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SUSP Sistema Único de Segurança Pública Estados

Arquitetura institucional do SUSP

CAPÍTULO 4
Formação Policial
I - Plano Nacional de Segurança Pública
II - O papel do Grupo de Trabalho sobre "Educação Policial"
III - Âmbito do Sistema de Educação Policial
IV - Notas para uma Teoria da Educação Policial
V - Processos Educativos e Metodologias de Ensino e Aprendizagem
VI - Proposta de Matriz Curricular: Eixos Temáticos
A – Parte Geral – Eixos Temáticos e Disciplinas (ementas)
I ) Sociologia do Controle Social
EMENTÁRIO
II) Cultura Jurídica e Prática Policial
EMENTÁRIO
III) Valorização Profissional: Disciplinas e Ementas
EMENTÁRIO
B – Parte específica: Eixo Temático e Sugestões de Disciplinas
IV) Inovações e/ou adequações de técnicas policiais
7. Estruturas de Ensino
8. Sistemas de Avaliação Institucional
9. Análise Estratégica da Educação Policial no Campo do Controle Social
10 - Constituição de um Sistema de Pesquisa sobre Temas de Segurança Pública e Proteção Social
11 - Efeitos na Educação Policial, Derivados da Organizações Policiais atuais: homo faber ou homo humanus?
12 – Planejamento Estratégico Situacional Aplicado à Educação Policial
13. Conclusão

 

CAPÍTULO 4

Formação Policial

I - Plano Nacional de Segurança Pública

( http://www.mj.gov.br/noticias/2003/abril/pnsp.pdf )

Este documento tem como objetivo propor um Sistema Nacional de Educação Policial, a partir das diretrizes do Plano Nacional de Segurança Pública, o qual afirma: “A formação deve estar comprometida com a paz e a cidadania e conectada com os avanços da ciência. Só assim será possível desenvolver a construção de conceitos teóricos e práticos de segurança pública, de Polícia Militar, de Polícia Civil, dentre outras instituições, que expressem os valores, as garantias e o sentido de ordem para o Estado Democrático de Direito e para a sociedade organizada”.

Constitui a base para o estabelecimento das Diretrizes Curriculares, definindo uma formação humanística, científica e altamente profissionalizada para os policiais: “O ciclo básico desses cursos priorizará a formação humanística, científica e multidisciplinar dos profissionais, sendo que o ciclo técnico também será fundado nesses elementos norteadores, voltando-se para o conhecimento e o uso detécnicas atualizadas de policiamento, investigação, prevenção, proteção e controle, com ênfase maior ou menor nessas práticas, dependendo da especialização do(a) policial a ser formado(a)”.

O PNSP adota uma postura crítica em relação ao atual sistema de formação policial, heterogêneo e desarticulado, sendo enfático quanto à necessidade de uma integração institucional:

“A unificação progressiva das academias e escolas de formação não se limita à integração dos currículos. É preciso que as polícias civis e militares, da base operacional aos setores intermediários e superiores, sejam formadas em uma única academia ou escola descentralizada, fundada nos preceitos da legalidade democrática e do respeito aos direitos fundamentais da pessoa humana”.

Enfim, o PNSP formula uma concepção de Educação Policial orientada para a proteção dos direitos constitucionais e fundamentais do cidadão brasileiro:

“A formação unificada das polícias é fator imprescindível para a integração coordenada, profissional e ética do trabalho preventivo e investigativo, tendo sempre como destinatário o cidadão, a sua defesa e a proteção de seus direitos”.

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II - O papel do Grupo de Trabalho sobre “Educação Policial”

O Grupo sobre Formação Policial concebe o Policial como um agente voltado para a segurança do Estado e a proteção da sociedade. Como a função do Estado é servir à sociedade, devemos, através da educação, fazer com que o policial reconheça que o Estado é um meio e não um fim: por conseqüência, o policial deve ser um profissional que trabalha em favor da sociedade, garantindo a segurança do cidadão.

Nosso papel é definir alguns parâmetros garantidores da qualificação dos processos educativos, oferecidos aos Operadores de Segurança Pública, que possam garantir - respeitadas as realidades e os saberes locais - um mínimo de convergência dos Programas em curso nos Estados e Instituições universitárias.

Construímos os seguintes princípios de responsabilidade social da educação policial:

  • Garantir uma formação com respeito à dignidade humana em toda a atividade policial;
  • Eliminar a discriminação de gênero, orientação sexual, religiosa ou étnica, induzindo uma formação orientada pelo respeito à dignidade humana e às diferenças;
  • Propiciar uma educação orientada por uma ética da responsabilidade social do serviço público, de modo a controlar a corrupção no interior das organizações policiais, civis e militares;
  • Desenvolver uma formação orientada pela transparência e responsabilização interinstitucional e frente à sociedade civil;
  • Formação que reconheça a legitimidade do controle externo das Polícias, previsto na Constituição de 1988, pelo Ministério Público, (Art. 129, VII).

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III - Âmbito do Sistema de Educação Policial

Pretendemos estabelecer uma formação que possa servir às várias polícias existentes, ou seja, os policiais que serão os sujeitos do processo de ensino-aprendizagem. Nesta proposta, serão contemplados os membros das Polícias Militares, das Polícias Civis e também dos Corpos de Bombeiros. Entretanto, as formulações gerais desta proposta poderão ser úteis para contribuir à formação de outras categorias profissionais envolvidas no Sistema Único de Segurança Pública.

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IV - Notas para uma Teoria da Educação Policial

Orientados pelo paradigma da autonomização moral e intelectual e tendo como perspectiva as análises complexas da sociedade no Século XXI, propomos que a formação dos policiais incorpore a contemporaneidade do saber crítico em Ciências Humanas e Jurídicas.

Para desenvolver as habilidades e competências em regulação de conflitos, na prevenção de crimes, na repressão profissional e na investigação criminal, necessitamos de uma perspectiva complexa e holística.

Se a primeira e mais substantiva função da polícia constitui-se na regulação de conflitos do cotidiano, é evidente que a esta função devem estar subordinadas as demais, por definição secundárias.

Tanto a reconstrução dos fatos pela investigação destinada a esclarecê-los e a punir eventuais transgressores da lei, quanto a repressão explícita necessária à contenção de comportamentos individuais ou coletivos que põem em risco a segurança de todos e de cada um, devem se constituir apenas em parte da formação policial, estruturando-se em procedimentos previsíveis e conseqüentes, decorrentes de uma política de segurança pública baseada na inevitabilidade do conflito e na necessidade de sua regulação, para o exercício pleno da cidadania na sociedade estruturada juridicamente em um Estado moderno, republicano e democrático.

