com maior grau de desenvolvimento econômico e social. Contudo, o escopo de atuação ainda está localizado em cidades de maior grau de desenvolvimento, a abrangência ainda é restrita e voltada para pequena parcela da população de menor poder aquisitivo, o grau de amadurecimento ainda é muito preliminar, a avaliação dos programas é praticamente inexistente, e a consciência social sobre a importância da prevenção da violência na esfera da família ainda é insipiente. Diversos serviços públicos de atendimento à população em situação de elevado risco social e às vítimas de violência utilizam o recurso das visitas domiciliares. Entretanto, muitas vezes, essas visitas são mais um artifício de coleta/troca de informações do que parte de um programa efetivamente voltado para mudança de hábitos e comportamentos familiares e a prevenção da violência. Estudo que investigou as formas de atendimento empregadas por dez serviços brasileiros de atenção a famílias em situação de violência (hospitalares, ambulatoriais e organizações não-governamentais) notou que as estratégias do atendimento domiciliar e comunitário ainda são abordagem incipiente no país, apesar das vantagens que oferecem, pois permitem envolver um maior número de familiares e conhecer o cotidiano da família, provendo uma intervenção mais sistêmica (Deslandes e Assis, 2003). Este estudo mostrou que, na prática, a família é incluída a partir da participação de poucos membros, via de regra, a criança e sua mãe, geralmente na própria instituição. Esse atendimento costuma ser feito por assistente social, acompanhado ou não de uma entrevista de psicóloga. As visitas domiciliares são pontuais. Há uma insuficiência marcante do atendimento ao familiar identificado como agressor. Apesar de sete entre os dez serviços estudados afirmarem atendê-los, na maioria das vezes, esses atendimentos não se realizam (Deslandes e Assis, 2003).

Um modelo de atendimento preventivo sobre a família em situação de violência é o Instituto Sedes Sapientiae (Ferrari & Veccini, 2002), localizado na cidade de São Paulo. Além dos atendimentos em grupo/individuais que oferece às crianças/adolescentes, os pais também participam de encontros personalizados. Acolhe também os familiares agressores. Efetua ainda visitas domiciliares, além de desenvolver oficinas de prevenção à violência em comunidades do Estado. Atua ainda na área de capacitação de profissionais para trabalharem com violência familiar. O serviço faz um trabalho de prevenção e integração com a comunidade, de atendimento aos agressores e é articulado ao Sistema de Garantias do seu município.

Poucas instituições no país oferecem atendimento jurídico às famílias em situação de violência. É comum, especialmente nas unidades de saúde, o encaminhamento para órgãos públicos como Promotorias Públicas, Delegacias Especializadas, Varas da Justiça, Conselhos Tutelares ou instituições que prestam serviço jurídico. A despeito dos vários serviços encaminharem as famílias para receberem esse atendimento jurídico em outras instituições, constata-se a desarticulação do fluxo entre as dimensões de atendimento, responsabilização e defesa de direitos (Deslandes & Assis, 2003). Uma experiência de atendimento à família vem sendo oferecida por algumas Varas da Infância e Juventude, com projetos denominados “Escola de Pais”. Esses programas têm finalidade educativa, além de proporcionar apoio social a famílias em situação de risco social. Há também iniciativas voltadas à complementação do cuidado dispensado  por famílias com filhos em situação de vulnerabilidade social. As crianças/adolescentes ficam na instituição no horário que não vão para a aula. Destacam-se projetos que visam a diminuir a agressividade das crianças e adolescentes e a melhorar o seu desempenho na escola e o seu relacionamento com a família. Freqüentemente são associadas ações voltadas para a profissionalização e resgate da auto-estima familiar.

Um exemplo de programa que acolhe a família como mecanismo de prevenção de problemas de socialização e envolvimento com violência é a Casa da Árvore, que atua em cinco diferentes comunidades de baixo poder aquisitivo do Rio de Janeiro. Embasada no pensamento de Françoise Dolto, a Casa da Árvore aplica metodologia preconizada inicialmente na França, adaptando-a à realidade nacional. É um projeto do Instituto de Psicologia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Acolhe crianças pequenas acompanhadas de pelo menos um dos pais, que ficam na unidade pelo tempo que desejarem. Promovem a integração social, auxiliam os pais a assumirem responsabilidades e a expressarem seus problemas, permitem à criança uma aprendizagem adequada da vida social. Facilita também a troca de experiência entre mães, através de identificações, solidariedade e construção de novos espaços sociais. Tem íntima relação com a comunidade. Há ainda iniciativas originadas por Varas da Infância e Juventude voltadas para a adoção de crianças que vivem em abrigos. Uma outra iniciativa mais recente é a de programas que promovem a inserção das crianças em famílias acolhedoras/guardiãs. Em geral, esses programas visam a: implementar ações de orientação e intervenção técnica junto à família de origem da criança/adolescente; desenvolver com a família substituta/acolhedora o acompanhamento técnico durante o processo de acolhimento temporário; reintegrar as crianças/adolescentes às famílias de origem.

Nesses modelos, as crianças costumam ser acompanhadas na própria família oucolocadas em família acolhedora, dependendo da necessidade. Quando necessário, oferecem apoio financeiro através de bolsa alimentação e/ou dinheiro. São propostas visitas domiciliares, reuniões socioeducativas com famílias, grupos temáticos com famílias de origem e acolhedora, oficinas e cursos profissionalizantes. A equipe é composta por psicólogos e assistentes sociais e recebe casos dos Conselhos Tutelares. A rede de atuação também inclui o Ministério Público (Deslandes e Assis, 2003). Um outro modelo de serviço de atendimento envolvido em ações preventivas é o deabrigos para mulheres e crianças envolvidas em situação de violência. Um exemplo é o Projeto Rio Mulher do Centro de Artes Calouste Gulbenkian, sob responsabilidade da Obra Social da Cidade do Rio de Janeiro/Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social.Hospeda, durante quatro meses, mulheres e seus filhos vítimas de violência doméstica, oferecendo assistência médica, psicológica, jurídica, além de acompanhamento escolar para as crianças e capacitação profissional para as mulheres, preparando-as para o mercado de trabalho. Muitos exemplos de abrigos com essa finalidade começam a surgir no país nos últimos anos, alguns deles ligados a Prefeituras Municipais como a de Guarulhos, que implantou a Casa das Rosas Margaridas e Beths. Por fim, aponta-se a importância de programas sociais governamentais que buscam dar suporte financeiro às famílias, melhorando as condições de existência e a inserçãoescolar e profissional dos integrantes do núcleo familiar (Renda Mínima; Bolsa Escola, Primeiro Emprego, entre outros...).

As informações apresentadas neste capítulo apontam para o elevado número de desafios e dificuldades que os profissionais que atendem famílias com dinâmicas de violência enfrentam, tanto no país como no exterior. Dificuldades pessoais das equipes e das famílias, dos serviços de atenção, da rede social de apoio e da estrutura social do país interferem na qualidade do atendimento. Não obstante as dificuldades, a evolução do atendimento no país é flagrante, embora o caminho a percorrer ainda seja longo. O conhecimento produzido  no Brasil deverá refletir cada vez mais o amadurecimento teórico, a disseminação dos profissionais e serviços pelas diferentes regiões do país e a construção de uma consciência coletiva mais cidadã, respeitosa e ciente dos direitos da família envolvida em situações de violência. Torna-se cada vez mais necessário o compromisso dos setores públicos de reconhecer a importância de programas com estrutura para promover, a médio e longo prazo, o acompanhamento sócio-familiar integral (Deslandes e Assis, 2003). Apenas dessa forma se poderá pensar em prevenção dos crimes e da violência e promoção de segurança para a população brasileira.

Programas Centrados na Família

Dos 109 programas de prevenção do crime e da violência em desenvolvimento no Brasil apresentados neste relatório (ver seção 7), 15 realizam ações centradas na esfera da família. Outros 20 programas, apesar de estarem centrados em outras áreas, especialmente nas áreas da saúde, da justiça e da comunidade, também desenvolvem ações na esfera da família, procurando integrar ações de prevenção em várias esferas. A maioria desses programas trabalha diretamente com o atendimento a vítimas da violência doméstica, particularmente as crianças e adolescentes e as mulheres, mas há também os que trabalham principalmente sobre os fatores de risco através da capacitação de profissionais de diferentes áreas para identificar e lidar com problemas de violência familiar, especialmente violência contra crianças e adolescentes, e do treinamento dos pais para educação dos filhos. De um modo geral, iniciaram-se nos últimos anos, mas alguns já existem desde os anos 80 e início dos anos 90, como o Centro de Atenção aos Maus Tratos na Infância no ABCD (CRAMI) e a Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e Adolescência no Rio de Janeiro (ABRAPIA).

Os programas que trabalham com a violência praticada contra a criança e o adolescente procuram realizar um trabalho com as vítimas e com a família, mais especificamente com os pais, que habitualmente são os próprios agressores. Nesse sentido, todos oferecem atendimento multidisciplinar para as vítimas, e alguns para os agressores. Alguns programas realizam visitas domiciliares. Um deles oferece abrigo para crianças e adolescentes em situação de risco social e outro oferece acolhimento temporário em outra família. Há os programas que se voltam diretamente para o problema da violência sexual e os que trabalham com a violência de uma forma geral. Por fim, pode-se dizer que a maioria realiza capacitação profissional e algum tipo de trabalho de prevenção primária (campanhas, participação na elaboração de políticas sociais, desenvolvimento de trabalhos de divulgação e sensibilização etc.). Todos os programas que trabalham com a violência contra a mulher realizam atendimento da vítima e alguns deles atendem também os filhos, mas apenas um dos programas que constam do levantamento atende também o agressor. O atendimento é multidisciplinar (social, psicológico, médico e jurídico), às vezes individual e às vezes em grupo. Alguns programas oferecem também capacitação profissional para as mulheres vítimas e casa abrigos para os casos em que é necessário o afastamento do lar. Apenas alguns deles realizam ações de prevenção primária. Poucos programas no país se dedicam a prestar atendimento ao familiar agressor. Um exemplo é o do Núcleo de Atenção à Violência, situado na cidade do Rio de Janeiro. Realiza atendimento psicanalítico individual para crianças/adolescentes, para mães e para os autores da agressão. Na maioria das vezes o familiar-agressor chega encaminhado pela Justiça, mas o atendimento só ocorre quando há adesão voluntária do sujeito. A necessidade deste tipo deatendimento é reconhecida, especialmente nos casos de famílias que não conhecem outras formas de educar crianças e se relacionar senão através de agressões, mas esse tipo de atendimento ainda é pouco estudado e avaliado, mesmo em países com mais tradição no atendimento à violência. O abandono, nesses tipos de programa, entretanto, costuma ser elevado. De um modo geral, há pouco acompanhamento e monitoramento dos resultados do trabalho realizado. O indicador mais freqüente é o número de atendimentos realizados (por mês ou por ano) e o número de profissionais capacitados, sendo que há poucos registros concernentes à evolução do trabalho realizado e ao cumprimento dos objetivos pretendidos.

Recomendações

Entre as várias tendências de políticas e programas de prevenção ao crime e à violência centrados na família, algumas merecem ser priorizadas, em função da importância das ações desenvolvidas e dos resultados obtidos, mensurados através de avaliações:

. Programas voltados realmente para a unidade familiar, procurando englobar o maior número de familiares (e não apenas a díade mãe-filho), como estratégia fundamental para a prevenção de crimes e violências;

. Programas que respeitem a cultura na qual a família está inserida, que dialoguem e negociem com a família as metas a serem alcançadas, que permitam a integração social da família com a comunidade e que tratem de forma respeitosa as práticas das famílias sobre as quais atuam; enfim, que promovam a idéia de “empoderamento” da família como espaço privilegiado para a promoção de valores para a paz;

. Programas voltados para a melhoria do relacionamento familiar, que oferecem orientações sobre o desenvolvimento de crianças e adolescentes, práticas de educação dos filhos e práticas de comunicação e resolução de conflitos de forma não violenta, e que estabelecem ou reforçam crenças e atitudes favoráveis à não-violência;

. Programas de visitas domiciliares continuadas, que levem os serviços disponíveis na comunidade até as família, incluindo acompanhamento pré-natal, saúde maternoinfantil, saúde mental, educação e emprego para os pais, especialmente a famílias com o primeiro filho, com crianças pequenas e em situação de risco social, por serem as que mais se beneficiam desse tipo de programa;

. Programas voltados para famílias de um único parente, com poucos recursos econômicos e poucos vínculos com a área/comunidade de residência;

. Programas voltados para famílias de jovens em situação de risco social, a exemplo dos adolescentes em conflito com a lei e usuários de drogas;

. Programas de acolhimento a famílias em situação de violência, oferecendo apoio, orientação e oportunidade para nova vinculação social;

. Programas de comunicação e informação que ampliem o acesso de membros da família a apoio médico, psicológico, jurídico e social para viabilizar o rompimento da situação de violência em que se encontram.

4.2. Prevenção na Escola

A violência que ocorre no âmbito da escola tem repercussão direta na socialização de crianças e adolescentes, uma vez que essa instituição é, junto com a família, diretamente responsável por esse processo, e reconhecida como espaço de defesa de direitos desse grupo. Neste sentido, considera-se a escola como um dos lugares privilegiados para a reflexão das questões que envolvem crianças e adolescentes, pais e filhos, educadores e educandos e as relações que se dão na sociedade. Esse espaço, portanto, além de proporcionar a integração social desse grupo, é importante para discutir a questão da violência e atuar na sua prevenção. No entanto, a escola tem servido como palco de violências contra crianças e adolescentes e também como espaço para a prática de atos infracionais cometidos por membros deste grupo etário. A violência na escola ocorre tanto em países periféricos quanto nos considerados ricos. Na França, o problema da violência na escola é discutido por pedagogos e psicólogos desde a década de 1970, mas ganhou importância na década de 1990, quando passou a ser  tema de debate envolvendo governo, sociedade e mídia (Derbarbieux 1997). A violência nas escolas francesas é concebida como uma forma de delinqüência e percebida principalmente como uma ameaça que vem de fora (por exemplo, como resultado da concentração de imigrantes africanos na área da escola). As principais estratégias adotadas para solucionaro problema foi o redirecionamento das políticas públicas francesas, com intervenções diretasdo Estado, tais como: colocação de professores experientes em áreas consideradas difíceis; formação contínua; recompensas salariais; formação de equipes de intervenção. Outras medidas tomadas buscavam mapear os territórios de maior ocorrência de conflitos, instalando observatórios, estabelecendo uma comunicação com outros serviços, em especial, a polícia e a justiça, acionando mecanismos de repressão e segurança. Há pouca participação de pais e comunidade na prevenção da violência na escola (Derbarbieux 2001).

Os Estados Unidos adotaram um caminho diferenciado na prevenção de violência nas escolas, promovendo, além das medidas de repressão e segurança, programas comunitários de prevenção, especialmente nos bairros com histórias de desigualdade social e violência. A participação dos pais na escola também tem sido relevante nessas experiências. As técnicas de mediação de conflitos são estratégias de prevenção cruciais nos Estados Unidos. Visam a ajudar os estudantes a lidar construtivamente com os conflitos interpessoais e a diferença cultural (Crawford e Bodine 1996). Programas de prevenção norte-americanos, baseados no enfoque educativo com adolescentes, têm mostrado bons resultados para prevenção de agressões e brigas entre jovens na escola, para a redução da violência juvenil, e para o desestímulo ao uso de substâncias psico-ativas (Sherman et al 1997). Os que se mostraram mais efetivos são:

. Programas direcionados a aumentar a capacidade da escola de iniciar e sustentar transformações, especialmente mudança do processo de tomada de decisões. As intervenções envolvem educadores, pais, estudantes e membros da comunidade, engajados em planejar e desenvolver as atividades para melhorar o ambiente escolar. Esses programas possuem como etapas o diagnóstico dos problemas, a formulação de metas e objetivos, a definição das possíveis soluções, o monitoramento dos progressos e a avaliação dos resultados. Também estão incluídas atividades direcionadas a aumentar a capacidade administrativa da escola em estimular a comunicação e a cooperação entre os membros da comunidade escolar. Embora esses programas não estejam entre os mais freqüentemente implementados, mostram um dos melhores resultados para redução da violência escolar e do consumo de substância por estudantes;

. Programas direcionados a: mudanças de normas e reforço de comportamentos apropriados ao espaço escolar; estabelecimento e divulgação de regras escolares; estímulo à comunicação na comunidade escolar, especialmente através de campanhas contra a agressividade entre escolares (bullying), produção de textos, cartazes ou cerimônias com o tema da redução da violência na escola;

. Programas educacionais compreensivos: tipo de intervenções que focalizam o aumento da competência e das habilidades sociais, o desenvolvimento de autocontrole e dos mecanismos para lidar com estresse, a responsabilidade na tomada de decisões, a resolução de problemas sociais e as habilidades de comunicação interpessoal. É um dos programas mais freqüentemente implementado, com bons resultados na redução da violência escolar. Necessitam de um tempo mais longo para que produzam resultados, perpassando várias séries escolares. Alguns desses programas têm como foco paralelo a resistência ao uso de drogas ou ao convívio com gangues juvenis.

Um dos programas educacionais compreensivos mais disseminados e avaliados nos= EUA é o Life Skill Training, voltado para incrementar habilidades sociais e diminuir o  consumo de drogas entre os jovens. Esse tipo de programa tem material instrucional que acompanha a seriação escolar, um período inicial mais intensivo e depois encontros ao longo dos anos escolares posteriores. Trabalha com questões como competência emocional e social, desenvolvimento de habilidades, autocontrole, relacionamento interpessoal, resolução de conflitos (em sala de aula, com colegas, pais), além de treinamento de pais. Em relação especificamente à prevenção do uso de substâncias, um outro tipo de estratégia mostrou resultado efetivo: são os programas destinados à modificação de comportamentos e a “ensinar a refletir”. Direcionados para jovens de elevado risco social, são limitados no tempo, apregoando metas e utilizando reforços negativos ou positivos para mudar comportamentos.

Outro tipo de programa não mostrou resultados estatísticos na redução da violência juvenil e do uso de substâncias, embora tenha mostrado resultados muito promissores. São programas que agrupam jovens em pequenas unidades escolares (escolas dentro das escolas), propiciando mais interações e suporte, bem como flexibilidade na instrução. Entre os programas de prevenção de violência escolar que se mostraram ineficientes estão:

a) aconselhamento realizado por pares;

b) programas que apenas oferecem atividades alternativas para jovens (lazer, por exemplo), sem a presença de um programa de prevenção

mais efetivo;

c) programas instrucionais que focalizam apenas a disseminação de informação, o crescimento do medo e o apelo moral.

Programas voltados apenas para a redução do consumo de substância têm piores resultados que os que associam o tema da redução ao consumo de substâncias ao desenvolvimento de habilidades individuais e relacionais (Sherman et al 1997).

Brasil

No Brasil, o tema da violência na escola eclodiu no início dos anos 80, num quadro de demanda de segurança por parte de moradores das periferias dos centros urbanos, que atingiu o sistema público de ensino no Brasil. A mídia abriu espaço para denúncias sobre os acontecimentos violentos nas escolas situadas nas periferias urbanas (Sposito 2001). Segundo Sposito (2001), no início de 1980, diante do problema da violência na escola, professores, alunos e pais buscavam melhores condições de funcionamento nas escolas. As respostas a essas reivindicações, em geral foram: policiamento nas áreas externas, zeladorias, muros, iluminação nas áreas externas e pátios internos, grades nas janelas, portões altos. Não se questionavam as formas de gestão da escola e as relações entre os integrantes da comunidade escolar, porém algumas iniciativas de caráter educativo tentavam modificar a cultura escolar para que atendesse mais às demandas dos alunos. Na década de 90, o problema da violência é agravado com o clima de insegurança promovido pelo crescimento da ação do crime organizado e do tráfico de drogas. O tema da segurança pública e da segurança nas escolas ganha importância no debate público no país, ao mesmo tempo em que arrefece a discussão sobre mudanças na forma de gestão das escolas.

Vários autores nacionais se dedicaram ao estudo problema, apontando a articulação entre a violência vivida e testemunhada no cotidiano dos jovens com a violência na escola e com o baixo desempenho escolar e relacional entre os diversos atores da comunidade educacional. São discutidas a relações entre violência na família, no bairro e aumento da probabilidade de fracasso escolar e de violência praticada por jovens, bem como a relação entre o aumento da criminalidade e o crescimento das taxas de violência na escola e de fracasso escolar. Há afirmações de que as raízes da violência na escola encontram-se na violência no bairro, na família e em condições estruturais como a pobreza e privação (Cardia, 1997; Cardia, 1999; Candau et al 1999; Guimarães, 1996; Njaine e Minayo, 2003). Cardia (1999), a partir da opinião de moradores de dez capitais brasileiras, destaca que a violência nas escolas brasileiras tem as mesmas causas que a violência fora da escola:  o uso e o tráfico de drogas, formação de gangues, porte de armas. Esses fatores também foram identificados na pesquisa de Njaine e Minayo (2003) acrescidos de uma visão mais crítica sobre as relações sociais na escola, na família e da influência da mídia. Nessa pesquisa, alunos e professores apontaram como causas da violência nas escolas: (a) a agressividade dos próprios alunos que afeta a luta pela afirmação de sua identidade, e que não é reconhecida pelos educadores; (b) o descaso da escola, e a violência, sobretudo verbal, dos professores e funcionários contra os jovens; (c) a influência da mídia; e (d) a negligência da família.

Um estudo realizado sobre condições de trabalho com 51 mil professores da rede pública do Brasil, abordando o tema da violência e segurança na escola, coordenado pelo Laboratório de Psicologia do Trabalho da UnB (Codo 1999) identificou três situações mais freqüentes: depredações; furtos e roubos do patrimônio; agressões físicas entre os alunos e agressões de alunos contra os professores. Esse estudo mostrou que estabelecimentos com mais de 2.200 alunos são os mais suscetíveis a essas violências, principalmente os que se encontram nas capitais. As escolas que adotaram medidas de segurança ostensiva não tiveram ocorrências de roubo e/ou vandalismos alteradas significativamente. Os maiores índices de agressões a alunos dentro da escola foram encontrados em Brasília (58,6%) e os mais baixos no Estado de Goiás (8,5%) As difíceis e por vezes tensas relações entre os adolescentes são fonte de preocupação, explicitadas nas humilhações, ameaças e brincadeiras físicas que podem levar a agressões mais graves. Muitos aspectos negativos nas relações entre os educandos e desses com os professores também são evidentes. Não se consegue demarcar os limites de manifestação para essas agressões que podem envolver meninos, meninas, professores, pais e mesmo galeras, com todas as possíveis combinações entre esses atores (Njaine e Minayo 2003). A presença de armas de fogo e armas brancas nas escolas também tem ocupado a pauta de investigação. O acesso e a disponibilidade de armas na população são citados por vários autores e pelos próprios alunos, revelando uma intricada rede de violência invadindo o cotidiano dos jovens, inclusive no espaço escolar. No ano de 2002, campanhas contra armas de fogo foram veiculadas na televisão. A atuação da mídia e de movimentos sociais como “Viva Rio” propiciou a intensificação de mensagens que apregoavam o perigo das armas de fogo em casa e na escola, além da discussão sobre o Estatuto para limitar a venda de armas de fogo, ampliando o debate público sobre o assunto.

Recentemente, inúmeras atividades ou programas de prevenção à violência juvenil têm surgido no país, preocupadas em reduzir a violência nas escolas. Ganharam força ações públicas iniciadas timidamente nas décadas de 1980 e 1990, oscilando entre medidas de caráter educativo e medidas relacionadas à área de segurança, provenientes, sobretudo, das esferas estaduais e municipais. São iniciativas ainda fragmentadas e descontínuas (Gonçalves e Sposito 2002). Na esfera do Governo Federal, a iniciativa de elaboração de políticas públicas para a redução da violência escolar não partiu do Ministério da Educação, mas do Ministério da Justiça, que incentivou uma série de ações que foram sendo implementadas nos estados e municípios. O Ministério da Justiça criou, em junho de 1999, uma comissão de especialistas para elaborar diretrizes para o enfrentamento da violência na escola, com a parceria de alguns institutos de pesquisas e organizações não governamentais. Os primeiros resultados são sintetizados no Programa Paz nas Escolas, desenvolvido em conjunto com o Ministério da Educação, a partir de 2000, em 14 estados brasileiros. A execução nos estados segue as prioridades de cada realidade. As principais atividades desse programa são:

(a) campanhas visando ao desarmamento da população;

(b) apoio na formação e treinamento integrando jovens e policiais no ensino das técnicas de mediação de conflitos;

(c) ações de capacitação de educadores e policiais em direitos humanos e ética. Gonçalves e Sposito (2002) ressaltam  que essas iniciativas são muito recentes e que demandam uma avaliação que possa aferir seu grau de impacto e sua intervenção na vida escolar, considerando a magnitude do país e de sua rede pública. Uma análise das experiências de programas de redução da violência na escola nas cidades de São Paulo, Porto Alegre e Belo Horizonte, constatou que: (a) as ações centradas somente no policiamento das escolas não são suficientes;

(d) as medidas de controle e vigilância, como detectores de metais na porta das escolas, câmaras instaladas no interior da escola e exames para identificar o uso de drogas possuem um caráter restritivo;

(e) a  intensificação do medo pela mídia contribui para a construção de uma imagem estigmatizada de crianças e jovens que moram em bairros periféricos e freqüentam escolas públicas;

(f) a abertura da escola à comunidade não garante uma mudança dos padrões de relação no ambiente escolar, pois depende da mobilização das unidades escolares, embora alguns casos demonstrem o potencial dessa ação;

(g) as ações de prevenção pautadas na concepção do jovem como “problema social” que deve ser afastado do crime e da delinqüência, podem ocultar o autoritarismo vigente nas instituições escolares e a pouca capacidade de lidar com os conflitos que se apresentam nesse meio (Gonçalves e Sposito 2002).

