Insurreição
Comunista de 1935
em
Natal e Rio Grande do Norte
1935
Setenta anos depois
Isaura Amélia Rosado Maia
e Laélio Ferreira de Melo (Organizadores)
Nosso
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de Produção
Aconteceu em 1935
Brasília Carlos Ferreira
Em novembro de 1935, uma inesperada insurreição
comunista irrompeu nas cidades de Natal, Recife
e Rio de Janeiro. O aniversário de 70 anos
deste surpreendente evento, além de possibilitar
reflexões sobre esse acontecimento singular
de nossa história, é uma boa oportunidade
para lançar um olhar crítico sobre
os anos 1930, nos quais este conflito é
apenas um dos episódios e através
dele refletir sobre a história social e
política de nosso país. Também
é um momento adequado para lembrar seus
protagonistas e os elementos que possibilitaram
sua adesão àquele acontecimento.
Nosso
objetivo neste texto é refletir, ainda
que de modo breve, sobre os elementos que convergiram
para a eclosão da rebelião, a partir
dos condicionantes políticos, sociais e
culturais vigentes à época e que
tornaram possível sua realização.
Este movimento acabou por se constituir em marco
fundador do imaginário anticomunista brasileiro,
que mesmo em menor grau sobrevive em nossos dias
nas representações produzidas em
torno da pretensa vocação autoritária
da esquerda brasileira.
No
decorrer dos anos 1920, diversas rebeliões
militares pontuaram nossa história, estando
na origem do movimento tenentista e da Coluna
Prestes. Ao final da década, a formação
da Aliança Liberal culminaria na Revolução
de 1930 que marcou o final da Primeira República.
O movimento de 1930 pôs fim à política
café com leite que alternava os presidentes
entre São Paulo e Minas Gerais. Aquele
foi um período rico em acontecimentos que
teriam repercussões definitivas em nossa
história. As pessoas comuns começavam
a pensar o Brasil, a buscar meios para conhecer
e integrar este imenso país.
Pela
primeira vez a discussão política
ganhou amplitude nacional, unificando-se: as Caravanas
Liberais percorreram o país, fazendo comícios
em que pregavam modernização política,
através da adoção do voto
secreto. Em nosso Estado foram realizados comícios
em Natal, na época o centro administrativo
do Estado e em Mossoró, que concentrava
um operariado expressivo na indústria do
sal. Foi um daqueles momentos em que se discutia
muito tudo era posto em questão, na busca
de rumos para o Brasil. As discussões,
que pela primeira vez incluíam amplos setores
da sociedade, eram polarizadas pela disputa ideológica
– que se estendia a combates de rua –
entre comunistas de um lado e integralistas de
outro.
A
participação política deixa
de ser prerrogativa dos grandes grupos proprietários
e começa a ser exercitada também
por setores médios urbanos emergentes e
trabalhadores. Até então estes personagens
estavam à margem do processo político.
O Movimento de 1930 teve apoio dos trabalhadores
organizados e setores médios da população,
rompendo a hegemonia da representação
política da oligarquia cafeeira paulista.
A união de Minas Gerais, Rio Grande do
Sul e Paraíba, em oposição
à política vigente, agrupou segmentos
diversos da sociedade na crítica aos vícios
do processo eleitoral.
Os
trabalhadores urbanos, desde a virada do século,
buscavam, sem sucesso, através do movimento
operário e sindical, conquistas relativas
ao mundo do trabalho – regulamentação
de jornadas, melhorias salariais e nas condições
de trabalho. Entre as oligarquias, divergências
de ordem econômica ou política produziam
dissidências, fissuras no tecido social.
Entre
os militares, a jovem oficialidade iniciara, em
1922, o movimento que seria conhecido como Tenentismo,
expresso através de sublevações,
cuja maior façanha foi a formação
da Coluna Prestes, que em 1926 atravessou o país.
Nesse tempo, as classes médias urbanas
eram impedidas de participar da cena política,
monopolizada pela presença e alternância
das oligarquias.
Havia
muita inquietação diante das seguidas
rebeliões protagonizadas pelos militares.
A década de 1920 revelaria, em alguns julhos,
acontecimentos surpreendentes: do julho de 1922,
do Forte de Copacabana, ao julho de 1930, do assassinato
de João Pessoa, passando pelo julho de
1926, da Coluna Prestes, temos fatos inesperados
regendo o compasso da História.
