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Insurreição Comunista de 1935
em Natal e Rio Grande do Norte

Praxedes, um operário no poder

 

Praxedes: Um Operário no poder
A Insurreição de 1935 vista por dentro

Moacyr de Oliveira Filho
Editora Alfa-Omega,1985

 

 

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5. Preso por ordem de Café Filho

É nesse clima de animosidade entre os comunistas e Café Filho que Natal vive o espoucar da Revolução de 1930. Numa noite do mês de novembro, o governador Juvenal Lamartine, prevendo a chegada das tropas do tenente Juarez Távora, decide abandonar o Palácio Potengi. “Quando o movimento estourou, o Juvenal Lamartine fugiu da cidade. Antes ele foi ao Palácio Potengi buscar as suas coisas, principalmente os animais que ele criava – macacos e passarinhos. Só que não teve tempo nem de tirar os bichos de lá. O povo estava chegando e ele fugiu. Foi uma festa danada. O povo invadiu o Palácio e carregou tudo, inclusive os bichos. Teve gente até que, não encontrando o Juvenal Lamartine, matou os macacos. O ódio que o povo tinha do governador era tão grande que matou os seus animais. Eu sei que a cidade de Natal amanheceu completamente sem autoridade. Tudo por conta do povo” – conta Praxedes.

“As tropas do Exército” – continua Praxedes – “estavam acantonadas na fronteira do Rio Grande do Norte com a Paraíba e quando souberam que o governador havia fugido desceram para Natal sob o comando do capitão Guerreiro. Entraram em Natal pelo bairro do Alecrim fazendo uma festa danada. Era tiro, disparo, bombas, aquela confusão toda e o povo saudando os soldados. Quando a tropa entra em Natal, aparece o João Café. Ele sabia a noite em que o movimento ia arrebentar e ficou na fronteira da Paraíba com Rio Grande do Norte esperando a hora de entrar junto com as tropas em Natal. Triunfante! Quando Café apareceu, o povo delirou, tudo dirigido pelos puxa-saco dele. ‘Viva Café Filho. João Café no governo’, gritava a massa”.

“Imediatamente foi todo mundo para o quartel” – prossegue Praxedes – “procurar o capitão Guerreiro, que comandava as tropas, para tentar empossar formalmente João Café como governador do Estado. O diálogo entre os dois foi meio duro. O Café disse que o povo queria que ele assumisse o governo e o capitão Guerreiro respondeu secamente: ‘A ordem que eu tenho do general Juarez Távora é que o governador será escolhido pelo comando e enviado pra cá depois’. Ele disse isso na cara do João Café e na frente de todo povo que foi ao quartel. O povo protestou. E Café disse que ia até Recife falar com Juarez Távora”.

Os militantes do partido acompanharam de perto tido essa movimentação, registrando os fatos para servir de base a um manifesto que seria divulgado ao povo de Natal no dia seguinte. “Eu fiquei lá no meio do povo, tomando nota de tudo. Uma espécie de repórter” – brinca Praxedes. O partido tirou posição contrária ao movimento, pois achava que nada seria resolvido com a Revolução. “Na nossa análise, aquele movimento não iria adiantar nada. Apenas serviria para colocar no poder gente que também era inimiga do povo”, analisa Praxedes.

Com base nessas observações, os comunistas fizeram um manifesto, redigido pelo estudante Benildes, membro da Juventude do partido, atacando o movimento e particularmente a Café Filho. “O volante dizia que tinha acabado de se consumar mais um ato cujo objetivo era manter a situação de miséria dos trabalhadores. Mostramos que os trabalhadores não iam ser beneficiados com aquele movimento e desmascaramos João Café como um oportunista que só queria subir ao poder. No dia seguinte nós distribuímos o volante e surtiu um efeito danado. O João Café ficou queimado com a gente” – conta Praxedes.