No caso das cidades de São Paulo e Belo Horizonte, as medidas de abrir a escola à comunidade ajudaram na redução da violência escolar. Contudo, os autores do estudo concluem que manter os portões abertos à comunidade não significa, necessariamente, alterações nos padrões de relacionamento escolar. O sucesso das iniciativas baseadas na proposta de uma gestão democrática, envolvendo pais, alunos e moradores, depende da escola já estar mobilizada em torno de projetos similares. O principal benefício para os grupos envolvidos nesses programas é permitir a organização e desenvolvimento de habilidades como música, grafite e teatro. Gonçalves e Sposito (2002) mostram que muitos educadores têm mobilizado seus alunos para participar de projetos de redução da violência, sensibilizados com a situação de vida de muitos desses jovens e com as dificuldades que enfrentam no seu cotidiano. Entretanto, os autores ressaltam que os educadores podem ser influenciados por uma idéia bastante recorrente no debate público, que vê os jovens como um “problema social” e, como tal, devem ser alvos de ações reparadoras por parte do mundo adulto. Dizem que no quadro mais comum dessas percepções pode estar se buscando práticas preventivas que supostamente colaborariam para afastar esses jovens da infração.

O Programa da Unesco Escolas de Paz é um dos exemplos recentemente implementados. Atua na prevenção primária, oferecendo a jovens de escolas situadas em regiões de elevada vulnerabilidade social, em vários estados do país, oportunidades de acesso à cultura, esporte, arte e lazer, utilizando como estratégia a abertura de escolas nos finais de semana, buscando congregar escola, comunidade e família, e estimular uma cultura de paz (Abramovay 2001). Trabalho da Unesco com escolas brasileiras inovadoras em vários estados mostrou como importante: o “bom clima” na escola, enfatizando uma boa capacidade relacional entre os componentes da comunidade escolar; uma gestão inovadora, aberta e flexível a mudanças; a valorização de todos os componentes da comunidade escolar; o exercício do diálogo; o trabalho coletivo; a participação da família e da comunidade nas atividades escolares; a ressignificação do espaço físico da escola; o incremento da sociabilidade e a construção do sentido de pertencimento (Abramovay 2003).,

Entre as várias tendências de políticas e programas de prevenção ao crime e à violência centrados na escola, algumas merecem ser priorizadas, em função da importância das ações desenvolvidas e dos resultados obtidos, especialmente daqueles mensurados através de avaliações.

. Programas direcionados a aumentar a capacidade da escola de se abrir à sociedade, iniciar e sustentar transformações na escola e na comunidade em que a escola está inserida. Escolas “inovadoras”, flexíveis e comprometidas com uma gestão participativa são cruciais não apenas para a redução da violência escolar, mas também para o bom rendimento acadêmico e crescimento moral dos adolescentes;

. Programas que envolvam a família e a comunidade de forma participativa na gestão escolar;

. Programas direcionados à melhoria de relacionamento entre alunos tendo como base a ética e a cidadania, fundamentados em aprendizado de limites, resolução de conflitos, aumento da competência escolar e social e modificação de comportamentos;

. Programas que valorizem e capacitem os educadores para a prevenção da violência na escola;

. Programas de apoio à educação pré-escolar.

Programas centrados na Escola

Dos 109 programas de prevenção em desenvolvimento no Brasil apresentados neste relatório (ver seção 7), treze estão centrados na escola. Outros dezoito programas, apesar de estarem centrados em outras áreas (especialmente na comunidade), também desenvolvem intervenções relacionadas com o espaço escolar, de forma integrada, visando à prevenção do crime e da violência na sociedade, especialmente entre os jovens.

Cerca de metade dos programas direcionados para as escolas trabalham com o oferecimento de atividades extracurriculares. Alguns trabalham com a democratização do espaço escolar e o estímulo ao protagonismo juvenil. Além disso, há também exemplos de programas de conscientização sobre as drogas, de capacitação de professores, de estímulo à educação artística e de inclusão dos portadores de necessidades especiais na comunidade escolar. Com exceção do programa Iniciação Artística em Linguagem Cênica, que vem sendo implementado desde janeiro de 1991, em Belém do Pará, todos os outros programas se iniciaram recentemente, sendo a maioria datada dos últimos três anos.

Os programas que trabalham o oferecimento de atividades extracurriculares aos jovens têm como preocupação central a ausência de atividades disponíveis nos períodos não escolares e a falta de abertura e de identificação das escolas com as comunidades. Os programas variam em relação à época dessa abertura: alguns funcionam nos períodos de férias escolares, outros nos horários vagos dos períodos de aula e outros ainda nos fins de semana. Oferecem aos jovens possibilidades de acesso a diferentes atividades: recreativas, esportivas, artísticas, culturais, escolares, profissionalizantes etc. Alguns programas funcionam não somente para os jovens, mas para toda a comunidade, especialmente aqueles que propõem a abertura do espaço escolar nos fins de semana.

São diversos os tipos de programas voltados para a democratização do espaço escolar e o estímulo ao protagonismo juvenil. Entre eles, podemos identificar, por exemplo, o programa Paz nas Escolas (implementado em 2002 e 2003 em São Bernardo do Campo –SP), que se desenvolveu no espaço escolar e trabalhou com a comunidade local a reflexão, criação e execução de projetos de intervenção visando à promoção da paz e à prevenção da violência. Há também programas de estímulo à criação de grêmios escolares e programas de formação de rádios comunitárias.

De um modo geral, há pouco acompanhamento e monitoramento dos resultados do trabalho realizado. Os indicadores mais freqüentes são o número de participantes e de escolas que desenvolvem os programas, sendo que há poucos registros sobre a evolução do trabalho realizado e o reflexo desses programas na prevenção da violência.

4.3. A Prevenção no Trabalho

Há diversos estudos e pesquisas sobre as relações entre oportunidades de trabalho/ emprego e o crime e a violência, que deixam claro que não há uma relação direta e automática entre eles (Sherman et al 1997). Estudos e pesquisas nos Estados Unidos não têm mostrado uma relação forte entre oportunidades de emprego/trabalho e o crime e a violência em nível nacional. Mas têm mostrado a existência desta relação no nível de estados, cidades, bairros e indivíduos. Segundo diversos estudos, a falta de oportunidades de emprego/trabalho aumenta o risco de envolvimento dos indivíduos em crimes e violências e o risco de crimes e violências na comunidade. Mas isso não significa que a ausência de oportunidades de trabalho/emprego implique necessariamente o envolvimento na prática de crimes ou o aumento da, criminalidade e da violência na comunidade. Bushway and Reuter (1997) resumem quatro teorias principais sobre estas relações:

a) teoria da escolha racional, segundo a qual os indivíduos escolhem entre meios legais/ legítimos e ilegais/ilegítimos de trabalho dependendo do custo-benefício das duas opções, e a ausência de oportunidades de emprego/trabalho e/ou de qualificações para os empregos/trabalhos legais/legítimos aumenta as chances da opção por trabalhos ile-gais/ ilegítimos;

 b) teoria do controle social, segundo a qual a falta de emprego/trabalho diminui os vínculos dos indivíduos com a família e a comunidade e aumenta o risco de envolvimento em crimes e violências;

c) teoria da anomia, segundo a qual a falta de emprego/trabalho gera desigualdade e outros problemas que aumentam o sentimento de frustração, de privação, de injustiça, e o risco de envolvimento em crimes e violências; e

d) teoria da rotulagem, segundo a qual a rotulagem ou estigmatização de comunidade, por qualquer motivo, mas particularmente por ter alta incidência de crimes e violências, diminui os investimentos e as oportunidades de emprego/trabalho e aumenta o risco de envolvimento dos membros da comunidade com o crime e a violência.

Estas teorias motivaram o desenvolvimento de dois tipos de programas de prevenção do crime e da violência através do trabalho (Bushway and Reuter, 1997):

 a) programas que visam a aumentar a qualificação profissional das pessoas através de educação ou capacitação profissional, direcionados principalmente a grupos em situação de risco de desemprego, particularmente os jovens, os adultos que já receberam penas, e os adolescentes que já receberam medidas sócio-educativas pela prática de atos infracionais;

b) programas que visam a aumentar as oportunidades de emprego/trabalho, direcionados principalmente a comunidades com poucas oportunidades de emprego/trabalho. Programas para aumentar a qualificação profissional dos jovens incluem:

a) programas de estágios em organizações públicas e privadas;

b) programas de primeiro emprego para jovens recém-saídos da escola;

c) programas de longa duração (um ano), que oferecem residência, educação, capacitação profissional e serviços de apoio para jovens em situação de risco. Estes programas não são geralmente avaliados pelo seu impacto sobre o crime e a violência. Mas os estudos disponíveis sugerem que os programas de estágios, de curta duração, são relativamente baratos, mas não ajudam a prevenir o crime e a violência. Os programas de longa duração, mais intensivos, são mais caros, mas têm maior probabilidade de contribuir para a prevenção do crime e da violência.

Programas para aumentar a qualificação profissional de adultos que receberam penas e adolescentes que receberam medidas socioeducativas podem ser desenvolvidos dentro ou fora de estabelecimentos prisionais ou de internação. Normalmente, programas para adolescentes enfatizam mais a educação e qualificação profissional do adolescente. Programas para adultos enfatizam mais o acesso a oportunidades de emprego/trabalho. Programas voltados para a reintegração profissional de adultos que já cumpriram penas apresentam melhores resultados do ponto de vista de redução do envolvimento com crimes  e violências. Programas voltados para adultos cumprindo pena também apresentam resultados positivos. Mas estes programas têm pouco impacto na redução do crime e da violência na sociedade, se os crimes e violências são praticados por jovens e adultos que não passaram pelo sistema de justiça criminal. Programas voltados para adolescentes que receberam medidas sócio-educativas não apresentaram resultados satisfatórios, possivelmentedevido a problemas de concepção e dificuldades de implementação.

Programas para aumentar as oportunidades de emprego/trabalho de comunidades e grupos incluem:

a) incentivos para contratação de pessoas de grupos em situação de risco;

b) incentivos para desenvolvimento econômico para comunidades em situação de risco;

c) apoio para desenvolvimento de pequenas e médias empresas em comunidades em situação de risco.

Estes programas ainda não foram suficientemente avaliados. Segundo Bushway and Reuter (1997), os efeitos limitados de programas de prevenção do crime e da violência na esfera do trabalho podem ser atribuídos à falta de integração de programas voltados para aumentar a educação e qualificação profissional de indivíduos em situação de risco e programas voltados para ampliação das oportunidades de traba-lho/ emprego em comunidades e grupos em situação de risco. Além disso, programas na esfera do trabalho freqüentemente não têm por objetivo a redução do crime e da violência e não estão associados a programas voltados para redução do crime e da violência. O desenvolvimento destes programas é dificultado pela estigmatização das comunidades e grupos a que os programas se destinam e dependem, para seu sucesso, da sua integração em programas compreensivos de prevenção do crime e da violência capazes de reduzir a estigmatização destas comunidades e grupos.

Programas Centrados no Trabalho

Dos 109 programas de prevenção do crime e da violência desenvolvidos no Brasil apresentados neste relatório (ver anexo), dezesseis estão centrados na área do trabalho e renda. Outros quinze programas, apesar de estarem mais diretamente voltados para outras áreas (especialmente justiça e comunidade), também desenvolvem ações na esfera do trabalho. Muitos programas voltados para adolescentes em cumprimento da medida socioeducativa e mulheres vítimas de violência desenvolvem atividades de capacitação e inserção profissional, visando a ampliar as oportunidades de trabalho e renda destes grupos. Cerca de metade dos programas direcionados para trabalho e renda é voltada para os jovens. Alguns atuam no combate ao trabalho infantil. Há exemplos de iniciativas voltadas para o acesso ao micro-crédito, para as pessoas com mais de 40 anos e para os trabalhadores ambulantes. Nem todos os programas apresentam como objetivo a redução da violência, mas sim de fatores de risco como o desemprego e exclusão social. Todos os programas são recentes, sendo a maioria datada de 2001 e os mais antigos de 1998.

Os programas que estão voltados para os jovens demonstram todos a preocupação com a dificuldade de inserção dos jovens entre 16 e 21 anos no mercado de trabalho. Oferecem oficinas e cursos de capacitação profissional e oportunidades de estágios e trabalhos em empresas privadas e no serviço público. Alguns programas também oferecem bolsa para os participantes, muitas vezes condicionada à permanência na escola ou participação em atividades comunitárias.

Os programas voltados para o combate ao trabalho infantil desenvolvem ações de complementação de renda e geração de trabalho para as famílias, de forma a substituir a renda proveniente dos trabalhos das crianças. Há o estímulo para que as crianças permaneçam nas escolas e creches e não voltem ao mercado de trabalho. Também são desenvolvidas ações no sentido de mapear o trabalho infantil e desenvolver trabalhos mais amplos visando à superação da situação de miséria das famílias.

De um modo geral, há poucas informações sobre o reflexo desses programas na prevenção da violência. O indicador mais freqüente é o número de pessoas atendidas pelos programas, mas há alguns que demonstram também indicadores relativos à inserção no mercado de trabalho. Uma exceção à regra é percebida nos programas que fazem parte da estratégia de combate à exclusão na Cidade de São Paulo (Renda Mínima, Bolsa Trabalho e Começar de Novo), que apresentam indicadores de diminuição do desemprego, aumento do comércio local e redução da violência nos distritos nos quais foram implementados.

Recomendações

. Programas voltados para ampliação da qualificação profissional e do acesso a oportunidades de emprego, direcionados particularmente a membros de grupos em situação de risco de desemprego:

. Inclui programas de estágio, primeiro emprego, mudança de emprego, cursos de curta e longa duração;

. Inclui programas direcionados para jovens, adolescentes em medida sócioeducativa, e para adultos cumprindo pena.

. Programas voltados para ampliação das oportunidades de emprego e trabalho, direcionados particularmente a comunidades e grupos com poucas oportunidades de emprego e trabalho:

. Inclui programas de incentivo ao desenvolvimento econômico, desenvolvimento de pequenas e médias empresas e cooperativas, e contratação de profissionais.

. Programas que integrem os dois tipos de programas mencionados acima, a fim de aproximar as oportunidades de emprego e trabalho e as pessoas e grupos que necessitam de emprego e trabalho.

4.4. A Prevenção na Mídia

A exposição ao crime, à violência e à discriminação através da mídia é um fator que vem chamando a atenção de estudiosos e pesquisadores, na medida em que pode reforçar ou atenuar os efeitos desta exposição na esfera da família, da escola, do trabalho e da comunidade, e também pode reforçar ou atenuar o impacto de políticas e programas de prevenção do crime e da violência.

No Brasil, ainda são incipientes os estudos sobre a violência na mídia. Contudo, em outros países, muito se tem pesquisado e divulgado a respeito da influência dos meios de comunicação sobre a agressividade das crianças e adolescentes. Os resultados não são conclusivos, mas pesquisadores têm encontrado relação entre meios de comunicação que privilegiam a violência como tema e a agressividade humana (Cardia 1995). Programas de prevenção que enfocam o treinamento de pais para modificar o hábito de seus filhos assistirem televisão não mostram resultados adequados. Outros que visaram dar à criança noções sobre a importância do que se assiste e suas conseqüências, dando-lhes liberdade de decisão, parecem surtir melhor efeito (Heath et al 1989).

Revisando mais de 1.000 estudos produzidos nos Estados Unidos, Strasburger (1999) constata que a violência na mídia, mesmo que secundariamente, é uma das causas da violência na sociedade norte-americana. As conclusões desses estudos demonstram que a violência na mídia pode: a) facilitar o comportamento agressivo e anti-social em indivíduos suscetíveis, demandando pesquisas sobre esses perfis; b) dessensibilizar o espectador para a violência na vida real, tornando as pessoas mais indiferentes ao sofrimento alheio e menos aptas a intervirem em situações de conflito; c) aumentar reações de medo e concepções tendenciosas sobre a realidade.

Em 1993, a Associação Norte-americana de Psicologia publicou o Relatório “Juventude e Violência”, enumerando alguns dos principais fatores sócio-culturais relacionados a essa  questão e destacou a importância da intervenção e da prevenção da violência na mídia, por parte dos profissionais de educação e saúde. A partir de um complexo retrato da juventude norte-americana, incluindo afro-americanos, asiáticos e latino-americanos, o documento apontou a violência na mídia como um dos fatores responsáveis pelo incremento da violência na sociedade, tanto no que se refere à perpetração de atos que afetam a integridade do outro, quanto na vitimização desse grupo etário. Em síntese, o Relatório destacou que, ao longo do tempo, a incorporação de hábitos agressivos serve como base para comportamentos agressivos futuros e concluiu que a exposição excessiva à violência na televisão pode:

a) contribuir para atitudes violentas contra mulheres (quando representadas em papéis de vítimas) e contra minorias étnicas (quando representados como grupos agressivos);

b) impulsionar os jovens para atitudes consumistas, fazendo inclusive uso da violência para obter produtos que a propaganda apresenta.

No Canadá, o National Clearinghouse on Family Violence divulgou, em 1994, um documento sobre os efeitos da violência na mídia sobre as crianças, enfatizando o papel dos pais na mediação da relação televisão e público infantil. Algumas das recomendações desse documento são: a criação de rotinas, pelas quais as crianças devem realizar outras atividades, limitando o tempo frente à tv; a adequação de uma abordagem sobre a convivência com a tv à idade da criança e o diálogo sobre os valores positivos para um ambiente não agressivo.

O Guia Médico para a Violência na Mídia, da Associação Médica Americana (1996), é uma das principais publicações que vem orientando os profissionais de diversos países sobre os possíveis efeitos causados pelo excesso de exposição à mídia. Esse guia relaciona os efeitos bio-psico-sociais e recomenda a médicos e pais medidas específicas para prevenir os efeitos nocivos da violência na mídia, tais como: controle do tempo de exposição frente à tv; estímulo à prática de outras atividades, principalmente físicas etc. A Academia Americana de Pediatria sugere as seguintes orientações a seus membros: desestímulo à noção autoritária de proibição de programas; implantação de uma agenda pró-criança nos meios de comunicação, indicando temas e reduzindo o excesso de violência; orientação de pais e familiares sobre a questão; atuação sobre os meios de comunicação visando ao bem-estar da criança e divulgação do potencial positivo dos meios de comunicação (Charren et al 1994).

Em recente publicação, a Academia Americana de Pediatria recomenda uma série de medidas a serem tomadas por profissionais de saúde, pais, escola, comunidade, governo e os próprios meios de comunicação, de forma a intervir nos níveis de violência na televisão, nos videogames, nos filmes, na mídia impressa e nos clipes musicais. A Equipe de Recursos da Mídia da Academia Americana de Pediatria trabalha com a indústria de entretenimento no sentido de analisar roteiros e questões sobre a adequação do material a ser veiculado para crianças. Essa entidade desenvolveu tecnologias como os softwares Babá da Net, Patrulha Cibernética e Observador do Surfe a fim de evitar que determinados materiais sejam acessados via computador. Essa abordagem tem restrições, pois necessita de habilidade dos pais para o uso desses softwares, e não há um controle sobre outras ofertas on-line que burlam essas restrições. A Academia tem um papel importante na pressão aos meios de comunicação e recomenda, sobretudo, a parceria dos pediatras com profissionais de demais entidades de diversas áreas para a elaboração de uma agenda da saúde pública com relação à violência na mídia (American Academy of Pediatrics 2001). Na América Latina e Brasil, as pesquisas realizadas sobre violência na mídia são extremamente escassas. Há um reconhecimento por parte dos pesquisadores de que não é possível generalizar para os países latino-americanos os resultados das pesquisas realizadas em outras culturas. Cada sociedade possui realidades específicas que determinam os modos de produção, circulação e consumo dos produtos midíáticos, mesmo considerando a questão  da globalização que faz com que os processos tecnológicos e a realidade virtual transponham essas fronteiras.

Merlo-Flores (1999), investigando a questão na Argentina, na década de 80, constatou que as crianças se relacionam umas com as outras utilizando elementos da televisão, e que um desses elementos mais freqüentes é a agressão. Para essa autora, a agressão se tornou um novo “código de comunicação”, sobretudo para as pessoas mais jovens. No entanto, essa pesquisadora questiona se esse fator torna as crianças necessariamente agressivas no sentido patológico.

No Brasil, pesquisa recente do UNICEF com 5.280 adolescentes revela que 52% desse grupo etário têm na televisão a maior fonte de lazer. Cerca de 70% consideram a programação da tv “muito boa” (UNICEF/Fator OM, 2002). Enfatizar os aspectos positivos da mídia, assim como o compromisso de uma parte dos profissionais da área de comunicação com a qualidade da programação tem sido também um esforço em âmbito mundial. A televisão estatal brasileira, TV Cultura, é um exemplo pela alta qualidade de sua programação e acumula prêmios por preservar essa qualidade.

Pesquisa financiada pela UNESCO, em 1998, realizada em 23 países, incluindo o Brasil, com 5.000 crianças de 12 anos de idade, procurou investigar através de questionários como essas crianças percebem a violência na TV. O estudo mostrou que a televisão é um meio presente em todas as áreas pesquisadas, e que as crianças passam mais tempo em frente à TV (uma média de 3 horas) do que com qualquer outro meio de comunicação (rádio ou livros), ou com qualquer outra atividade, inclusive lição de casa. O estudo aponta a atração das crianças pela violência, que está relacionada, de certa forma, ao modo como os heróis da ficção (principalmente dos países ocidentais) são recompensados por suas ações. Desse modo, a violência na mídia pode servir como modelo para a solução dos problemas na vida real. Essa pesquisa adverte, no entanto, que é preciso investigar outros fatores, como o impacto da personalidade da criança, seu ambiente real, experiência com agressão, circunstâncias familiares e contexto cultural (Groebel, 1999).

Legislação e Regulamentação

Os meios de comunicação são uma das principais fontes de informações sobre crimes e violências e cumprem um papel de informar, denunciar e, muitas vezes, investigar crime e violências. Para além dessas funções, mais recentemente, a mídia tem ampliado suas atividades sociais cumprindo um papel de:

(a) apoiar as campanhas institucionais com mensagens preventivas;

(b) acolher os movimentos sociais de vítimas de violência;

(c) incorporar essa temática através do marketing social nas novelas, trazendo para o público o debate sobre as formas diversas de violência que afetam a nossa sociedade.

Entretanto, alguns programas funcionam também como produtores de violências, veiculando conteúdos violentos na programação de entretenimento, estereótipos de determinados grupos sociais como mulheres, negros e homossexuais, inclusive dos criminosos e dos policiais, que contribuem com concepções distorcidas a respeito do crime e da violência. A despeito de suas possibilidades de assumir uma função pedagógica e preventiva com relação à violência, quando se voltam para uma ação educativa, os meios de comunicação, inversamente, podem difundir uma cultura de violência e contribuir para o aumento de comportamentos anti-sociais e violentos, principalmente no grupo de crianças e adolescentes. É inegável a condição estratégica da mídia e da cultura na prevenção do crime e da violência, tanto como espaços que ampliam as vozes da sociedade, quanto na circulação de mensagens orientadas para a valorização da vida e eliminação das formas de violência. Legislações e regulamentações voluntárias com o intuito de estabelecer limites à ação da mídia estão sendo discutidas em muitos países atualmente. A Austrália é um dos países  mais atuantes nesse sentido. Desenvolve pesquisas sobre o assunto desde a década de 1970 e, para garantir um controle maior sobre os meios de comunicação, promove leis, regulamentos, auto-regulamentação das mídias e uma participação ampla da comunidade. Países da União Européia procuram regulamentar as mídias controlando programas, imagens ou cenas que incitem o ódio, a discriminação, a violência, a obscenidade e a pornografia infantil. Nos Estados Unidos não há regulamentação para cenas violentas e um dos controles sobre a programação, exercido pelos pais, é através do uso da tecnologia V-chip12, implantada nos aparelhos de TV.

A Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança, adotada em 1989, reúne um conjunto de princípios em seu Artigo 17, que estabelece o direito da criança à informação e acesso às fontes, e aborda a necessidade de “encorajar o desenvolvimento de orientações apropriadas para proteger a criança de informações e materiais prejudiciais ao seu bem-estar”. A década de 90 marca a mobilização de muitos países, a maioria com o apoio dos órgãos das Nações Unidas, em torno da problemática do crescimento da violência na mídia. Em 1997 foi criada a Câmara Internacional da UNESCO para Crianças e a Violência na Tela ligada ao Centro de Informação Nórdica para a Pesquisa sobre Mídia e Comunicação (Nordicom), e financiada em conjunto pelo governo sueco e pela UNESCO. Essa Câmara tomou como base a Convenção da ONU para os Direitos da Criança. A partir daí, reuniu um conjunto de pesquisas realizadas em diversos países do mundo sobre o tema, produzidas principalmente em países com amplo acesso à mídia, como os Estados Unidos, Canadá, países da Europa Ocidental, Japão e Austrália. O resultado das pesquisas, apesar das diversidades socioculturais desses países, aponta a mídia como parte importante da vida social alertando que, mesmo que não seja o único meio que influencia na violência, exerce uma participação significativa quando associada principalmente a outros fatores ambientais e individuais.

Também foi criado na década de 90 um Conselho Mundial para a Educação em Mídia com o apoio da UNESCO. Quatro países lideram esse Conselho: Austrália, África do Sul, Canadá e Grã-Bretanha. Essa educação voltada para a mídia também faz parte dos currículos escolares de países como a Finlândia, Suécia, França, Noruega e Dinamarca, desde a década de 70. A educação para a mídia é tida pela maioria desses países como uma solução para crianças e jovens aprenderem a lidar de modo reflexivo com os meios de comunicação (von Feilitzen 2002).

Brasil

No Brasil, tem sido escassa a iniciativa do poder público na reflexão e responsabilização social dos meios de comunicação no que se refere à exposição de crianças e adolescentes às imagens e conteúdos violentos veiculados, sobretudo, pela televisão. O Plano Nacional de Direitos Humanos, instituído pelo decreto 1.904 de maio de 1996 e atualizado por meio do decreto 4.229 de maio de 2002, contém, no capítulo sobre a garantia do direito à liberdade, uma série de recomendações referentes à regulamentação da programação televisiva e radiofônica. O Plano prevê, por exemplo, a criação de um sistema de avaliação permanente sobre os critérios de classificação indicativa e faixa etária e o mapeamento de programas televisivos e radiofônicos que estimulem a apologia ao crime, à violência, à tortura, ao racismo e a outras formas de discriminação, à ação de grupos de extermínio e à pena de morte, para identificar os responsáveis e adotar as medidas legais pertinentes.

Em 1997, o Governo do Estado do Rio Grande do Sul instituiu, a partir do Decreto nº 37.730, o Comitê de Estudos da Violência com representantes do Governo do Estado, da sociedade civil, Secretaria de Justiça e Segurança. O objetivo do Comitê foi o de estabelecer medidas legislativas e buscar alternativas para a violência, através da atuação do  Estado, da sociedade civil e das entidades não governamentais. O Comitê de Estudos da Violência organizou uma comissão para trabalhar a violência na mídia. Um dos primeiros trabalhos dessa comissão foi a consolidação dos resultados de um pesquisa sobre valores sociais e meios de comunicação, a pedido do Ministério da Justiça e da Unesco, e a tradução do Guia Médico sobre Violência na Mídia, autorizada pela Associação Médica Americana. Algumas ONGs, como TVBem, Tver e Agência Nacional dos Direitos da Infância (ANDI), têm procurado influenciar a legislação brasileira no sentido de regulamentar a programação, analisar o seu conteúdo, e levar os principais temas da infância e adolescência brasileiras para as pautas das diversas mídias.

A Agência Nacional dos Direitos da Infância (ANDI), organização não-governamental criada em 1992, desempenha um papel de destaque, promovendo junto aos meios de comunicação a inserção de temas relevantes para a promoção e defesa dos direitos da criança e do adolescente no país. Essa agência analisa a cobertura da mídia sobre a infância e adolescência e verifica como os temas são inseridos, apontando a prioridade e a relevância de determinados temas sociais. Em março de 2000 foi criada a Rede ANDI Brasil, uma parceria de organismos de comunicação. Essa relevante iniciativa busca investir na formação de uma cultura jornalística que priorize as questões dos direitos da infância e adolescência brasileiras. A Rede ANDI abrange as cinco regiões do país e produz boletins semanais, clippings, pesquisas locais, além de disponibilizar on-line um banco de projetos sociais. Outras organizações não governamentais vêm realizando um monitoramento da mídia brasileira. O Tver é uma entidade criada em 1998 e analisa as conseqüências e responsabilidades da televisão com relação à criança (www.tver.com.br). É um grupo constituído por psicanalistas, psicólogos, educadores, jornalistas e advogados. O TV Bem é um Instituto de Defesa do Telespectador, criado em 1999 com o objetivo de mobilizar a sociedade para a reflexão e análise da responsabilidade social e pública da televisão brasileira. Não se tem uma avaliação mais aprofundada sobre essas iniciativas no sentido de aferir o real impacto de sua atuação na prevenção da violência na mídia.

As TVs Comunitárias também têm contribuído para dar visibilidade à realidade das comunidades, produzindo sua própria programação utilizando linguagens locais para abordar problemas locais. A Sociedade Brasileira de Pediatria divulgou em 2001 o documento Promoção de Segurança da Criança e do Adolescente frente à Mídia (TV, Internet). Nesse texto, recomenda aos pais que estejam atentos em relação aos hábitos de seus filhos de assistir TV e usar a internet, buscando limitar o tempo frente a esses meios, estimular outras atividades de lazer, conhecer os programas a que os filhos assistem e ajudar a compreender o conteúdo que é veiculado (Doria Filho, 2001). No entanto, essa iniciativa não foi amplamente disseminada, de forma a se tornar uma prática incorporada na rotina de médicos e demais profissionais de saúde. Em 2001 foi elaborado pelo Consórcio Universitário pelos Direitos Humanos em parceria com a Fundação Friedrich Ebert e com apoio da Secretaria de Estado de Direitos Humanos, UNESCO e ILANUD o Manual de Mídia e Direitos Humanos, com o objetivo de ser um guia prático para consulta de fontes e textos reflexivos sobre a relação entre direitos humanos e mídia. Em 2003, foi publicado o Guia de Direitos Humanos – Fontes para jornalistas, elaborado pela Conectas em parceria com a ANDI e apoio da Secretaria de Estado de Direitos Humanos, UNESCO e Fundação Ford, com noções gerais, áreas temáticas, fichas sobre instituições de direitos humanos, textos relevantes, dicas, calendário e glossário para subsidiar jornalistas e outros interessados.

Reato (2001) e Yunes (2001) destacam que, do ponto da vista da saúde pública e da epidemiologia, a programação violenta nos meios de comunicação é considerada como um fator de risco. Esses pesquisadores propõem a mediação de pais, profissionais de saúde e educação para promoverem orientação e prevenção.

Programas Centrados na Mídia

Das iniciativas voltadas à prevenção do crime e da violência na mídia, existem algumas que incentivam a comunicação ética e respeitadora dos direitos humanos, realizando o monitoramento dos conteúdos divulgados, em especial daqueles que possam ter impacto sobre crianças e adolescentes. Nessa linha, há produção de conteúdo jornalístico adequado, compartilhado por meio de rede de organizações para a divulgação de informações positivas e corretas sobre os direitos da criança e do adolescente. A Agência Nacional dos Direitos da Infância (ANDI), por exemplo, criou em 2000 a Rede ANDI Brasil, uma articulação de órgãos de comunicação voltados para o estímulo a uma cultura jornalística que priorize esses direitos.

Em alguns dos programas levantados nas esferas da escola e da comunidade há ações diretamente relacionadas à comunicação, como a produção de jornais e revistas comunitárias por jovens envolvidos com projetos nas suas comunidades e a implantação da educomunicação em escolas, envolvendo alunos e professores na utilização de novas tecnologias para promover formas de comunicação alternativas, como rádios comunitárias dentro das escolas. Esses programas não têm uma relação direta com o conteúdo divulgado pela mídia escrita e televisiva, mas conscientizam sobre a importância da comunicação e capacitam jovens e adultos para comunicar.

Recomendações

. Programas voltados para divulgação de leis e políticas de proteção e promoção dos direitos humanos, e o monitoramento do cumprimento dessas leis e políticas pelos meios de comunicação, em parceria com outros setores da sociedade;

. Programas voltados para ampliação da discussão das causas da criminalidade e da violência, fatores de risco e de proteção na esfera individual, dos grupos mais próximos, da comunidade e da sociedade, e das políticas, programas e ações de prevenção do crime e da violência em desenvolvimento no país;

. Inclui programas voltados para ampliação da discussão sobre o papel das armas de fogo no aumento da incidência e impacto de crimes e violências, e das medidas necessárias para limitar e controlar o porte e a comercialização de armas de fogo.

. Programas voltados para ampliação do intercâmbio de informações entre profissionais de diversas disciplinas e áreas de atuação, de forma a ampliar a compreensão da natureza, das causas e das soluções para o problema da criminalidade e da violência no país;

. Programas voltados para ampliação do conhecimento sobre as vítimas de crimes e violência, os diferentes tipos de vítimas e vitimização, bem como sobre os direitos das vítimas, os serviços disponíveis e as possibilidades de ação para as vítimas de crimes e violência.

. Programas voltados para a discussão da condição da juventude brasileira, considerando que:

a) hoje, no país, as principais causas de morte na faixa etária jovem são os homicídios e os acidentes de trânsito; e

b) existe uma desproporcional representação da violência praticada pos jovens.

. Programas voltados para divulgação de projetos de prevenção que obtêm resultados positivos em termos de redução do crime e da violência e melhoria da segurança pública.

4.5. A Prevenção na Comunidade

Estudos e pesquisas mostram que as comunidades têm características que podemaumentar ou diminuir o risco de crime e violência, particularmente aumentando ou diminuindo o controle social formal e principalmente o controle social informal sobre o comportamento dos indivíduos e grupos que a integram. No mesmo país, estado ou cidade,  há uma distribuição desigual dos crimes e violências e freqüentemente há uma concentração relativamente grande de crimes e violências em um número pequeno de comunidades e bairros. A prevenção do crime e da violência nestas comunidades ou bairros tem um papel central na prevenção do crime e da violência na sociedade.

Os fatores de risco e os fatores de proteção presentes na comunidade não são determinantes da maior ou menor presença do crime e da violência. A presença de múltiplos fatores de risco não implica necessariamente uma alta incidência de crimes e violência, assim como a presença de múltiplos fatores de proteção não implica necessariamente uma baixa incidência de crimes e violências.

Além disso, fatores de risco e de proteção afetam de maneiras diversas os indivíduos em famílias e grupos diferentes e indivíduos em diferentes fases do seu desenvolvimento – o que pode provocar uma distribuição desigual dos crimes e violências entre as famílias e grupos no interior da mesma comunidade e fazer com que indivíduos na mesma família ou grupo sejam expostos de forma diferente ao crime e à violência. Entretanto, de maneira geral, quanto maior é a presença de fatores de risco e menor é a presença dos fatores de proteção, maior é chance de crimes e violências na comunidade.

Políticas e programas de prevenção do crime e da violência na esfera da comunidade têm por objetivo diminuir a presença e o impacto dos fatores de risco e aumentar a presença e o impacto dos fatores de proteção existentes na comunidade. A maior dificuldade para a prevenção do crime e da violência é que as características das comunidades influenciam não apenas o risco de crimes e violências, mas também as chances de implementação de políticas e programas de prevenção. Assim, políticas e programas de prevenção são implementados mais facilmente e mais freqüentemente com sucesso em comunidades onde há menor risco de crimes e violências do que naquelas em que há maior risco de crimes e violências. O desafio é não apenas desenvolver políticas e programas de prevenção do crime e da violência, mas principalmente desenvolver políticas e programas que possam beneficiar as comunidades em que há maior risco de crimes e violências. Para beneficiar as comunidades com maior incidência de crimes e violências, políticas e programas precisam ser efetivamente compreensivos, direcionados para redução de múltiplos fatores de risco e aumento de múltiplos fatores de proteção (Sherman et al 1997).

Entre os fatores apontados mais freqüentemente como fatores de risco estão:

. Pobreza, particularmente quando associada ao desemprego, à marginalização e à exclusão social e cultural, e quando atinge os jovens;

. Exposição ao crime, à violência e à discriminação, direta e indireta, inclusive através da mídia, particularmente quando atinge crianças e adolescentes.

. Deterioração física e desorganização social:

. Falta de infra-estrutura urbana;

. Falta de oportunidades de habitação, educação, trabalho, lazer, esporte e cultura;

. Falta de oportunidades de participação política;

. Presença de gangues e grupos ou organizações envolvidas com o crime;

. Disponibilidade de drogas, álcool e armas de fogo.

Nos Estados Unidos, estudos e pesquisas mostram que o maior aumento e a maior redução das taxas de crimes violentos no período 1960-2000 aconteceu entre os jovens, nas grandes cidades, particularmente nas áreas e comunidades pobres (Travis e Waul 2002). Em particular, no caso dos homicídios, todo o aumento no final da década de 1980 e declínio na década de 1990 deveu-se a homicídios praticados com arma de fogo por adolescentes (menos de 18 anos de idade) e jovens adultos (18-24 anos de idade). Os especialistas apontam três fatores contextuais cuja influência contribui para o aumento e declínio das taxas de crimes violentos nos Estados Unidos: mudanças  demográficas, mais especificamente a proporção de jovens adultos (18-24 anos de idade)na população; mudanças no mercado da droga, particularmente a expansão e posterior limitação do comércio do crack, envolvendo jovens adultos e adolescentes, com acesso a armas de fogo; e mudanças no mercado de trabalho, com a retração e expansão da economia e particularmente a disponibilidade de empregos e de salários compensadores para jovens com baixa qualificação.

Há menos estudos e pesquisas sobre os fatores de proteção, que diminuem o risco de crimes e violências. Entre os fatores apontados como fatores de proteção contra o crime e a violência estão:

. Inclusão econômica, social e cultural, particularmente dos jovens;

. Valorização de atitudes e comportamentos não-criminosos, não-violentos e nãodiscriminatórios, a partir dos primeiros anos de desenvolvimento da criança e do adolescente;

. Desenvolvimento urbano e social;

. Presença de famílias, grupos e redes de supervisão e apoio a crianças, adolescentes e jovens;

. Limitação e controle do acesso a drogas, álcool e armas de fogo.

Os principais tipos de programas de prevenção do crime na esfera da comunidade são (Sherman et al 1997):

a) programas voltados para a organização e mobilização da comunidade;

b) programas dirigidos a gangues;

c) programas com mentores (orientadores);

d) programas de recreação;

e) programas para a redução da presença ou do acesso a drogas, álcool e armas.13

 Estes programas ainda não foram suficientemente avaliados, mas de maneira geral, ainda que possam produzir resultados positivos, não são suficientemente compreensivos e direcionados para os fatores principais ou estruturais que influenciam a incidência de crimes e violências na esfera da comunidade. Entre os programas desenvolvidos, Sherman aponta que são promissores os programas com orientadores (mentores), programas dirigidos a gangues quando voltados para redução da coesão das gangues, e programas de recreação para jovens após a escola quando contam com adequada orientação e supervisão dos participantes.

Programas de organização e mobilização da comunidade incluem programas que podem ser voltados à criação de organizações comunitárias ou à mobilização de recursos para resolver problemas comunitários, e que podem adotar estratégias horizontais e verticais de organização e mobilização da comunidade. Segundo Sherman, a maioria destes programas não produz resultados porque adotam estratégias horizontais e atribuem a organizações da própria comunidade a responsabilidade pela resolução de problemas cuja resolução depende da ação de organizações públicas e privadas situadas fora da comunidade. Estes programas poderiam ser mais eficazes se adotassem estratégias verticais e procurassem influenciar a ação das organizações públicas e privadas capazes de, efetivamente, resolver os problemas da comunidade.

Em relação ao controle de armas de fogo, os especialistas assinalam a eficácia do mpoliciamento direcionado para áreas de risco de crimes cometidos com arma de fogo, do rastreamento da propriedade de armas de fogo, e do aumento das condições exigidas para a compra e a venda de armas (Travis e Waul 2002). Por outro lado, os especialistas assinalam a ineficácia de programas através dos quais o governo compra de volta as armas dos cidadãos e programas através dos quais o governo exige uma licença especial para o porte de armas de fogo ocultas (Sherman et al 1997, Travis e Waul 2002).

Prevenção Local 14

Nos últimos vinte anos, em diversos países, os governos locais começaram a desenvolver políticas e programas mais compreensivos e intersetoriais, visando à prevenção do crime e  da violência e à promoção da segurança de “comunidades” cujo tamanho pode variar de bairros até cidades de menor ou maior porte. Governos centrais e organizações internacionais, particularmente a Organização das Nações Unidas, através do Programa Cidades Mais Seguras e do Programa de Gestão Urbana, têm apoiado estas iniciativas. Estes programas tipicamente focalizam múltiplos fatores de risco e de proteção, e integram ações de diversas organizações governamentais e não governamentais. Nos Estados Unidos e Canadá, com o desenvolvimento do policiamento comunitário e do policiamento orientado para a resolução de problemas, a polícia freqüentemente assume um papel central na articulação de organizações locais e no desenvolvimento de programas de prevenção na comunidade. Na Inglaterra, França e Itália, governos locais freqüentemente assumem a liderança. Na Inglaterra, os programas de prevenção na comunidade envolvem a formação de parcerias contra o crime. Na França, os programas de prevenção na comunidade envolvem o estabelecimento de contratos locais de segurança. Nos Estados Unidos, programas de prevenção na comunidade assumem diversos formatos, mas freqüentemente envolvem parcerias entre a polícia e organizações locais, incentivados pelo governo federal através de programas federais como Local Law Enforcement Block Grants, Weed and Seed, Comprehensive Communities, Title V Delinquency Prevention Grants.

Estudos e pesquisas realizados nos Estados Unidos sugerem a importância do desenvolvimento de programas de prevenção compreensivos e multi-setoriais, particularmente dirigidos a cidades e bairros onde há alta incidência de crimes e violências (Sherman et al 1997). Entretanto, estes programas ainda são relativamente recentes e não foram suficientemente avaliados. Além disso, o fato de serem compreensivos, focalizando múltiplos fatores de risco e de proteção, de envolverem múltiplas ações desenvolvidas por múltiplas agências, e assumirem características diferentes em comunidades diferentes, dificulta o monitoramento e avaliação dos resultados, mais especificamente a identificação das ações que produziram e das ações que não produziram resultados positivos.

Prevenção Situacional

Em comunidades e bairros, a incidência de crimes e violência também é freqüentemente concentrada em determinadas situações, locais e horários – os chamados “hot-spots” – onde as oportunidades para a prática de crimes e violências são maiores. A concentração de ações de prevenção em “hot-spots”, visando a reduzir as oportunidades para a prática de crimes e violências, é uma estratégia adotada de maneira crescente, principalmente por empresas públicas e privadas e serviços de segurança privada, mas também por organizações policiais (ver seção dedicada a ações de prevenção na esfera da polícia) e governos locais, paralelamente a ações de prevenção dirigidas diretamente às vítimas ou agressores.

Programas de prevenção situacional são bastante utilizados para prevenção de crimes contra o patrimônio, que freqüentemente envolvem o uso de violência, em condomínios e áreas residenciais, áreas comerciais, bancos, estabelecimentos e máquinas que acumulam grande quantidade de dinheiro, espaços públicos com grande circulação de pessoas, estações rodoviárias, metroviárias, ferroviárias e aeroportos, estacionamentos e garagens, meios de transporte público.

O principal objetivo de programas de prevenção situacional é a redução das oportunidades para prática de crime, através do aumento do custo, aumento do risco e redução do benefício associado à prática de crimes em situações, locais e horários específicos, visando a dissuadir a prática de crimes nestas situações, locais e horários. Estudos e pesquisas realizados nos Estados Unidos e Inglaterra mostram que programas de prevenção situacional são efetivamente capazes de reduzir de maneira significativa o crime e a violência nas situações, locais e horários em que são implementados, mesmo  considerando-se os efeitos da migração dos crimes (Eckblom 1998; Pease 1998; Pease 1997; Eck 1997). Mostram também que estes programas podem produzir dois tipos de efeitos não previstos, um contrabalançando o outro: a) migração de crimes para outras situações, locais e horários, que não são alvos de programas de prevenção; b) redução de crimes em outras situações, que não são alvos de programas de prevenção, mas, devido à proximidade ou semelhança com situações em que estes programas existem, são percebidas como situações em que os programas são desenvolvidos.

Entretanto, programas de prevenção situacional freqüentemente combinam diferentes estratégias visando a reduzir as oportunidades para prática de crimes e violências, algumas delas centradas no aumento de custos, e outras no aumento de riscos, e outras ainda na redução de benefícios associados à prática do crime e da violência (Eckblom 1998: Pease 1997). Neste caso, é difícil determinar quais estratégias são efetivamente responsáveis pela prevenção do crime (Eck 1997). A proteção de alvos e vítimas, o controle de acesso a alvos e vítimas, o afastamento dos agressores, e o controle de facilitadores para prática de crimes e violências (em particular, armas, álcool e drogas), são estratégias que visam a aumentar os custos para a prática de crimes e violências.

O controle de entrada e saída, e a vigilância, que podem ser feitas por profissionais de segurança, pelos trabalhadores nos locais de trabalho e pelo público, são estratégias que visam a aumentar os riscos da prática de crimes e violências. A remoção de alvos e vítimas, a identificação de bens, a remoção de estímulos, o estabelecimento de regras de conduta são estratégias que visam a reduzir os benefícios resultantes da prática de crimes e violências.

É um traço inerente a estratégias de prevenção situacional serem muito sensíveis às características das situações para as quais foram desenvolvidas, sendo mais eficazes nas situações para as quais foram desenvolvidas. Diante de situações com características diferentes, ou mesmo de mudanças nas características das situações nas quais foram desenvolvidas, inclusive mudanças resultantes da capacidade dos criminosos de responder à implantação de programas de prevenção situacional, estratégias de prevenção situacional podem perder eficácia. Deste fato decorre a necessidade de constante adaptação e aperfeiçoamento de estratégias de prevenção situacional. Pease (1998) argumenta que indivíduos e organizações freqüentemente deixam de adotar, desenvolver e aperfeiçoar estratégias de prevenção situacional porque desconhecem as possibilidades de prevenção, mas principalmente porque os custos são maiores do que os benefícios da prevenção e há possibilidade de repassar os custos da prevenção situacional para terceiros e para organizações policiais. Neste sentido, Pease argumenta que os governos devem incentivar indivíduos e organizações a adotar medidas de prevenção situacional e evitar o repasse dos custos da prevenção situacional para terceiros e para organizações policiais. Entre as diferentes formas através das quais os governos podem incentivar a prevenção situacional, Pease destaca:

. Disseminação de informação sobre as possibilidades de redução do crime e da violência através de estratégias de prevenção situacional;

. Disseminação de informação sobre princípios de prevenção situacional do crime e da violência que podem ser aplicados em diferentes situações;

. Disseminação de informação sobre estratégias de prevenção situacional, consideradas eficazes para diferentes situações;

. Incentivos econômicos para adoção de medidas que diminuam as oportunidades para a prática de crimes, por exemplo, na construção de espaços e estabelecimentos públicos e privados, no desenvolvimento de produtos e serviços, e até mesmo no desenvolvimento de novas políticas;

. Sanções econômicas para adoção de medidas que aumentem as oportunidades para a prática de crimes;

. Imposição da obrigatoriedade de estudos para verificar o impacto, do ponto de vista da segurança pública, de propostas de construção de espaços e estabelecimentos públicos e privados, de desenvolvimento de produtos e serviços, e de desenvolvimento de novas políticas.

Programas Centrados na Comunidade

Dos 109 programas de prevenção do crime e da violência desenvolvidos no Brasil apresentados neste relatório, 34 são centrados na comunidade e cerca de 40, centrados em outras áreas, realizam ações na área da comunidade. A maioria dos programas de prevenção do crime e da violência na esfera da comunidade começou a ser implementada na década de 1990, mas apresentam um leque bastante heterogêneo de iniciativas. Há, também, programas iniciados na década de 1980.

Dos programas focalizados na comunidade há os que trabalham a inclusão social de uma forma mais completa, implementando diferentes programas sociais (saúde, renda, trabalho, moradia, cidadania) e revitalizando o espaço urbano em determinados bairros e/ ou favelas das cidades. Há os que trabalham através da implementação de programas sociais específicos ou do incentivo à organização e mobilização da comunidade para me-lhoria no ambiente comunitário.