Os
anos 1930 são fundamentais na história
política do Brasil. Marcam a entrada dos
trabalhadores urbanos na cena pública,
sendo admitidos como interlocutores pelos vitoriosos
da Aliança Liberal que levou Getúlio
Vargas ao poder. É um período de
efervescência política, o movimento
sindical está em ascensão e os sindicatos
são organizados pelos militantes do Partido
Comunista, formados no discurso ideologizado e
sectário da frente única.
Da
ótica dos trabalhadores, aquele momento
é visto com muita expectativa e esperança.
Em todos os Estados do Nordeste os trabalhadores
simpatizaram com o Movimento de 1930. Mesmo não
se oficializando uma posição partidária,
sabe-se que importantes lideranças e dirigentes
locais do PCB chegaram a participar do movimento.
Cristiano Cordeiro, um dos fundadores do PCB depois
da vitória, integraria a equipe do interventor
Carlos Lima Cavalcanti, em Pernambuco.
Em
meados de 1930, o Movimento Tenentista dividiu-se.
De um lado ficou o líder da Coluna, Luís
Carlos Prestes, e parte do Movimento Tenentista
que aderira ao comunismo. De outro, o grupo tenentista
que optou pelo integralismo. Esta divisão
refletia a disputa que se travava no plano internacional
entre comunistas e nazi-fascistas.
Em
março de 1935, a criação
da Aliança Nacional Libertadora (ANL) inaugurou
um período singular em nossa história.
Um inédito processo de mobilização
reuniu tenentes, comunistas, socialistas, democratas
e liberais. Para a ANL também convergiram
setores da classe média, estudantes e trabalhadores.
As consignas Deus, Pátria, Família
e Terra, Trabalho e Liberdade contrapunham integralistas
e comunistas.
Luís
Carlos Prestes foi aclamado presidente de honra
da ANL. A entidade defendia um programa nacionalista
de reformas sociais, econômicas e políticas,
que incluía a reforma agrária. Aproveitando
o apoio da sociedade à causa antifascista,
Prestes lançou, em julho de 1935, um manifesto
pedindo a renúncia de Vargas. Em represália,
o governo decretou a ilegalidade da ANL, o que
provocou a insatisfação e a revolta
das pessoas a ela filiadas.
Entre
os diversos grupos há a percepção
de que algo poderia ser alterado na sociedade,
com reflexos imediatos em suas vidas. Da parte
da fração organizada dos trabalhadores,
esta expectativa contribui para a emergência
de um movimento intenso de mobilizações,
reivindicações, greves. São
iniciativas que externam para a sociedade sua
intenção de interferir de algum
modo no processo político. Nossa compreensão
é de que os diversos elementos de uma conjuntura
de crise, especialmente a luta que se desenrolava
no campo da regulamentação do mercado
de trabalho, eram utilizados pelos trabalhadores
como ponte para o exercício da cidadania
política.
O
que há de novo no Nordeste pós 1930
é a presença dos trabalhadores na
cena pública. Para além das demandas
pelos direitos sociais, seus pleitos ganham um
conteúdo simbólico mais profundo
do que poderia expressar aumento de salários
ou respeito à lei de férias. Numa
sociedade com o nível de exploração
social e de exclusão política como
a nordestina, os trabalhadores manifestarem suas
vontades recorrendo ao exercício do direito
de participação e, portanto, de
cidadania, era muito mais do que uma novidade,
era quase uma revolução.
O
movimento operário visualiza naquela conjuntura
de crise econômica e política o momento
adequado para se rearticular em duas frentes:
de um lado intensificando o processo organizativo,
pela constituição de novas entidades
e retomada das antigas, junto a uma postura mais
incisiva no debate sobre suas condições
de vida e trabalho. É um período
de muitas greves, em particular no ano de 1932,
motivadas principalmente pela resistência
do empresariado em acatar a legislação
social proposta pelo novo governo.
Nesse
período o Partido Comunista penetra com
mais vigor entre os assalariados urbanos do Nordeste,
viabilizando, inclusive, a formação
de chapas próprias para disputas nos processos
eleitorais. Não apenas em Pernambuco, com
uma tradição política anterior,
mas também nos demais Estados e cidades
do interior do Nordeste, a grande novidade política
é a presença do partido e a atração
que exerce sobre os setores urbanos; gesta-se
uma cultura política extremamente ideologizada,
que tem na perspectiva de uma transformação
revolucionária o objetivo para onde confluem
todas as lutas cotidianas.