Ao se tratar do ensino de noções de direito aos policiais, a ênfase não deve ser na memorização repetitiva de dogmas doutrinários e de artigos da legislação administrativa e penal. Trata-se de colocar ênfase na própria historicidade do direito, sua relação com os processos de formação do Estado-Nação e o significado do direito de acesso à justiça e com a constituição das garantias jurídicas individuais e o controle dos atos da administração pública, no exercício do poder de polícia em oposição ao poder da polícia de representar o monopólio do uso comedido da força física pelo Estado.

Isto decorre das lutas e razões que originaram, em nossa tradição jurídica ocidental, os direitos fundamentais do cidadão (civis, políticos, econômicos, sociais e ambientais), com suas conseqüências para as chamadas políticas de direitos humanos e cidadania.

Ao mesmo tempo, deve-se acentuar a importância das condutas éticas para a proteção de todos os profissionais, inclusive do policial. O vetor epistemológico é no sentido da desconstrução dos valores e dos treinamentos inculcados nos policiais contemporâneos, inclusive a crítica contemporânea do direito  penal e do direito processual penal, em favor do modelo contemporâneo de controle social disciplinar da sociedade.

A educação policial no Brasil contemporâneo, pelo exposto acima, encontra-se diante de uma série de problemas do campo do controle social formal, os quais poderiam ser resumidos nas seguintes indagações:

1. Como a formação integrada poderá ajudar a superar as disputas de competências entre os operadores de segurança pública existentes – Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Polícias Civis, Polícias Militares, Guardas Municipais – propiciando um patamar inovador acerca do significado e das funções das organizações policiais?

2. Tendo em vista o crescimento das guardas municipais, como resolver o problema da formação policial neste cenário de “municipalização”, o qual envolve gestores de segurança municipal e guardas municipais?

3. Como um sistema de formação policial poderia contribuir à regulação e ao controle público das empresas privadas de segurança?

4. Em que medida a educação policial poderá ajudar a superar uma cultura organizacional militarista nas Polícias Militares, marcada pela presença da arbitrariedade e da exaltação de um tipo de disciplina e de hierarquia militar reprodutora de privilégios?

5. Em que medida a educação policial poderá ajudar a superar a ênfase em uma cultura burocrática e juridicista existente na Polícia Civil, marcada pela presença da arbitrariedade e reprodutora de privilégios?

6. Na mesma linha, como alterar a qualidade, a forma e o conteúdo da ordenação interna das corporações no sentido de um relacionamento institucional de tipo democrático, isto é, uma hierarquia e disciplina orientadas por regras transparentes e critérios universais?

7. Qual a contribuição da educação policial no sentido de aumentar a eficiência do desempenho policial e da gestão da segurança pública?

8. De que modo pode ser desenvolvido o treinamento em técnicas policiais que reduzam o risco de vida dos policiais e da população, seguindo a orientação de só utilizar armas de fogo em casos extremos, de acordo com a filosofia do recente Estatuto do Desarmamento?

9. Como desenvolver estratégias descentralizadas de atuação que possibilitem lidar localmente com problemas e soluções, de forma a resgatar a função de integração social e de mediação de conflitos interpessoais inerentes ao ofício de polícia?

10. De que maneira incluir no sistema de educação policial as seguintes medidas contra a discriminação e o racismo?

  • Formação contra a discriminação racial;
  • Afirmação da diversidade social e cultural;
  • Desconstrução dos estigmas internos e/ou externos às organizações policiais;
  • Discussão sobre as cotas raciais no ingresso nas organizações policiais;

11. Quais as medidas necessárias para assegurar a formação adequada de educadores bem como a produção de materiais didáticos pertinentes aos objetivos de uma nova educação policial?

12. Como a educação policial pode explicitar os efeitos da mundialização no campo da violência, do crime e do controle social, e discutir a internacionalização dos modelos de polícia e os desafios da integração regional, na busca de um relacionamento soberano e democrático entre as polícias dos países da América do Sul e de outros continentes?

13. De que maneira a educação policial deve assegurar o respeito aos direitos humanos em todas as atividades policiais?

14. Como assegurar que os conceitos desenvolvidos no processo de ensino-aprendizagem sejam congruentes com as práticas policiais?

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V – Processos Educativos e Metodologias de Ensino e Aprendizagem

Uma visão corrente sobre os processos educativos define-os como aqueles que constituiriam as condições de produção, explicação e justificação das realidades sociais, políticas, econômicas, culturais e científicas, articuladas e dispostas em estruturas e modelos determinados de sociedade; consolidariam a internalização de valores, crenças e representações simbólicas que configurariam as formas de comportamentos relacionais dos sujeitos educandos e desenvolveriam a aquisição de conhecimentos técnicos e apropriação de tecnologias e competências de intervenção. Esses direcionamentos dos processos educativos, a formação da consciência social, a definição do caráter identitário e a aquisição de instrumentais necessários à intervenção sociocultural, responderiam à necessidade de manutenção e validação das estruturas e modelos sociais e políticos hegemônicos vigentes. As metodologias de ensino e aprendizagem dos processos educativos, nessa racionalidade, são entendidas como o recurso processual de comunicação das experiências validadas, dos saberes, dos valores, crenças e princípios constitutivos que norteiam a concepção de uma determinada sociedade. Os processos educativos escolhem, elaboram e re-elaboram, num espectro de possibilidades, aquelas metodologias de ensino que consubstanciem os valores socioculturais, as representações simbólicas e os interesses hegemônicos que devam ser os vigentes na sociedade.

As metodologias de ensino e aprendizagem seriam esse conjunto de procedimentos, estratégias, tecnologias e recursos técnicos auxiliares devidamente ordenados à aquisição de determinados saberes, conhecimentos técnicos e apropriação de tecnologias e à obtenção de determinados comportamentos finais, definidos como instrumentos necessários à intervenção sociocultural dos sujeitos educandos.

