Insurreição
Comunista de 1935
em
Natal e Rio Grande do Norte
1935
Setenta anos depois
Isaura Amélia Rosado Maia
e Laélio Ferreira de Melo (Organizadores)
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Reflexão
necessária
George Câmara
Passados setenta anos do levante, da insurreição
de 1935, tal acontecimento nos remete a algumas
reflexões. Primeiro, o nosso olhar por
todos os movimentos que dizem respeito à
nossa emancipação, a meu ver, deve
ser, antes de tudo, um olhar solidário,
um olhar muito fraterno. Nós, os comunistas,
somos tachados por alguns como pessoas frias,
pessoas sem sensibilidade. Isso expressa uma visão
preconceituosa e não corresponde à
realidade. Na verdade, somos pessoas capazes de
dar a vida por um ideal. Existe sensibilidade
maior do que dar a vida por um ideal? Qual é
o grau de amor ao próximo, de sensibilidade,
de fraternidade, de solidariedade que induz a
um gesto de tal dimensão?
A
reflexão que se nos impõe nesse
momento, ao analisar 1935, é perguntar
o que se passava na cabeça das pessoas
que naquele momento sabiam dos riscos que corriam,
mas nem por isso se negaram a ter uma participação
efetiva na afirmação de um ideal
de justiça, de liberdade para o nosso povo.
As
bandeiras de 1935 são as mesmas de hoje.
Quando se formulou Pão, Terra e Liberdade
parece até que a gente está falando
de hoje. Entendo que nosso primeiro olhar é,
acima de tudo, um olhar solidário, mas
que também não nos autoriza a negar
determinados aspectos, inclusive analisar os erros.
Mas se temos erros, isso não tira a nobreza
da luta por um ideal. Sob esse ponto de vista,
consideramos o exemplo da luta como digno de nosso
respeito e de nosso orgulho. Assim, queremos em
primeiro lugar reverenciar os bravos lutadores
de 1935.
Uma
reflexão é necessária, sob
um olhar de classe. Assumimos posições
em relação aos acontecimentos de
nossa historia não só em 1935. O
que foi o Araguaia? O que foi 1935? O que foi
a Revolta da Chibata, em 1910? O que foi o Contestado,
no Paraná? Qual o significado de todas
as lutas do povo brasileiro e de todos os povos
pela sua emancipação? Claro que
se formos analisar a Sabinada, a Cabanada, a Balaiada,
a Conjuração Mineira, a Conjuração
Baiana, encontraremos erros, mas também
encontraremos um ponto positivo em comum nessas
lutas, que é a dedicação
de brasileiros, de seres humanos, homens e mulheres,
com tamanho grau de solidariedade, de fraternidade
ao próximo que eram capazes de dar suas
vidas pelo ideal e pela construção
de um Brasil melhor.
Por
outro lado, nós também vemos mistificações.
Grosseiras mistificações. Mas quem
são os mistificadores? Vemos hoje um tal
general, que nunca deu um tiro na vida, muito
menos para defender o povo que paga os seus vencimentos,
mas que sabe pegar uma caneta para escrever horrores
e mentiras sobre o Araguaia, acusar os que ele
chama de covardes de 1935, que teriam assassinado
pessoas dormindo. Com que autoridade? Deviam se
envergonhar de seu passado repressor. Existe algo
mais covarde e vil do que a tortura que praticaram
e que teimam em esconder e apagar da nossa história?
Como a ditadura do Estado Novo tratou os militantes
de 1935? Como a repressão da ditadura militar
fascista no Brasil tratou os Guerrilheiros do
Araguaia, na selva amazônica?
Meneleu
está aqui presente. Conversarmos sobre
esse assunto quando tivemos a honra de homenageálo
na Câmara Municipal de Natal, em 2001. Retomamos
esse debate ontem, quando eu tive a satisfação
de visitar, no hotel onde está hospedado,
Meneleu, sua esposa Lurdinha e sua filha. São
tamanhas mentiras que foram ditas pelos que se
consideram vencedores. Estes são os mistificadores.
Existe mistificação maior do que
Tiradentes ser o patrono da polícia no
Brasil hoje? Logo o órgão de repressão
que o esquartejou em praça pública?
Acho até que é justo ele ser patrono
de uma instituição, qualquer que
seja, com muita honra, mas é bom lembrar
que ele foi esquartejado exatamente pelos donos
do poder, pelos repressores do final do século
18.
Muitos
da própria corporação talvez
nem saibam que o soldado Luiz Gonzaga, que era
quase um mendigo, foi transformado, com o episódio
de 1935, num mártir, num herói.
Uma das grandes comendas do Rio Grande do Norte
leva o seu nome atualmente. Aí está
mais um episódio da elite mistificadora.
Dizer
que o movimento de 1935 foi um movimento de loucos,
uma intentona é uma mistificação
grosseira, que não sobrevive a nenhuma
investigação por mais superficial
que seja. Compreendo que o levante de 1935 se
inscreve nos movimentos de cunho ideológico
subscrito pela luta de classes. Pode até
ter outro nome hoje, pode ser que alguns até
consigam negar, mas é uma faceta muito
clara, de luta de classes, no contexto histórico
e no patamar em que ela se desenvolve. Após
a guerra fria, as mistificações
passam a ser consideradas como verdades. É
a história escrita pela pena dos vitoriosos.
Quando
aqui falaram Brasília Carlos Ferreira,
Ivis Bezerra e Aluízia nós fomos
vendo o contexto em que se desenvolveram essas
lutas em 1935. Vimos a conjuntura internacional,
marcada por determinados pontos que repercutiam
na política local, entrelaçados
com determinados aspectos particulares da situação
do Brasil, aspectos locais aqui já mencionados,
envolvendo determinadas categorias de trabalhadores.
Por exemplo, aqui em Natal vimos a participação
de operários e servidores públicos
ao lado de soldados, cabos e sargentos. Fato que
não aconteceu em Recife. Outros fatores
também contribuíram para que no
Rio de Janeiro e em Recife o levante não
acontecesse da mesma forma.
Em
Natal, dez anos depois, Iedo Fiúza ganha
as eleições para presidente da República,
concorrendo pelo Partido Comunista do Brasil (PCB).
Este fato demonstra que, apesar dos erros identificados,
havia um importante movimento socialista, havia
um grande respeito do povo pelos lutadores de
1935.
Desses
acontecimentos, ficam importantes lições
para todos aqueles que defendem um Brasil soberano
e justo para o nosso povo. Lições
a partir dos acertos e dos erros também
existentes. De todas as lições,
acho que a mais importante vem do exemplo de coragem
e generosidade das pessoas capazes de colocar
muito alto a bandeira da luta pelos ideais de
justiça e liberdade. A história
é feita por exemplos dessa natureza. Muito
obrigado pela atenção!
George
Câmara
Militante do PC do B
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