Há programas que oferecem oportunidades de esporte, lazer e cultura para jovens em sua comunidade e essas atividades vão desde boxe, basquete, futebol e outros esportes, até teatro, dança, música, escultura e restauração de obras históricas. Em alguns programas a atividade comunitária é realizada em locais criados para esse fim na própria comunidade, o que faz com que a população se sinta co-responsável pelo equipamento. Há também programas que aproximam a escola da comunidade e transformam a escola em centro de reflexão sobre seus próprios problemas e sobre os problemas da comunidade, sendo que em alguns desses programas observou-se o desenvolvimento de atividades extra-classe com foco na valorização da comunidade por crianças e jovens, bem como a participação em projetos comunitários.

De uma forma geral, a formação e capacitação de jovens para compreender e intervir de uma forma positiva nas suas comunidades aparece nos programas de prevenção. A articulação de programas, serviços, órgãos governamentais e entidades comunitárias, bem como a definição dos papéis e atribuições desses atores envolvidos com a prevenção da violência, compõem programas cujo eixo é a elaboração e implementação de planos municipais de segurança pública. Há também programas que criam articulações regionais entre municípios acerca de uma temática específica, como segurança pública e infância e juventude, por exemplo.

Há ainda programas específicos de iluminação pública nas vizinhanças de escolas com alto índice de violência, programa de silêncio urbano que determina o horário de fechamento de bares, programa de retirada de vendedores ambulantes das vias públicas e re-alocação em espaço específico para esse comércio, programa de fechamento de lixões e organização de cooperativas de catadores e desenvolvimento de reciclagem e monitoramento de vias públicas por meio de câmeras de vídeo. A intervenção na esfera da comunidade permeia também quase todos os programas voltados para a violência doméstica contra mulheres, crianças e adolescentes, sejam eles mais específicos da saúde, da família ou da justiça. Esses programas, de uma forma geral, realizam atendimento multidisciplinar e acabam intervindo na esfera da comunidade quando realizam palestras, seminários, debates, criam fóruns locais e regionais para discussão da temática, promovem campanhas de conscientização e de incentivo a denúncias e notificações e articulam os serviços e organizações locais em uma rede de atendimento.

Programas de implantação de centros que integram serviços de assistência jurídica, plantões de delegacias, emissão de documentos, mediação de conflito, juizados especiais, centros de informação, dentre outros serviços, em bairros e comunidades específicas e em determinadas regiões das cidades, são também formas de intervenção na esfera da comunidade. Em alguns programas focalizados na revitalização urbana ou na resolução de  problemas de segurança pública em determinados bairros, há a criação de conselhos e/ou comissões que prevêem a participação da comunidade no levantamento dos problemas e das possibilidades de solução.

A dimensão comunitária, como se pode constatar dos programas encontrados na realidade brasileira, é bastante fluida e permeia boa parte dos programas de prevenção do crime e da violência, adquirindo maior ou menor importância dependendo do programa e do contexto em que é implementado. A importância das ações na esfera da comunidade no desenvolvimento de programas de prevenção do crime e da violência vem sendo cada vez mais reconhecida.

De um modo geral, há pouco acompanhamento e monitoramento dos resultados do trabalho realizado. Os indicadores mais freqüentes são o número de participantes e de atendimentos realizados, sendo que há poucos registros sobre a evolução do trabalho realizado e do reflexo desses programas na prevenção do crime e da violência, especialmente considerando que muitos programas trabalham com fatores de risco e de proteção e que não há informações sistematizadas que possam servir para esse monitoramento.

No entanto, alguns programas mais específicos, como aqueles de prevenção situacional e em “hot spots” conseguem estabelecer uma relação mais direta com a prevenção do crime e da violência, uma vez que avaliam o impacto através de indicadores mais objetivos, como o número de crimes.

Recomendações

. Programas voltados para organização e mobilização da comunidade para participação nas decisões sobre interesses da comunidade, especificamente no desenvolvimento de políticas de prevenção do crime e da violência e melhoria da segurança pública.

. Programas voltados para evitar e para reduzir o envolvimento de grupos da comunidade com o crime e a violência;

. Programas voltados para evitar a vitimização e reduzir o impacto da vitimização sobre as famílias, os grupos e a comunidade;

. Programas de prevenção social do crime e da violência, visando a reduzir os fatores de risco e a ampliar os fatores de proteção que afetam a incidência e o impacto do crime e da violência na comunidade, especialmente nas seguintes áreas:

. Infra-estrutura urbana e habitação;

. Saúde, educação, emprego, promoção social;

. Cultura, esporte e lazer;

. Segurança e justiça;

. Programas de prevenção situacional, visando a reduzir as oportunidades para prática de crimes e violências nas áreas de risco (“hot-spots”).

4.6. A Polícia e a Prevenção

O papel desempenhado pela polícia na prevenção do crime e da violência vem sendo estudado e pesquisado em diversos países do mundo, especialmente nos Estados Unidos e Inglaterra. Há uma polarização do debate entre aqueles que argumentam que a polícia tem um papel central e aqueles que argumentam que a polícia tem um papel marginal na prevenção do crime e da violência. Mas diversos estudos e pesquisas procuram distinguir diferentes  tipos de estratégias adotadas pelas polícias e avaliar o impacto destas estratégias sobre o crime e a violência.

Nas décadas de 1970 e 1980, uma série de pesquisas mostrou as limitações, do ponto de vista da prevenção do crime, das estratégias tradicionais de policiamento centradas no aumento da presença policial, das operações de patrulhamento, do número de prisões, e da rapidez no atendimento de ocorrências. Estes estudos contribuíram para o desenvolvimento de uma série de inovações na área da polícia, particularmente o policiamento comunitário, o policiamento orientado para a resolução de problemas, o policiamento orientado para a manutenção da ordem e na melhoria da qualidade de vida, e o policiamento direcionado para “hot-spots” (locais e horários de alto risco de crime e violência).

O direcionamento de policiais para “hot-spots” é uma típica ação de prevenção situacional, freqüentemente adotada junto a outras ações de prevenção situacional utilizadas pela comunidade, como, por exemplo, a instalação de câmeras de televisão, para aumentar a vigilância em locais com alta incidência de crimes. Entretanto, o impacto do policiamento direcionado para “hot-spots” depende em grande parte do tipo de relacionamento existente entre a polícia e a comunidade (Sherman et al 1997).

O policiamento comunitário e o policiamento orientado para a resolução de problemas são direcionados para a redução dos fatores de risco que contribuem para aumentar a incidência de crimes e violências na sociedade. Há diferentes formas de policiamentocomunitário, algumas delas se aproximam bastante do policiamento orientado para a resolução de problemas. A principal diferença entre os dois tipos de policiamento é que o policiamento comunitário enfatiza a importância do contato polícia-comunidade e a redução de fatores conjunturais/situacionais que aumentam o risco de crimes na comunidade. O policiamento orientado para a resolução de problemas enfatiza a importância dos resultados da ação policial e a redução dos fatores estruturais/sociais que aumentam o risco de crimes na comunidade. Sherman compara a estratégia de prevenção do policiamento comunitário à estratégia adotada pelos serviços de segurança privada e a estratégia do policiamento orientado para resolução de problemas à estratégia adotada pelos profissionais da saúde pública (Sherman 1995).

Segundo Sherman, a legitimidade da polícia e a existência de práticas de responsabilização da polícia capazes de assegurar esta legitimidade são fatores cruciais para a prevenção do crime e da violência (Sherman et al 1997).15 Estudos e pesquisas mostram que a legitimidade da polícia, particularmente a legitimidade decorrente do tratamento dispensado aos cidadãos, é um fator que contribui para a prevenção do crime e da violência e, no caso dos cidadãos já envolvidos com a prática de crimes e violências, contribui para a prevenção da reincidência. Estudos e pesquisas disponíveis indicam que há estratégias de policiamento eficazes na prevenção do crime e da violência, particularmente:

. Direcionamento do policiamento para “hot spots” em que há alto risco de crime e violência;

. Direcionamento da investigação criminal e das prisões para os casos dos criminosos envolvidos em crimes mais graves e em maior número de crimes;

. Direcionamento da investigação criminal e das prisões para os casos de violência doméstica, quando os suspeitos têm emprego ou trabalho;

. Direcionamento da investigação criminal e das prisões para os casos de pessoas dirigindo sob efeito de álcool;

. Direcionamento do policiamento para proteção de vítimas envolvidas em crimes graves e em maior número de crimes.

Indicam também que há estratégias ainda não suficientemente avaliadas, mas que podem ser consideradas promissoras, incluindo:

. Policiamento comunitário quando a comunidade participa efetivamente da definição das prioridades para a prevenção do crime e da violência;

. Policiamento comunitário quando a polícia e a comunidade priorizam o aumento da responsabilização e da legitimidade da polícia e melhoria das relações entre a polícia e a população, inclusive as relações com as vítimas e dos autores de crimes e violências;

. Policiamento orientado para a manutenção da ordem, quando é possível resolver o problema de declínio da legitimidade da polícia e de deterioração das relações entre a polícia e a população;

. Policiamento orientado para a resolução de problemas;

. Policiamento direcionado para apreensão de armas.

Há, entretanto, estratégias de policiamento que são consideradas pouco ou nada eficazes, e até contraproducentes, do ponto de vista da prevenção do crime e da violência.

. Policiamento comunitário quando não há um claro direcionamento das ações da polícia e da comunidade para a prevenção do crime e da violência, mais especificamente para os fatores que aumentam e/ou diminuem o risco de crimes e violências;

. Policiamento comunitário centrado em programas de vigilância de bairro (“neighborhood watch”)

. Policiamento para manutenção da ordem, quando não é possível resolver o problema de declínio da legitimidade da polícia e de deterioração das relações entre a polícia e a população.

. Direcionamento da investigação criminal e das prisões/apreensões para os casos de jovens/adolescentes envolvidos em crimes de pouca gravidade.

. Direcionamento da investigação criminal e das prisões para pessoas envolvidas no tráfico de drogas.

. Direcionamento da investigação criminal e das prisões para os casos de violência doméstica, quando os suspeitos não têm emprego ou trabalho.

Programas Centrados na Polícia

Dos 109 programas de prevenção do crime e da violência desenvolvidos no Brasil apresentados neste relatório, seis estão centrados na polícia e onze incluem ações nesta esfera, apesar de estarem centrados em outras áreas, particularmente escola, comunidade e saúde. De um modo geral, os programas de prevenção do crime e da violência na esfera da polícia são recentes, ganhando importância a partir do final da década de 1990, particularmente através de programas de polícia comunitária e de atendimento especializado a mulheres e a crianças e adolescentes vítimas de crimes e violências. Ainda que existam programas desenvolvidos na década de 1980, muitos foram interrompidos e reiniciados ou reformulados na década de 1990.

Dentre os programas levantados, boa parte deles desenvolve atividades de policiamento comunitário, incluindo a construção e implantação de bases comunitárias em locais específicos, aproximação com a comunidade por meio de reuniões comunitárias, a realização de diagnóstico local sobre a situação da criminalidade e violência, interação com organizações comunitárias locais que prestam atendimentos a vítimas e agressores.

Há programas visando à criação de conselhos comunitários ou municipais de segurança, integrando a polícia à população, a guardas municipais, a setores organizados da sociedade civil e a outros departamentos e órgãos governamentais. Estes conselhos buscam construir, de forma compartilhada, o diagnóstico do problema do crime e da violência,  bem como apontar as possíveis ações a serem desenvolvidas para a melhoria da segurança pública, dividindo e compartilhando as atribuições de cada ator. Em alguns casos, há também a elaboração de planos municipais de segurança que buscam aproximar e racionalizar as atividades das polícias, da guarda municipal e de outros órgãos e secretarias municipais.

Há programas voltados para o atendimento de vítimas do crime e da violência, como delegacias especializadas e o Programa Bem Me Quer, desenvolvido em São Paulo e posteriormente implantado em outros estados, que integram o atendimento policial aos atendimentos médico, jurídico, social e psicológico, particularmente o atendimento a vítimas de determinados tipos de violência, como a violência doméstica e sexual.

Programas realizados pela polícia, direcionados aos jovens, freqüentemente incluem aconselhamentos e palestras sobre o crime e a violência e especialmente sobre o uso de álcool e drogas em escolas.

De um modo geral, nos programas de prevenção do crime e da violência realizados na esfera da polícia, existe monitoramento em relação à incidência de crimes, uma vez que é a própria polícia quem produz os dados sobre crimes. No entanto, ainda é baixo o grau de organização desse acompanhamento estatístico, especialmente no que diz respeito à continuidade do acompanhamento no tempo e à integração das informações sobre crimes com outras informações relevantes para o monitoramento e a avaliação do resultado dos programas de prevenção da violência.

Recomendações

. Programas de apoio ao policiamento orientado para a resolução de problemas;

. Programas de apoio ao policiamento comunitário, quando:

. A comunidade efetivamente participa das decisões sobre as prioridades na prevenção do crime e da violência;

. A polícia e a comunidade priorizam a responsabilização e a legitimidade da polícia.

. Programas de apoio ao policiamento orientado para a manutenção da ordem e da qualidade de vida, quando:

. É possível resolver o problema de responsabilização e legitimidade da polícia.

. Programas de apoio ao policiamento orientado para áreas e horários de maior risco de crimes (“hot-spots”).

. Programas de apoio ao policiamento orientado para controle do comércio e porte de armas de fogo e para apreensão de armas de fogo ilegais, especialmente programas direcionados a:

. Áreas de risco de crimes praticados com arma de fogo;

. Rastreamento da propriedade de armas de fogo;

. Imposição de controles exigidos pela lei para venda de armas;

. Imposição de controles exigidos pela lei para compra, registro e porte de arma.

. Programas de apoio ao policiamento direcionado para prevenção da direção de veículo sob efeito de álcool;

. Programas de apoio à investigação criminal e à perícia técnica voltados para os casos de crimes mais graves, de criminosos com crimes mais graves e mais freqüentes, e de vítimas de crimes mais graves e mais freqüentes;

. Programas de apoio à investigação criminal e à perícia técnica voltados para os casos de violência familiar ou doméstica e violência sexual;

. Programas de redução da lentidão na tramitação dos inquéritos policiais;

. Programas de redução do número de pessoas presas em delegacias de polícias;

. Programas voltados para a limitação e controle do uso da força em ações policiais;

. Programas de apoio ao registro, compartilhamento, análise e uso de informações sobre a incidência do crime e a estrutura e funcionamento do sistema de segurança  pública, voltados para o desenvolvimento de políticas e programas de prevenção;

. Programas de apoio ao estudo e pesquisa sobre a estrutura e funcionamento do sistema de segurança pública, e sua relação com a prevenção do crime.

4.7. A Justiça e a Prevenção

A Justiça tem um papel central na prevenção do crime e da violência, nem sempre reconhecido pela população que vê as organizações do sistema de justiça criminal e administração penitenciária como organizações responsáveis simplesmente pela aplicação e execução de punições aos autores de crimes e não como organizações responsáveis pela prevenção de crimes na sociedade.

Entretanto, as punições aplicadas e executadas pelo sistema de justiça criminal e administração penitenciária não têm como objetivo apenas a retribuição do mal causado à sociedade pelos autores dos crimes. Têm como objetivo, principalmente, a reabilitação e reintegração social, profissional e familiar dos autores de crimes, e/ou a sua detenção e incapacitação para a prática de novos crimes. Neste sentido, as organizações do sistema de justiça criminal e administração penitenciária têm um papel central na prevenção da reincidência criminal e conseqüentemente na prevenção do crime e da violência na sociedade, na medida em que a reincidência criminal contribui para o aumento dos crimes e violências na sociedade. Além disso, a ameaça de punição por parte das organizações do sistema de justiça criminal e administração penitenciária aumenta o risco e o custo da prática de crimes. É, portanto, um fator de dissuasão que também contribui para a prevenção da reincidência criminal e para a prevenção do crime e da violência na sociedade. Além disso, a Justiça também tem um papel fundamental na prevenção do crime e da violência na medida em que o sistema judiciário é uma das instâncias de resolução de conflitos interpessoais e coletivos que, se não resolvidos, podem se intensificar e aumentar o risco de crimes e violências na sociedade. Com relação à punição, os estudos e pesquisas disponíveis indicam que a forma pela qual o sistema de justiça criminal aplica e executa as punições e trata os autores de crimes tem um impacto significativo sobre a reincidência criminal e a incidência de crimes e violências na sociedade. São fatores importantes o respeito à lei e aos direitos dos agressores, bem como a consistência na aplicação e execução das punições. Há pouca evidência, entretanto, de que o aumento das punições, especificamente o aumento da utilização da pena de prisão, contribui para a prevenção criminal.

São considerados eficazes do ponto de vista da prevenção criminal:

. Programas de reabilitação e reinserção social, profissional e familiar, desde que sejam estruturados e compreensivos, adequados às necessidades dos participantes, centrados no desenvolvimento de habilidades educacionais, profissionais e sociais, e no reforço de regras de comportamento, e não simplesmente ao fortalecimento da auto-estima, e caracterizados por um relacionamento positivo entre as pessoas responsáveis pela implementação e os participantes do programa.

. Penas de prisão para pessoas que cometem crimes graves ou reincidem freqüentemente;

. Penas alternativas à prisão, para crimes menos graves, variáveis de acordo com o tipo de crime e a situação do agressor;

. Programas para tratamento da dependência química na prisão.

Jovens

Na área da Justiça, há organizações e profissionais responsáveis especificamente pelo tratamento de adolescentes autores de atos infracionais. No Brasil, como em outros países, os adolescentes se tornam alvo de medidas socioeducativas visando a sua reabilitação e  reinserção social, profissional e familiar, no momento em que dão entrada no sistema de justiça. A gravidade e freqüência dos atos infracionais são os parâmetros para definição das medidas a serem aplicadas ao jovem. Há consenso na literatura internacional, e na brasileira, de que quanto mais perto da comunidade estiver o adolescente em cumprimento das medidas sócio-educativas, melhores são os resultados obtidos. Estudos internacionais dão muito destaque às ações de prevenção do crime e da violência realizadas pelas organizações que atendem aos jovens infratores. Dois tipos de programas mostram bons resultados: aqueles com enfoque na reabilitação (em detrimento dos que possuem enfoque punitivo) e os com supervisão comunitária. Inúmeras avaliações mostraram a não eficiência dos programas que incutem o medo e a punição, aqueles de abordagem militar e os que priorizam apenas o aconselhamento individual ou coletivo dos jovens. Entretanto, os programas com base na reabilitação recebem dos avaliadores internacionais a mesma crítica feita no Brasil: embora a reabilitação seja o objeto principal das ações, na prática, são muito pobremente implementados, devido a fatores financeiros, gerenciais e relacionais (Sherman et al 1997).

A análise de 443 diferentes programas norte-americanos avaliados mostrou que, em média, a taxa de reincidência caiu de 50% entre os adolescentes que não passaram por programa de reabilitação para 45% entre os adolescentes que passaram por programas de reabilitação. Considerando-se apenas os adolescentes que passaram por programas de reabilitação mais estruturados e compreensivos – isto é, adequados às necessidades dos participantes, centrados no desenvolvimento de habilidades educacionais, profissionais e sociais, no reforço de regras de comportamento, e caracterizados por um relacionamento positivo entre as pessoas responsáveis pela implementação e os participantes do programa – a taxa de reincidência cai ainda mais, ficando entre 32%-38% (Sherman et al 1997).

Um interessante exemplo de intervenção intensiva com jovens que deram entrada na Justiça Juvenil da Flórida/EUA é baseado na linha sistêmica, englobando o jovem, sua família e comunidade (Cervenka et al. 1996). É efetuado na própria casa do jovem em cumprimento de medida. Um consultor de campo se encontra com a família por uma hora, no mínimo três vezes por semana, durante aproximadamente 10 semanas. Todos os familiares que vivem na casa fazem parte dos encontros. Após esse período de contato intensivo, a comunicação permanece através de contato telefônico com os pais, durante quatro anos, visando a monitorar o funcionamento familiar e o nível de estresse.

A intervenção é baseada na disponibilização de serviços de apoio, acessados pela instituição, de acordo com a prioridade demonstrada por cada família (usados para ajudar a família a se conectar com seus próprios recursos). Trabalha com o suporte e o “empoderamento“ da família em seu ambiente natural, e não com suas fraquezas. Assumese que os pais têm capacidade para identificar o que é melhor para a família, buscando-se respeitar e apoiar os valores do sistema familiar. As metas que os serviços desenham para o “empoderamento” da família são: reestruturar limites; restaurar a hierarquia familiar; estimular habilidades parentais mais efetivas; restaurar a organização pela adoção de limites (o que é aceitável e o que não é), estabelecendo regras e delegando tarefas apropriadas para a idade, acordadas entre todos os membros da família; dar suporte aos pais para tomarem a responsabilidade do bemestar da criança/adolescente; aumentar habilidades para comunicação entre os membros; desenvolver habilidade em resolver problemas.

Também são postuladas metas para a família, desenvolvendo sua auto-estima e a capacidade da criança/adolescente. Defende-se que a criança/adolescente em conflito com a lei deve: ser ouvida e aceita, não ser identificada como um problema. Sua família precisa: dar uma “trégua” ao comportamento antigo, oferecendo a possibilidade de um novo começo; criar um ambiente de segurança, onde temas como drogas, dificuldades entre pares,  problemas na escola e outros possam ser discutidos livremente, sem conseqüências. A criança/adolescente necessita ser retirada do lugar de “poder” (posição freqüentemente ocupada por infratores que possuem recursos, autonomia no mundo infracional e/ou liderança na família) e colocada como um igual entre os irmãos, sendo, porém, reconhecida como uma pessoa única e especial.

O programa estabelece quatro fases da atenção. A primeira fase é a de coleta de dados, que se inicia no primeiro encontro, momento crítico para o resultado da intervenção. É comum que muitas famílias tenham sido tratadas de forma desrespeitosa por outras instituições, chegando ao serviço desconfiadas ou resistentes. São acionados mecanismos sociais de apoio econômico, social e profissional. A fase intermediária reforça esses pontos,procurando apontar o que está mudando e o que não está. Reduz-se o número de contatos.

A fase seguinte é a de término, duas semanas antes da graduação, momento em que se finaliza o atendimento. Nesse encontro, que lembra o momento da graduação acadêmica, é feita uma checagem sobre alguns pontos cruciais, como hierarquia, limites, “empoderamento”, problemas, comunicação, regras/tarefas e conexão com outros sistemas sociais. Nessa fase, é comum ocorrerem novamente comportamentos disfuncionais como os apresentados antes do tratamento, que o consultor deve estar apto a lidar, já que há incerteza quanto ao funcionamento familiar sem a presença do consultor. Pensar medidas de prevenção e promoção é uma tarefa ainda mais difícil quando os jovens estão inseridos em gangues juvenis. Estudos internacionais sobre a efetividade dos programas atuarem sobre esses grupos ressaltam a dificuldade de generalização dos resultados obtidos pela diversidade de organização e atuação dos grupos juvenis. Avaliações desses programas mostraram efeito fraco ou inexistente sobre a violência cometida pelas gangues.

Muitas ações realizadas sobre esses grupos – inclusive as ações policiais – tendem a reforçar a coesão do grupo e aumentar sua identificação infracional. Contudo, essa forma de atuação é considerada promissora quando consegue reduzir a coesão do grupo e quando está associada a intervenções em problemas estruturais na comunidade. Programas escola-res e comunitários são realizados geralmente com a presença de orientadores que moni-toram o comportamento dos jovens.

Alguns itens são considerados essenciais para que um programa que atue sobre gangues juvenis seja bem sucedido:

(1) as comunidades não podem negar a existência do problema das drogas e de gangues;

(2) deve-se voltar para jovens de médio ou alto risco, com abordagem intensiva e multifacetada, focalizando o desenvolvimento de habilidades (como a resolução de conflitos), desestimulando crenças, atitudes e valores que reforcem comportamentos antisociais;

(3) oferecer alternativas para o envolvimento dos jovens das gangues, como programas recreacionais, eventos escolares, trabalho;

(4) deve ser conduzido nas próprias comunidades dos jovens, envolvendo as famílias e a escola;

 (5) a equipe que o dirige deve ser bem treinada, capaz de sentir empatia pelos jovens e de compreender a cultura juvenil, sem desmerecer ou depreciar suas crenças;

(6) procurar associar-se ao mundo do trabalho, propiciando oportunidades de treinamento profissional e emprego;

(7) seus objetivos devem ser específicos e resultar em alguma forma oficial de sucesso, como por exemplo, um diploma;

(8) compreender que a reincidência é normal (especialmente para os usuários de álcool e drogas e para alguns comportamentos sociais negativos) e que o tratamento é um processo contínuo, mais do que um único episódio. Técnicas de prevenção de reincidência devem sempre ser utilizadas para facilitar a adaptação do jovem à comunidade.

Brasil

Estudo nacional realizado com adolescentes em conflito com a lei de Recife e do Rio de Janeiro identificou distinções entre os jovens das duas cidades. No Rio de Janeiro, a influência do tráfico predomina e os grupos formados são muito mais voltados para os  interesses econômicos de cada “boca de fumo”. Em Recife, os jovens se agregam mais em função do seu bairro e dos interesses comuns aos grupos de cada localidade (Assis, 1999). Essas diferenças poderiam se encaixar dentro do que Zaluar (1997) define como quadrilhas e galeras. As primeiras costumam ter hierarquia bem definida e possuir pequeno número de pessoas que se organizam com a finalidade de desenvolver atividades ilegais para o enriquecimento de seus membros. Já as galeras se caracterizariam por serem organizações sem chefia instituída, regras explicitadas e rituais de iniciação, geralmente com estreita relação com os bairros em que vivem, que se reúnem mais para atividades recreativas.