O estudo comparativo dos processos educativos e das suas respectivas metodologias de ensino e aprendizagem e dos componentes da estrutura curricular das escolas e academias de polícia no Brasil revela alguns pontos básicos:

a) Predomínio das relações de subalternidade na hierarquia organizacional, tendo como conseqüência uma reprodução de tais relações no processo de ensino e de aprendizagem;

b) Fragmentação na estrutura dos componentes curriculares, desconexos entre si e desvinculados de uma visão global da realidade;

c) Abordagens teóricas com pretensões de neutralidade e que ocultam a discussão das origens históricas das relações sociais, políticas e econômicas de privilégios;

d) Ausência de componentes curriculares referentes ao multiculturalismo e às questões de gênero que se encontram em processo de construção e afirmação social;

e) Isolamento das instituições de segurança pública, das suas escolas e academias de formação e aperfeiçoamento, em relação aos centros universitários de pesquisa, de organizações não governamentais, de organizações representativas da sociedade civil organizada e de organizações governamentais, postulando uma ontologia institucional própria, ancorada nas suas próprias tradições, nas suas histórias centenárias, nos seus rituais e cerimoniais;

f) Presença de um conceito de formação policial pautado por interesses técnicos voltados para o atendimento da planificação institucional, nem sempre explicitados nos seus propósitos para os próprios operadores da instituição e para o público em geral;

g) Predomínio de práticas pedagógicas que seguem uma lógica enumerativa e descritiva, sem margem para processos de reflexão conceitual nas atividades de ensinoaprendizagem, assim como métodos de exposição e de avaliação que privilegiam uma lógica memorialística de postulados dogmáticos e acríticos;

h) Utilização não-reflexiva de recursos de mídia e de tecnologias submetidos a uma razão instrumental;

i) Interações intra-institucionais e entre professores e alunos nas quais emergem de forma recorrente a coerção, a coação e a punição como recursos para o estabelecimento dos sistemas de verdades contidos nos processos educativos, nas estruturas curriculares e nas metodologias de ensino;

j) Ausência de programas de educação permanente, para o conjunto dos profissionais da segurança pública, por parte das academias, escolas e institutos de ensino, formação e aperfeiçoamento;

k) Inexistência de estruturas de acompanhamento, monitoramento e avaliação institucional das próprias escolas e academias;

l) Ausência de um processo permanente que oriente os egressos no acompanhamento das práticas policiais e de sua congruência, ou não, com os conteúdos desenvolvidos nas academias.

Esse conjunto de características decorrentes de concepções sobre os processos educativos, de componentes curriculares, de metodologias de ensino das organizações policiais, de suas técnicas e procedimentos de atuação profissional, das relações interpessoais e interinstitucionais, entre outras, conformam uma formação em segurança pública orientada pelo princípio da simplificação do real. Essa lógica, se levada ao extremo, tende a excluir aquilo que não seja quantificável e mensurável, eliminando os elementos humanos, tais como paixões, emoções, sofrimentos, alegrias, incertezas e oculta o imprevisto, o novo e inventividade.

Os processos educativos, as metodologias de ensino e aprendizagem e os recortes das estruturas curriculares ensinam o policial a separar, compartimentar e isolar os conhecimentos; assim, acabam por constituir um quebra-cabeça ininteligível. As interações, os contextos e as complexidades que se encontram nas disciplinas tornam-se invisíveis. Os grandes problemas humanos desaparecem em benefício dos problemas técnicos particulares e pontuais.

A incapacidade de organizar o saber disperso e compartimentado conduz à atrofia da disposição mental de contextualizar. A configuração da inteligência parcelada, compartimentada, mecanicista e reducionista rompe o complexo do mundo em fragmentos isolados, fraciona os problemas, separa o que está unido, torna unidimensional o multidimensional. Trata-se de um padrão cognitivo que destrói as possibilidades de compreensão e de reflexão, reduz as possibilidades de discernimento e fratura a construção do conhecimento crítico.

As políticas de segurança pública, elaboradas sob essa racionalidade da simplificação, resultam na execução de um corolário de estratégias, táticas, medidas e ações de intervenção focado na repressão como forma eficiente de eliminação dos problemas e fenômenos da violência e da criminalidade, desqualificando as suas múltiplas manifestações, feições e articulações, social e historicamente construídas.

Quais as características dos processos educativos, das metodologias de ensino e aprendizagem e dos componentes da estrutura curricular que seriam coerentes com políticas públicas de segurança social sob a perspectiva dos princípios constitucionais da sociedade democrática e do Estado de Direito?

Postulamos o entendimento de que as características de um processo educativo, metodológico, social e político se consubstanciam em uma abordagem que compreenda as políticas públicas de segurança como questão de complexa governabilidade social.

Para ser compatível com a concepção epistemológica da complexidade aplicada aos processos de educação das polícias, propomos:

a) Buscar a superação de um saber fragmentado e apenas instrumental;

b) Possibilitar a vivência pelos alunos de experiências sociais que favoreçam a formação de conteúdos adequados às práticas policiais;

c) Enfatizar metodologias de ensino e aprendizagem de conceitos como instrumentos de problematização, compreensão e transformação da realidade;

d) Construir coletivamente conhecimentos, a partir de situações concretas e do estabelecimento de conexões da teoria com a prática;

e) Promover a reflexão ativa e reflexiva de todos os educandos, propiciando as condições para a assunção de atitudes, comportamentos e responsabilização ética e moral referenciados aos direitos humanos;

f ) Privilegiar a compreensão das questões sociais e avaliar alternativas de soluções possíveis numa perspectiva sistêmica;

g) Elaborar reflexões sobre as áreas temáticas em estudo, no contexto da interdisciplinaridade, aplicando o aprendizado às novas situações no campo específico de atuação dos profissionais de segurança pública;

j) Desenvolver metodologias de ensino e aprendizagem pela busca do entendimento entre docentes e educandos através do diálogo e mediação de conflitos.

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VI - Proposta de Matriz Curricular: Eixos Temáticos

Os Eixos Temáticos centrais no processo de educação policial constituem-se em áreas de conhecimento fundamentais para a formação do profissional de segurança em um Estado Democrático de Direito, uma segurança concebida como dever do Estado e responsabilidade de todos os cidadãos e cidadãs, os quais têm direito à segurança. Os Eixos Temáticos centrais são:

A. PARTE GERAL

I. Sociologia do controle social;

II. Cultura jurídica e prática policial;

III. Valorização profissional;

B. PARTE ESPECíFICA

IV. Inovações e/ou adequação de técnicas policiais.

Tais eixos temáticos deverão ser especificados segundo os conteúdos – conceitos, noções, habilidades técnicas, procedimentos grupais e pessoais – segundo um formato de disciplinas.

Definimos este formato básico na forma de: créditos (15 ou 30\horas aula); ementa (define o escopo da disciplina); e bibliografia. Por outro lado, a carga horária das disciplinas poderá variar de acordo com o nível e as funções policiais para as quais serão organizados os cursos, desde que mantida a referência teórica que fundamenta esta proposta. Sugerimos, ainda, que o plano curricular seja adequado às necessidades educacionais das funções policiais, não apenas às atualmente existentes como às novas construções institucionais da Educação Policial a serem geradas pelos efeitos do Plano Nacional de Segurança Pública e o desenvolvimento do projeto Arquitetura do SUSP – Sistema Único de Segurança Pública.

