Capítulo
IV
EDUCAR
PARA A CIDADANIA
“Nós
vos pedimos com insistência:
Não
digam nunca: ‘isso é natural!’
Diante
dos acontecimentos de cada dia,
Numa
época em que reina a confusão,
Em
que corre sangue,
Em
que o arbitrário tem força de lei,
Em
que a humanidade se desumaniza,
Não
digam nunca:
‘Isso
é natural!’
Para
que nada passe
A
ser imutável!
Bertold
AUTO-COLA
Terry
Eagleton, em sua crítica marxista mas não “religiosa”, não anacrônica
e não maniqueísta, do pós-modernismo,
diz que uma das características típicas de seu pastiche é
a permissão que se dão os autores de plagiar-se a si mesmos.
Ele mesmo confessa que o faz.
Justificado
por isso, complacentemente, permito-me incluir aqui um capítulo
que já havia publicado em livro anterior.
Evidentemente, o faço com o cuidado de revisar o texto e ampliar-lhe
e atualizar-lhe em muito.
Há uma forte razão para tanto: esse capítulo
tem sido trabalhado por professores em várias escolas e redes públicas
de ensino, em várias partes do país. É singelo, como as demais coisas
que escrevemos, mas muito prático e enraizado na experiência e na
reflexão. Talvez por esse motivo tenha atraído a atenção de autoridades
estaduais e municipais responsáveis por sistemas educacionais e
formação de professores, bem como diretores de escolas e especialistas
do campo pedagógico.
Além disso, ao propormos entusiasticamente
a via da educação, como no capítulo anterior, somos obrigados a
voltá-la a um norte, a uma causa, para que tenha conseqüência. A
cidadania, tão lembrada, é um belo ideário, mas precisa ser decodificada.
HERMETISMO
X DIDATISMO
No
Brasil se fala muito em “educar para a cidadania” mas se produziu
pouco referencial com didatismo sobre o tema. Há demasiada matéria
hermética, pouco acessível ao pragmático professorado. A comunidade
acadêmica, às vezes, confirma o dizer bíblico: “São como pastores
que apascentam-se a si mesmos”.
Assim,
modestamente, procuramos agregar algo compreensível e útil a esse
escasso referencial.
Como
dissemos, contudo, o sentido de incluir esse algo, pré-existente,
nesta obra, não vem, contudo, da mera utilidade que possa estar
tendo e do esgotamento do livro onde originalmente estava editado.
Mais do que isso, pareceu-me pertinente e lógico fazê-lo constar
de nossa reflexão, na altura em que chegamos.
Definida
a educação por suas realizáveis utopias, é a busca da cidadania
que deve inspirar seus sujeitos interagentes.
Daí
o que segue.
ESCOLA:
UMA DAS POSSIBILIDADE PARA EDUCAR
Ao
abordarmos aqui o tema da educação para a cidadania fique claro
que, se o fazemos em perspectiva que privilegia o campo da escolaridade,
isso não significa que nas comunidades, nas igrejas, nas organizações
da sociedade civil, nas famílias, nas associações, enfim, dos mais
diversos tipos, não se possa e deva também desafiar a construção
da consciência cidadã. Os novos macroparadigmas da contemporaneidade
exigem que se pense a educação em um contexto mais amplo, que é
mas transcende, em muito, o âmbito da sala de aula.
Assim,
ao usarmos uma linguagem mais correlata às práticas educativas escolares,
não deixa o leitor de estar convidado a generalizar e pensar o conjunto
da grande escola da vida.
A
pergunta inicial deve ser esta: educar para que? Se para a
cidadania, é necessário defini-la.
CIDADANIA:
COMPREENSÃO DINÂMICA
O
que entendemos, hoje, por cidadania?
Mui
brevemente, é preciso lembrar o significado dinâmico das palavras.
Cidadão,
no passado, era sinônimo de membro respeitável (leia-se "com
poderes", "com prerrogativas especiais”) da comunidade,
com direito à participação política, à influência, à vez e voz.