Grupos de jovens de classe média também são reconhecidos pela violência no país. Sejam eles os jovens de Brasília que queimaram vivo um índio, ou alguns lutadores de artes marciais, que cultivam gestos e atitudes agressivas, colecionando episódios de violência, numa cultura em que a pedagogia da briga e os valores machistas se mostram profundamente arraigados (Minayo et al., 1999). Poucas ações conjuntas preventivas sobre esses grupos têm sido feitas no país, desconhecendo- se suas formas de organização e atuação. Menos ainda se sabe sobre os mecanismos de prevenção da violência mais indicados para esses tão variados grupos. Um outro tópico que tem tido destaque no Brasil quando se pensa em prevenção da violência e promoção de segurança se refere às medidas para melhorar as condições de ressocialização do jovem em conflito com a lei, especialmente aquele privado de liberdade, geralmente afastado da comunidade e da família.

No que se refere à condução das medidas de Liberdade Assistida e Semiliberdade, alguns municípios brasileiros têm saído à frente com estratégias de mobilização comunitária. Alguns exemplos são os municípios de Santo Ângelo/RS, Boa Vista/RR, Recife/PE e Belo Horizonte/MG. Nesses locais, a participação da comunidade se destaca, inserindo-se, freqüentemente, a figura de orientadores comunitários voluntários que acompanham o adolescente no dia a dia, dando suporte ao técnico responsável pelo jovem. Todavia, em parte significativa dos municípios brasileiros, ainda perduram: o distanciamento da comunidade na implementação das medidas socioeducativas, a precariedade das intervenções sociais e cognitivas de apoio à família do jovem e o atendimento socioeducativo mais focalizado na punição e não na ressocialização juvenil.

Criatividade ainda menor é a dos serviços que atendem jovens em situação de privação de liberdade. Os avanços conceituais sobre as formas de atendimento e prevenção da infração juvenil alcançados no Brasil na última década, que distanciam os antigos modelos punitivos das perspectivas atuais (que priorizam modelos pedagógicos de atenção e desenvolvimento de potencialidade), ainda não foram suficientes para reverter a prática institucional conservadora de institucionalização, secularmente arraigada. A despeito da nova doutrina, muitas instituições têm contribuído pouco para a promoção de qualidade de vida, saúde mental, cidadania dos usuários do sistema, ressocialização e redução da reincidência (Oliveira e Assis, 1999). Ao contrário, muitas vezes permitem ou produzem formas significativas de violação aos direitos humanos, sobretudo quando a infração cometida e a medida aplicada são de maior gravidade. (Xaud, 1999; Brasil, 2002).

O retorno do adolescente privado de liberdade ao seu lar e comunidade é um momento delicado e usualmente não é acompanhado pelas instituições, facilitando, para muitos jovens, o retorno ao mundo infracional. As más condições da estrutura de grande parte das instituições brasileiras (lotação, adequação do espaço à proposta socioeducativa), os modelos de atenção e as formas como são executadas as atividades socioeducativas constituem outro ponto fundamental de interesse para o campo de reflexão sobre as medidas preventivas e para a noção de promoção de condições de vida para esses jovens e suas famílias. A constatação da realidade vivenciada em muitas instituições brasileiras ilustra o quão distante para esses jovens estão os paradigmas da prevenção e promoção (Assis e Constantino, 2003).

A dificuldade de atuar preventivamente e de forma a promover condições de reaprendizado social nessas instituições “fechadas” é um dos mais sérios impasses a serem enfrentados. Uma das poucas tentativas observadas foi a do Programa Escola de Paz, em desenvolvimento pela Unesco na rede pública de ensino de boa parte do país, que durante alguns meses tentou levar a noção de cultura de paz aos adolescentes em privação de liberdade do Rio de Janeiro. A falta de continuidade dos programas, a precariedade dos registros dos programas institucionais e a inexistência de avaliações dificultam a socialização de experiências e impedem a real compreensão do “estado da arte” da prevenção da violência juvenil e da promoção da segurança pública no país.

Recomendações

. Priorizar programas com enfoque na reabilitação e de supervisão comunitária;

. Integrar programas de prevenção direcionados aos jovens em conflito com a lei a programas de prevenção mais universais, especialmente aqueles voltados à prevenção da violência familiar;

. Estimular programas de prevenção da violência em nível escolar;

. Associar às ações do programa, incentivos ao apoio econômico e social aos jovens e suas famílias;

. Os programas devem agir junto com as comunidades propondo a redução do acesso do jovem ao álcool, drogas e armas de fogo;

. Criar programas para tratamento do uso de substâncias psico-ativas;

. Realizar pesquisas e avaliações nacionais sobre os programas de prevenção à violência e promoção de segurança, visando à gestão mais precisa e frutífera dos recursos públicos e privados.

Programas Centrados na Justiça

Dos 109 programas de prevenção do crime e da violência em desenvolvimento no Brasil apresentados neste relatório, cerca de 19 são centradas na área da Justiça e outros 16 têm um componente na área da Justiça apesar de estarem centrados em outras áreas, como família, trabalho, comunidade e saúde. Muitos programas de prevenção do crime e da violência na esfera da Justiça começaram a ser implementados a partir da década de 1990. No sistema de justiça criminal, há promotorias e varas especializadas no atendimento de adolescentes em conflito com a lei que desenvolvem programas voltados para aplicação e execução de medidas socioeducativas em meio aberto (liberdade assistida e prestação de serviços à comunidade). Seja por meio de organizações não-governamentais, seja por meio de prefeituras, há diversos programas centrados no atendimento aos adolescentes cumprindo medida socioeducativa em meio aberto. Há programas que têm por objetivo incentivar a municipalização do atendimento, para que a execução das medidas sócio-educativas seja feita na comunidade de residência dos adolescentes. Estes programas podem incluir acompanhamento jurídico, atendimento individual e em grupo e à família, inserção em cursos profissionalizantes, estágios e pagamento de bolsas, visitas domiciliares, inserção do adolescente e da família na rede de serviços, atividades culturais e artísticas, e encaminhamento à escola.

No sistema penitenciário, há programas que oferecem capacitação profissional e trabalho para o preso. Há também programas educacionais e programas de incentivo à leitura e redação, e à prática de esporte, jardinagem, teatro, pintura e dança. Outro foco de programas é a execução de penas alternativas à prisão que se concretiza por meio da implantação de centrais de penas e medidas alternativas, responsáveis por captar vagas em instituições sociais para o apenado, encaminhá-lo e acompanhá-lo na execução da pena alternativa, bem como supervisionar e apoiar tecnicamente comarcas que desenvolvem o programa.

Na área da Justiça, há diversos programas que visam a descentralizar o atendimento jurídico, aproximando a população do Poder Judiciário e/ou oferecendo a possibilidade de mediação e resolução pacífica de conflitos em comunidades mais distantes e com pouca infra-estrutura urbana. Tais programas contribuem para realização de acordos judiciais e extrajudiciais, prestam outros tipos de serviços como emissão de documentos e realizam oficinas e palestras sobre direitos e justiça. Nessa linha, há programas que prestam orientação e encaminhamento jurídico, desde que o interessado participe ativamente do encaminhamento da demanda, incentivando o protagonismo do cidadão que tiver um direito violado. Existem centros e núcleos de atendimento a vítimas de crimes violentos e a familiares de vítimas fatais, em funcionamento em vários estados, com apoio do governo federal. Estes centros oferecem atendimentos multidisciplinares (jurídico, social e psicológico) para as vítimas e familiares, e procuram garantir, entre outros objetivos, o acesso da vítima à justiça e a responsabilização dos agressores.

Há também, em vários estados, com apoio do governo federal, programas de proteção a vítimas e testemunhas ameaçadas em função de participação em processo criminal, cujo objetivo é garantir a proteção integral das mesmas durante o processo criminal. Há ainda muitos programas de atendimento a mulheres e crianças e adolescentes vítimas de violência doméstica e sexual, com componente na área da Justiça. De uma forma geral, os resultados dos programas são auferidos pelo número de atendimentos. No caso da execução das medidas socioeducativas, poucos programas fazem o acompanhamento da reincidência e do aumento ou diminuição da aplicação da medida de internação. No caso de proteção de testemunhas, há também acompanhamento do número de casos resolvidos com o auxílio do programa (quadrilhas desbaratadas e réus condenados). No entanto, falta articulação entre os indicadores disponíveis para o monitoramento dos programas, bem como a sistematização dos atendimentos realizados pelos programas de forma a possibilitar a construção de indicadores mais objetivos.

Recomendações

. Programas de redução da lentidão na tramitação dos processos judiciais;

. Programas de redução da desigualdade no acesso ao sistema de justiça e da desigualdade no tratamento das pessoas e das comunidades pelos profissionais e organizações do sistema de justiça;

. Programas de apoio à resolução extrajudicial e comunitária de conflitos;

. Programas de redução do número de pessoas presas preventivamente, aguardando julgamento;

. Programas de proteção a vítimas e testemunhas ameaçadas em razão de participação em inquérito policial e processo judicial;

. Programas de reabilitação e reinserção familiar, profissional e social, dirigidos a adultos cumprindo pena pela prática de crime e para adolescentes em medida sócioeducativa pela prática de ato infracional, com as seguintes características:

. Estruturados e direcionados para as características e as necessidades dos participantes;

. Centrados no desenvolvimento de habilidades acadêmicas, profissionais e sociais dos participantes;

. Centrados nos incentivos para mudanças de comportamento;

. Implementados de forma adequada, pelo tempo necessário;

. Integridade nas relações entre agentes responsáveis pela implementação e participantes.

. Programas de apoio à aplicação e execução de penas alternativas e medidas sócioeducativas em meio aberto, direcionados para:

. Crimes e infrações menos graves;

. Adultos e adolescentes com baixa reincidência;

. Casos em que penas alternativas possuam maior eficácia e/ou melhor relação custo-benefício.

. Programas de limitação da aplicação e execução da pena de prisão e medidas de internação

aos crimes e infrações mais graves e aos adultos e adolescentes com alta reincidência;

. Programas de apoio à família de adultos cumprindo pena pela prática de crime e de adolescentes em medida sócio-educativa pela prática de ato infracional, especialmente nos casos de pena de prisão e medida de internação;

. Programas de apoio à expansão e aperfeiçoamento do papel da comunidade na reabilitação, tratamento e reinserção familiar, profissional e social dos adultos cumprindo pena pela prática de crimes e adolescentes em medida socioeducativa pela prática de ato infracional;

. Programas de apoio ao registro, compartilhamento, análise e uso de informações sobre o processo judicial e a execução penal, bem como sobre a estrutura e funcionamento dos sistemas de justiça criminal e administração penitenciária, voltados para o desenvolvimento de políticas e programas de prevenção;

. Programas de apoio ao estudo e pesquisa sobre a estrutura e funcionamento do sistema de justiça criminal e administração penitenciária, e sua relação com a prevenção do crime.

4.8. A Saúde e Prevenção

Desde a década de 1970, inicialmente nos Estados Unidos e depois em outros países do mundo, cresceu a atenção dos profissionais da saúde ao problema da violência devido ao reconhecimento do impacto causado por ela sobre a saúde das pessoas e das comunidades e do custo da violência para as instituições do sistema de saúde. Inicialmente, o setor de saúde adotou uma abordagem reativa e terapêutica, centrada no atendimento e tratamento das vítimas da violência. Posteriormente, principalmente no setor da saúde pública, os profissionais da saúde passaram a adotar uma abordagem mais pró-ativa e preventiva, procurando identificar a natureza e controlar a extensão do problema da violência na sociedade, identificar suas causas e possíveis soluções, e aplicar amplamente as medidas adequadas para solucionar o problema.

Na área da saúde, adota-se uma tipologia que classifica as diversas manifestações de violência em três tipos principais:

a) violência contra si mesmo;

b) violência interpessoal, entre as quais é possível distinguir a violência familiar e a violência na sociedade, a violência contra crianças, parceiros, idosos, jovens, pessoas conhecidas, pessoas estranhas, e a violência sexual;

c) violência coletiva.

Compreende-se ainda que a violência é um fenômeno complexo, multicausal, cuja incidência e impacto são influenciados por fatores na esfera individual, dos grupos mais próximos, da comunidade local e da sociedade. A partir da identificação da natureza e das causas da violência presente na sociedade, procura-se definir estratégias de prevenção primária, secundária e terciária, direcionadas para a população em geral, pessoas ou grupos em situação de risco, ou pessoas e grupos que já se tornaram autores ou vítimas violência. As violências interpessoais, na esfera da família e da comunidade, em muitas das suas formas tipificadas como crime, são objetos de preocupação, tanto dos profissionais de saúde quanto dos profissionais da área da segurança pública e da justiça criminal. Ações de prevenção da violência têm sido desenvolvidas pelos profissionais da saúde em diversos países do mundo,  direcionadas a fatores de risco na esfera individual, dos grupos mais próximos, da comunidade mais próxima e da sociedade em geral, entre as quais se destacam:

. Na esfera individual, há programas com o objetivo de promover atitudes e comportamentos para proteger as crianças e jovens enquanto crescem e programas com o objetivo de modificar atitudes e comportamentos de pessoas que já se envolveram com a violência, sejam como autores ou como vítimas. Destacam-se os programas educativos, inclusive sobre o abuso de drogas, programas de desenvolvimento de habilidades sociais e de autocontrole, programas de aconselhamento e apoio, e programas de tratamento médico.

. Na esfera dos grupos mais próximos, há diversos programas com o objetivo de melhorar o relacionamento ou resolver problemas de relacionamento interpessoal, e são direcionados para as relações familiares e para relações com colegas e amigos, na escola e ou na comunidade. Destacam-se os programas de visitas domiciliares, programas de instrução sobre relações pais-filhos, programas de terapia familiar, programas de desenvolvimento de habilidades de relacionamento.

. Na esfera da comunidade local, os programas têm por objetivo sensibilizar, organizar e mobilizar os membros da comunidade, especialmente dos profissionais da saúde, para identificar a presença de manifestações de violência nos seu estágio inicial ou de fatores de risco de violência, bem como para atuar na prevenção da violência e no atendimento, assistência e tratamento das vítimas da violência.

. Na esfera da sociedade, há ações visando à adoção de leis e políticas com o intuito de promover o desenvolvimento de programas e ações visando a identificar a natureza e as causas da violência que atinge os usuários do sistema de saúde, bem como medidas de prevenção primária, secundária e terciária para reduzir a mortalidade e morbidade decorrente de violências.

Brasil

No Brasil, o PROGRAMA DE SAÚDE DA FAMÍLIA – PSF é um exemplo de programa de prevenção desenvolvido na esfera da saúde, de abrangência nacional, direcionado para a família e a comunidade.Criado em 1993 pelo Ministério da Saúde, hoje atende a 13 milhões de pessoas em comunidades (http://www.hospitalar.com/arquivo_not/not1020.html). Tem como características essenciais o fato da família, e não o indivíduo, constituir a referência para as práticas de saúde, a visão da intervenção ativa e preventiva, e a integração com a comunidade. As principais atividades do programa são: diagnóstico de saúde da comunidade, visita domiciliar, participação em grupos comunitários, atendimento nas unidades e estabelecimentos de referência e contra-referência.

Um manual de apoio específico sobre o tema da violência familiar auxilia as equipes responsáveis pelo Programa Saúde da Família, ampliando a capacidade de atuação preventiva em relação à violência contra crianças, adolescentes, mulheres, idosos, portadores de deficiência, além de discutir a articulação entre masculinidade e violência (Deslandes e Assis, 2003). Embora a equipe, composta por médicos, enfermeiros e agentes comunitários, esteja em contato próximo com as famílias, há muitas dificuldades no que se refere à atuação frente à violência familiar, sejam elas devidas a resistências individuais, normas culturais, inexistência de suporte e recursos institucionais e insegurança comunitária (Cavalcanti, 2002).

Este programa combina serviços e atividades universais e localizadas: atende tanto a famílias em geral como àquelas com elevado grau de vulnerabilidade. É um programa baseado na comunidade, que atinge as famílias da comunidade (incluindo as vítimas de maus-tratos ou potencialmente vítimas), e coloca os pais em posição privilegiada, tanto para receber o atendimento como para dar andamento às ações desenvolvidas  Atualmente, a área da saúde vivencia um momento fértil na área da atuação frente à violência, havendo um crescimento significativo de ações realizadas pelas Secretarias Estaduais e Municipais dos Estados, com apoio do Ministério da Saúde, em unidades do sistema de saúde, na comunidade e na família. Atividades de monitoramento das notificações de violência contra a criança e adolescente hoje fazem parte de estratégias de muitas secretarias de saúde, contribuindo para a prevenção da violência à medida que fornecem a dimensão e gravidade da violência na sociedade, possibilitando a conscientização da população sobre o fenômeno e a definição de prioridades para prevenção e atendimento. Recentemente foi aprovada uma lei que estabelece a notificação compulsória dos casos de violência contra a mulher, fato que deve estimular o registro e dar novo foco ao atendimento a esse grupo nos serviços de saúde.

Uma forma de prevenção que tem se disseminada através da área da saúde é a de capacitação de profissionais para a detecção e atendimento à vítima de violência e seus familiares. Em todo o país, Secretarias Estaduais e Municipais e vários hospitais também têm criado seus próprios serviços, que assumem contribuir para o atendimento e a prevenção da violência através da capacitação profissional e da atenção especializada. Programas de atendimento a crianças e adolescentes vítimas de violência têm sido criados em vários hospitais públicos brasileiros, com ações de prevenção primária, secundária e terciária, propondo atendimento biopsicossocial à família, alguns deles incluindo grupos de orientação aos pais.

A emergência hospitalar é um outro local em que atividades de prevenção de crimes e violências podem ser realizadas (embora efetivamente ainda não o sejam). Estudo feito em dois hospitais de emergência do Rio de Janeiro mostra que tanto pacientes que tentaram suicídios, como crianças, adolescentes e mulheres vítimas de violência que buscaram atendimento não foram alvos de medidas preventivas significativas. Pelo contrário, vários desses pacientes foram atendidos sem que se questionasse a violência sofrida. O atendimento voltou-se exclusivamente para as queixas clínicas (Deslandes, 1999). Mesmo que a prática ainda esteja distante da teoria, é um avanço o exemplo articulado do Conselho Regional de Medicina de São Paulo, Escola Paulista de Medicina e Sindicato dos Médicos do Estado, que propõem a integração do atendimento às vítimas de violência (CRMES, APM, SIMESP, 1998) e a definição do papel de cada nível da atenção. Muitas organizações não-governamentais também atuam nessa área, com a participação de profissionais da saúde, algumas delas capitaneando as ações de prevenção da violência contra a criança/adolescente e contra a mulher no país.

Programas Centrados na Saúde

Dos 109 programas de prevenção do crime e da violência em desenvolvimento no Brasil apresentados neste relatório (ver seção 7), seis estão centrados na área da saúde. Outros 21 programas, apesar de estarem centrados em outras áreas, também desenvolvem ações na saúde. Programas centrados na família, que atendem mulheres ou crianças e adolescentes vítimas de violência familiar, e programas centrados na comunidade que atendem a vítimas e familiares de crimes violentos freqüentemente contam com a participação de profissionais da área da saúde, tais como atendimento médico e psicológico, por exemplo.

A maioria dos programas tem como preocupação central a saúde das vítimas de violência. Há também aqueles voltados para a saúde de crianças e adolescentes em situação de risco. E, por fim, existem programas direcionados para o problema das drogas. Alguns programas se iniciaram no início da década de 90, mas a maioria é bastante recente. Os programas direcionados para as vítimas de violência desenvolvem dois tipos de intervenções principais: atendimento às vítimas e capacitação de profissionais. O  atendimento é realizado especialmente por profissionais da área médica e psicológica e direcionado a vítimas de todas as formas de violência, sendo que alguns programas demonstram preocupação direta com as vítimas de violência sexual. A capacitação de profissionais é intervenção também bastante freqüente e visa a preparar os profissionais das áreas da saúde para receber, atender e trabalhar com as vítimas de violência. Também os programas que estão voltados para a saúde dos jovens trabalham com a capacitação profissional. Encontramos exemplos de programas de capacitação permanente dos profissionais que trabalham na área da infância e da adolescência e de capacitação de profissionais visando à prevenção da morbi-mortalidade resultante de causas externas (tanto intencionais como acidentais).

De um modo geral, há pouco acompanhamento e monitoramento dos resultados do trabalho realizado. Os indicadores mais freqüentes são o número de participantes dos trabalhos de capacitação e de atendimentos realizados, sendo que há poucos registros sobre a evolução do trabalho realizado e o reflexo desses programas na prevenção da violência.

Recomendações

. Programas de prevenção e tratamento de problemas relacionados ao consumo de álcool e drogas;

. Programas de prevenção e tratamento de problemas psico-sociais e biológicos que aumentam o risco de comportamentos violentos;

. Programas de apoio ao registro, compartilhamento, análise e uso de informações sobre a incidência e o impacto da violência na sociedade, voltados para o desenvolvimento de políticas e programas de prevenção;

. Programas de apoio ao estudo e pesquisa sobre violência e prevenção da violência.

5. Metodologia para Desenvolver Políticas e Programas de Prevenção do Crime e da Violênvia: Como Fazer a Prevenção do Crime e da Violência?

Crimes e violências são problemas de segurança pública com características e causas que variam muito, dependendo do tipo de crime e de violência, das pessoas envolvidas e das circunstâncias em que ocorrem, cujas soluções nem sempre são conhecidas pelos profissionais das diversas áreas que lidam com estes problemas. É fundamental, portanto, ampliar o conhecimento sobre as características e as causas dos crimes e violências na sociedade, e as possíveis soluções para estes problemas, através de estudos, pesquisas e particularmente do monitoramento e avaliação de políticas e programas de prevenção do crime e da violência desenvolvidas em cada país, estado, cidade ou bairro. Estudos e pesquisas realizados em diferentes países não são suficientes para determinar o que funciona e o que não funciona em matéria de prevenção do crime e da violência, particularmente porque políticas e programas que funcionam em um contexto freqüentemente não podem ser implementadas ou não funcionam em outros contextos. Mas estes estudos e pesquisas mostram com relativa clareza que alguns tipos de políticas e programas têm menos chances de prevenir efetivamente o crime e a violência:

a) políticas e programas apoiados simplesmente em ações de polícia e de justiça;

b) políticas e programas desenvolvidos sem planejamento e sem monitoramento e avaliação da sua implementação e dos seus resultados; e

c) políticas e programas sem a participação da sociedade.

Ainda que estas políticas e programas possam ter um efeito positivo no curto prazo, dificilmente são sustentáveis e produzem resultados positivos a médio e longo prazo. Na seção anterior, este relatório apresentou o resultado de estudos e pesquisas sobre programas de prevenção do crime e da violência em diversas áreas, incluindo família,  escola, trabalho, comunidade, mídia, polícia, justiça e saúde, enfatizando que têm mais chance de ser bem-sucedidas as políticas e programas que são compreensivos e localizados, isto é, dirigidos para áreas e grupos de risco e para os múltiplos fatores de risco e de proteção associados ao problema que ser quer resolver, e também as políticas e programas que são implementados de forma contínua e permanente, por um período suficiente para produzir e consolidar os resultados desejados, com a participação da sociedade. Nesta seção, o relatório apresenta uma metodologia para o desenvolvimento de políticas e programas de prevenção do crime e da violência, com o objetivo de auxiliar os profissionais diretamente envolvidos no desenvolvimento destas políticas e programas a aperfeiçoar o seu trabalho e de aumentar a legitimidade, eficácia e eficiência das políticas e programas nesta área.

A metodologia apresentada nesta seção é um guia para ação, útil para profissionais de diversas áreas, envolvidos na prevenção de diversos tipos de crime e de violência, em diversos estados, cidades ou bairros. Assim, a metodologia não prescreve métodos e ações específicas, adequadas a situações específicas, para o desenvolvimento de políticas e programas de prevenção do crime e da violência. A metodologia descreve e explica os passos fundamentais deste processo – incluindo principalmente planejamento, implementação, monitoramento e avaliação –, que devem orientar a definição de métodos e ações específicas, adequadas para o desenvolvimento destas políticas e programas, que só podem ser feitas pelos profissionais diretamente envolvidos no processo, levando em consideração o contexto no qual acontece. Esta metodologia foi desenvolvida a partir de um extenso levantamento de estudos, pesquisas e relatórios sobre a prevenção do crime e da violência, realizados por profissionais de diversos países, especializados na prevenção de diversos tipos de crimes e violências.16

Apesar da complexidade de muitos processos de desenvolvimento de políticas e programas de prevenção do crime e da violência, bem como das próprias políticas e programas de prevenção do crime e da violência, esta complexidade dos processos não é garantia da sua eficácia e freqüentemente dificulta a sua implementação. Este relatório procura apresentar uma metodologia básica, simples, prática, que aponta os elementos necessários para o desenvolvimento de políticas e programas de prevenção do crime e da violência, que poderão e deverão ser desenvolvidos, aperfeiçoados e adaptados de acordo com necessidades dos profissionais que a utilizam.