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A – Parte Geral – Eixos Temáticos e Disciplinas (ementas)

I ) Sociologia do Controle Social

1. Sócio-antropologia do crime e da violência;

2. Teorias psicológicas do crime e da violência;

3. Sócio-antropologia da discriminação, da desigualdade e da diferença;

4. Modelos e instituições de segurança pública em uma perspectiva comparada;

5. Contexto histórico das organizações policiais;

6. O significado e as funções da profissão policial;

7. Violência, discriminações e estereótipos culturais nas práticas policiais;

8. História sócio-política e econômica do Brasil;

9. Instituições de segurança pública no Brasil;

10. Sistemas de produção de verdades: confissão, inquirição, exame e prova legal;

11. Planificação situacional e gestão integrada;

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EMENTÁRIO

1. Sócio-antropologia do crime e da violência.

Ementa: estudo das diversas teorias sócio-antropológicas acerca do crime e da violência e sua aplicabilidade à realidade brasileira.

2. Teorias psicológicas do crime e da violência.

Ementas: estudo das diversas teorias psicológicas acerca do crime e da violência e sua aplicabilidade à realidade brasileira.

3. Sócio-antropologia da discriminação, da desigualdade e da diferença.

Ementa: estudo das representações e interpretações da diferença na sociedade, e seus efeitos nos processos de discriminação social e racial.

4. Modelos e instituições de segurança pública em uma perspectiva comparada.

Ementa: estudo dos diversos modelos históricos de polícia, por exemplo, os modelos inglês, francês, dos Estados Unidos, canadense e latino-americano, etc.

5. Contexto histórico das organizações policiais.

Ementa: análise da formação do Estado-Nação e da constituição dos funcionários públicos especializados que detêm o monopólio legal e legítimo da coerção física – a polícia.

6. O significado e as funções da profissão policial.

Ementa: discussão do significado das polícias enquanto instituições voltadas para a proteção do cidadão e da sociedade, ao lado da manutenção da ordem pública estatal.

7. Violência, discriminações e estereótipos culturais nas práticas policiais.

Ementa: desconstrução dos estereótipos culturais que estão subjacentes a comportamentos de policiais que podem resultar em atitudes discriminatórias e atos de violência.

8. História sócio-política e econômica do Brasil.

Ementa: estudo dos efeitos do processo de formação econômica, social e política no Brasil sobre as instituições de controle social, no período colonial, imperial e republicano.

9. Instituições de segurança pública no Brasil.

Ementa: análise crítica das categorias “civil” e “militar”, utilizadas para se nomear as polícias, a fim de ressaltar que esta classificação dicotômica expressa uma concepção de polícia como órgão de defesa do Estado, indicando a relevância das transformações em curso no sentido de construção de uma polícia voltada para a proteção do cidadão.

10. Sistemas de produção de verdades: confissão, inquirição, exame e prova legal.

Ementa: análise crítica dos procedimentos das polícias no sentido de produzir verdades mediante diversos instrumentos, tais como a confissão, a inquirição, o exame e a prova.

11. Planificação situacional e gestão integrada.

Ementa: construção de habilidades em Planejamento Estratégico Situacional - PES, com vistas a capacitar administradores em gestão integrada de ação policial.

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II) Cultura Jurídica e Prática Policial.

1. Análise crítica do Direito;

2. A construção histórica do Estado-Nação: direito de acesso à Justiça;

3. Garantias constitucionais de direitos do cidadão no Brasil;

4. Ética, cidadania e direitos humanos no Brasil;

5. Poder de Polícia e Poder da Polícia;

6. Transformações contemporâneas no direito penal e processual penal;

7. Conseqüências das transformações legislativas e/ou administrativas sobre as instituições policiais;

8. Efeitos das inovações legislativas em direitos coletivos difusos na prática policial.

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EMENTÁRIO

1. Análise crítica do Direito.

Ementa: crítica da ótica regulatória constituinte do direito positivo, em detrimento da herança emancipacionista da modernidade.

2. A construção histórica do Estado-Nação: direito de acesso à Justiça.

Ementa: estudo da formação histórica do Estado-Nação, das liberdades públicas e do acesso universal dos cidadãos à Justiça.

3. Garantias de direitos fundamentais do cidadão no Brasil.

Ementa: estudo da formação histórica dos direitos civis, políticos, econômicos, sociais e ambientais no Brasil.

4. Ética, cidadania e direitos humanos no Brasil.

Ementa: discussão dos direitos universais de cidadania e da necessidade de um princípio de igualdade jurídica que supere os obstáculos decorrentes dos privilégios jurídicos e desigualdades sociais na efetivação de uma ética das práticas policiais.

5. Poder de Polícia e Poder da Polícia.

Ementa: discussão das conseqüências do exercício do poder discricionário de Polícia, em contraste com os poderes da Polícia, decorrentes de suas funções judiciárias penais;

6. Transformações contemporâneas do direito penal e processual penal.

Ementa: estudo das transformações contemporâneas do direito penal e processual penal no Brasil e seus efeitos nas práticas policiais.

7. Conseqüências das transformações legislativas e/ou administrativas sobre a instituições policiais.

Ementa: análise das transformações legislativas e/ou administrativas sobre as instituições policiais, tais como: militarização jurídica das polícias militares, regulamentos das polícias, lei da tortura, lei dos crimes hediondos, foros especiais, etc.

8. Efeitos das inovações legislativas em direitos coletivos difusos na prática policial.

Ementa: análise das inovações legislativas em direitos coletivos difusos na prática policial, em particular o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o Código de Trânsito Brasileiro, o Estatuto do Idoso, o Estatuto do Desarmamento, Código do Consumidor, Lei dos Crimes Ambientais, criminalização da violência doméstica, etc.

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III) Valorização Profissional: Disciplinas e Ementas

1. Qualidade de vida física e mental;

2. Fundamentos do corpo e do movimento humano;

3. Defesa pessoal;

4. Direitos profissionais;

5. Relações interpessoais e de grupo nas organizações policiais;

6. Gestão e desenvolvimento de recursos humanos;

7. Gestão integrada e democrática das organizações policiais;

8. Relações institucionais intersetoriais;

9. Planejamento estratégico situacional;

10. Metodologias informacionais;

11. Elaboração, gestão e avaliação de projetos sociais e culturais em segurança;

12. Controle interno e externo das organizações policiais: transparência e responsabilização social.

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EMENTÁRIO

1. Qualidade de vida física e mental.

Ementa: estudo do desenvolvimento da personalidade humana, dos componentes da psiquê (ego, id e superego) e análise das possibilidades terapêuticas de consolidação da personalidade em situações de risco.

