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Insurreição Comunista de 1935
em Natal e Rio Grande do Norte

Praxedes, um operário no poder

 

Praxedes: Um Operário no poder
A Insurreição de 1935 vista por dentro

Moacyr de Oliveira Filho
Editora Alfa-Omega,1985

 

 

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2. Nas pegadas de Poty


No dia 6 de abril de 1900 – alvorecer de um novo século –, na aldeia velha da lagoa de Pajuçara, na margem esquerda do Rio Potengi, distrito da Vila dos Tremoços, nascia José Praxedes de Andrade. Começava ali uma longa e agitada trajetória de vida. Descendente direto dos índios potiguares, o menino Praxedes nascia no seio de uma pobre família de origem camponesa. Seu pai trabalhava na roça, arando um pedaço de terra de propriedade da família. Morando numa casa de taipa, a família dedicava seu tempo à criação de bois, cabras e porcos. “Era pouca coisa. Só dava mesmo para o consumo da família”, conta Praxedes. As terras de seu pai ocupavam uma extensão de aproximadamente um quilômetro, acima da foz do rio Redinha até a Lagoa do Gramoré.

Foi assim que, em permanente contato com a natureza, apanhando caju, mangaba e baticutá, o menino Praxedes viveu os primeiros anos de sua vida. Mas essa aparente tranqüilidade familiar não iria durar muito. Aos 5 anos perde seu pai, e aos 9 sua mãe. Com a morte de seus pais, é levado para casa de seu padrinho, o líder católico Cândido Henrique Medeiros, membro da Irmandade do Senhor dos Passos e presidente da Sociedade de São Vicente de Paula, que passa a ser o responsável pela educação do menino.

Essa mudança seria decisiva para a sua formação. Seu padrinho era um influente líder político de Natal e Praxedes passa, então, desde cedo, a conviver intimamente com as conversas e as articulações políticas destinadas a sedimentar no Norte a República recém-fundada. Na verdade, o seu interesse pela política e pelas coisas de sua terra começou bem cedo, ainda na escola primária, e teve um inspirador nativo: o índio Poty, herói da luta contra os invasores holandeses.

“À medida em que eu fui compreendendo e tendo lições sobre a descoberta do Brasil, ouvindo as histórias dos índios potiguares que habitavam as margens do rio Potengi, exatamente no lugar onde nasci, vendo com meus próprios olhos os vestígios de sua civilização, minha cabeça passou a trabalhar em cima dessas informações. Cada vez que ouvia falar das aventuras do índio Poty aumentava meu espírito de nacionalismo e de amor pelo lugar onde nasci. Poty, sem dúvida, foi o meu primeiro herói e um dos principais responsáveis pelo meu interesse pela política” – relembra Praxedes.

Do interesse à prática não demorou muito. O país vivia a efervescência da construção do regime republicano e da luta contra as velhas oligarquias do Império. Em Natal, o capitão J. da Penha, líder republicano, puxava o coro do combate contra a oligarquia Maranhão que dominava o Estado desde os tempos do Império e tentava se manter no poder através da figura de Pedro Velho de Albuquerque Maranhão, um dos fundadores da República em Natal.
Em 1912, o capitão J. da Penha levantou-se contra a oligarquia Maranhão, lançando a candidatura de Leônidas da Fonseca – filho do Marechal Hermes da Fonseca – ao governo do Estado contra a do então governador Alberto de Albuquerque Maranhão, filho do velho Pedro Maranhão. A campanha política pega Praxedes no auge de seu ardor cívico e nacionalista, inebriado pelas histórias corajosas e rebeldes do índio Poty. “Nessa época” – conta Praxedes – “tinha uma compreensão exata do lugar onde nasci, da luta dos meus antepassados e acompanhei com interesse especial toda essa movimentação política”.

Mesmo com apenas 12 anos de idade, o menino Praxedes, seguindo os passos do padrinho e as lições de Poty, engaja-se na campanha pela candidatura de Leônidas da Fonseca, que representava a luta do novo regime republicano contra as velhas oligarquias do Império. “Fui um dos ardorosos propagandistas da candidatura de Leônidas” – diz Praxedes. “Cheguei mesmo a fabricar emblemas para a sua campanha. Com um casco de cuia desenhava uma circunferência, cobria com um pano vermelho e desenhava três galões dourados que era o emblema do capitão J. da Penha. Esses desenhos eu vendia, usava no peito, pregava nas paredes. Foi a minha primeira atividade de agitação e propaganda”.

Além do seu trabalho particular de propaganda, o menino Praxedes também ia aos comícios promovidos pelo capitão J. da Penha e entusiasmava-se com os discursos, com o movimento. Assim, aos poucos, ia tomando contato direto com a agitação política que o acabaria acompanhado durante a vida. Nessa campanha, Praxedes presenciou pela primeira vez uma violência política.

Irritado com as críticas e acusações de J. da Penha, o governador Alberto Maranhão ordenou a prisão do adversário. É Praxedes quem relembra o episódio: “A casa onde o J. da Penha estava hospedado foi cercada pela polícia. Era aproximadamente cinqüenta homens. Isso durou quase quinze dias. J. da Penha lá dentro sem poder sair e a polícia cercando a casa. Um belo dia, o governador deu ordem para que os policiais abrissem fogo contra a casa. Foi uma fuzilaria danada que durou mais de meia hora e se ouvia a três quilômetros de distância. Arrebentaram os fios de energia elétrica, pintaram o diabo. De manhãzinha levaram o J. da Penha”.