Em
meados de 1935, circularam boatos sobre a iminência
de mais uma rebelião. Em Mossoró,
um grupo de trabalhadores e sindicalistas que
atuava na indústria salineira e era perseguido
pelos proprietários e pela polícia,
entrou para a clandestinidade, iniciando uma espécie
de guerrilha. Esconderam-se nas matas, pelos arredores
das cidades, mantendo-se mobilizados no aguardo
da deflagração da rebelião.
Integravam este grupo José de Alencar;
Manoel Torquato, tropeiro, militante comunista
e chefe da guerrilha; Zé Mariano, de Areia
Branca; Chico Guilherme; Joel Paulista; Francisco
Freire Amorim; Jonas Reginaldo; Anastácio
Lopes; Gonçalo Isidro e Antonio Reginaldo,
entre outros.
A
insurreição começou dia 23
de novembro, em Natal, com a sublevação
do 21º BC. O movimento pôs o governador
Rafael Fernandes e demais autoridades em fuga.
Assumiu o poder uma Junta Provisória composta
por Quintino Clementino Barros, Lauro Lago, José
Macedo, João Galvão, José
Praxedes e João Lopes. Como primeira medida,
a junta apresentou decreto destituindo o governador
e a Assembléia Legislativa. Foi publicado
também o jornal revolucionário A
Liberdade. O título-exortação
do artigo principal diz bem da inspiração
do movimento: "Delenda, Fascismo!".
Em
Recife, no dia seguinte, rebelaram-se duas unidades
militares, recebendo a adesão de trabalhadores,
mas sendo logo dominadas. Três dias depois,
no Rio de Janeiro, sublevou-se 3º Regimento
de Infantaria, na Praia Vermelha, e a Escola de
Aviação, no Campo dos Afonsos. Dois
batalhões, sob o comando do capitão
Agildo Barata, tentaram sair às ruas, mas
foram dominados. A discrepância das datas
permanece um enigma em meio às versões
disponíveis.
Em
resposta às tentativas de rebelião,
Vargas decretou estado de sítio e fechou
o Congresso em 10 de novembro de 1937. As eleições
foram suspensas, a Constituição
de 1934 foi anulada, partidos políticos
foram proibidos, e rádios e jornais foram
censurados. A partir daí, rebeldes e simpatizantes
foram caçados, perseguidos, presos, torturados,
mortos. Prestes ficou na prisão até
1945, e sua mulher judia, Olga Benário,
mesmo grávida, foi entregue à Gestapo,
polícia política nazista, vindo
a morrer em um campo de concentração
da Alemanha, em 1942. Gregório Bezerra,
Graciliano Ramos, e muitos trabalhadores norte-rio-grandenses
foram levados presos para Fernando de Noronha,
fatos imortalizados pelo próprio Graciliano
Ramos nos dois volumes do seu livro Memórias
do Cárcere.
O
ponto comum aos três movimentos é
a participação determinante do PC,
mesmo que jamais assumida oficialmente pelo partido.
Olhados com olhos de hoje, pode soar voluntarista
um movimento com aquelas características.
Ele só pode ser compreendido no contexto
de intensa agitação social, rebeldia
dos militares e presença ativa do PCB.
Fundado em 1922, o PCB encontra-se fortalecido
pela participação nas eleições
de 1928 que lhe deu grande penetração
no proletariado urbano através dos sindicatos.
Os movimentos sociais ocupam a cena e as greves
de trabalhadores urbanos desafiam o Governo Vargas.
A
explicação para estes eventos incomuns
está relacionada à cultura de rebelião
que vinha se formando desde os anos 1920, com
a participação dos militares, do
qual a Coluna Prestes é exemplar. Nos anos
1930, a Aliança Liberal protagonizou uma
inédita mobilização em todo
o Nordeste, atraindo setores de uma classe média
emergente e os trabalhadores organizados em sindicatos,
para seus comícios. Militantes do Partido
Comunista também assumiram o ideário
liberal, mesmo que seus dirigentes não
tenham aderido oficialmente.
Que
balanço podemos fazer destes polêmicos
acontecimentos? Em primeiro lugar, devemos lembrar
que eles se situam num tempo de disputa política,
tempo de luta pelo socialismo, tempo de utopias
e de entrega a um ideal. Tempo de uma cidadania
em gestação que trouxe para a cena
pública, as pessoas comuns, trabalhadores
empenhados na busca de um projeto de país.