2. Fundamentos do corpo e do movimento humano.

Ementa: história das teorias sobre a corporeidade e o movimento humano, qualidades físicas de base. Planejamento, execução e avaliação de programas de compreensão do corpo e de treinamento do movimento humano.

3. Defesa pessoal.

Ementa: estudo dos elementos fundamentais das várias técnicas de defesa pessoal, com ênfase na utilização de técnicas voltadas para o uso comedido da força, visando à proteção da vida tanto dos policiais quanto da população. Estudo das alterações músculo-esqueléticas, como resultado do treinamento de força. Formas de manifestação da força muscular, bem como os métodos para seu treinamento como preservação da saúde física e mental.

4. Direitos profissionais.

Ementa: análise dos direitos constitucionais, administrativos e profissionais dos membros das organizações de segurança pública.

5. Relações interpessoais e de grupo nas organizações policiais.

Ementa: estudo dos princípios da dinâmica dos grupos sociais e das relações interpessoais nas organizações policiais de modo a desenvolver a valorização profissional de seus membros.

6. Gestão e desenvolvimento de recursos humanos.

Ementa: análise das formas de gestão de recursos humanos no setor da segurança pública que reconheçam as necessidades múltiplas, materiais e simbólicas, dos membros das organizações policiais, sintetizadas na noção de qualidade de vida do profissional de segurança pública.

7. Gestão integrada e democrática das organizações policiais.

Ementa: estudos dos métodos de gestão das organizações policiais que privilegiem as ações integradas voltadas para a solução de problemas no setor da segurança do cidadão.

8. Relações institucionais intersetoriais.

Ementa: Estudo da prática da administração pública de modo intersetorial, orientada por estratégias de soluções de problemas sociais.

9. Planejamento estratégico situacional.

Ementa: análise da metodologia do planejamento estratégico situacional enquanto uma modalidade de planificação que incorpora a participação dos diversos atores sociais em uma determinada situação, em processos de conflito e/ou de cooperação, mediante procedimentos dinâmicos de formulação, monitoramento e avaliação de políticas de segurança pública.

10. Metodologias informacionais.

Ementa: análise das possibilidades de uso das diferentes ferramentas informacionais no trabalho policial e a indicação das transformações nos processos de planejamento, tomada de decisão, investigação e prevenção que as ferramentas computacionais tornam possível (base de dados, análise estatística, análise de discurso, georeferenciamento, sistemas de inteligência artificial).

11. Elaboração, gestão e avaliação de projetos sociais e culturais em segurança pública.

Ementa: estudo dos projetos sociais e culturais como um processo de ação coletiva que tem como objetivo intervir na mudança dos grupos sociais (normas, relações, processos e instituições sociais) em uma situação pertinente ao setor da segurança pública. Análise dos diferentes métodos de elaboração, gerenciamento, monitoramento e avaliação de projetos sociais e culturais no setor das políticas de segurança pública.

12. Controle interno e externo das organizações policiais: transparência e responsabilização social.

Ementa: estudos dos princípios da transparência e da responsabilização social das organizações da segurança pública, bem como do funcionamento das instituições de controle interno (Corregedorias) e externo (Ouvidorias e Conselhos) das organizações policiais.

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B – Parte específica: Eixo Temático e Sugestões de Disciplinas.

IV) Inovações e/ou adequações de técnicas policiais.

A parte específica será diversificada, levando-se em conta o fato de termos instituições distintas, como a Polícia Militar, a Polícia Civil e os Corpos de Bombeiros Militares, além das peculiaridades regionais.

Recomenda-se que, na operacionalização, sejam adequados os procedimentos pedagógicos e o ensino e aprendizado de conteúdos aos diferentes níveis de escolaridade do corpo discente, sem que isso expresse uma segmentação por níveis hierárquicos. Sugerimos as seguintes temáticas a serem operacionalizadas, segundo as especificidades pertinentes, tanto em nível de educação quanto de formação permanente: 1

  • Sistemas institucionais de administração de conflitos: negociação e mediação social de conflitos;
  • Gerenciamento de crises;
  • Técnicas de tomada de decisão;
  • Policiamento preventivo;
  • Policiamento ostensivo;
  • Preservação do local da ocorrência;
  • Padronização de registros de ocorrência;
  • Investigação policial;
  • Sistema de proteção às testemunhas;
  • Perícia;
  • Medicina Legal aplicada;
  • Métodos e técnicas de entrevista, interrogatório e registro no inquérito policial;
  • Princípios de uso legítimo da força;
  • Armamento e tiro;
  • Identificação e classificação de armas;
  • Técnicas policiais de abordagem e contenção;
  • Formas e técnicas de patrulhamento e presença no território;
  • Fundamentos de policiamento comunitário;
  • Noções de atendimento de urgências e primeiros socorros;
  • Sistemas de comunicação no atendimento ao público;
  • Gestão de sistemas de informação;
  • Telecomunicações;
  • Sistemas de inteligência policial democráticos;
  • Prevenção do uso e redução do uso de substâncias psicoativas.

Sugerimos que a parte específica seja planejada e construída pela SENASP segundo as necessidades educacionais das funções policiais atualmente existentes:

  • Polícia Civil: escrivães; investigadores; peritos e delegados;
  • Polícia Militar: soldados, cabos, sargentos; formação de alunos-oficiais; capitães (Curso de Aperfeiçoamento de Oficiais); majores, tenentes-coronéis (Curso Superior de Polícia). Entretanto, os efeitos do Plano Nacional de Segurança Pública e o desenvolvimento do projeto Arquitetura do SUSP – Sistema Único de Segurança Pública – poderão suscitar novas construções institucionais para dinamizar a Educação Policial.

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7. Estruturas de Ensino

Segundo o PNSP, a Educação é um processo fundamental para a atualização das capacidades e habilidades das polícias na sociedade brasileira: “Instrumento fundamental para a modificação das polícias brasileiras é a educação, tanto a regular, nos cursos das academias, quanto a permanente, traduzida pela educação continuada que se perfaz pelos treinamentos, seminários ou outros instrumentos pedagógicos”. “O sistema proposto alimentará sistematicamente a requalificação dos policiais, possibilitando o enfrentamento do atraso desses quadros a respeito de novas técnicas de prevenção, mediação, negociação, investigação e realização da segurança pública nas diversas regiões do Brasil”.

