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Insurreição Comunista de 1935
em Natal e Rio Grande do Norte

Praxedes, um operário no poder

 

Praxedes: Um Operário no poder
A Insurreição de 1935 vista por dentro

Moacyr de Oliveira Filho
Editora Alfa-Omega,1985

 

 

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8. Nas portas da Insurreição

A decretação da ilegalidade da ANL pega o comandante Roberto Sisson de surpresa, em Manaus, durante sua pregação pelos Estados do Norte e Nordeste. Ele inicia a viagem volta passando pelos mesmos lugares em que esteve na ida e em todos eles reúne-se com militantes e simpatizantes da ANL, uma tentativa de organizá-los na perspectiva revolucionária.¹

“Sisson volta do Amazonas, após o fechamento da ANL, articulando um movimento com os governadores. Chega em Natal e reúne-se conosco pedindo que ficássemos preparados porque a rebelião estava próxima. De Natal ele foi para Recife, onde tentou convencer o capitão Silo Meirelles a apoiar seu movimento militar, mas não consegue nada de positivo. Silo Meirelles o leva ao Rio de Janeiro para falar com Prestes, Agildo Barata, Trifimo Correia e Agberto de Azevedo, que decidem não apoiar o movimento proposto por Sisson por considerá-lo um salto no escuro. Antes de viajar ele deixou em Natal o jornalista Carlos Valadares para nos ajudar durante o movimento. Mesmo com a resposta negativa, Valadares decide ficar em Natal e passa a trabalhar conosco. Muita gente do Partido ficou aborrecida com essa espera. O pessoal queria pro pau mesmo” – relembra Praxedes.

Um mês depois do fechamento da ANL, em agosto, Silo Meirelles chega a Natal. Num contato com a direção do partido ele informa da existência de um articulação golpista coordenada pelo capitão Otacílio Lima, cujo objetivo principal era colocar os militantes no poder para combater a corrupção do Governo Vargas. “Decidimos fazer um manifesto para desmascarar esse golpe que estava sendo articulado” – conta Praxedes.

É exatamente depois dessa informação que o partido em Natal passa a ter contato com algumas lideranças militares que estavam envolvidas nessa articulação, entre eles o sargento, entre eles o sargento Quintino Clementino de Barros e o cabo Giocondo Dias. Segundo o relato de Praxedes, eles ficaram tomando conhecimento do trabalho desses militantes através do informe de Silo Meirelles. “O Silo nos trouxe os nomes dos militares que estavam envolvidos na articulação golpista do capitão Otacílio Lima. Esses nomes foram passados pelo próprio Otacílio ao Gregório Bezerra, em Recife. Além do Quintino e do Giocondo havia mais 12 cabos e 5 sargentos”, conta Praxedes.

O próprio Giocondo Dias confirma essas informações numa entrevista publicada em livro de 1938. “O primeiro convite que me fizeram, ainda em Manaus, foi participar de um movimento que visasse o estabelecimento de uma ditadura militar – para acabar com a corrupção – a ser estabelecido pelos elementos descontentes com o movimento de 30. Quando surge a ANL, somos convocados para uma reunião na casa de um companheiro chamado Euclides, que era primeiro-sargento. Naquela ocasião, o capitão Otacílio Lima fez uma exposição sobre a Aliança Nacional Libertadora. Quando ficaram sabendo das ligações com os comunistas, todos pularam fora, menos eu. Eu disse na hora que era comunista e que estava de acordo com a coisa. . .”, afirma Giocondo na entrevista.²

Depois dessa reunião com Silo Meirelles, o partido em Natal decidiu manifestar-se publicamente contra a articulação golpista e destacar um elemento para fazer contato com as lideranças militares. “Divulgamos um manifesto alertando a população para o risco do golpe e destacamos o camarada João Lopes, que usava o codinome “Santa”, para entrar em contato com os militares. Ele procurou o Quintino e o Giocondo e os informou que o partido não apoiava o golpe e propôs que eles ingressassem formalmente no partido. Quintino e Giocondo concordaram. Passaram todas as informações do esquema militar que estava montado para o golpe e, dias depois, num encontro comigo, que era o secretário político, eles formalizaram seu ingresso no partido. Isso foi em agosto de 1935. Junto com Quintino e Giocondo vieram mais doze cabos e cinco sargentos” – garante Praxedes.