Planejamento, Implementação, Monitoramento e Avaliação

Em teoria, o desenvolvimento de políticas e programas de prevenção do crime e da violência é um processo que envolve quatro etapas ou fases principais, cada uma delas envolvendo uma série de passos. São elas: planejamento, implementação, monitoramento e avaliação.

Planejamento é a etapa que diz respeito ao processo de elaboração de políticas, programas e/ou ações de prevenção do crime e da violência, que envolve necessariamente a identificação do problema de segurança pública a ser resolvido, suas conseqüências, suas causas, e as ações capazes de resolvê-lo ou pelo menos limitar e controlar a sua incidência e/ou conseqüências.

Implementação é a etapa que diz respeito ao processo de execução de políticas, programas e/ou ações de prevenção do crime e da violência. Monitoramento é a etapa que diz respeito ao processo de verificação da implementação e dos resultados de políticas, programas e/ou ações de prevenção do crime e da violência. Avaliação é a etapa que diz respeito ao processo de análise dos resultados de políticas, programas e/ou ações de prevenção do crime e da violência, incluindo a determinação do seu sucesso ou insucesso, bem como das causas do sucesso ou insucesso e, eventualmente, uma definição ou recomendação sobre a sua continuidade, descontinuidade ou modificação. Planejamento, implementação, monitoramento e avaliação são quatro etapas interrelacionadas e interdependentes. Por exemplo, o planejamento condiciona e é condicionado pela implementação, monitoramento e avaliação das políticas e programas. Por um lado, om planejamento condiciona, em maior ou menor grau, a implementação, o monitoramento e a avaliação das políticas e programas. Se não houver uma clara definição de objetivos, ações estratégicas, resultados esperados, e indicadores de implementação e resultados, na fase de planejamento, é mais difícil implementar, monitorar e avaliar a política ou programa. Por outro lado, o planejamento é condicionado, em maior ou menor medida, pela possibilidade ou pela expectativa de implementação, monitoramento e avaliação das políticas e programas.

Se não houver organizações e grupos mobilizados para implementar a política ou programa e se não houver informações confiáveis para o monitoramento e avaliação da implementação e dos resultados, o planejamento da política ou programa será afetado. Freqüentemente há sobreposição entre as quatro etapas, embora sejam logicamente subseqüentes, na medida em que o início do planejamento antecede o início da implementação, que por sua vez antecede o início do monitoramento, e este o início da avaliação. Assim, o planejamento das ações não termina necessariamente no momento de início da implementação, mas pode continuar na medida em que se processa a implementação, monitoramento e avaliação de resultados, prática esta que permite a correção de eventuais erros e a incorporação no planejamento de fatos novos, não previstos ou não conhecidos até o início da implementação.

Nas próximas seções, o relatório focaliza cada uma das quatro etapas do processo de desenvolvimento de políticas e programas de prevenção da violência, descrevendo e explicando os passos mais importantes em cada uma das quatro etapas, e indicando produtos obtidos em cada uma das etapas.

Planejamento

A etapa de planejamento pode ser subdividida em duas etapas principais. A primeira etapa é o diagnóstico ou auditoria da segurança pública, para identificar a natureza, a magnitude e as causas dos problemas de criminalidade e violência, as necessidades e expectativas dos indivíduos envolvidos e da comunidade afetada pelos problemas, bem como as possibilidades e limitações existentes para o desenvolvimento de ações visando a resolver estes problemas.

A segunda etapa é a formulação de uma política integrando diversos programas, ou de um programa integrando diversas ações, visando a solucionar o problema, definindo objetivos, ações estratégicas, responsabilidades, recursos, cronograma de implementação, resultados esperados e indicadores de resultados. Pré-condição para sua realização é a constituição de uma unidade responsável pelo  planejamento, integrada por profissionais capacitados para realizá-lo, e a existência de uma base de informações e dados necessários para o diagnóstico do problema e a formulação de políticas e programas para solucioná-lo.

Estruturar a Unidade Responsável Pelo Planejamento

Em teoria, o desenvolvimento de políticas e programas de prevenção do crime e da violência deve ser um processo aberto, transparente. Deve contar com a participação dos principais interessados na resolução do problema e com as organizações e grupos cuja contribuição é importante para a sua resolução, em todas as suas fases, incluindo o planejamento, a implementação, o monitoramento e a avaliação. Portanto, abertura, transparência e participação são fatores importantes para assegurar um mínimo de legitimidade, eficácia e eficiência das políticas e programas de prevenção do crime e da violência, assim como acontece com outras políticas e programas públicos.

Na prática, abertura, transparência e participação no processo de desenvolvimento de políticas e programas de prevenção do crime e da violência dependem de vários fatores, incluindo a natureza do problema a ser enfrentado, a natureza do regime político e do governo, e organização e mobilização da sociedade civil. Os estudos, pesquisas e relatórios mais recentes sobre prevenção do crime e da violência tendem a reconhecer e enfatizar a importância da abertura, da transparência e da participação para o desenvolvimento de políticas e programas e de prevenção do crime e da violência. Reconhece-se, entretanto, que o grau de abertura, transparência e participação é variável em função das condições nas quais se dá o desenvolvimento das políticas e programas e que o grau de abertura é um fator que influencia, mas não determina, o resultado das políticas e programas.

Na etapa de planejamento, é importante analisar quais são as organizações e grupos cujo envolvimento é importante para o sucesso do processo de desenvolvimento da política/programa de prevenção do crime e da violência, e principalmente identificar a organização ou grupo responsável pela gestão de cada etapa deste processo (planejamento, implementação, monitoramento e avaliação). A partir desta análise, é importante estruturar= uma unidade de gestão responsável pelo planejamento (bem como as unidades de gestão responsáveis pela implementação, monitoramento e avaliação, que podem ou não coincidir com a unidade de planejamento) e estabelecer a forma de relacionamento entre esta unidade e as demais organizações e grupos participantes do processo. De maneira geral, quanto mais complexa a sociedade e a política/programa de prevenção do crime da violência, maior será a separação, diferenciação e especialização das organizações e grupos responsáveis pelo planejamento, implementação, monitoramento e avaliação de cada etapa do desenvolvimento da política/programa de prevenção do crime e da violência.

Nas sociedades e políticas/programas mais simples, entretanto, a mesma organização ou grupo freqüentemente é responsável pela gestão de todas as etapas do processo. Organizações governamentais (dos governos federal, estadual e/ou municipal), organizações não governamentais (da sociedade civil e/ou do setor privado) e centros de estudos e pesquisas podem participar e colaborar no desenvolvimento de políticas e programas de prevenção do crime e da violência.

As responsabilidades de cada organização, especialmente a responsabilidade pela gestão dos processos de planejamento, implementação, monitoramento e avaliação de políticas/programas de prevenção do crime e da violência, dependem em grande parte das características da sociedade e do governo e da natureza do problema de segurança pública que se deseja resolver. Problemas referentes a ações de grupos ou organizações criminosas atuando em mais de um estado ou país normalmente exigem políticas e programas geridos pelo governo federal, com a colaboração dos governos estaduais e municipais. Problemas referentes a ações de grupos ou organizações criminosas atuando em mais de um município, bem como a crimes mais graves e à reincidência freqüente, normalmente exigem políticas e programas geridos pelo governo estadual, com a colaboração do governo federal e dos governos municipais. Problemas referentes a ações individuais ou de grupos e organizações atuando em um único município, bem como a crimes menos graves, violência doméstica e de gênero, violência envolvendo crianças e jovens, e violência contra minorias, normalmente podem ser objeto de políticas e programas geridos pelo governo municipal ou mesmo por entidades não governamentais (da sociedade civil ou do setor privado), com a colaboração do governo estadual e do governo federal.

Identificar a Natureza e a Magnitude do Problema

Identificar a natureza e magnitude do problema de segurança pública implica identificar tipos de crimes e violências, a freqüência das ocorrências, similaridades e diferenças das ocorrências, as situações de incidência, as características e as relações entre os indivíduos e grupos afetados pelo problema, na condição de agressores ou vítimas, as conseqüências do problema para os indivíduos e grupos afetados e para a sociedade, incluindo danos físicos, psicológicos, econômicos, sociais, culturais e políticos, e os contextos econômico, social, cultural, político e institucional nos quais o problema se manifesta.

Informações sobre o problema podem ser quantitativas e/ou qualitativas e podem ser obtidas a partir de diversas fontes, incluindo organizações governamentais (federais, estaduais e municipais), organizações não-governamentais (da sociedade civil e do setor privado), e centros de estudos e pesquisas. Levantar informações junto aos membros da comunidade e às pessoas diretamente envolvidas em crimes e violências, na condição de agressores e vítimas, normalmente é importante para a adequada compreensão da natureza e da magnitude do problema.

O tipo de informação e as fontes de informação dependem do tipo de problema de segurança pública que é objeto de atenção, entre os quais é possível citar, como exemplo: o crime/violência urbana, o crime/violência rural, o crime/violência doméstica, o crime/ violência contra a mulher, crime/violência envolvendo crianças e adolescentes, crime/ violência contra minorias, o crime/violência praticado por agente público, o crime/violência praticado por grupo ou organização criminosa nacional, e o crime/violência praticado por grupo ou organização criminosa internacional.

Fontes de Informação 17

Entre as fontes de informação mais comuns sobre problemas de segurança pública, é possível relacionar:

. Organizações policiais (dados de boletins de ocorrência, termos circunstanciados, inquéritos policiais, sobre crimes, vítimas, agressores e circunstâncias do crime; estatísticas e mapas de ocorrências criminais);

. Organizações do sistema de justiça criminal, incluindo Ministério Publico, Poder Judiciário e Defensoria (dados de processos judiciais, sentenças, sobre crimes/ violências, vítimas, agressores e circunstâncias do crime);

. Organizações do sistema penitenciário e organizações especializadas na execução de penas alternativas (dados sobre agressores e execução penal);

. Organizações especializadas na aplicação de medidas sócio-educativas em meio fechado e em meio aberto (dados sobre adolescentes que praticaram atos infracionais e aplicação de medidas sócio-educativas);

. Organizações especializadas no atendimento a vítimas de crimes/violências (dados sobre os crimes/violências, as vítimas, os agressores e as circunstâncias de crimes/violências);

. Organizações do sistema de saúde (dados sobre violências e vítimas);

. Organizações governamentais, da sociedade civil e do setor privado (dados de relatórios sobre tipos específicos de crimes/violências, agressores, vítimas e circunstâncias de crimes/violências);

. Organizações da mídia (dados de reportagens e análises publicadas na imprensa);

. Universidades e centros de estudos e pesquisas (dados de estudos e pesquisas sobre crimes/violências, vítimas, agressores, as circunstâncias e as conseqüências do crime/violência);

. Pesquisas de vitimização (dados sobre crimes/violências, vítimas, agressores, as circunstâncias e as conseqüências do crime/violência);

. Pesquisas de opinião (dados sobre a percepção que a população tem dos problemas de segurança pública);

. Grupos focais (dados sobre a percepção que a população tem da natureza e das conseqüências dos problemas de segurança pública);

. Entrevistas com lideranças e especialistas (dados sobre a percepção que as lideranças e os especialistas têm da natureza e das conseqüências dos problemas de segurança pública);

Em relação à coleta de informações, é importante, antes de procurar ou solicitar informações, definir quais são as informações relevantes e identificar as organizações que as possuem. Assim, a coleta de informações pode ser direcionada às informações relevantes e às organizações que as detêm. Evita-se, assim, o problema de procurar ou solicitar informações irrelevantes e/ou de procurar ou solicitar informações junto a organizações que não as detêm.

Identificar as Causas do Problema

Além de identificar a natureza e magnitude, é importante identificar as causas do problema de segurança púbica que se deseja resolver. Identificar as causas do problema implica identificar os fatores que aumentam o risco de crimes/violências (fatores de risco) e/ou os fatores que diminuem o risco de crimes/violências (fatores de proteção) associados aos crimes/violências. Estes fatores de risco e de proteção podem estar associados à estrutura da sociedade e/ou à estrutura das situações específicas em que ocorrem os crimes/violências, bem como às atitudes e comportamentos de indivíduos e grupos que praticam e que são vítimas de crimes/violências (Krug et al 2002; Reiss e Roth 1993).

As sociedades, comunidades, grupos e indivíduos são influenciados por um conjunto de fatores de risco e de proteção, que contribuem para estabelecer uma situação de vulnerabilidade ou resiliência diante do crime/violência. Há razoável grau de consenso sobre a existência de múltiplos fatores que contribuem para aumentar e/ou diminuir o risco de crimes e violências, bem como a vulnerabilidade e/ou resiliência diante de crimes e violências. Mas há sempre divergências sobre a importância relativa dos vários tipos de fatores de risco e de proteção e, conseqüentemente, sobre as ações necessárias para resolver o problema, que tendem a variar dependendo do tipo de crime e de violência e das características da sociedade.

Fatores Sociais de Risco e de Proteção

Há estudos e pesquisas sobre a origem do crime e da violência que focalizam e enfatizam a importância de fatores associados à estrutura da sociedade, particularmente, mas não apenas as características das instituições familiares, educacionais, comunitárias, econômicas, policiais, judiciárias e penitenciárias. Segundo estes estudos e pesquisas, as características da sociedade influenciam o grau de pré-disposição dos indivíduos e grupos para a prática de crimes/violências. Também influenciam a maior ou menor presença de indivíduos e grupos orientados para a prática de crimes/violências na sociedade – até certo ponto, independentemente da vulnerabilidade de indivíduos e grupos à vitimização e do risco de encontro de agressores e vítimas em determinados locais e horários.

Entre os fatores de risco freqüentemente citados estão: a desorganização social, comunitária e familiar; a desigualdade de oportunidades, particularmente nas áreas da saúde, educação, trabalho, segurança e justiça; a discriminação, marginalização e exclusão de grupos minoritários; a disseminação de valores, normas e atitudes favoráveis ao crime e à violência; a disseminação de instrumentos (armas) e substâncias (álcool e drogas) que facilitam a prática do crime e da violência; as relações com familiares, amigos e conhecidos envolvidos com o crime e a violência; a ausência ou fragilidade de políticas/programas de prevenção do crime e da violência.

Entre os fatores de proteção freqüentemente citados estão: a organização social, comunitária e familiar; a igualdade de oportunidades, particularmente nas áreas da saúde, educação, trabalho, segurança e justiça; a valorização da diversidade e a inclusão de grupos minoritários; a disseminação de valores, normas e atitudes favoráveis à resolução de problemas e conflitos por meios legais e pacíficos; a disseminação de meios legais e pacíficos de resolução de problemas e conflitos; relações com familiares, amigos e conhecidos capazes de resolver problemas e conflitos por meios legais e pacíficos; o desenvolvimento de políticas/ programas de prevenção do crime e da violência.

Fatores Situacionais de Risco e de Proteção

Há, entretanto, outros estudos e pesquisas que focalizam e enfatizam a importância de fatores associados à estrutura das situações em que ocorrem os crimes/violência, particularmente as relações entre potenciais agressores e vítimas que se encontram num determinado local e horário. Segundo estes estudos e pesquisas, a predisposição de indivíduos e grupos é fator importante, mas não suficiente, para explicar o risco de crimes e violências na sociedade, que depende também da vulnerabilidade de indivíduos e grupos à vitimização e, principalmente, das oportunidades de encontro de potenciais agressores e vítimas em lugares e horários determinados. Deste ponto de vista, as oportunidades para o encontro de potenciais vítimas e agressores e para a prática de crimes e violências afetam de maneira significativa a incidência de crimes e violências na sociedade – indepen-dentemente da predisposição de indivíduos e grupos para a prática de crimes.

Entre os fatores de risco freqüentemente citados estão: presença e concentração de pessoas pré-dispostas à prática de crimes e violências; concentração de pessoas vulneráveis à vitimização; e/ou existência de oportunidades para a prática de crimes e violências, ou seja, situações, lugares e horários em que crimes e violências têm custo baixo, risco baixo e benefício alto.

Entre os fatores de proteção freqüentemente citados estão: ausência ou dispersão depessoas pré-dispostas à prática de crimes e violências; ausência ou de dispersão de pessoas vulneráveis à vitimização; e/ou inexistência de oportunidades para a prática de crimes e violências, ou adoção de práticas e medidas que aumentam o custo, aumentam o risco e reduzem o benefício de crimes e violências.

Teorias sobre o Crime e a Violência

Sherman (1992) caracteriza as teorias sobre as causas do crime e da violência na sociedade como teorias da “pressão hidráulica” e teorias da “oportunidade”. Segundo adeptos das teorias da pressão hidráulica, as oportunidades para a prática de crimes e violências ajudam a explicar os tipos de crime e violência mais recorrentes na sociedade, os locais e horários de maior incidência, e os indivíduos e grupos mais vitimizados. Mas o que explica fundamentalmente o problema de criminalidade e violência na sociedade é a pré-disposição de indivíduos e grupos para a prática de crimes e violências. Dentre as teorias da pressão hidráulica, três tipos são bastante freqüentes. O primeiro tipo de teoria atribui a predisposição à prática de crimes e violências na sociedade à desorganização ou anomia na sociedade e ao enfraquecimento de instituições e práticas que incentivam a resolução de problemas e conflitos por meios legais e pacíficos, freqüentemente associada a períodos de crise e/ou mudança social e política.

O segundo tipo de teoria atribui a predisposição à prática de crimes e violências na sociedade à socialização de indivíduos e grupos para a prática de crimes e violência, freqüentemente associada à presença na sociedade de grupos e organizações criminosas que promovem a resolução de problemas e conflitos por meios ilegais e violentos. O terceiro tipo de teoria atribui a predisposição para a prática de crimes e violências na sociedade à existência e disseminação de problemas de natureza biológica, psicológica e/ou psico-social, que diminuem o autocontrole dos indivíduos e/ou aumentam sua propensão para prática de crimes e violências. Para adeptos das teorias da oportunidade, por outro lado, a pré-disposição de indivíduos e grupos para a prática de crimes/violências é apenas uma dos fatores que contribui para explicar o problema da criminalidade e da violência na sociedade, e nem sempre o mais importante. Outros fatores, mais importantes, são a vulnerabilidade à vitmização de indivíduos e grupos, e principalmente a existência de oportunidades para a prática de crimes e violências em determinadas situações, lugares e horários.

No diagnóstico das causas de um determinado tipo de problema de segurança pública, diante da multiplicidade de fatores que contribuem para a origem do problema, há freqüentemente uma tendência a privilegiar determinados fatores em função da adesão a teorias da “pressão hidráulica” ou a teorias da “oportunidade”, ou mesmo a maior disponibilidade de informações sobre determinados fatores, associados à estrutura da sociedade, à estrutura das situações específicas em que ocorrem os crimes/violências, e/ou às atitudes e comportamentos de indivíduos e grupos que praticam e que são vítimas de crimes/violências.

Diante da ausência de um consenso sobre o valor das diferentes teorias sobre o crime e a violência, é prudente analisar, no caso específico, a importância dos múltiplos fatores, antes de fixar atenção em um conjunto específico de fatores de risco e de fatores de proteção, cuja presença (no caso de fatores de risco) e ausência (no caso dos fatores de proteção) contribui para a origem do problema de segurança pública. A abertura, a transparência e a participação de lideranças e especialistas no processo de diagnóstico da natureza e das causas do problema de segurança pública é um instrumento para minimizar as chances de erro no diagnóstico e aumentar as chances de correta identificação das causas do problema.

Fontes de Informação

Além dos tipos e fontes de informação citadas acima, para a identificação da natureza e magnitude dos problemas de segurança pública, é possível citar outras fontes de informação relevantes para a identificação das causas dos problemas:

. Organizações do governo municipal, estadual e federal (dados sobre a população afetada e sobre o contexto ou a circunstância na qual acontecem os problemas de segurança pública);

. Universidades e centros de estudos e pesquisas (dados de estudos e pesquisas sobre as causas dos problemas de segurança pública);

. Pesquisas de opinião (dados sobre a percepção que a população tem das causas dos problemas de segurança pública);

. Grupos focais (dados sobre a percepção que a população tem das causas dos problemas de segurança pública);

. Entrevistas com lideranças e especialistas (dados sobre a percepção que as lideranças e os especialistas têm das causas dos problemas de segurança pública).

Definir os Objetivos da Política/Programa de Prevenção

Na definição dos objetivos da política/programa de prevenção do crime e da violência, há duas escolhas principais a serem feitas. A primeira diz respeito à escolha entre a redução da incidência do crime e da violência ou a redução dos danos causados pelo crime e pela violência. A opção pela redução da incidência do crime e da violência implica a priorização de estratégias de prevenção primária e secundária do crime e da violência, voltadas para o conjunto da população e para as áreas e grupos de risco. A opção pela redução dos danos causados pelo crime e pela violência implica a priorização de estratégias de prevenção secundária e terciária, centradas nas áreas e grupos de risco e os indivíduos que já se tornaram vítimas e/ou autores de crimes e violências.

A segunda diz respeito à escolha entre a redução e a limitação e controle do problema do crime e da violência. A opção pela redução e a limitação e controle do problema implica a opção por estratégias mais compreensivas, orientadas para um maior número de fatores de risco e de proteção, e abrangentes, orientadas populações e áreas maiores. A opção pela limitação e controle do problema implica a opção por estratégias menos compreensivas, orientadas para um menor número de fatores de risco e de proteção, emenos abrangentes, orientadas para populações e áreas menores. A definição dos objetivos da política/programa condiciona e é condicionada pelo conjunto de ações que podem ser realizadas na implementação da política/programa.

Definir as Ações para Realização dos Objetivos da Política/Programa

Ações para realização dos objetivos da política/programa de prevenção do crime e da violência podem ser implementadas em diversas áreas da sociedade, incluindo as seguintes áreas: família, escola, trabalho, comunidade, mídia, polícia, justiça e saúde. A análise das ações que podem ser implementadas para realizar os objetivos da política/ programa deve levar em consideração a sua legitimidade, a sua eficácia e eficiência, bem como sua exeqüibilidade e sustentabilidade. A definição das ações a serem implementadas deve levar em consideração a necessidade e suficiência das ações para, atuando sobre os fatores de risco e de proteção, realizar os objetivos da política/programa. Ações desnecessárias devem ser descartadas. As ações escolhidas devem ser suficientes para realização dos objetivos. Na definição das ações a serem implementadas, em função de considerações sobre a legitimidade, eficácia, eficiência, exeqüibilidade e sustentabilidade das ações que podem ser implementadas, é possível e freqüentemente desejável haver uma redefinição e ajuste dos objetivos da política/programa.

Definir as Organizações e Grupos que Podem Colaborar no Desenvolvimento da Política/Programa

Organizações governamentais (federais, estaduais e/ou municipais) e organizações não governamentais (da sociedade civil e/ou do setor privado) podem participar e colaborar no desenvolvimento de políticas/programas de prevenção do crime/violência e das ações de implementação, monitoramento e avaliação das políticas/programas. Na fase de planejamento, entretanto, é importante definir claramente as responsabilidades de cada organização e grupo, especialmente das organizações e grupos responsáveis pela gestão de cada etapa do processo de desenvolvimento da política/programa. No desenvolvimento de políticas/programas de prevenção do crime e da violência, a legitimidade e também a eficácia e eficiência de políticas/programas normalmente podem ser reforçadas através da identificação e inclusão de dois tipos de organizações e grupos:

a) organizações e grupos representativos das comunidades afetadas pelo problema, especialmente da população afetada pelo problema;

b) organizações governamentais e não governamentais desenvolvendo ações relevantes para resolução do problema.

Definir os Recursos para o Desenvolvimento da Política/Programa

Na definição dos recursos para o desenvolvimento da política/programa, há duas escolhas principais. Primeiro, a escolha da natureza dos recursos, incluindo recursos materiais e humanos. Tradicionalmente, na área da segurança pública, os governos investem mais na aquisição de tecnologias, equipamentos, viaturas e armas do que na contratação e qualificação dos profissionais para fazer uso destes recursos materiais. Cada vez mais, entretanto, há uma tendência a enfatizar a importância dos recursos humanos sobre os recursos materiais.

Segundo, a escolha entre as fontes dos recursos, que podem ser as organizações governamentais (federais, estaduais, municipais) e não governamentais (sociedade civil, setor privado). No Brasil, tradicionalmente, na área da segurança pública, o governo federal e principalmente os governos estaduais são as principais fontes de recursos para políticas/programas de prevenção do crime e da violência. De maneira crescente, entretanto, reconhece-se a importância dos recursos investidos pelos governos municipais e por organizações não governamentais, da sociedade civil e do setor privado.