Contemporaneamente,
o termo "cidadania" expandiu-se e passou a compreender
todo o membro da comunidade humana, com direitos e deveres pessoais
universais, indisponíveis, inalienáveis, naturais (é preciso resgatar
corajosamente essa dimensão, patrulhada como “idealista”),
transculturais, trans-históricos e transgeográficos.
Alguns
desses direitos e deveres estão magnificamente sintetizados na Declaração
Universal dos Direitos Humanos de 1948. "Cidadão"
é o sujeito da história, de sua própria história e, com outros cidadãos,
da história de sua comunidade, de sua cidade, de sua nação, de seu
mundo.
Cidadão
é o que se eleva em dignidade e direitos por sobre as Instituições
e estruturas, por sobre o próprio Estado que, sob licença, o governa.
Cidadão
é todo homem e toda a mulher, sem discriminação etária, racial,
sexual, igualado pela condição humana, de onde emana todo o poder
político, que somente no seu interesse se justifica.
Os
dias que seguem têm resgatado como nunca o homem - e cada
homem, na sua individualidade socialmente mediatizada - como
o centro e o sujeito da história.
A
relativização do papel do Estado, a "débâcle" dos absolutismos
teóricos (em nível ideológico) e práticos, a insubmissão crescente
ao poder das elites e das massas, reconduzem, aos poucos, os homens
e mulheres ao papel que sempre se lhes deveria ter reservado, ao
qual, hoje, para evocar dignidade, chamamos "cidadania".
CIDADANIA
E HIPOCRISIA
É
forçoso, no entanto, reconhecermos que a articulação do grande processo
que encaminha essa conquista de cidadania - a educação -
passa pela percepção de que a mesma é negada em sua importância
pela dura realidade ainda persistente em quase todos os cantos do
planeta. Paradoxalmente, os direitos cidadãos proclamados
nas Cartas Nacionais e Intergovernamentais não são mais que promissoras
(mas algo cínicas) declarações de intenções. A miséria banalizada
se espraia pelos cinco continentes; um bilhão de pessoas passa fome
todos os dias; em pelo menos um terço dos países gente é torturada;
guerras de “limpeza étnica” eclodem a cada ano. Urge uma luta sem
tréguas pela superação desse paradoxo, de um mundo cujas intenções
declaradas não se afinam com as práticas apresentadas.
UMA
SÍNTESE
Temos,
justamente aí, sacadas dessas contradições, umas respostas iniciais
à indagação: "O que é educar para a cidadania?"
1º - É
provocar para o reconhecimento dessa condição de direitos e deveres
inerentes, que carregamos dentro de nós pelo simples fato de sermos
gente, de qualquer raça, de qualquer credo, de qualquer nação, de
qualquer orientação sexual, de qualquer extrato social;
2º - É desafiar a reconhecer
e respeitar as diferenças no plano individual e combater os preconceitos,
as discriminações, as ofensivas disparidades e privilégios no plano
social;
3º - É estimular cada um para
a fé no próprio potencial, como agente da transformação qualitativa
da própria vida e do mundo onde está inserido;
4º - É chamar à fraternidade,
ao sentido social da vida, sem jamais roubar, com isto, a singularidade
de cada parte do todo, de cada projeto personalizado, de cada contribuição
nominal;
5º - É instar a consciência
moral à luta pacífica, mas encarniçada, contra todo o sistema, contra
toda a estrutura que negue, a quem quer que seja, plenos, iguais
e reciprocamente reconhecidos direitos. Enquanto houver na
terra um só sem posse total desse "status" igualitário
os demais só se justificam, como cidadãos em construção, pela luta.
Evidentemente,
esse é um Programa que não se cumpre em nível discursivo. Ralph
Emerson afirmava que “o que você é fala tão alto que
não se escuta o que você diz”. A dicotomia entre discurso
e prática nega radicalmente qualquer possibilidade educativa.
