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Insurreição Comunista de 1935
em Natal e Rio Grande do Norte

Lauro Reginaldo da Rocha - Bangu

 

 

 

Bangu, Memória de um Militante
Brasília Carlos Ferreira – Organizadora, 1992

 

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Prefácio de Brasília Carlos Ferreira

 


“O passado traz consigo um índice misterioso que o impele à redenção”.
(Walter Benjamim, II Tese)

Lauro Reginaldo da Rocha, Bangu. Quantos de nós que estudamos a história dos trabalhadores de nosso país, ou que militamos nos movimentos ligados a tais personagens, poderemos dar significado, materialidade a esse nome? Ou, dito de outra forma, quantos de nós conhecemos o mossoroense, o operário, o sindicalista, o militante político, o Secretário Geral do PCB aos 24 anos, o hóspede involuntário de tantas prisões, onde viveu a experiência da violência repressiva até o limite da tortura, o homem? Não muitos, infelizmente.

E no entanto, ele existiu e dedicou toda a sua vida a uma militância que rompendo barreiras geográficas esteve no interior de episódios marcantes, qualificando-o como personagem e expectador privilegiado, de um período fundamental de nossa história política: os anos 30. Seja como militante operário, envolvido na organização de seus iguais, seja como militante partidário, empenhado na formação de uma identidade política coletiva, numa trajetória que caminhou sempre na direção da construção de uma precoce cidadania, nesse ainda hoje, imenso país de não-cidadãos.

Essa vida e esse anonimato são aqui resgatados, através de sua memória. E paradoxalmente, esse olhar que se estende em direção ao passado nos remete e volta ao presente, trazendo consigo a urgência de algumas reflexões. Porque apresentar estas memórias é também tocar diretamente a questão essencial do mundo moderno: a relação entre o indivíduo e a história. Ou, posto de outra maneira, a contradição entre o homem objeto e o homem sujeito, aqui resgatado pela lembrança. O percurso que fazemos entre o indivíduo e sua obra, embora nos delineie um cenário fragmentado por ações incompletas e intenções irrealizadas, também nos resgata a esperança, ao mostrar que o homem pode ser sujeito. E é um homem sujeito que estamos dando a conhecer.

Tentamos delinear em traços largos sua trajetória, e ao final teremos um personagem completo: daqueles que para além de uma ação significativa, existe como pessoa de uma forma ainda mais forte e marcante.

Sua história começa em Mossoró, oeste do Rio Grande do Norte nos anos 20, cumprindo o que se espera de um ser nordestino: filho de uma família numerosa, pobre, que sofre a primeira perda afetiva logo cedo, seu pai, a doença cerceando a vida. Estudando com dificuldades, trabalhando desde logo nas tarefas compatíveis com sua idade, e a seguir desempenhando formas diversas da luta pela sobrevivência: pintor de paredes, agricultor, professor, tipógrafo.

Acompanhar sua história, relatada por ele mesmo nestas memórias, foi uma forma de materialização de relatos descontínuos apreendidos aqui e ali, no decorrer de uma pesquisa sobre os trabalhadores em salinas de Mossoró nos anos 30. Das entrevistas, dos depoimentos, dos relatos, emergia com insistência a grafia e o som de uma palavra já então transformada em um qualificativo que se referia a muitas e diversas lutas: os Reginaldo. Àquela época, me chamava a atenção o tom de intimidade com que as lembranças resgatavam esse sobrenome. Os prenomes eram muitos: Antônio, Raimundo, Glicério, Reginaldo. Lauro, Amélia, Jonas... Eram tantos que parecia estar sempre em todos os lugares, em todos os fóruns, em todas as arenas onde mais que os trabalhadores, os pobres de todas as categorias e de todas as origens, reafirmavam e manifestavam de alguma forma sua condição humana. E fomos ficando íntimos. Ao final do trabalho, eu já poderia relatar suas vidas como se fossem pessoas próximas, familiares. E essa intimidade com a família cujos rostos desconhecia, longe de me satisfazer mais e mais aguçava a minha curiosidade e meu interesse.

A pesquisa foi concluída e a lacuna permaneceu: apesar do cerco montado, quando já estava bem próxima a oportunidade de conhecer um dos membros da família, - Lauro, o único sobrevivente dos irmãos Reginaldo e o que pelos relatos de que dispunha tivera a trajetória mais expressiva – questões de ordem privada me afastaram do alvo ansiosamente perseguido. Somente quase 10 anos depois, conseguiria encontrá-lo. A mim me chamava a atenção que uma figura que tivera uma vida pública Secretário Geral do PCB por duas vezes, em período singular da atuação daquele Partido, alem de uma intensa experiência organizativa junto aos trabalhadores, fosse tão desconhecido, tão ausente dos círculos dos iniciados na militância e na história, tão desapercebido em sua existência.