Definir um Cronograma para Desenvolver a Política/Programa

O desenvolvimento da política/programa deve ser orientado por um cronograma de execução, definindo as ações a serem implementadas no curto, médio e longo prazo, e os prazos para implementação das ações.

Definir os Resultados que se Espera Alcançar com a Implementação da Política/Programa

É importante definir os resultados que se espera alcançar com o desenvolvimento da política/programa, bem como a implementação das ações que integram a política/programa, a curto, médio e longo prazo, porque é através do monitoramento dos resultados que será possível saber se, e em que medida, os objetivos da política/programa foram atingidos. Os resultados esperados devem estar sempre relacionados aos objetivos da política/ programa, ainda que a relação entre os resultados esperados e os objetivos não seja sempre evidente ou óbvia. Além de estarem relacionados aos objetivos da política/programa, os resultados esperados devem ser sempre mensuráveis através de indicadores de resultados. Os resultados esperados são freqüentemente definidos em termos quantitativos, como, por exemplo, a redução dos crimes violentos ou o aumento do efetivo policial, mas podem ser definidos também em termos qualitativos, como, por exemplo, melhoria da segurança  pública ou o aperfeiçoamento da atuação da polícia. Neste caso, entretanto, é importante definir indicadores capazes de medir ou verificar resultados qualitativos.

Planejar o Monitoramento da Implementação e dos Resultados

O monitoramento da implementação e dos resultados da política/programa e das ações previstas na política/programa deve ser permanente, iniciando-se logo após o início da implementação da política/programa.

Na fase de planejamento, é importante definir quem realizará o monitoramento e como o monitoramento será feito. É interessante responsabilizar organizações ou grupos diferentes pela implementação e pelo monitoramento da política/programa, embora nem sempre seja possível separar e diferenciar estas duas atividades. O monitoramento da implementação e dos resultados depende da existência de indicadores capazes de medir ou verificar avanços na implementação e os resultados obtidos a partir da implementação da política/programa e das ações previstas na política/programa.

Indicadores são medidas que ajudam a “responder a questão ‘quanto’, ou ‘se’, progresso está sendo realizado na direção de um certo objetivo” (Vera Institute of Justice, 2003). Indicadores são importantes para verificar progresso na implementação de ações ou programas por parte de uma organização ou grupo, na obtenção de resultados específicos a partir da implementação de ações ou programas específicos por parte de organizações ou grupos específicos, e na obtenção de resultados gerais a partir da implementação de um conjunto de ações e programas específicos que integram uma política geral. O Vera Institute of Justice (2003) desenvolveu um guia para construção de indicadorespara verificar os resultados de políticas e programas na área da segurança e justiça, que ressalta a importância de combinar diversos tipos de indicadores, relacionados aos resultados das ações desenvolvidas pelas diferentes organizações e grupos participantes da política ou programa, para verificar o resultado geral das políticas ou programas. O guia também ressalta a importância de utilizar diversas fontes para obter informação sobre os indicadores.

Entre as principais fontes de informação na área de segurança e justiça, o guia cita os bancos de dados governamentais, as pesquisas quantitativas e qualitativas, os relatórios de organizações governamentais, não governamentais e da imprensa, a legislação.

As principais recomendações para o desenvolvimento de indicadores são:

. Começar pelo resultado, não pelo indicador;

. Medir resultados com cestas balanceadas de indicadores;

. Testar os indicadores pela sua sensitividade às mudanças pretendidas;

. Desenhar indicadores que permitam isolar as experiências de grupos com menos poder, como, por exemplo, a população pobre;

. Evitar criar incentivos perversos;

. Usar os indicadores mais simples e baratos;

. Desenvolver a confiança nos indicadores entre os interessados;

. Desenhar indicadores que façam sentido para a maioria das pessoas.

Planejar a Avaliação da Implementação e dos Resultados

A partir dos dados obtidos durante o monitoramento da implementação e dos resultados das ações, programas e políticas, é possível fazer uma avaliação da implementação e dos resultados destas ações, programas e políticas. Na fase de planejamento, é importante definir quando serão feitas avaliações, quem realizará as avaliações e como estas serão feitas. As avaliações podem ser mais ou menos freqüentes, mas é fundamental a realização de uma avaliação ao final do processo de implementação da política ou programa. Avaliações  mais freqüentes oferecem mais oportunidades de verificar se, e em que medida, as políticas, programas e ações estão produzindo os resultados esperados e realizando os seus objetivos.

As avaliações podem ser feitas de forma aberta e pública, ou de forma fechada e reservada. Podem contar com a participação de representantes das organizações e grupos envolvidos no planejamento, implementação e monitoramento da política/programa, e também dos destinatários ou beneficiários da política/programa. Nas avaliações, é importante focalizar os fatores que mais influenciaram a implementação e os resultados da política/programa, os resultados alcançados e não-alcançados, os resultados esperados e inesperados. É importante também realizar comparações com outras políticas/programas semelhantes e com políticas/programas diferentes. O principal resultado da etapa de planejamento é um documento estabelecendo de forma clara e precisa a política/programa de prevenção do crime e da violência e um plano de ação para implementação da política/programa.

. IMPLEMENTAÇÃO

A etapa de implementação da política/programa de prevenção do crime e da violência inclui a implementação, conforme o plano de ação estabelecido na etapa de planejamento, das ações de curto, médio e longo prazo. Pré-condição para a implementação da política/programa é a constituição de uma unidade responsável por esta implementação, que pode ser a mesma responsável pelo planejamento, integrada por organizações ou grupos e por profissionais capacitados.

Estruturar a Unidade de Gestão da Implementação

Essencial na estruturação da unidade responsável pela implementação da política/ programa é a identificação de uma organização ou grupo capaz de mobilizar organizações e grupos parceiros e os recursos necessários para implementar o plano de ação, bem como de profissionais capazes de antecipar e solucionar dificuldades na execução do plano de ação e, eventualmente, modificar e aperfeiçoar o plano de ação em função dos resultados obtidos no processo de implementação.

No caso de políticas de prevenção do crime e da violência, integrando diversos programas e ações, governamentais e não-governamentais, é importante que a unidade gestão seja parte da estrutura governamental. No caso de programas de prevenção, a unidade de gestão pode ser ou não parte da estrutura governamental. A gestão de programas de prevenção é freqüentemente compartilhada por organizações governamentais e não governamentais.

Mobilizar as Organizações e Grupos

Na mobilização das organizações e grupos responsáveis pela implementação da política/ programa, é importante informar os membros destas organizações e grupos sobre os objetivos da política/programa, bem como capacitá-los e motivá-los para implementar as ações previstas no plano de ação. Neste sentido, cursos, estágios e materiais didáticos podem ser desenvolvidos para os profissionais de organizações governamentais e não governamentais responsáveis pela implementação da política/programa.

Campanhas e materiais informativos podem ser desenvolvidos para o público alvo da política/programa, cuja colaboração é fundamental para o sucesso da política/programa. No desenvolvimento de cursos, estágios, campanhas, materiais didáticos e informativos, é importante verificar se estes são apropriados e relevantes para os objetivos e para público que se pretende atingir.

Mobilizar os Recursos

Na mobilização de recursos para políticas/programas de prevenção, a criação de fundos públicos para financiar políticas e programas governamentais é uma estratégia adotada na área da saúde e que vem sendo adotada na área da segurança pública pelo governo federal e por diversos governos estaduais e municipais. É importante, entretanto, considerar que os recursos públicos para o desenvolvimento de políticas/programas de segurança pública são limitados e, na maioria das vezes, não são direcionados para prevenção do crime e da violência. Além disso, organizações governamentais freqüentemente desenvolvem políticas sociais e urbanas relevantes para a prevenção do crime e da violência, sem considerar a relação das políticas/programas com a prevenção do crime e da violência. Organizações não-governamentais, da sociedade civil e do setor privado, poderiam investir mais recursos no desenvolvimento de políticas/ programas de prevenção do crime e da violência e na melhoria da segurança pública, se houvesse mais incentivos para que isso acontecesse.

Com incentivos adequados, parte dos recursos atualmente investidos em políticas/ programas segurança pública e justiça criminal poderia ser direcionada para políticas/ programas de prevenção do crime e da violência. Parte dos recursos atualmente investidos em políticas sociais e urbanas poderia ser direcionada para políticas/programas que contribuísse para a prevenção do crime e da violência. E parte dos recursos atualmente investidos na segurança privada poderia ser direcionada para a segurança pública. Entre os diversos tipos de incentivos que podem ser considerados para direcionar recursos públicos e privados para políticas/programas de prevenção (Goldstein 1997; Pease 1998), é possível citar:

. Disseminação de informação;

. Campanhas educativas;

. Propostas informais/privadas;

. Propostas formais/públicas;

. Críticas informais/privadas;

. Críticas formais/públicas;

. Concessão de benefícios econômicos para investimentos em prevenção;

. Imposição de custos econômicos para ausência de investimentos em prevenção;

. Legislação obrigando investimentos em prevenção;

. Ações judiciais referentes a prejuízos decorrentes de ações que aumentam a incidência de crimes e violências, e da ausência de ações de prevenção do crime e da violência.

Realizar as Ações Previstas no Plano de Ação

Constituída a unidade de gestão, mobilizados as organizações, os grupos e os recursos necessários, é possível realizar as ações previstas no plano de ação, na forma estabelecida no cronograma de execução. O principal resultado da etapa de implementação é a efetiva realização das ações= previstas no plano de ação, visando à obtenção dos resultados esperados, no curto, médio e longo prazo.

. MONITORAMENTO

A etapa de monitoramento da política/programa de prevenção do crime e da violência se inicia logo após a definição dos objetivos, ações e resultados esperados, na fase de planejamento da política/programa. Atividades preparatórias para o monitoramento, particularmente a identificação de indicadores da implementação e dos resultados das ações previstas na política/programa e a identificação de fontes de informações para verificação da evolução destes indicadores, devem ser realizadas desde a fase de planejamento. Ainda na fase de planejamento, antes do início da implementação da política/ programa, é importante verificar a situação dos indicadores, a fim de permitir o acompanhamento e a comparação dos indicadores antes, durante e após a implementação da política/programa. O início do monitoramento deve acontecer simultaneamente ao início da implementação da política/programa, a fim de permitir o acompanhamento dos resultados a curto, médio e longo prazo.

Pré-condição para o monitoramento da política/programa é a constituição de uma unidade responsável por este monitoramento, integrada por uma organização, grupo ou profissionais capacitados, que disponham de recursos e acesso a fontes de informações e dados necessários para realizar o monitoramento.

Estruturar a Unidade de Gestão do Monitoramento

Essencial na estruturação da unidade responsável pelo monitoramento da política/ programa de prevenção do crime e da violência é a identificação de uma organização, grupo ou profissionais capazes de produzir, coletar, sistematizar e analisar informações e dados sobre a implementação e os resultados da política/programa. Preferencialmente, a unidade responsável pelo monitoramento deve ser separada e diferente da unidade responsável pelo planejamento e implementação da política/programa. Deve incluir especialistas com conhecimento na área de metodologia de monitoramento e avaliação de políticas/programas e conhecimento sobre o problema que é objeto da política/programa.

É importante que a unidade de gestão do monitoramento esteja em comunicação com organizações e grupos envolvidos no planejamento e implementação do programa, e com organizações e grupos que são ou devem ser atendidos pela política/programa, a fim de que possa receber a colaboração destes no processo de monitoramento, particularmente através do fornecimento de informações e dados relevantes para o processo de monitoramento.

Mobilizar Organizações e Grupos

Na mobilização das organizações e grupos que podem colaborar no processo de monitoramento, fornecendo informações e dados sobre a implementação e os resultados da política/programa, é importante informar os membros destas organizações e grupos sobre os objetivos da política/programa e particularmente da etapa de monitoramento, bem como motivá-los para colaborar no processo de monitoramento. A legitimidade do processo de monitoramento de políticas/programas de prevenção do crime e da violência é reforçada através da inclusão e colaboração não apenas de representantes de organizações e grupos envolvidos no planejamento e implementação da política/programa, mas principalmente de representantes de organizações e grupos que são ou devem ser atendidos ou beneficiados pela política/programa.

Coletar, Sistematizar e Analisar Informações e Dados

No processo de monitoramento, é importante separar e diferenciar indicadores e fontes de informações e dados referentes à implementação das ações previstas na política/ programa de prevenção e referentes aos resultados das ações implementadas. É importante também identificar as fontes de informações e dados disponíveis para verificar a situação dos indicadores. Por fim, é importante utilizar diversos indicadores e diversas fontes de informação e dados para verificar a situação dos indicadores. Atendimentos realizados, pessoas atendidas, benefícios concedidos, pessoas beneficiadas, por exemplo, são geralmente indicadores da implementação das ações. Incidência de crimes e violências, população vítima de crimes e violências, população reincidente na prática de crimes e violências, grau de exposição a fatores de risco e a fatores  de proteção, grau de vulnerabilidade e de resiliência diante de fatores de risco e a fatores de proteção, por outro lado, são geralmente exemplos de indicadores de resultados da implementação das ações. Número de homicídios, latrocínios, roubos, lesões corporais e estupros são exemplos de indicadores da incidência de crimes violentos. Secretarias de estado da segurança pública e secretarias da saúde são exemplos de fontes de informação e dados sobre a incidência de homicídios.

Elaborar Relatórios

Constituída a unidade de gestão, mobilizados as organizações e grupos, coletadas, sistematizadas e analisadas informações e dados, é possível elaborar relatórios periódicos sobre a implementação e os resultados das ações previstas na política/programa. O principal resultado da etapa de monitoramento são relatórios apresentando informações, dados e análises parciais e finais sobre a implementação e os resultados das ações previstas na política/programa. Além de informações, dados e análises sobre o conjunto de ações previstas na política/programa, é importante apresentar informações, dados e análises sobre ações específicas, focalizando as principais ações, a fim de que seja possível avaliar não apenas o resultado geral da política/programa, mas também a contribuição específica das principais ações para o resultado geral.

. AVALIAÇÃO

A etapa de avaliação da política/programa de prevenção do crime e da violência se inicia logo após a elaboração do primeiro relatório apresentando informações, dados e análises parciais sobre a implementação e dos resultados das ações previstas na política/ programa. Durante esta etapa, os relatórios parciais e o relatório final do monitoramento são apresentados e analisados. A partir desta análise da implementação e dos resultados da política/programa, são tomadas decisões em relação a sua continuidade, reorientação ou, eventualmente, suspensão.

Enquanto o monitoramento da implementação e dos resultados da política/programa é uma atividade permanente, a avaliação é uma atividade que acontece periodicamente, normalmente a partir da elaboração dos relatórios parciais e finais do monitoramento.

Freqüentemente, a avaliação é realizada apenas ao final do período de implementação da política/projeto. Mas é boa prática a realização de avaliações periódicas, durante o período de implementação da política/programa, que podem servir de base para a identificação e resolução de problemas nos processos de implementação e monitoramento.

A avaliação deve incluir uma reflexão sobre a implementação e os resultados das ações previstas na política/programa, as condições e os fatores que facilitaram e que dificultaram a implementação da política/programa, as condições e os fatores responsáveis pelo sucesso ou pelo fracasso da política/programa. Deve incluir ainda recomendações sobre a continuidade, reorientação ou, eventualmente, suspensão da política/programa.

No caso da avaliação final, deve incluir recomendações sobre a aplicabilidade da política/programa em outros contextos.

Pré-condição para a avaliação da política/programa é a constituição de uma unidade responsável por esta avaliação, integrada por uma organização, grupo ou profissionais capacitados, que disponham de recursos e de informações e dados suficientes para realizar a avaliação.

Estruturar a Unidade de Gestão da Avaliação

Essencial na estruturação da unidade responsável pela avaliação da política/programa de prevenção do crime e da violência é a identificação de uma organização, grupo ou profissionais capazes de analisar os relatórios de monitoramento e avaliar a implementação e os resultados da política/programa. Assim como a unidade responsável pelo monitoramento, a unidade responsável pela avaliação deve ser separada e diferente da unidade responsável pelo planejamento e implementação da política/programa. A mesma unidade pode ser responsável pelo monitoramento e pela avaliação da política/programa. Deve incluir especialistas com conhecimento na área de metodologia de monitoramento e avaliação de políticas/programas e conhecimentosobre o problema que é objeto da política/programa.

É importante que a unidade de gestão da avaliação esteja em comunicação com organizações e grupos envolvidos no planejamento, implementação e monitoramento do programa, e com organizações e grupos que são ou devem ser atendidos pela política/ programa, a fim de que possa contar com a colaboração de seus representantes no processo de avaliação da implementação e os resultados da política/programa.

Mobilizar as Organizações e Grupos

Na mobilização das organizações e grupos que podem colaborar no processo de avaliação, é importante informar os membros destas organizações e grupos sobre os objetivos da política/programa e particularmente da etapa de avaliação, bem como capacitá-los e motivá-los para avaliar a implementação e os resultados da política/programa. A legitimidade do processo de avaliação de políticas/programas de prevenção do crime e da violência é reforçada através da inclusão e colaboração não apenas de representantes de organizações e grupos envolvidos no planejamento, implementação e monitoramento da política/programa, mas principalmente de representantes de organizações e grupos que são ou devem ser atendidos ou beneficiados pela política/programa.

Elaborar relatórios

O principal resultado da etapa de avaliação são relatórios avaliando a implementação e os resultados das ações previstas na política/programa, incluindo avaliações sobre as condições e os fatores que facilitaram e que dificultaram a implementação da política/programa e os fatores responsáveis pelo sucesso ou pelo fracasso da política/programa. O relatório deve incluir ainda recomendações sobre a continuidade, reorientação ou, eventualmente, suspensão da política/programa. No caso da avaliação final, o relatório deve incluir recomendações sobre a aplicabilidade da política/programa em outros contextos.

Além da avaliação geral da implementação e do resultado da política/programa, é importante apresentar avaliações específicas da implementação e dos resultados das principais ações, a fim de que seja possível avaliar não apenas o resultado geral da política/programa, mas também a contribuição específica das principais ações para o resultado geral.

6. O Papel da União, Estados e Municípios: Como Promover a Prevenção do Crime e da Violência?

O Brasil é um estado federal, no qual o governo federal e os governos estaduais e municipais têm responsabilidades específicas na área da segurança municipal, conforme estabelecido na Constituição Federal de 1988. O Sistema Único de Segurança Pública visa a promover a integração das ações federais, estaduais e municipais, sem ferir o princípio da autonomia dos estados e dos municípios, mas definindo princípios e diretrizes comuns, e criando condições favoráveis para que o governo federal apóie ações dos governos estaduais e municipais, e receba em contrapartida o apoio destes governos, na área da segurança pública.

Apesar das diferenças existentes entre as áreas da segurança pública e da saúde, a experiência de construção do Sistema Único de Saúde no Brasil (Ministério da Saúde, Conselho Nacional de Saúde 2002) é uma referência fundamental para a construção do Sistema Único de Segurança Pública. Também é uma referência fundamental a experiência internacional e a diretrizes da Organização das Nações Unidas em matéria de prevenção do crime e da violência (United Nations Economic and Social Council, Commission on Crime Prevention and Criminal Justice 2002). Por fim, é uma referência importante a experiência dos Estados Unidos, um estado federal como o Brasil, em que o governo federal desempenha um papel ativo na promoção de programas de prevenção do crime e da violência nos estados e municípios (Sherman et al 1997).

Com base em estudos e pesquisas nacionais e internacionais sobre a prevenção do crime e da violência, e na experiência de construção do Sistema Único de Saúde no Brasil, é possível delinear uma série de princípios e diretrizes que podem orientar a atuação do governo federal e o desenvolvimento de políticas, programas e ações de prevenção do crime e da violência, no contexto do Sistema Único de Segurança Pública.

PRINCÍPIOS

Democracia e Direitos Humanos, Desenvolvimento Sustentável, Cooperação Internacional

A prevenção do crime e da violência deve ser compatível com e contribuir para o fortalecimento da democracia e dos direitos humanos, do desenvolvimento sustentável, e da cooperação internacional. Sem democracia, direitos humanos, desenvolvimento sustentável e cooperação internacional, políticas, programas e ações de prevenção não poderão contribuir efetivamente para a redução do crime e da violência.

Responsabilidade do Estado

A prevenção do crime e da violência é uma responsabilidade do estado, que deve ser compartilhada por organizações governamentais em todos as esferas e áreas do estado, incluindo organizações federais, estaduais e municipais, responsáveis por políticas econômicas, sociais, culturais, habitacionais, urbanas, de segurança pública, administração da justiça e administração penitenciária.

Participação da Sociedade

A prevenção do crime e da violência, apesar de ser uma responsabilidade do estado, deve contar com a participação de organizações da sociedade civil e do setor privado, na formulação, implementação, monitoramento e avaliação de políticas e programas de prevenção.

Universalidade

A prevenção do crime e da violência deve beneficiar o maior número possível depessoas e grupos, especialmente as pessoas e grupos vulneráveis e/ou em áreas e situações de risco, mais suscetíveis de se tornar vítimas e/ou autores de crimes e violências.

Eqüidade

A prevenção do crime e da violência deve beneficiar igualmente todas as pessoas, independentemente da sua condição econômica, social e/ou cultural, da sua orientação política, ideológica ou religiosa, da sua origem, nacionalidade, idade, gênero e cor.

Integralidade

A prevenção do crime e da violência depende do desenvolvimento de ações de prevenção primária, secundária e terciária, assim como de ações em diversos contextos institucionais, incluindo a família, escola, trabalho, mídia, comunidade, polícia, justiça e saúde.

Descentralização

A prevenção do crime e da violência depende da adequação das ações de prevenção às condições específicas de cada estado e município e às necessidades e prioridades da população.

Diretrizes

A aplicação destes princípios no desenvolvimento de políticas, programas e ações de prevenção do crime e da violência depende da implementação de uma série de diretrizes, principalmente por parte das organizações governamentais, federais, estaduais e municipais, mas também por parte das organizações da sociedade civil e do setor privado:

Unidade de Gestão 18

O governo deve ter uma unidade de gestão responsável pelo desenvolvimento da política de prevenção do crime e da violência, visando a integrar programas e ações de organizações em diferentes esferas e áreas de governo. Esta unidade de gestão pode ser uma secretaria, coordenadoria, comitê, comissão, grupo de trabalho e/ou gabinete de gestão integrada da segurança pública, mas deve ter estrutura adequada para desempenhar seu papel e incluir representantes das diferentes esferas e áreas de governo cuja atuação é relevante para a prevenção do crime e da violência e para a melhoria da segurança pública. A disponibilidade e compartilhamento de informações e dados sobre a criminalidade e a violência e sobre políticas e programas de prevenção do crime e da violência e melhoria da segurança pública é uma condição fundamental para o funcionamento da unidade gestora.

Conselho Consultivo 19

Associado à unidade de gestão, o governo deve contar com um conselho consultivo, para promover a participação social e o controle externo no desenvolvimento de políticas e programas de prevenção do crime e da violência e promoção da segurança pública. O conselho consultivo deve ter estrutura adequada para desempenhar seu papel e deve ser paritário, incluindo representantes de organizações do governo, da sociedade e da universidade, além de especialistas, cuja atuação é relevante para a prevenção do crime e da violência e para a melhoria da segurança pública. O acesso a informações e dados sobre a criminalidade e a violência e sobre políticas e programas de prevenção do crime e da violência e melhoria da segurança pública é uma condição fundamental para o funcionamento do conselho consultivo.

Plano de Ação

A unidade de gestão, com apoio do conselho consultivo, deve desenvolver um plano de ação, definindo objetivos a serem alcançados, ações para realização dos objetivos, organizações responsáveis pela implementação das ações, prazos para implementação das ações, recursos disponíveis, resultados esperados, e instrumentos de monitoramento e avaliação da implementação e dos resultados do plano, visando à prevenção do crime e da violência e a melhoria da segurança pública Políticas e programas de prevenção do crime e da violência são mais eficazes quando têm objetivos definidos de forma clara e precisa, são planejadas levando em consideração as características específicas dos crimes e violências que se pretende evitar e das comunidades em que estes crimes e violências acontecem, e atuam sobre os fatores de risco e os fatores de proteção que afetam a incidência e o impacto de crimes e violências – sejam estes fatores relacionados às atitudes e comportamentos dos agressores e das vítimas, ou às situações ou contextos em que os crimes e violências acontecem.

A criminalidade e a violência são fenômenos complexos, que se manifestam de forma diferente, têm causas diferentes, e exigem soluções diferentes em estados, cidades e bairros diferentes. No Brasil, a criminalidade e a violência urbana são problemas particularmente graves. As grandes cidades e regiões metropolitanas registram taxas de homicídios extremamente elevadas em comparação com as registradas em outros países da região e do mundo. O problema da criminalidade e da violência urbana deve estar no centro das atenções no desenvolvimento de políticas e programas de prevenção. A violência familiar e doméstica, a violência de gênero, freqüentemente entre parceiros íntimos, a violência contra membros de grupos minoritários, a violência envolvendo jovens, são problemas graves que contribuem de maneira significativa para o aumento do crime e da violência na sociedade brasileira. Estes problemas devem ser considerados prioritários no desenvolvimento de políticas e programas de prevenção, particularmente nas esferas estadual e municipal.