Seguindo tal pressuposto, propomos que as estruturas da educação policial sigam os seguintes critérios pedagógicos:

1. Liberdade de participação e expressão convivendo democraticamente com os processos de hierarquia e disciplina.

2. Firmamos uma posição crítica frente às metodologias de ensino em curso nas escolas e academias de operadores de segurança pública, focando, por exemplo, a questão da verticalidade dos processos de ensino e aprendizagem, a tendência ao formalismo e ao legalismo estrito, a hipertrofia de didáticas diretivo-expositivas, a falta de parti-cipação e estímulo à formação das autonomias moral e intelectual dos educandos;

3. Torna-se necessário desvelar os “currículos ocultos” nas práticas pedagógicas, oriundos de uma cultura profissional baseada em uma arcaica doutrina de “segurança nacional”, a qual pretende que a polícia, em especial as polícias militares, assuma uma identidade militarizada de atuação, e que as polícias civis continuem com práticas inquisitoriais de obtenção da confissão ao invés da formulação da prova dos delitos;

4. A disseminação dos direitos humanos como orientador das práticas policiais;

5. Referencial do processo de ensino e aprendizagem centrado, a um só tempo, no educando e na realidade;

6. O Papel do educador como proponente de desafios morais e intelectuais;

7. Conhecimento concebido como derivado de processos de construção individual mediados, obrigatoriamente, pela relação com o coletivo;

8. Foco central na construção da autonomia moral e intelectual (tendo como meios, para isso, as temáticas, conteúdos e relacionamentos);

9. Comunicabilidade e vínculos empáticos nos processos de ensino e aprendizagem;

10. Utilização das metodologias informacionais na educação policial (processador de texto, uso da internet, planilhas, banco de dados, análise estatística, programas de apresentação, análise informacional de discurso, programas de georeferenciamento, cartografias sociais, modelagem cognitiva).

Para garantir a implementação de tais princípios pedagógicos, sugerimos critérios mínimos na estrutura da educação policial que garantam a eficácia, a eficiência e a coerência das proposições acima formuladas:

  • Períodos e tempos mínimos sugeridos para as formações integradas, segundo as especificidades;
  • Recursos humanos e materiais necessários (perfil de professores em coerência com as metodologias propostas, tipos de espaços físicos favorecedores de metodologias participativas);
  • Laboratórios de Metodologias Informacionais, inclusive para formar profissionais para operar com sistemas de informações, tais como o Sistema Nacional de Estatísticas de Segurança Pública e Justiça Criminal – SNESP – e o TerraCrime (http://www.mj.gov.br/senasp/terracrime.ppt);
  • Tipo de gestão das instituições educacionais de forma democrática e colegiada, com Conselhos Superiores com participação de representantes da sociedade civil;
  • Turmas mistas com membros da Polícia Civil, da Polícia Militar, Corpos de Bombeiros Militares e integrantes da sociedade civil interessados nos Eixos Temáticos na parte geral, itens I e II, agrupados somente pelo nível de escolaridade;
  • Turmas mistas com membros da Polícia Civil, da Polícia Militar, dos Corpos de Bombeiros Militares nos demais Eixos Temáticos, agrupados apenas em função do nível de escolaridade e de suas atribuições funcionais.

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8. Sistemas de Avaliação Institucional

  • Incorporar o Documento da Comissão de Avaliação do MEC – Media provisória 147/2003, de 15 de dezembro de 2003 (http: //www. inep.gov.br/)
  • Constituir, em conjunto com o MEC, uma Agência Nacional de avaliação da Educação Policial;
  • Fomentar, segundo o documento acima, práticas avaliativas internas: em nível de escolas e academias; em nível de instituições; em nível de unidades;
  • Resolver o problema das equivalências com títulos universitários, em Comissão conjunta com o MEC/SESU.

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9. Análise Estratégica da Educação Policial no Campo do Controle Social

A educação policial insere-se no campo do controle social, formado tanto por atores sociais e institucionais públicos - Ministério da Justiça, SENASP, organizações policiais públicas, Academias e Escolas de Polícia Estaduais, Escola Nacional de Polícia da Polícia Federal – quanto por atores sociais da Sociedade Civil: forças sociais, sindicatos, partidos políticos, Universidades Privadas e Comunitárias, organizações não-governamentais, projetos sociais e culturais do 3º setor, projetos de responsabilidade social de empresas privadas e públicas, empresas de segurança privada. Em particular, a Educação Policial necessita estar articulada com o Ministério da Educação, com o Ministério da Ciência e da Tecnologia e outros, em uma perspectiva de ação intersetorial na Administração Pública. Partindo deste pressuposto, sugerimos:

  • Implementar da Escola Nacional de Segurança Pública, de modo a dinamizar e regular a implementação das mudanças sugeridas neste texto, mediante a criação de um Núcleo de Formação em Segurança Pública e Proteção Social, que fará parte da Secretaria de Estado de Segurança Pública do Ministério da Justiça, com a função de supervisionar a formação de todos os policiais brasileiros. O Núcleo será formado por educadores, professores universitários e policiais das diversas corporações, escolhidos por sua qualificação no campo da educação e da formação;
  • Dinamizar os convênios entre as Instituições de Ensino Policial, as Universidades Públicas, Federais e Estaduais, e as Universidades Comunitárias;
  • Estimular a criação nas Universidades Públicas, Federais e Estaduais, de Cursos de Formação de Bacharéis em Segurança, de modo a qualificar a formação de profissionais no setor da Segurança, em suas múltiplas dimensões, assegurando um efeito-dedemonstração para toda a Educação Policial no Brasil;
  • Desenvolver processos de formação permanente (em parceria com as Universidades e/ou ONG´s) para a construção de uma cultura cidadã dos operadores de segurança pública;
  • Desenvolver de estratégias descentralizadas de atuação que possibilitem lidar localmente com problemas e soluções, de forma a resgatar a função de integração social e de mediação de conflitos interpessoais que o ofício de polícia supõe;
  • Problematizar a cultura organizacional militarista: alterar a qualidade, a forma e o conteúdo da organização interna das corporações, no sentido de um relacionamento institucional de maior densidade democrática, mediante proposta de mudanças nos regimentos disciplinares;
    • Rediscussão dos regulamentos internos das instituições de ensino policial;
    • Estimular procedimentos de responsabilização pública e de transparência das ações das instituições encarregadas da educação policial.