Giocondo Dias, no entanto, dá versões diferentes, dizendo, numa entrevista sobre o movimento de 35, que o primeiro contato que teve com o partido foi através de Aluísio Campos, um candidato a deputado federal que estava na Bahia se tratando de uma tuberculose, e que lhe passava o jornal do partido, A Nação. Em outro trecho, Giocondo afirma que entrou no partido junto com o trabalho de recrutamento de cabos e sargentos para a ANL, sem, no entanto, precisar a data “Aí começamos o trabalho de recrutamento do pessoal, cabos e sargentos para o movimento da ANL Nessa época, entrei formalmente para o partido: deram-me uma ficha, eu assinei”. Em outro trecho dessa entrevista, Giocondo confunde ainda mais as coisas, quando afirma que em 1935 ‘tinha cerca de um ano e meio de partido”, informação totalmente contraditória com a anterior, uma vez que a ANL foi criada em março de 1935 e, se Giocondo diz que ingressou no partido durante esse movimento, jamais poderia ter um ano e meio de partido em 1935³.

Ao lado de toda essa agitação política que dominava o país, com a direção do Partido Comunista do Brasil passando a trabalhar na preparação de um movimento armado contra o Governo Vargas, ainda com mais intensidade depois do fechamento da ANL, no Rio Grande do Norte também vivia-se um clima de grande tensão e agitação política em conseqüência das recentes eleições para o governo do Estado. Segundo o historiador Hélio Silva, a campanha em torno da eleição indireta do governador havia sido muito violenta. O pleito foi presidido pelo interventor Mário Câmara, que tentava se eleger e contava com a simpatia do Presidente Vargas, a quem, meses antes, denunciara o risco de uma rebelião no Estado. Mário Câmara era combatido pelos elementos tradicionais da política potiguar e, sem saída, aproximou-se das forças de oposição lideradas por Café Filho4.

Durante a campanha eleitoral, os comunistas e a pequena estrutura local da ANL não tomaram partido de nenhum dos dois candidatos, atacando ostensivamente as duas facções, definidas pelos comunistas como “aglomerações heterogêneas. . . de elementos os mais reacionários, desde os grandes latifundiários feudais. . . até trabalhadores desiludidos. . . e os pequenos burgueses, que ainda não se convenceram de que é impossível resolver os problemas da fome e da miséria com reformas paliativas”. O caminho apontado pelos comunistas era claro: “Só a força das massas garantirá a execução do nosso programa”5.

Com a vitória e a posse de Rafael Fernandes se desencadeia no Estado uma feroz perseguição política a seus opositores, quase todos ligados a Café Filho. Ocorreram dezenas de demissões de funcionários públicos ligados à oposição, suspenderam-se todas as obras públicas iniciadas por Mário Câmara, provocando desemprego e ociosidade dos trabalhadores e, numa de suas primeiras medidas, o novo governo dissolve a Guarda Civil, criada por Café Filho, deixando desempregados mais de 300 homens que a integravam6. Segundo o brasilianista Robert Levine, a Guarda Civil foi dissolvida, “mas os homens não foram desarmados e, incapazes de conseguir outro emprego, passaram a rondar as ruas de Natal, sem destino certo”7. Contribuiu ainda mais para a tensão política dominantes no Estado a rebelião armada contra a posse de Rafael Fernandes, liderada pelo coronel Baltasar Meirelles, chefe político e grande proprietário de terras no Oeste do Estado. Essa rebelião visava provocar uma situação de instabilidade política que justificasse a intervenção federal, impedisse a posse de Rafael Fernandes e levasse à escolha de um novo governador8. Essa plano levava em conta, principalmente, as ligações de Mário Câmara com o presidentes Vargas, mas não surtiu efeito.

Ao lado dessa agitação política, havia também muita insatisfação nos quartéis. O 21º Batalhão de Caçadores havia-se revoltado em João Pessoas, em 1931, e seus homens foram enviados para Natal, sendo que o 29º BC, então sediado em Natal, foi deslocado para João Pessoa. Essa troca de posições não foi suficiente para conter a insatisfação reinante nos quartéis. A disciplina e a hierarquia militar estavam profundamente abaladas, ainda como conseqüência da Revolução de 30 que promoveu inúmeros, cabos, sargentos e tenentes a postos hierarquicamente superiores durante o processo revolucionário. Depois da vitória da Revolução, numa tentativa de se restabelecer a hierarquia nas Forças Armadas, esses militares passaram a ser apenas comissionados com patentes inferiores às que tinham recebido durante a Revolução, como descreve Giocondo Dias, numa entrevista: “No processo de conspiração, cabos, sargentos e tenentes passaram a exercer funções nos quadros das Forças Armadas, muito acima da graduação real. Houve cabos promovidos, comissionados a sargento, segundo-tenente e outros postos. Sargentos foram guindados ao posto de capitão e houve até casos de capitães promovidos a general de brigada, como, por exemplo, o Juarez Távora. . . No processo de estabilização do poder oriundo de 30, houve a tentativa de voltar à situação anterior, em particular no Exército. Imagine: o indivíduo participar, atinge o grau de capitão e depois da vitória o máximo que consegue é tornar-se tenente comissionado”9

Além disso, as constantes transferências e remoções de soldados para outras unidades aumentavam a inquietação nos quartéis. As precárias condições de vida no quartel e as atividades políticas dos superiores hierárquicos causavam grande indignação na tropa, contribuindo ainda mais para aumentar a agitação castrense10.