O crime organizado, a corrupção e a violência – praticada por agentes públicos trabalhando nas polícias, nos sistemas penitenciários e nas unidades de internação de  adolescentes – são problemas que não apenas contribuem para o aumento do crime e da violência na sociedade, como minam a capacidade das organizações governamentais e não-governamentais de desenvolver políticas e programas de prevenção. Estes problemas  também devem ser considerados prioritários no desenvolvimento de políticas e programas de prevenção, particularmente nas esferas federal e estadual. Na sociedade brasileira, a desigualdade, a discriminação e a falta de oportunidades,  particularmente na área da educação e do trabalho, a desigualdade no acesso aos sistemas de segurança e justiça, além do estresse e da instabilidade no ambiente familiar e comunitário, são fatores que aumentam o risco e agravam o impacto de muitos tipos de crimes e violências. Estes fatores devem ser levados em consideração no desenvolvimento de políticas e programas de prevenção.

Políticas e programas de prevenção são mais eficazes se forem compreensivos e levarem em consideração o conjunto de fatores de risco e fatores de proteção cuja interação determina a vulnerabilidade ou resiliência dos indivíduos, famílias, grupos e comunidades diante do crime e da violência. Neste sentido, políticas e programas de prevenção devem ser multidisciplinares e multi-setoriais, incorporando assim a contribuição de profissionais especializados em diversas disciplinas e de grupos e organizações atuando em diversas áreas do governo e da sociedade. A interação e a colaboração de parceiros de disciplinas e setores diferentes é mais efetiva quando acontece desde o início, da fase de planejamento das políticas e programas, continuando nas fases de implementação, monitoramento e avaliação.20

Políticas e programas de prevenção são mais eficazes, do ponto de vista da redução do crime e da violência na sociedade, se forem direcionados para as áreas e grupos onde há maior concentração de fatores de risco de crimes e violências e menor concentração de fatores de proteção diante de crimes e violência. A exceção a esta regra geral seriam os programas de prevenção centrados na área da família, cuja aceitação pública, apoio político e econômico, e resultados comprovados em programas avaliados indicam a necessidade de sua universalização, ainda que a implementação deva levar em consideração as diferenças entre áreas e grupos em relação aos fatores de risco e aos fatores de proteção.

Políticas e programas de prevenção são mais eficazes se o seu desenvolvimento estiver baseado em informações e dados não apenas sobre o tipo de crime e de violência que se pretende evitar, mas também sobre a implementação e os resultados de políticas e programas de prevenção semelhantes desenvolvidos anteriormente.

Base de Informação 21

A qualidade de políticas e programas de prevenção do crime e da violência e da melhoria da segurança pública depende da existência de uma base de informações e dados sobre os principais crimes e violências que se deseja prevenir, bem como sobre as características do meio ambiente físico e/ou social nos quais estes crimes e violências acontecem, dos grupos em situações de risco e/ou vulneráveis, e das as pessoas que efetivamente praticam e/ou são vítimas de crimes e violências.

Recursos Humanos 22

A qualidade de políticas e programas de prevenção do crime e da violência e de melhoria da segurança pública depende também da existência de profissionais qualificados, atuando em organizações governamentais e não governamentais, e de programas de formação e atualização profissional em áreas relevantes para a prevenção do crime e da violência.

Recursos Materiais

A qualidade de uma política e de um plano para prevenção do crime e da violência depende ainda da existência de recursos suficientes para sua formulação, implementação, monitoramento e avaliação, bem como da alocação adequada dos recursos disponíveis, levando em consideração principalmente os resultados alcançados pelos diversos programas e ações de prevenção.

União, Estados e Municípios na Prevenção do Crime e da Violência

Num estado federal como o Brasil, o sucesso na prevenção do crime e da violência depende da integração de ações na esfera da União, dos Estados e dos Municípios. A União está numa posição mais favorável para promover a cooperação entre o governo e organizações internacionais. Os Estados e Municípios, por sua vez, estão em posição mais favorável para promover a cooperação entre o governo e organizações da sociedade civil e do setor privado. Depende, entretanto, tanto da União quanto dos Estados e dos Municípios, a integração das ações do governo federal, governos estaduais e governos municipais.

O desafio, na construção do Sistema Único de Segurança Pública, é definir a responsabilidades da União, Estados e Municípios na prevenção do crime e da violência, e as condições mínimas para que a União, os Estados e os Municípios desempenhem adequadamente suas responsabilidades.

União

Analisando a experiência dos Estados Unidos, Sherman (Sherman et al 1997) argumenta que, nos Estados Unidos, o governo federal desempenha dois papéis principais na prevenção do crime e da violência: a) direcionar a prevenção criminal realizada pelos estados e cidades, através de investimentos em pesquisa e desenvolvimento de estratégias de prevenção criminal; b) financiar o desenvolvimento de programas de prevenção criminal pelos estados e cidades. No caso do direcionamento da prevenção criminal, o governo federal financia a pesquisa necessária para o desenvolvimento de um programa de prevenção criminal, a implementação do programa em uma localidade, o monitoramento e avaliação do programa em uma localidade, a disseminação de informação sobre o programa e seus resultados para todo o país.

Uma questão crucial, na definição do papel do governo federal, é a relação entre o direcionamento e o financiamento de programas de prevenção. Nos Estados Unidos, o governo federal historicamente desempenhou os dois papéis paralelamente, aproveitando o resultado de pesquisa e desenvolvimento para orientar o financiamento de programas de prevenção desenvolvidos pelos estados e cidades. Segundo Sherman (Sherman et al 1997), investimentos em pesquisa e desenvolvimento produzem resultados muito superiores do que investimentos no financiamento de programas de prevenção criminal. A melhor estratégia, portanto, seria integrar os investimentos federais em pesquisa e desenvolvimento e no financiamento de programas de prevenção, exigindo que parte dos investimentos destinados ao financiamento dos programas de prevenção seja utilizado no monitoramento e avaliação da eficácia e do custo-benefício dos programas. O Governo Federal passou a dispor de um novo instrumento para apoiar o desenvolvimento de políticas e programas na área da segurança pública, inclusive políticas e programas de prevenção do crime e da violência, com a criação do Fundo Nacional deSegurança Pública em junho do ano 2000, através de medida provisória 2.029/00, posteriormente instituído pela lei federal 10.201/01, de 14 de fevereiro de 2001. Com a reestruturação do Fundo Nacional de Segurança Pública, através da lei federal 10.746/03, de 10 de outubro de 2003, o Governo Federal procurou criar condições mais favoráveis para o desenvolvimento de políticas de prevenção do crime e da violência por parte dos estados, integrando programas na área da segurança pública e programas de prevenção do crime e da violência desenvolvidos em outras áreas, além da participação dos municípios na prevenção do crime e da violência e na melhoria da segurança pública.

Além da ampliação dos recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública, é fundamental a definição de uma política nacional de segurança pública, articulada a políticas estaduais e municipais, na qual a prevenção do crime e da violência seja um objetivo central, e não apenas marginal, para orientar a aplicação dos recursos do Fundo. Somente assim será possível promover a efetiva integração entre os programas federais, estaduais e municipais desenvolvidos na área da segurança pública, da justiça criminal e da administração penitenciária, e os programas desenvolvidos nas áreas da saúde, educação, trabalho, promoção social, comunicação social, desenvolvimento urbano, direitos humanos, entre outras, relevantes para a prevenção do crime e da violência e para a melhoria da segurança pública.

Nesse sentido, o Governo Federal, através do Ministério da Justiça, deve desenvolver uma política nacional de prevenção do crime e da violência e promoção da segurança pública, que orientaria a aplicação de recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública e a aplicação de recursos de órgãos federais em políticas e programas federais, estaduais e municipais de prevenção do crime e da violência e promoção da segurança pública. Os governos estaduais que se integrarem ao Sistema Único de Segurança Pública devem desenvolver uma política estadual de prevenção do crime e da violência e promoção da segurança pública alinhada com a política nacional. Da mesma forma, os municípios que se integrarem ao Sistema Único de Segurança Pública devem desenvolver políticas municipais de prevenção do crime e da violência e promoção da segurança pública alinhada com a política nacional e a política estadual. Na esfera da União, o Governo Federal poderia criar, junto ao Ministério da Justiça, uma comissão executiva ou gabinete de gestão integrada, responsável pelo desenvolvimento e da política nacional de prevenção do crime e da violência e promoção da segurança pública. A comissão executiva poderia ser presidida pelo Ministro da Justiça, coordenada pelo Secretário Nacional de Segurança Pública, contando com a participação de representantes dos diversos órgãos do Ministério da Justiça, representantes de outros ministérios e secretarias do Governo Federal, e ainda representantes dos governos estaduaise dos governos municipais.

Esta comissão executiva poderia estar articulada com um conselho consultivo, responsável pela promoção da participação social e controle externo no desenvolvimento da política nacional de prevenção do crime e da violência e promoção da segurança pública. Este conselho seria paritário, com representantes do governo e da sociedade, e deveria contar com a participação de especialistas e representantes de organizações governamentais e da sociedade civil, atuando na esfera federal, estadual e municipal, nas áreas da segurança pública, justiça criminal, administração penitenciária, saúde, educação, trabalho, promoção social, comunicação social, desenvolvimento urbano, direitos humanos e outras áreas relevantes para a prevenção do crime e da violência.

No longo prazo, o Governo Federal poderia criar um Conselho Nacional de Prevenção do Crime e da Violência e Promoção da Segurança Pública, junto ao Ministério da Justiça, a partir da fusão do Conselho Nacional de Segurança Pública e do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária.

No curto prazo, o Governo Federal poderia criar um Conselho Nacional de Prevenção do Crime e da Violência e Promoção da Segurança Pública, junto à Secretaria Nacional de Segurança Pública, a partir da reestruturação do Conselho Nacional de Segurança Pública. Esta reestruturação teria por objetivo de ampliar a representatividade do conselho, através da inclusão de representantes de organizações governamentais (federais, estaduais e municipais), organizações da sociedade civil e da universidade, atuando em áreas relevantes para a prevenção do crime e da violência e a promoção da segurança pública. Para promover a participação e integração de organizações federais ao Sistema Único de Segurança Pública, seria importante a participação de representantes da Polícia Federal, do Ministério Público Federal, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, Conselho Nacional de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial, Conselho Nacional de Educação, Conselho Nacional de Saúde, Conselho Nacional de Assistência Social, e Conselho Nacional deDesenvolvimento Econômico e Social.

Para promover a participação e integração de organizações estaduais ao Sistema Único de Segurança Pública, seria importante a inclusão de representantes das secretarias de estado da segurança, da justiça e da administração penitenciária, de entidades da polícia civil, da polícia militar, da polícia técnico-científica, do Ministério Público Estadual, de conselhos estaduais da área da segurança pública, justiça e administração penitenciária. Para promover a participação e integração dos municípios ao Sistema Único de Segurança Pública, seria importante a participação de representantes de entidades nacionais dos municípios, entidades nacionais das guardas municipais, e conselhos municipais da área da segurança urbana.

O Governo Federal deve promover o desenvolvimento de políticas e programas estaduais e municipais de prevenção do crime e da violência e promoção da segurança pública, e a integração dos estados e municípios ao Sistema Único de Segurança Pública, através de apoio econômico, contando para isso com recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública e de outras fontes disponíveis, apoio técnico, apoio político, e da definição de regras mínimas para orientar o desenvolvimento de políticas estaduais e municipais articuladas com a política nacional. O Governo Federal deve condicionar os investimentos dos recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública à apresentação pelos estados e municípios de informações e dados sobre o crime e a violência e sobre a implementação e o resultado de políticas e programas de prevenção do crime e da violência, bem como à observância pelos estados e municípios das regras mínimas estabelecidas na política nacional, entre as quais se destacam:

. A constituição de unidades integradas de gestão da segurança pública responsáveis pelo desenvolvimento de políticas e programas de prevenção do crime e da violência e promoção da segurança pública, com representação de diferentes setores do governo.

. A constituição de conselhos consultivos para promover a participação social e o controle externo no desenvolvimento de políticas e programas de prevenção do crime e da violência e promoção da segurança pública, com representação de diferentes setores do governo, da sociedade e da universidade.

. A elaboração de políticas e programas de prevenção do crime e da violência e promoção da segurança pública, integrando ações de diferentes setores do governo e da sociedade civil.

. O desenvolvimento de bases de informação para subsidiar a formulação, implementação, monitoramento e avaliação de políticas e programas de prevenção do crime e da violência e promoção da segurança pública.

. A formação e qualificação de profissionais para formular, implementar, monitorar e avaliar políticas e programas de prevenção do crime e da violência e promoção da segurança pública.

. A constituição de fundos e a destinação de recursos públicos e privados para formulação, implementação, monitoramento e avaliação de políticas e programas de prevenção do crime e da violência e promoção da segurança pública.

O Governo Federal deve ainda constituir um sistema nacional de informações sobre segurança pública e justiça criminal, definir e promover a implantação de regras mínimas para formação e aperfeiçoamento de profissionais de segurança pública, e identificar e promover inovações e boas práticas nos estados e municípios da federação. O Governo Federal deve, por fim, através do Ministério da Justiça, assumir a responsabilidade pela política de prevenção do crime organizado interestadual e internacional, contando sempre com a colaboração de outros ministérios e secretarias de estado do Governo Federal, e ainda dos estados e dos municípios, através de convênios ou protocolos estabelecidos entre as partes.

Estados

No Brasil, os estados têm desempenhado um papel central na área da segurança pública, através das organizações do sistema de segurança pública, justiça criminal e administração penitenciária, mas não têm sido capazes de desenvolver e de sustentar políticas de prevenção do crime e da violência e desenvolver ações integradas com o Governo Federal e os governos municipais. Para viabilizar o desenvolvimento de uma política estadual de prevenção do crime e da violência, o Estado deve constituir uma unidade de gestão que, juntamente com um conselho consultivo, seria responsável pela política estadual e pela formulação, implementação, monitoramento e avaliação de um plano de ação integrando programas para prevenção do crime da violência e melhoria da segurança pública no estado. Para viabilizar a operacionalização da política estadual de prevenção do crime e da violência, o Estado deve criar o Fundo Estadual de Segurança Pública, constituir um sistema estadual de informações sobre segurança pública e justiça criminal e adotar as regras mínimas para formação e aperfeiçoamento de profissionais de segurança pública. O Estado deve assumir a responsabilidade pela política de prevenção do crime e da violência no seu território, especialmente a prevenção do crime organizado intermunicipal, a prevenção dos crimes e violências de maior gravidade, além da prevenção do crime e da violência nos municípios que não se integrarem ao Sistema Único de Segurança Pública, contando sempre com a colaboração da União e dos municípios, através de convênios ou protocolos estabelecidos entre as partes.

Municípios 23

No Brasil, há um crescente reconhecimento do papel dos municípios na área da segurança pública (Brasil, Ministério da Justiça 2003). Entretanto, a atuação dos governos municipais na prevenção do crime e da violência ainda é incipiente e tem alcance e impacto limitado. A efetiva participação dos municípios na área da segurança pública, ao lado do governo do estado e do Governo Federal, depende da existência ou da criação de condições favoráveis, nos municípios, para o desenvolvimento e a sustentação de políticas de prevenção do crime e da violência, entre as quais se destacam: uma unidade de gestão e um conselho consultivo, responsáveis pelo desenvolvimento da política municipal de prevenção do crime e da violência e melhoria da segurança pública; uma base municipal de informações; um grupo de profissionais capacitados; e disponibilidade de recursos e um fundo municipal para segurança pública.

Para viabilizar a operacionalização da política municipal de prevenção do crime e da violência, o Município deve criar o Fundo Municipal de Segurança Pública, constituir um sistema municipal de informações sobre segurança pública e, caso tenha guarda municipal, adotar as regras mínimas para formação e aperfeiçoamento de profissionais de segurança pública.

O Governo Federal deve reservar uma parcela dos recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública para promover o desenvolvimento de políticas e programas municipais de prevenção do crime e da violência, e a integração dos municípios ao Sistema Único de Segurança Pública. Na aplicação da parcela dos recursos do Fundo e no processo de integração dos municípios ao Sistema Único de Segurança Pública, o Governo Federal deve dar atenção especial aos municípios que são capitais de estado, pertencem a regiões metropolitanas, são pólos regionais, têm grande concentração populacional e altas taxas de homicídio, além de experiências inovadoras na área da segurança pública. Os municípios que se integrarem ao Sistema Único de Segurança Publica devem compartilhar com o Estado e a União a responsabilidade pela política de prevenção do crime e da violência no seu território, especialmente no desenvolvimento de programas e prevenção primária e na prevenção dos crimes e violências de menor gravidade, da violência doméstica e de gênero, violência contra minorias e violência envolvendo jovens, da desordem urbana e dos conflitos interpessoais e sociais.

Os municípios devem contar sempre com a colaboração do Estado e da União, particularmente os municípios que são capitais de estado, pólos regionais, têm grande concentração populacional ou pertencem a regiões metropolitanas. Enquanto não houver legislação federal regulamentando a participação dos municípios na área da segurança pública, esta participação deve ser regulada através de convênios ou protocolos estabelecidos entre Município, Estado e, principalmente quando apoiada pelo Fundo Nacional de Segurança Pública, pela União.

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Open Society Institute, Criminal Justice Initiative (EUA)

http://www.soros.org/crime

Open Society Institute, Justice Initiative (EUA)

http://justiceinitiative.org

Police Complaints Authority (Reino Unido)

http://www.pca.gov.uk

Projeto Cidade Segura (Emilia-Romagna, Itália)

http://www.regione.emilia-romagna.it/citta_sicure/index.htm

Research Network on Adolescent Development and Juvenile Justice (EUA)

http://www.mac-adoldev-juvjustice.org

Restorative Justice On Line (EUA, Prison Fellowship International, Centre for Justice and Reconciliation)

http://www.restorativejustice.org

United Nations Interregional Crime and Justice Research Institute (UNICRI)

http://www.unicri.it

United Nations Office on Drugs and Crime (UNODC)

http://www.unodc.org

United Nations Commission on Crime Prevention and Criminal Justice

http://www.unodc.org/unodc/crime_cicp_commission.html

United Nations Crime and Justice Information Network (UNCJIN)

http://www.unodc.org/unodc/uncjin.html

United Nations, Habitat - Programa Cidades Seguras

www.unchs.org/safercities

United States, Department of Education, Office of

Special Education and Rehabilitative Services

http://www.ed.gov/about/offices/list/osers/index.html

United States, Department of Health and Human Services

http://www.hhs.gov

United States, Department of Health and Human Services, Centers for Disease Control and Prevention.

Ver National Center for Injury Prevention and Control, Division of Violence Prevention

http://www.cdc.gov

United States, Department of Health and Human Services, National Institutes of Mental Health.

http://www.nimh.nih.gov

United States, Department of Justice, National Institute of Justice

http://www.ojp.usdoj.gov/nij

United States, Department of Justice, Office of Justice Programs

http://www.ojp.usdoj.gov

United States, Department of Justice, Office of Juvenile Justice and Delinquency Prevention

http://ojjdp.ncjrs.org

Urban Institute, Justice Policy Center (EUA)

www.urban.org

Youth Law Center (EUA)

http://www.youthlawcenter.com

Vera Institute of Justice (EUA)

http://www.vera.org

World Bank

http:www.worldbank.org

World Health Organization – Ver especialmente o Relatório Mundial sobre Violência e Saúde

http://www.who.int

9. Glossário

Crime

Transgressão imputável da lei penal, por dolo ou culpa, ação ou omissão (Houaiss).

Violência

Uso intencional da força física ou do poder, real ou em ameaça, contra outra pessoa ou contra si próprio ou contra outro grupo de pessoas, que resulte ou tenha grande possibilidade em resultar em lesão, morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento, ou privação (OMS).

Prevenção do Crime e da Violência

Resultado de políticas, programas e/ou ações de redução do crime e da violência e/ou seu impacto sobre os indivíduos e a sociedade, atuando sobre os fatores de risco e os fatores de proteção que afetam a incidência do crime e da violência e seu impacto sobre os indivíduos, famílias, grupos e comunidades, e sobre a vulnerabilidade e a resiliência dos indivíduos, famílias, grupos e comunidades diante do crime e da violência.

Fator de Proteção

Fator que reduz a probabilidade de incidência ou de efeitos negativos de crimes ou violências. Quanto maior a presença de fatores de proteção e menor a presença de fatores de risco, menor a probabilidade de incidência e de efeitos negativos de crimes e violências.

Fator de Risco

Fator que aumenta a probabilidade de incidência ou os efeitos negativos de crimes ou violências, mas não determina a incidência ou os efeitos negativos de crimes e violências. Quanto maior a presença de fatores de risco, e menor a presença de fatores de proteção, maior a probabilidade de incidência e de efeitos negativos de crimes e violências.

Resiliência

Condição de indivíduos, famílias, grupos e comunidades que os tornam menos suscetíveis ao envolvimento com o crime e à violência e de vitimização, mesmo em situações de alto risco.

Vulnerabilidade

Condição de indivíduos, famílias, grupos e comunidades que os tornam mais suscetíveis de envolvimento com o crime e a violência e de vitimização, mesmo em situações de baixo risco.

Política de Prevenção do Crime e da Violência

Conjunto de programas, desenvolvido pelo governo (federal, estadual e/ou municipal), integrados em função de objetivos comuns, visando a reduzir a incidência do crime e da violência e/ou seus efeitos negativos sobre os indivíduos, famílias, grupos e comunidades.

Programa de Prevenção do Crime e da Violência

Conjunto de ações, desenvolvidas por organizações governamentais e/ou não governamentais, integradas em função de objetivos comuns, visando a reduzir a incidência do crime e da violência e/ou seus efeitos negativos sobre os indivíduos, famílias, grupos e comunidades.

Prevenção Primária

Estratégia de prevenção centrada em ações dirigidas ao meio ambiente físico e/ou social, mais especificamente aos fatores ambientais que aumentam o risco de crimes e violências (fatores de risco) e que diminuem o risco de crimes e violências (fatores de proteção), visando a reduzir a incidência e/ou os efeitos negativos de crimes e violências. Pode incluir ações que implicam mudanças mais abrangentes, na estrutura da sociedade ou comunidade, visando a reduzir a pré-disposição dos indivíduos e grupos para a prática de crimes e violências na sociedade (prevenção social). Ou, alternativamente, pode incluir ações que implicam mudanças mais restritas, nas áreas ou situações em que ocorrem os crimes e violências, visando a reduzir as oportunidades para a prática de crimes e violências na sociedade (prevenção situacional).

Prevenção Social

Estratégia de prevenção centrada em ações dirigidas à redução da pré-disposição dos indivíduos e grupos para a prática de crimes e violências na sociedade.

Prevenção Situacional

Estratégia de prevenção centrada em ações dirigidas à redução das oportunidades para a prática de crimes e violências na sociedade, através do aumento dos custos, aumento dos benefícios e/ou redução dos benefícios associados à prática de crimes e violências.

Prevenção Secundária

Estratégia de prevenção centrada em ações dirigidas a pessoas mais suscetíveis de praticar crimes e violências, mais especificamente aos fatores que contribuem para a vulnerabilidade e/ou resiliência destas pessoas, visando a evitar o seu envolvimento com o crime e a violência ou ainda a limitar os danos causados pelo seu envolvimento com o crime e a violência, bem como a pessoas mais suscetíveis de ser vítimas de crimes e violências, visando a evitar ou limitar os danos causados pela sua vitimização. É freqüentemente dirigida aos jovens e adolescentes, e a membros de grupos vulneráveis e/ou em situação de risco.

Prevenção Terciária

Estratégia de prevenção centrada em ações dirigidas a pessoas que já praticaram crimes e violências, visando a evitar a reincidência e promover o seu tratamento, reabilitação e reintegração familiar, profissional e social, bem como a pessoas que já foram vítimas de crimes e violências, visando a evitar a repetição da vitimização e a promover o seu tratamento, reabilitação e reintegração familiar, profissional e social.

Prevenção Universal

Estratégias de prevenção direcionadas a toda a população, independente do risco de crime e de violência.

Prevenção Localizada

Estratégias de prevenção direcionadas a uma parcela da população, levando em consideração o risco de crime e de violência.

Prevenção Escolhida

Estratégia de prevenção direcionada à população em situação de risco de envolvimento em crimes e violências, na condição de autor ou de vítima.

Prevenção Indicada

Estratégia de prevenção direcionada à população que já se envolveu em crimes e de violências, na condição de autor ou de vítima.

Prevenção Compreensiva

Estratégias de prevenção baseadas em múltiplas ações/programas, direcionadas a múltiplos fatores de risco e de proteção.

Prevenção Focalizada

Estratégia de prevenção baseada em uma única ação/programa, direcionadas a um único fator de risco ou de proteção.

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