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Insurreição Comunista de 1935
em Natal e Rio Grande do Norte

Praxedes, um operário no poder

 

Praxedes: Um Operário no poder
A Insurreição de 1935 vista por dentro

Moacyr de Oliveira Filho
Editora Alfa-Omega,1985

 

 

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13. E Praxedes vira Eduardo

Constatada a derrota do movimento insurrecional e distribuído o dinheiro entre os últimos militantes, Praxedes inicia sua fuga, levando consigo, alem de algum dinheiro, um 38 cano longo e munição. Ele saiu a pé, alta madrugada, atravessando a ponte da Estrada de Ferro Central do Rio Grande do Norte sobre o rio Potengi, em direção a Pajuçara, onde moravam seus familiares. “Cheguei lá quando o dia já estava amanhecendo e procurei um primo meu chamado João. É claro que eu não poderia ficar morando na casa dele porque chamaria muito a atenção. Fiquei escondido no meio do mato, morando numa barraca pintada de verde para confundir com as folhagens da mata. Dormia quase que o tempo todo, me alimentava de frutas e da comida que meu primo me levava, escondido. Fiquei nessa situação de 27 de novembro até fins de maio de 1936, escondido no meio do mato como um bicho” – relembra Praxedes.

Em maio de 1936 chega a Natal um camarada do partido à procura de Praxedes e consegue localizar seu esconderijo a partir de algumas informações de sua companheira na época, Virgínia. “Esse companheiro era um marítimo que atendia pelo apelido de ‘Gaguinho’. Ele me localizou e disse que os camaradas do Comitê Central estavam querendo que eu fosse encontrá-los em Recife. Além disso, perguntou pelo dinheiro e eu disse a ele o nome de algumas pessoas que ficaram com o dinheiro que nós distribuímos, entre elas a minha companheira. Ele se encarregou de contactar com essas pessoas para recolher o dinheiro e eu comecei a me preparar para viajar” – conta Praxedes.

“Uns dois dias depois” – prossegue Praxedes – “no meio da noite, comecei a viagem. Sempre a pé. Andei a noite toda e amanheci o dia numa estação ferroviária chamada Pitimbu, doze quilômetros depois de Natal. Quando clareava eu entrava para dentro do mato e dormia. Quando anoitecia prosseguia a viagem. Aí passei por São José do Mipibu, pelo rio Trairi, por Sapé, Baldun, Estiva, Goianinha, chegando a Nova Cruz, na fronteira com a Paraíba, onde tem uma estação da Great Western chamada Caiçara. Era alta madrugada e eu estava muito cansado e resolvi deitar para tirar um cochilo em cima de uma laje que ficava na beira da estrada de ferro. Quando é de manhãzinha, acordo com um cheiro danado de pão fresco. Me levanto e, apesar da fome, caio fora da estrada e continuo andando mais um pouco por dentro do mato. Quando estou uns cinco quilômetros depois da estação, numa subida muito íngreme, vem vindo um trem bem devagar, batendo prego para vencer a subida da rampa. Um soldado da polícia que estava no último vagão me vê andando com um saco nas costas, um chapéu de palha e um guarda-chuva e grita pra mim: ‘Aproveita rapaz. Sobe’. Resolvi arriscar. Já estava fora do Rio Grande do Norte mesmo e dificilmente seria reconhecido ali. Subi no trem e fui de carona até João Pessoa”.

“Cheguei em João Pessoa na hora do almoço. Estava com uma fome danada e fui comer uma moqueca de sanhoá ali mesmo na estação, feita por uma senhora gorda. Enquanto saboreava a moqueca pensei comigo mesmo: ‘Estou salvo. Agora estou em casa’. Me informei aonde era a Estação Rodoviária, comprei uma passagem de ônibus e fui me embora para Recife”.

