Insurreição
Comunista de 1935
em
Natal e Rio Grande do Norte
1935
Setenta anos depois
Isaura Amélia Rosado Maia
e Laélio Ferreira de Melo (Organizadores)
Nosso
Projeto |
Mapa Natal 1935 | Mapa
RN 1935 | ABC
Insurreição | ABC
dos Indiciados | Personagens
1935 | Jornal
A Liberdade | Livros
| Textos
e Reflexões | Bibliografia
| Linha
do Tempo 1935 | Imagens
1935 | Audios
1935 | Vídeos
1935 | ABC
Pesquisadores | Equipe
de Produção
O
povo não tinha mágoa
Francisco Meneleu dos Santos
Primeiro eu quero agradecer a Isaura Rosado, a
oportunidade de estar aqui neste seminário
para falar sobre a Revolução de
1935. Agradeço também ao deputado
Betinho Rosado que ofereceu as passagens para
mim e minha família, proporcionando este
momento de encontro com esta platéia de
jovens e velhos amigos. Na lista dos agradecimentos,
eu parabenizo o Governo do Estado, a professora
Vilma Maria de Faria que, com sabedoria, desenvolve
programa como este, onde a história e o
resgate de momentos importantes dão a tônica
do encontro e preparam para a posteridade documentos
históricos.
Eu
não sou de muita fala, mas tentarei dizer
algumas coisas, relembrar fatos e vivências
durante a Revolução de 1935. Quero
começar dizendo que fiz parte dessa revolução.
Eu não era político, também
não era comunista, eu era apenas um operário,
que trabalhava para sobreviver. No dia 23 de novembro
de 1935, eu estava trabalhando no jornal A Ordem,
era um jornal católico, que tratava só
de assuntos religiosos, mas de manhã cedo
veio uma patrulha do 21BC, e levou todos os companheiros
gráficos para compor, para fazer parte
da revolução. Me entregaram um fuzil,
mas eu não sabia nem mexer num fuzil, e
disse a eles que não podia ir combater
ao lado dos outros, então eles perguntaram
o que era que eu fazia, eu disse que eu era gráfico,
tipógrafo, então eles me mandaram
para a oficina de A República, para compor
e imprimir A Liberdade, o jornal do partido. Fui
com outros companheiros e comecei a trabalhar.
Quando
o jornal saiu, fui pra casa e notei que o povo
estava muito satisfeito com a revolta, o povo
estava alegre, sem fome, naquele dia houve fartura
para todos, a passagem do bonde diminuiu para
cem réis, e assim continuou. Eu imaginei
que estivesse tudo muito bem.
O
Partido Comunista naquele tempo era muito bem
organizado, não ofendeu a ninguém,
todos os adversários não sentiram
nenhuma pressão. No entanto, no dia 27
de novembro, eu fui preso lá na Tavares
de Lira e conduzido para o quartel da polícia,
onde fiquei por quatro horas. De lá, me
mandaram para a detenção, eu e vários
companheiros, então peguei o “tintureiro”,
carro que conduzia os presos, saí em fila
com os companheiros e fomos para a detenção.
Na detenção nos jogaram numa cela
sem porta. Vi companheiros sendo torturados. Lembro
quando entrou um rapaz, não sei se era
o Lauro Lago, eu não me lembro bem, deram
uma coronhada na testa dele, ele caiu e jogaram
dentro da cela, ele ficou lá sofrendo.
Passados
uns cinco ou seis dias, me tiraram da detenção
e me mandaram para a Escola de Artífice,
localizada na Avenida Barão do Rio Branco,
no centro de Natal, onde fiquei um mês.
Lá o tratamento era melhor, pelo menos
a gente tinha comida todo dia.
Na
detenção tinha uma vantagem, a amizade
com os colegas de infortúnio, isso já
em outra época. Tínhamos vários
amigos, fiz muitas amizades, com presos políticos
inclusive com José Macêdo, Lauro
Lago, Quintino, Miguel Moreira e vários
outros. O tratamento do presídio não
era dos piores, porque as autoridades nos respeitavam.
Na verdade, não eram favoráveis,
mas respeitavam. Meu pai estava em Mossoró
quando fui preso, então ele veio a Natal
e conseguiu me levar para Mossoró.
Fiquei
em Mossoró por três anos, o julgamento
correu à revelia. Soube depois de alguns
anos que eu tinha sido condenado pelo Tribunal
de Segurança Nacional. Esse era um tribunal
de exceção do Governo Vargas. Fui
preso novamente e retornei a Natal, onde sofri
em vários momentos. Na verdade, não
eram torturas físicas, mas torturas psicológicas.
Minha companheira sofreu muito em Mossoró,
ela estava doente e eu não podia ajudá-la.
Naquela época, Aldo Fernandes era secretário
de polícia, aquele homem não tinha
coração, eu pedia para dar assistência
a minha companheira e ele não deixava.
Lembro
bem de todos os meus amigos, na detenção
eram bons colegas, brincalhões, e assim
a gente passava o dia, alimentados com a nossa
amizade. Tinha um pobre de nome Coutinho. Coutinho
era um senhor idoso, dos seus setenta anos, porque
falava demais (no bom sentido) foi preso. Pobre
do velho! Ele ficou lá vários meses.
Tinha outro preso de nome Zé Paulo, que
tinha dificuldade de visão, era míope,
também evangélico, pregava a religião
dele, ao modo dele. Era bem engraçado.
Quando contávamos anedotas, ele tapava
os ouvidos para não ouvir aquelas palavras
obscenas. Na verdade, fazia que tapava os ouvidos
para pensarmos que era puritano.
Assim
a vida passou e a gente foi atravessando todas
essas coisas, mas o sofrimento foi grande. Me
prenderam quando eu tinha dezoito anos e fui condenado
a seis anos e seis meses. Fui anistiado em 1982,
porque na primeira anistia que houve eu não
fui contemplado por já ter cumprido a pena.
Só fui anistiado porque recorri e a Comissão
de Anistia me anistiou. Agora tenho uma pensão
vitalícia que ajuda a passar os restantes
dias da minha vida.
Agora,
voltando ao princípio, a revolução
foi calma, não houve morte, não
houve espancamento, houve respeito, todo mundo
era respeitado, o povo alegre. A gente notava
que o povo não tinha mágoa e nem
tinha ressentimento com os revolucionários.
Como
não tenho vocação para falar,
digo o que sinto, é isto que estou fazendo
agora.
Francisco
Meneleu dos Santos
Gráfico
^
Subir
Nosso
Projeto |
Mapa Natal 1935 | Mapa
RN 1935 | ABC
Insurreição | ABC
dos Indiciados | Personagens
1935 | Jornal
A Liberdade | Livros
| Textos
e Reflexões | Bibliografia
| Linha
do Tempo 1935 | Imagens
1935 | Audios
1935 | Vídeos
1935 | ABC
Pesquisadores | Equipe
de Produção |