Para conter essa indisciplina militar, o presidente Vargas nomeia para o comando do 21º BC, em Natal, um oficial de sua confiança, o coronel Otaviano Pinto Soares¹¹. Uma de suas primeiras providências é mandar abrir inquérito para apurar desordens e gestos de indisciplina praticados por alguns soldados. Concluído o inquérito, anunciou-se que os culpados seriam expulsos do Exército, mas a medida não foi executada imediatamente e os punidos permaneceram no quartel¹².

O ex-presidente Café Filho, líder político do Rio Grande do Norte, acentua outros fatores que contribuíram para a eclosão da insurreição. “Dentro desse ambiente de efervescência nacional, operou-se o encadeamento dos fatores locais geradores da insurreição popular, apoiando-se, em primeiro lugar, no enfraquecimento das forças anticomunistas no Rio Grande do Norte, dilaceradas por uma luta de vida ou de morte; a irritação dos militares que iam ser expulsos do Exército, o estado de revolta dos membros da Guarda Civil dispensados em massa e a falta de medidas preventivas no 21º BC e na própria polícia, completaram o desfecho do processo de deflagração da luta. . .”¹³

No meio dessa efervescência política, o governador Rafael Fernandes, na tentativa de atacar ainda com mais vigor seu adversário Mário Câmara, dizia que o Estado havia sido transformado num “paraíso para os comunistas”14. Embora haja um certo exagero nessa afirmação, é verdade que o Partido Comunista do Brasil estava bem organizado em Natal. “Nessa época o partido estava organizado em todas as fábricas, na de sabão, na de cigarros, na de tecidos, nas prensas de algodão, nas docas, na estiva, nas Estradas de Ferro Leste Brasileiros e Central do Rio Grande do Norte, nos estaleiros, nos sapateiros, nos pescadores, na Companhia de Energia Elétrica e na Companhia de Bondes. Além disso, depois do ingresso do Quintino e de Giocondo, mais 12 cabos e 5 sargentos, passamos a ter um trabalho organizado e dirigido politicamente dentro do quartel. Os militares passaram a receber orientação política marxista-leninista e a ter vida partidária” – conta Praxedes.
O general Antônio Carlos da Silva Muricy, numa das obras militares escritas sobre a Insurreição de 1935, reconhece o peso da atividade dos comunistas: “A propaganda comunista na cidade era feita ostensivamente, inclusive em comícios públicos, um dos quais teve a garantia d própria polícia. A omissão das autoridades estaduais era completa”15. Com toda essa inquietação política, a insatisfação reinante nos quartéis e a intensa atividade de propaganda desenvolvida pelo partido, estavam sendo gestadas as condições para o desencadeamento do levante, assim que o Comitê Central determinasse.
__________

1. LEVINE, Robert M., obra citada.

2. DIAS, Giocondo, Os objetivos dos Comunistas, Artigos, entrevistas e um depoimento político, Editora Novos Rumos, 1983, São Paulo, pág. 148.

3. DIAS, Giocondo, Os objetivos dos Comunistas, Artigos, entrevistas e um depoimento político, Editora Novos Rumos, 1983, São Paulo, págs. 142 e 149.

4. SILVA, Hélio, obra citada.

5. LEVINE, Robert, M., obra citada, pág. 163, reproduzindo Diretório nacional da ANL., RJ (Sisson), “Confidencial: a ANL e a situação política do Estado do Rio Grande do Norte”, meados de 1935.

6. FURTADO, João Maria, Vertentes (Memórias), Gráfica Olímpica Editora, 1976, Rio de Janeiro, pág. 121.

7. LEVINE, Robert M., obra citada, pág. 162.

8. FURTADO, João Maria, obra citada, pág. 122.

9. DIAS, Giocondo, obra citada, pág. 142/3.

10. LEVINE, Robert M., obra citada, pág. 163.

11. SILVA, Hélio, obra citada, pág. 281.

12. CAFÉ FILHO, João, Do Sindicato ao Catete, José Olympio Editora, Rio de Janeiro, 1966, pág. 83.

13. CAFÉ FILHO, João, Do Sindicato ao Catete, José Olympio Editora, Rio de Janeiro, 1966, pág. 83.

14. LEVINE, Robert M., obra citada, pág. 163

15. MURICY, Antonio Carlos da Silva, A Guerra Revolucionária no Brasil e o episódio de novembro de 1935, Instituto Histórico e Geográfico, Natal, 1966, pág. 31.

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