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    10 - Constituição de um Sistema de Pesquisa sobre Temas de Segurança Pública e Proteção Social

    O PNSP propõe a montagem de uma instituição de pesquisa em Segurança Pública, com a arquitetura de redes de pesquisa envolvendo docentes e pesquisadores de Universidades e Instituições de Pesquisa, para desenvolver estudos sobre temas de segurança pública e proteção social.

    O Núcleo desenvolverá, junto com universidades e centros qualificados, um centro de pesquisa sobre temas fundamentais para conhecimento, informação e direcionamento das atividades educacionais do sistema unificado.

    Nesta perspectiva, propomos:

    • Montagem de um Centro de Pesquisa em Segurança Pública, como articulador, coordenador e fomentador de redes de pesquisa envolvendo docentes e pesquisadores de Universidades e Instituições de Pesquisa;
    • O Centro poderá, em colaboração com universidades brasileiras e estrangeiras, promover e fomentar estudos sobre temas de segurança pública e proteção social, realizando cursos de especialização, de mestrado ou de doutorado;
    • Desenvolver atividades de formação continuada de professores para a Educação policial;
    • Desenvolver e estimular, mediante convênios e editais, a produção e publicação de material didático qualificado, seguindo as orientações da presente proposta, a fim de suprir as atividades das Instituições de Educação Policial;
    • Prosseguir na realização de Editais de Pesquisas Aplicadas sobre o tema da Segurança Pública.

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    11 - Efeitos na Educação Policial, Derivados da Organizações Policiais atuais: homo faber ou homo humanus?

    Precisamos perguntar-nos se, apesar de todas as dificuldades estruturais e conjunturais apresentadas, uma mudança em nossa estratégia formativa dos operadores não poderia trazer resultados melhores ou até mesmo surpreendentes.

    Em primeiro lugar, uma “profissão de fé”: na qualificação da prestação de qualquer tipo de serviço, a qualificação da pessoa do servidor tem primazia, antecedendo e transcendendo até mesmo as condições objetivas que se lhe oferecem para trabalhar.

    De igual forma, operadores não “vocacionados”, desmotivados, mal instrumentados, podem solapar os Projetos mais sofisticados e respaldados pelas mais adequadas estruturas. Evidentemente, não se trata, aqui, de dicotomizar: precisamos, para alcançar a eficácia e a eficiência desejadas, da intervenção pessoal mais qualificada do operador, assentadosobre infra-estruturas apropriadas.

    No entanto, diante das crônicas carências estruturais que precisam ser tomadas (ativamente, é verdade) como dados da realidade, reveste-se de especial importância pensar  criticamente a formação dos operadores, uma vez que é esta a ferramenta de transformação mais imediata de que podemos dispor.

    Parece possível apostar que a melhor formação do operador gere maior competência (mesmo no difícil quadro das condições existentes) e que esta competência anteceda e force, como movimento, as prioridades políticas e orçamentárias do Estado, no sentido de aprimorar suas condições de trabalho e vida.

    Mesmo que devamos reconhecer, nos últimos anos, um significativo acréscimo de investimentos (em especial por parte do Governo Federal, via Fundo Nacional de Segurança Pública), de maneira geral, os salários oferecidos, para a maior parte do pessoal, continuam injustos e os prédios, mobiliário, veículos, armas e equipamentos, insuficientes e antigos.

    Nessa conjuntura, basicamente, dois tipos de público afluem para os quadros institucionais, como agentes operadores: os vocacionados, com significativo grau de altruísmo, disposição para o serviço, projetos de vida identificados com causas sociais e capacidade de suportar frustrações sem desqualificar o trabalho junto aos beneficiários; e os não vocacionados, ingressantes por falta de melhores oportunidades (ao menos nos níveis mais básicos, não dirigentes), com projetos de vida, voltados à sobrevivência ou à gratificação individual (no aguardo de melhores oportunidades), com reduzido nível de consciência ética e desenvolvimento moral.

    É preciso, em longo prazo, melhorar as condições da oferta e, subseqüentemente, da seleção e, em curto prazo, desafiar a elevação do padrão moral dos profissionais a estágios mais avançados, o que somente pode ser alcançado através de processos permanentes de desafio educacional.

    Sabemos, realisticamente, que isso não é fácil e que não resulta positivamente com a totalidade dos desafiados. Haverá, sempre, um contingente refratário, seja por questões de caráter, seja em função de nossas próprias carências em saber encontrar para cada um a linguagem e as provocações mais significativas.

    A partir da experiência acumulada em anos de trabalho educacional, cremos que vale a pena investir mais e melhor na formação dos operadores, mesmo daqueles que parecem resistentes, ou não vocacionados. Parte significativa deles pode ser recuperada por uma estratégia educacional competente, diferente daquela que, historicamente, tem sido, de forma genérica, adotada pelo poder público.

    Não esqueçamos, no entanto, o primeiro grupo, aquele que denominamos “vocacionado” ao social. Ele, igualmente, não está imune às graves mazelas oferecidas pela realidade com a qual necessita trabalhar. Ao longo dos anos, diante da incúria de Estados que se sucedem e da não resolução dos problemas, esse grupo tende a desanimar, a “perder fôlego”, a deixar-se abater pela desesperança e pela decadência da auto-estima. Ademais, sofre os ataques dos contingentes “não vocacionados”, uma vez que, ao propor e realizar uma prestação de serviços significativa, deflagra a elevação do padrão de expectativas e exigências sociais em relação à função pública, com toda a demanda de trabalho e responsabilidade decorrente de tal processo.

    São vistos, pois, pelos colegas “não vocacionados”, como “traidores” dos interesses de classe, uma vez que procuram prestar bons serviços, apesar dos salários muitas vezes insuficientes ou até aviltantes (conforme o nível hierárquico) e das precaríssimas condições de trabalho e de vida.

    Assoberbados com seu próprio labor e com as conseqüências da omissão e das atividades imobilizantes ou destrutivas do grupo “não vocacionado”, acabam “consumindose” pelo cotidiano, sem tempo e energia para a reflexão individual e coletiva, para o estudo, para o encontro de alternativas pessoais e institucionais fundadas em novos paradigmas. Também esse grupo, que aqui chamamos de “vocacionado”, diante das inevitáveis carências oriundas dos projetos políticos estatais, necessita um intenso investimento  formativo suplementar, que possa ajudá-lo a suprir, pelo menos, as demandas mais básicas no campo das vivências simbólicas, abstratas, motivacionais e existenciais. Em termos estratégicos, esse é o aporte mais conseqüente que podemos oferecer e a ele deve voltar-se nossa mais prioritária atenção.