Chegando em Recife, Praxedes vai para a casa de uma tia onde passa a noite. No dia seguinte, sai à procura do endereço que lhe havia sido dado pelo camarada do partido que o localizou em Natal. “Quem estava lá me esperando era o próprio ‘Gaguinho’ que imediatamente me leva ao Comitê Central, na época o Bangu, o Heitor Guimarães, que usava o codinome de Martins e um português, que era mestre de bordo, cujo nome não me lembro. Nessa reunião fiz um relato detalhado de toda a insurreição. Tim-tim por tim-tim Sem acrescentar, nem esconder nada. Contei tudo exatamente como havia acontecido. Os três ficaram impressionados com o meu relato, principalmente com a atitude tomada pelo Giocondo e me disseram que esse comportamento dele era injustificado. Eles disseram que Giocondo seria expulso do partido” – relata Praxedes.

Depois dessa reunião, Praxedes é deslocado para Maceió, com a tarefa de ajudar na reorganização do partido em Alagoas. Fica em Maceió de junho de 1936 a junho de 1937 quando, então, é deslocado para Salvador. Durante sua passagem por Maceió, Praxedes viveu na mais absoluta clandestinidade, inteiramente dedicado às suas tarefas partidárias, usando o codinome de Silva, no lugar do Mamede, nome de guerra que utilizou durante a Insurreição.

Em Salvador, a vida de Praxedes iria tomar outros rumos. Usando o nome falso de Eduardo Pereira da Silva, ele arruma emprego como modelador na Fábrica de Calçados Selma e uma feliz coincidência o ajuda definitivamente a apagar oficialmente o peso de seu nome. O sapateiro José Praxedes de Andrade, um dos líderes da Insurreição Comunista de 1935, deixaria de existir como pessoa jurídica. “Em 1938 o governo cria as Delegacias Regionais do Trabalho e aparece um fiscal lá na fábrica para regularizar a documentação dos empregados. Eu não tinha nenhum documento e aproveito a oportunidade para tirar uma Carteira Profissional, com o nome de Eduardo Pereira da Silva, filho de Manoel Pereira da Silva e Maria Madalena Pereira da Silva. Foi uma sorte danada. Ali mudei formalmente o meu nome e fiquei com ele para sempre. Deixei de ser o José Praxedes de Andrade. O primeiro documento que tive depois da Insurreição foi essa Carteira Profissional e fiquei com ela até hoje. Não mexi mais com esse negócio de documento”.

Depois da derrota da Insurreição e de sua fuga de Natal, na madrugada do dia 27 de novembro de 1935, Praxedes nunca foi preso, conseguindo sobreviver na clandestinidade durante quase 50 anos, com o nome falso de Eduardo Pereira da Silva ¹. Embora o cineasta Nelson Pereira dos Santos tenha incluído em seu filme “Memórias do Cárcere” uma cena em que Praxedes aparece respondendo a chamada dos presos no porão do navio “Manaus”, isso efetivamente não ocorreu. Tanto que o nome de Praxedes não é citado no texto do livro de Graciliano Ramos. Dos rebeldes de Natal, aparecem nas páginas de “Memórias do Cárcere” apenas os nomes de Lauro Lago, José Macedo, Leonila Felix, Epifânio Guilhermino e Domício Fernandes” ².

Durante os anos negros do Estado Novo, Praxedes ficou afastado da linha de frente da atividade partidária. Com a conquista da legalidade em 1945 retoma sua atuação no partido, ficando responsável pela organização dos quadros partidários entre os estivadores de Salvador. Nessa época, desenvolve intensa atividade, sempre como militante de base, atuando no movimento sindical e ajudando a organizar, na periferia de Salvador. Sua casa era utilizada como aparelho do partido e Praxedes fica responsável, também, pela distribuição de ‘A Classe Operária’. “Eu apanhava os jornais no porto das mãos de um estivador chamado Vicente Ferreira e controlava a sua distribuição entre os organismos do partido” – recorda Praxedes. Chega ainda a fazer parte do Comitê Distrital de Salvador, na época da legalidade.