Mesmo sem conseguir assumir o governo, Café Filho foi a Recife procurar Juarez Távora para reivindicar o cargo. “O discurso dele é um só. Ele se achava o único elemento verdadeiramente revolucionário de Natal e por isso reivindicava o governo. Na verdade, Café Filho era como o Maluf, um Maluf papa-jerimum. Louco pelo poder” – diz Praxedes.

Nesse encontro com Juarez Távora ficou decidido que Café Filho não seria o governador, mas ganhou o cargo de chefe de polícia. O governo ficou com Irineu Jofilly. Entre os argumentos apresentados por Távora estava o das ligações de Café Filho com os comunistas, ainda no tempo da Federação dos Trabalhadores. Segundo Praxedes, ao ser nomeado chefe de polícia, Café Filho recebeu uma instrução precisa: mostrar na prática que não tinha nenhuma ligação de fato com os comunistas. E Café Filho cumpriu com rigor a sua missão.

“Ele tomou posse no dia 5 de dezembro e a primeira coisa que fez foi mandar me prender” – recorda Praxedes. “Nesse dia nós estávamos reunidos discutindo exatamente a posição que o partido iria tomar contra a nomeação de Café como chefe de polícia. A reunião foi na casa do Agostinho, um mestre ferreiro da Estrada de Ferro Central do Rio Grande do Norte. Eu saí de lá perto de meia-noite e tive que andar uns 5 quilômetros até chegar na minha casa. Eu vinha andando tranqüilo e quando me aproximo de casa surgem soldados de dentro do mato e me prendem. Um soldado me prendeu pelo braço e pediu: “Olha, chefe, não resiste”. Eu sabia que aquilo era coisa do Café e resolvi engrossar, gritando que Café era um falso, um traidor e dando vivas ao Partido. Eles me levaram e me colocaram no xadrez da delegacia.”

“Umas duas horas depois” – prossegue Praxedes – “aparecem seis soldados armados de fuzis e um tenente que me pergunta se eu era o sapateiro José Praxedes. Eu digo que sim. Eles me tiram do xadrez para ser interrogado. O tenente diz que eu estou sendo acusado de ser comunista e líder do grupo comunista de Natal. eu pergunto quem está fazendo essa acusação e ele responde que é o chefe de polícia, João Café. Então eu digo que não sou comunista e que sempre trabalhei com João Café na Federação ouvindo ele falar que era maximalista, essa coisa toda. O tenente pergunta se eu conhecia algum comunista. Eu digo que não: – o pessoal que eu conheço é o pessoal que trabalhava com Café, respondo. Fica por isso mesmo e me mandou de volta para a cela. No dia seguinte, às oito horas da manhã, me chamam para outro interrogatório com as mesmas perguntas. A polícia de lá não tinha experiência com preso político. Eu logo notei isso. Era uma coisa nova para eles.”

“No dia seguinte, quando eu não esperava mais nada, chegam dois tiras de fora, inclusive um tal de João, de Mossoró, que era um desocupado por lá e que Café transformou em chefe da Guarda Civil. Esse sujeito já me conhecia e diz: “José, você nos acompanhe”. Me colocaram num carro e me levaram para o Esquadrão de Cavalaria. Me entregaram para o oficial de dia e eu fiquei preso lá uns 15 dias sem que ninguém me interrogasse, nem nada. Um dia chega um sargento e diz que eu vou ser solto. Me manda de volta pra casa”.

Libertado, Praxedes é recebido com festa pelos seus camaradas – “Os companheiros bateram palmas quando eu cheguei, me abraçaram, fizeram uma festa danada” – lembra Praxedes. A sua prisão foi noticiada pelo jornal A República, dizendo que o sapateiro José Praxedes tinha sido preso acusado de ser comunista e que a polícia estava investigando a extensão da propaganda comunista em Natal, mas ainda não havia conseguido muita coisa.