    Para os dois perfis de operadores, portanto, a educação (formação significativa, útil, com sentido e desafiadora da elevação dos padrões de moralidade e satisfação interior advindas das relações interpessoais) é a melhor possibilidade que podemos ofertar no contexto limitado e limitante do sistema. É, também, a única forma imediata de humanizar o trabalho junto à clientela e agregar-lhe competência.

    É preciso que os operadores-educandos (no caso agentes policiais) estabeleçam relações de pertinência, vínculos afetivos com as possibilidades formativas que lhes são oportunizadas.

    Isso ocorre porque, via de regra, a visão tecnocrática do Estado contamina mesmo os processos educacionais. As “capacitações”, assim, assumem um caráter de tecnicismo (ainda que “pedagógico”) enfadonho e desvinculado dos dramas e possibilidades reais e cotidianos das pessoas e instituições.

    O tecnocratismo e o tecnicismo não envolvem o sujeito receptor. Não é a toa que os operadores apresentam fortes queixas em relação à maioria das “capacitações” que lhes são oferecidas. Não há foco no pessoal e por isso a elevação dos padrões de qualidade humana é praticamente nula. Uma abordagem nova da “capacitação” precisa trabalhar, em seu primeiro desenvolvimento, com conteúdos e dinâmicas auto-referenciais, voltadas para as demandas imediatas e mediatas do sujeito como pessoa (e não do “operador” como profissional, em primeiro plano). Em outras palavras: a qualificação do exercício profissional passa, necessariamente, pela qualificação existencial do sujeito.

    Treinamentos de eficiência operatória, que não sejam antecedidos pela reflexão do psicológico, do interpessoal familiar e do campo profissional; pelo axiológico e pelo simbólico estão fadados ao fracasso por seu artificialismo e desvinculação das demandas mais profundas do beneficiário.

    Alcançado esse patamar auto-reflexivo e autoproponente, o operador estará disponível ao aprofundamento (de forma não segmentada, não desvinculada dessa base pessoalmente significativa), dos projetos amplos, das utopias e das posturas solidárias emergentes na sociedade brasileira.

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    12 – Planejamento Estratégico Situacional Aplicado à Educação Policial

    O Grupo sobre Formação Policial concebe o Policial como um agente voltado para a segurança do Estado e a proteção da sociedade. A fim de poder implementar a concepção de policial enquanto um profissional que trabalha em favor da sociedade, garantindo a segurança do cidadão, pode-se realizar uma planificação das políticas públicas de segurança mediante o uso do Planejamento Estratégico Situacional (PES), o qual utilizaria a ferramenta de projetos sociais e culturais.

    Uma definição de planejamento estratégico pode ser assim formulada: uma ação para assegurar conseqüências futuras, pressupondo um processo sistemático, a integração das decisões e a previsão das conseqüências. Esse planejamento pode ser de cima para baixo ou de baixo para cima, mas necessariamente deverá ser em ambas as direções. Em outros termos, essas modalidades de planejamento estratégico poderiam ser mais bem aplicadas na gestão pública, relembrando o conceito clássico de eficiência, de racionalidade de meios com relação a fins, para se utilizar melhor os recursos, sobretudo aqueles relacionados às políticas públicas de segurança.

    O Planejamento Estratégico Situacional, segundo a definição de Carlos Matus, supõe que os agentes sociais atuem como forças políticas em uma situação vivida. O que especifica  o Planejamento Estratégico Situacional é a concepção básica de considerar que os vários atores sociais estão em um jogo de conflito e/ou cooperação. Ao visualizar a planificação na esfera pública, o PES supõe uma concepção de estratégia em um horizonte de indeterminação. Por conseqüência, a noção de contexto situacional, no qual os atores sociais tomam posições no espaço social, será decisiva para o planejamento situacional e de suas estratégias de programas e operações sobre o social.

    Podemos dar um passo mais na direção da governabilidade se o planejamento estratégico situacional, no setor da segurança pública, vier a implementar ações preventivas da violência e da criminalidade mediante a ferramenta dos projetos sociais e culturais. Podemos definir projetos sociais e culturais como uma tecnologia social de poder, ou seja, um processo de ação coletiva, de iniciativa estatal ou da sociedade civil, que tem como objetivo intervir para a mudança dos grupos sociais: de suas normas, relações, processos e instituições. Afora isto, se tais projetos sociais forem acompanhados de monitoramento e de avaliação sistemática, seu alcance operacional para o setor da segurança será ainda mais expressivo.

    O sentido da avaliação dos projetos sociais e culturais consiste em que os diferentes procedimentos de avaliação contribuam para aumentar a racionalidade na tomada de decisões, identificando problemas, selecionando alternativas de solução, prevendo suas conseqüências e otimizando a utilização dos recursos disponíveis.

    No caso das políticas de segurança pública, poderíamos esboçar um elenco de problemas e temas que exigem a implementação de projetos sociais e culturais, a fim de aumentar a governabilidade em tempos de crise da segurança pública. A saber:

    • Redução da exclusão social: ações para reduzir a miséria, a fome e o analfabetismo;
    • Expansão da solidariedade social, local e comunitária;
    • Incremento do emprego, da moradia, da saúde e da educação;
    • Prevenção e redução da drogadição entre os jovens;
    • Assistência social aos idosos e às pessoas portadoras de deficiências físicas ou mentais;
    • Difusão dos valores coletivos, da responsabilidade social e do desenvolvimento humano;
    • Respeito pelos direitos humanos;
    • Aumento da cidadania e da participação na vida política;
    • Expansão das ações integradas das organizações policiais;
    • Potencialização do acesso aos direitos e ao sistema de Justiça;

    Trata-se, portanto, da invenção de novas tecnologias sociais de regulação do poder, de formas de planificação, de construção da cidadania e de expansão da governabilidade; de gerenciamento de projetos; da construção de aplicativos para a análise estatística; da organização de base de dados; da análise de mensagens qualitativas não-estruturadas; e de formas de comunicação.

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    13. Conclusão

    As concepções, o processo, a metodologia e o sistema de educação policial, acima proposto, possibilitarão a construção de um saber teórico-prático processual e reflexivo, fundado no princípio da complexidade, o qual reconhece a multidimensionalidade do social, a incorporação do indeterminismo, da incerteza e do risco nas ações coletivas e a ruptura epistemológica no processo de conhecimento das situações sociais. Esta modalidade de saber teórico-prático poderá contribuir para a renovação das práticas policiais no Brasil, no sentido de adicionar-lhes qualitativamente justiça, equidade social, eficiência e eficácia, o que poderá agregar confiança e legitimidade às organizações policiais brasileiras.

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