Depois dessa experiência, Praxedes teria o seu caminho propositadamente desviado por seu padrinho que, na esperança de transformar o afilhado em padre, decidiu colocá-lo na escola religiosa. Ali, Praxedes aprendeu a ajudar missa e virou o primeiro acólito do cônego Estêvão José Dantas. Ao mesmo tempo, foi trabalhar com o padrinho na Sociedade de São Vicente de Paula, ajudando nas tarefas assistenciais da entidade. “Todos os domingos eu ia visitar os velhinhos, conversava com eles e lhes levava cartões para a compra de gêneros alimentícios nos armazéns da Sociedade”. Assim como havia se entusiasmado com a campanha política, Praxedes também foi um coroinha dedicado e durante três anos ajudou as missas do cônego Estêvão Dantas, que eram rezadas no cemitério do bairro do Alecrim, onde, na época, não havia igreja. “Eu poderia ter sido padre mesmo. Não tinha problema. Gostava daquilo. Aprendi latim e fiquei entusiasmado”, rememora. “Meu padrinho queria que eu fosse padre mas não forçava nada. Eu nunca disse a ele que não queria ser padre, simplesmente fui deixando a coisa correr e pronto”.

A atividade religiosa de Praxedes acabou se transformando no seu primeiro ganha-pão. Em 1915 foi nomeado um padre alemão para a Freguesia do Alecrim, frei Fernando Noff, que recebeu a missão de edificar a igreja do bairro. Praxedes foi, então, deslocado para ser o cônego do cemitério. “Passei a ajudar as missas do padre Noff, que era rezadas numa palhoça erguida na praça José Américo, onde seria construída a igreja. Nessa época comecei a ganhar dinheiro ajudando nas missas e nos batizados. Por batizado ganhava 200 réis – conta Praxedes.

Dessa época, Praxedes se recorda de uma curiosidade. A Igreja não permitia que ninguém fosse batizado com o nome de Cícero porque o Vaticano havia expedido uma Bula Papal excomungando o famoso Padre Cícero. Comenta Praxedes: “Vi muitas vezes o padre Noff se recusar a batizar crianças com o nome de Cícero e as mães saírem muito bravas. Às vezes elas culpavam o alemão, mas o padre não tinha nada com isso. Coitado, estava apenas cumprindo ordens do Papa”.

Antes do padre alemão deixar a cidade, ele queira ver cumprida a sua tarefa e entregar uma Igreja ao bairro de Alecrim. Todo o povo o ajudou nessa missão. “Todos os domingos nós íamos buscar tijolos e telhas numa canoa num lugar chamado Barreiros, às margens do rio Potengi. Isso era uma verdadeira festa. Aquela gente toda acompanhava o padre rio acima e trazia três, quatro ou mais canoas cheias de tijolos e telhas. Aos poucos a igreja foi tomando forma até que ficou pronta. A Igreja de São Pedro, que eu ajudei a construir. Era uma igreja muito bonita, em estilo gótico” – recorda Praxedes.

Ainda quando estava trabalhando na Igreja, Praxedes começou a aprender aquele que seria o seu ofício por toda a vida. Em 1916, seu padrinho o matricula na Escola Técnica de Aprendizes e Artífices do Rio Grande do Norte, onde ele fez o curso de desenho e modelagem de calçados. “Cursei os quatro anos tirando notas boas” – garante Praxedes.

Foi quando cursava a Escola Técnica que as primeiras notícias da Revolução Russa de 1917 chegam ao Brasil, ainda de forma discreta, tímida, dissimulada. Mesmo assim, Praxedes consegue captar nas entrelinhas dos jornais o verdadeiro significado histórico daquele acontecimento e isso provoca outra transformação importante em sua cabeça.

“Eu já tinha aquela coisa do Poty e do Frei Miguelin, herói da Revolução de 1817, a Confederação do Equador na cabeça e quando comecei a ler sobre a Revolução Russa fiquei ainda mais animado. Consegui entender o que estava acontecendo por lá e, então, passei a pregar entre os colegas da escola a defesa da Revolução Russa, a necessidade dos operários se organizar também aqui no Brasil para conquistar o poder. Foi uma coisa espontânea, que surgiu naturalmente dentro de mim. Ninguém me falou nada, me ensinou nada. Apenas lia as notícias nos jornais e ficava entusiasmado. Era como se o índio Poty estivesse no meio daquele movimento” – conta Praxedes.

As notícias sobre a Revolução Russa chegavam a Natal através de poucas linhas publicadas no jornal A República, o jornal oficial do Rio Grande do Norte. “O jornal dizia que os anarquistas tinham usurpado o poder na Rússia e quando lia isso ficava danado porque achava que eles tinham tomado o que era deles mesmo” – conta Praxedes. “Comecei a achar que aquilo estava certo e que nós poderíamos tentar fazer o mesmo no Brasil. Até aí não tinha lido nada sobre marxismo. O que eu sabia era coisa da minha cabeça mesmo, coisa que eu sentia dentro de mim. Nessa época só havia lido “A Bíblia” e os livros escolares. Mais nada. O meu entusiasmo pela Revolução Russa foi totalmente espontâneo”.

Foi assim, de forma simples e espontânea, que Praxedes tomou pela primeira vez em sua vida contato com as teses marxistas. Nessa época, ele ainda era um sujeito muito religioso, mas as informações de que os operários haviam tomado o poder na Rússia o entusiasmavam. Depois de formado, decidiu alistar-se como Voluntário no Exército, onde ficou até agosto de 1921, quando deu baixa. “Depois que deixei o Exército é que fui ver se a arte que eu tinha aprendido na escola servia para alguma coisa”, conta. Logo consegue emprego numa fábrica de calçados e vai trabalhar pela primeira vez como modelador, levando nas mãos a arte aprendida na Escola Técnica e na cabeça as idéias efervescentes da Revolução Russa e dos ensinamentos do índio Poty.

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