Ao conhecê-lo enfim, ao final dos anos 80, pude rapidamente entender o motivo de sua ausência. E onde a minha fantasia construíra a imagem de um homem alto, de fala forte e incisiva, transmitindo determinação e dureza, encontrei uma figura pequena de uma fragilidade física marcante, tímida, e extremamente modesta. A emoção que senti ao apertar sua mão – aquela tão íntima de quantos se embrenham nas veredas agrestes da pesquisa de reconstrução histórica, ao se ver frente a frente à sua presa intensamente perseguida e afinal alcançada – confundiu-se com uma enorme perplexidade. Assim era ele, mas não era ele. Foi preciso algum tempo para que o meu foco se ajustasse à pequenez da imagem ali enquadrada.

Quando começamos a conversar, aquela voz pequena, quase sussurrante, mais e mais me desconcertou. Onde eu buscara um leão, encontrara a figura amena e pacífica de um cordeiro. Aos poucos fui saindo do meu espanto inicial e sintonizando na sua freqüência. E Lauro Reginaldo da Rocha, era um homem que se emocionava ao falar de sua família, de sua infância, que não se colocava como o herói, o ator principal de seus relatos, que se caracterizava por uma modéstia dificilmente encontrada.

Durante a entrevista, os anos 30 foram ganhando concretude através de sua narrativa. Aos poucos, o espaço e o tempo da história foram sendo preenchidos por paisagens humanas em movimento, sons, cores, cheiros, rumores de vozes e ecos de lutas. À exclusão como condição, se contrapondo a experiência da resistência, os trabalhadores ousando se afirmarem em sua dignidade. O povo emergindo como protagonista da sua existência social, no Nordeste de 60 anos atrás, em busca de uma cidadania ainda hoje perseguida.

Mas não se pense que se trata de um discurso amargo ou triste. Apesar das atribulações decorrentes de um posicionamento à contrapelo dos interesses mais conservadores e excludentes, para alem das vivências dolorosas das perseguições, prisões e torturas, não é a voz da vítima que se ouve. Mesmo as incompreensões e desencontros, experiências penosas que permearam as relações com seus pares, não foram capazes de fazê-lo ressentido. Ao contrário, é a esperança que ganha corpo e na sua fala, é a reafirmação de sua trajetória que ele faz ao ser convidado a avaliar o passado.

A resposta forma de pergunta, o que seria eu, se não tivesse entrado nessa luta? aponta para modéstia e grandeza. Ele se retrai como personagem, sobrepondo à sua atuação individual, a importância da luta. Então, já não é o homem que escolhe a luta como modo de vida, mas a dimensão da luta que engrandece e dá sentido à sua própria existência.

No decorrer da entrevista, foi tomando corpo a idéia de publicação de suas memórias. Menos que uma homenagem, a importância de dar a conhecer um pouco de nossa história. Porque preencher o vazio da memória das lutas sociais, resgatando-as do aquecimento, é uma maneira de reafirmar não apenas a existência de um homem em particular, mas a de milhares de homens e mulheres que tal como ele, ousaram perseguir com seus atos a utopia da dignidade humana.

Quando falava de Mossoró, podia-se surpreender um brilho diferente em seus olhos. Sentia saudades. Nos quadros que pintava, retratava com sensibilidade o povo e a cidade que deixara para trás há 60 anos. Lauro Reginaldo da Rocha morreu no dia 4 de abril de 1991, aos 83 anos. Pensava voltar, mas foi impedido, primeiro pelas urgências da militância e depois pelos desafios da sobrevivência.

É esse homem e esse relato que temos em mãos. Aqui está um pouco da história negada, da história que se fez e se faz cotidianamente por rostos anônimos e corpos ignorados. E que no seu fazer contínuo, vão construindo para além da experiência da intolerância e exclusão, uma teia de possibilidades a serem concretizadas. Nele não encontraremos a voz que se mostra, mas que se esconde, e ao esconder é que se dá a conhecer em toda a sua grandeza, em toda sua humanidade. Leiam com atenção, ele nos fala sem rancor e sem mágoa, e nos mostra como se pode ser capaz de se abstrair de seus interesses pessoais em benefício de interesses gerais, coletivos. Sem requerer, por isso, sequer uma colocação honrosa no podium da arena de lutas onde ele fez de sua vida um contínuo enfrentamento.

Brasília Carlos Ferreira
Natal, junho de 1991

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