Ao lado da atividade partidária, Praxedes continua exercendo a sua profissão de modelador de calçados. Com o dinheiro das primeiras férias recebidas na Fábrica de Calçados Selma, compra uma máquina de modelagem e monta o seu próprio negócio, batizando-o de Calçados Telma, o que provoca um protesto do dono da fábrica onde trabalhava, sob a alegação de que os nomes eram semelhantes.

O golpe de 1964 o apanha em plena atividade partidária, mas Praxedes escapa ileso. Ele conta: “Minha casa ficava perto do Sindicato das Docas, que foi invadido pela polícia. Quando vejo aquilo decido acabar com todos os meus livros, jornais e papéis, com medo de ser preso”.

A idade avançada e as dificuldades crescentes impostas pela ditadura à atividade dos comunistas, ao lado das divergências ocorridas no partido, vão, aos poucos, afastando Praxedes da atividade partidária. Até o começo da década de 80 ele ainda trabalhava na sua oficina de sapateiro. Em 1981, ficou gravemente doente, com a anemia crônica que o atormentaria até a final da vida, e problemas pulmonares sérios. Impossibilitado de trabalhar e esquecido pelos seus antigos companheiros, Praxedes vive com estremas dificuldades. Morava numa casa em Camaçari e consegue vendê-la para comprar a pequena casa em Mapele onde terminaria seus dias.

Embora afastado da atividade partidária, Praxedes acompanha com interesse a evolução da política brasileira. Lê jornais diariamente e assiste aos noticiários da televisão. Seu único contato com o mundo exterior se dá através de visitas esporádicas que um antigo companheiro dos idos de 35 lhe faz em sua casa de Mapele. Numa dessas visitas, o amigo leva junto seu filho, o metalúrgico e dirigente sindical José Costa e o líder metalúrgico e dirigente sindical José Costa e o líder metalúrgico Edvaldo, que acabam sendo co-responsáveis pela redescoberta de José Praxedes de Andrade.

Depois de nosso contato para gravar esse depoimento, em novembro de 1984, Praxedes adquire novo entusiasmo. Embora muito doente, se excita com o trabalho que começávamos a fazer e fazia planos para o futuro. Queria rever Natal, coisa que havíamos programado fazer em janeiro de 1985, depois da reunião do Colégio Eleitoral. Falava em transformar este livro num filme, contanto sua vida e as histórias da Insurreição de 1935. Comentava com alegria a campanha de Tancredo Neves, a perspectiva concreta de vitória e alimentava um sonho de voltar à atividade política, apesar da idade e da doença, retomando seu contato com o Partido Comunista do Brasil.

Todos esses projetos ficaram definitivamente adiados. No dia 11 de dezembro de 1984, José Praxedes de Andrade não resiste à doença e falece. No seu enterro, porém, iria realizar um dos seus projetos. O Partido Comunista do Brasil assume a organização dos funerais, dando todo o apoio e respaldo à sua família e convocando a imprensa para a cobertura do evento. À beira do túmulo, diversos oradores reverenciam a memória de Praxedes, e um deles, o deputado federal Haroldo Lima, falando em nome, à época, da Comissão pela Legalidade do PC do Brasil, saúda a luta daquele sapateiro anônimo e destaca que, naquele momento, simbolicamente, José Praxedes de Andrade se reencontrava na beira do túmulo com o seu partido, o Partido Comunista do Brasil. Sobre o caixão, uma coroa de flores se destacava, com os dizeres: “A José Praxedes de Andrade, companheiro de lutas, as derradeiras homenagens do Partido Comunista do Brasil”.

__________

1. Ver nota 6 da Introdução, pág. XV.

2. RAMOS, Graciliano, Memórias do Cárcere, volume I, Editora Record , Rio, São Paulo, 10ª edição, 1977, págs. 123/4, 131, 138, 143, entre outras.

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