A prisão não intimidou Praxedes que continuou dirigindo o trabalho de organização do Partido Comunista do Brasil. o governo do Estado, preocupado com a pobreza que ainda era grande, decidiu montar uma frente de trabalho para gerar empregos na construção de uma estrada de rodagem ligando Natal a Macaíba, com uns 30 quilômetros de extensão. Naquela época o afluxo de migrantes do interior de Natal era muito grande, atraídos pelas promessas de melhores dias feitas pelo governo revolucionário. Os comunistas aproveitaram essa mobilização e se alistaram na frente de trabalho procurando mobilizar os trabalhadores.

Para o dia 25 de março de 1931, dia da fundação do partido, foi programada uma manifestação em nível nacional denominada “A Marcha da Fome”. No dia programado para o Marcha, Praxedes é novamente preso. “Eu estava trabalhando na Fábrica de Calçados Frei Miguelin quando chega a polícia e me leva preso. Eles me prenderam antes da marcha sair de um lugar chamado Peixe-Boi, no km 6 da estrada, nas margens do rio Potengi. Eles me prenderam logo. Queriam saber se eu estava na organização da marcha. Eu me livrei fácil, dizendo que não sabia de nada. Como poderia saber se eu nem estava na marcha. A marcha já estava saindo e eu estava lá na fábrica trabalhando. A conversa colou e eles me soltaram logo” – conta Praxedes.

“A Marcha da Fome” causou grande repercussão em Natal. Saindo da localidade chamada Peixe-Boi, no quilômetro seis da estrada de rodagem Natal-Macaíba, entrou na cidade pelo bairro do Alecrim e foi reprimida pela polícia já no centro de Natal nas proximidades do quartel. Na frente da Marcha vinha um indivíduo com uma bandeira e um cartaz onde se lia: “Quero pão, estou com fome, quero pão”. O homem com a bandeira foi o primeiro a ser preso. O tenente que interrogou Praxedes dizia que a marcha tinha sido uma verdadeira “revolução”. “Se eles tivessem encontrado armas iria ser um massacre”, disse o tenente a Praxedes.

Essa, no entanto, não seria a última prisão na vida de Praxedes. Em 1932, no meio da movimentação gerada pela Revolução Constitucionalista de São Paulo, Praxedes voltaria a ser preso novamente por ordem direta de Café Filho, que voltou à Chefatura de Polícia, designado pelo tenente Ernesto Geisel, Secretário de Interior e Justiça da Paraíba e Rio Grande do Norte. Nessa época, o partido também ficou contra o movimento paulista e pregava uma posição de neutralidade. A atividade de propaganda era intensa, com os militantes fazendo freqüentes comícios-relâmpagos pelas ruas de Natal, onde era intenso o movimento de tropas com destino a São Paulo. No meio dessa agitação, Praxedes é preso de novo.

“O Café mandou um sujeito, que era cunhado de um sapateiro, me buscar na fábrica e imediatamente me levaram até ele na Chefatura de polícia. Chegando lá, me mandou sentar e disse descaradamente: “Mandei-o buscar para lhe pedir uma trégua”. Foi a primeira vez que eu estive frente a frente com ele. Imagine só, eu preso, e ele me pedindo uma trégua. Ele disse que queria uma trégua porque precisava vencer os riscos de São Paulo. Eu respondi que não estava entendo o que ele queria. Disse que era preciso não só vencer os riscos de São Paulo, mas também os riscos de Natal. Porque ali não havia mudado nada. Ele respondeu que toda causa tem os seus mártires e encerrou a conversa, mandando me soltar – recorda Praxedes.

Solto, Praxedes volta para a fábrica e é recebido com surpresa pelos seus colegas. “Ué, já voltou? O que é que houve?” – lhe pergunta o dono da fábrica, um paraibano chamado Orestes Galvão. Praxedes conta que João Café o havia chamado para lhe pedir uma trégua e Galvão desabafa: “Que baixeza desgraçada. Como é que um chefe de polícia prende alguém para pedir uma trégua? Esse sujeito não é de nada”.

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