Os revolucionários de 1935 têm a
seu favor o inconformismo e a rebeldia diante
das injustiças sociais e a indignação
frente a uma sociedade que continuava a reproduzir
a casa-grande e a senzala: de um lado os donos
do poder, que tudo tinham e tudo podiam, e de
outro o povo, miserável, os sem-nada: sem
trabalho, sem pão, sem terra, sem saúde,
sem educação, sem lazer, e sem perspectiva
de uma vida digna.
A
rebelião comunista deixou marcas decisivas
na cena política brasileira. O conflito
opondo comunismo e anticomunismo forneceu bases
políticas e sociais para a forte tradição
anticomunista em nossa sociedade. A insurreição
serviu como pretexto para o pensamento conservador
atribuir uma vocação golpista e
antidemocrática às esquerdas. A
difusão do preconceito anticomunista gerou
o distanciamento entre a esquerda organizada e
a população e alimentou o ideário
conservador antimudanças e antipovo. O
conjunto de representações sobre
esses eventos originou vigoroso imaginário
anticomunista, que desde então, pontua
negativamente o espaço da política,
especialmente por ocasião das campanhas
eleitorais.
O
tema deste seminário nos estimula a fazer
uma rápida reflexão sobre a importância
da preservação da memória
histórica nas sociedades humanas. A memória
e o esquecimento figuram no centro dos debates
atuais nas Ciências Sociais, na Antropologia,
Filosofia, História e Literatura. O tema
do esquecimento reclama a reflexão sobre
a memória, a primeira e mais fundamental
experiência do tempo. Representa a capacidade
humana de reter e guardar o tempo que se foi,
salvando-o da perda total, através do resgate
no tempo presente, de referências situadas
no tempo passado, conforme Marilena Chauí.
Na
formulação de alguns estudiosos
a memória figura como uma herança
das socializações política
e histórica de grupos e indivíduos.
A memória é elemento constitutivo
do sentimento de identidade, sendo ambos, memória
e identidade, valores disputados em conflitos
que opõem grupos políticos diversos.
Como exemplo, temos as versões sobre o
levante de 1935 no Rio Grande do Norte. Protagonistas
e opositores transformados em vencedores e vencidos
reivindicam o monopólio da verdade histórica,
que significa para uns o reconhecimento de certa
base de apoio popular ao movimento e, para outros
classificá-lo como uma ação
militar do 21º BC, sem maiores ligações
com grupos civis, a não ser as lideranças
comunistas.
Hobsbawn,
na Era dos Extremos, revela preocupação
com o declínio da memória social
ao afirmar que "a destruição
dos mecanismos sociais que vinculam nossa experiência
pessoal à de gerações passadas
– é um dos fenômenos mais característicos
e lúgubres do final do século 20.
Quase todos os jovens de hoje crescem numa espécie
de presente contínuo, sem qualquer relação
orgânica com o passado público da
época em que vivem".
Nessa
concepção, a preservação
do passado é fundamental para a construção
do presente. Não se trata apenas da sobrevivência
do passado e sim da iluminação do
presente pelas experiências do passado,
na construção do futuro. E ao articular
experiência, tempo e história, chamamos
a atenção para o papel fundamental
das pessoas que detêm maior parcela de lembranças:
os velhos. E constatamos sua importância
na sociedade como instrumento de transmissão
de nossa história e de nossa cultura.
Walter
Benjamin é uma das vozes mais vigorosas
na crítica à extinção
de narradores no mundo contemporâneo. Ao
refletir sobre a ausência de intercâmbio
de experiências no mundo moderno ele se
pergunta: qual o valor de todo o nosso patrimônio
cultural se a experiência não mais
o vincula a nós?
Na
busca de resposta, Benjamin resgata a figura do
narrador e a importância e o significado
das narrativas como instrumento de transmissão
do passado e os perigos que envolvem o declínio
da experiência. E chama a atenção
dos intelectuais para a tarefa de preservação
da memória, a salvação do
esquecimento.
Acredito
que esta seja a motivação dos organizadores
deste seminário, a quem parabenizo pela
importante iniciativa, sobre o que aconteceu em
1935.
Brasília
Carlos Ferreira
Doutora em Ciências Sociais;
professora da UFRN
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