Isto quer dizer que não se pode educar para
o respeito aqueles a quem não respeitamos. Não devemos falar
de fraternidade aos que oprimimos. É hipocrisia pregar a participação
a quem calamos.
Assim,
educar para a cidadania tem muito a ver com o tipo de metodologia
utilizada, com o fazer pedagógico, com as relações interpessoais
que estabelecemos com nossos educandos.
REACIONARISMO
DE ESQUERDA
Por
exemplo, "ensinar" conteúdos crítico-sociais - porque
o ensino constitui-se necessariamente em um processo vertical, negador
da interação e da crítica - é um contra-senso.
Aprendemos,
a duras penas históricas, que é igualmente possível ser conservador
- e mesmo reacionário - à esquerda e à direita. Como as práticas
de direita já se encontram, com justiça, exaustivamente desveladas,
analisadas, denunciadas, resta-nos aprofundar-nos um pouco mais
nas práticas da esquerda institucional.
Ao
abordarmos, então, a dita “pedagogia crítico-social dos conteúdos”,
ou simplesmente “pedagogia dos conteúdos”, como a chama Moacir Gadotti
em sua lúcida crítica, quero lembrar o caráter sedutor da mesma,
aparentemente sofisticado e progressista (o próprio Gadotti,
em dado momento, parece tentado, embora com evidente constrangimento,
a conferir-lhe esse status).
Nas
aparências há, nela, uma superação do primarismo, do panfletarismo
proselitista, simplista e óbvio, aquela espécie de “primo pobre”
do esquerdismo autoritário na educação. Nas aparências é um discurso
mais articulado, pretensamente “sério” e intelectualizado. Nas aparências
é uma defesa da socialização das ferramentas “cultas” para
decodificar a realidade, objetivando dar maior poder às camadas
oprimidas. Aparências apenas...
Na verdade, dita pedagogia tem uma inequívoca
inspiração jacobina, vertida pelas correntes do marxismo-leninismo
que sempre acreditaram que as revoluções deviam ser trazidas “de
fora para dentro”, pelos intelectuais, numa espécie de messianismo
bondoso dos quadros esclarecidos das classes médias para com os
ignaros beneficiários. Escarnece, para dizer o mínimo, de todas
as formas de cultura que não se identifiquem com as formas arbitradas
como “sofisticadas”.
DE
MÃOS DADAS COM O DIREITISMO
Faz-nos,
essa “vanguarda” chocha, a bizarra proposta de alcançar o novo através
do velho. É ela, evidentemente, por mais esperta, a autora
das mais perigosas falsas profecias em educação. Avança, nas
escolas, com requintes de discurso oposicionista e anti-sistema,
congraçando, na prática, compreensivelmente, conservadores saudosistas
e autoritários de todos os matizes. O mais rançoso direitismo tem
aderido, cada vez com maior entusiasmo, a essa retórica “progressista”.
Na
verdade, representa e espelha uma velha pedagogia que se mal traveste
com os andrajos do surrado discurso do prestígio e da competência
(argumenta, como acima sugerido, que as propostas emancipatórias,
de valorização da sabedoria e cultura popular, empobrecem e alijam
a mesma classe popular dos conhecimentos do segmento dominante).
Esquizofrenicamente, contudo, só vê competência no modelo autoritário,
no status quo, nas formas oficialistas de “cultura”. Na verdade
é um instrumento, ainda que, em parte, inocente (na medida em que
isso exista...).
Propõe
a negação no palanque da manutenção.
Como
não há pejo pela forma, não há ameaça. Nos quadros do sistema, pode-se
aceitar uma mudança no conteúdo ideológico somente porque a forma
sabe-se mais importante. É ela, a forma, que, pelo exemplo, finca
as suas raízes. O resto são palavras...
“Considerar
a socialização do ‘saber escolar’ como a única função da escola
é, certamente, desprezar a totalidade e a complexidade da função
educadora, bem como a existência de outras formas de saber, as diferentes
culturas, etc. A quem compete o direito de falar em nome desse ‘saber
universal’? Quem julga esses conteúdos?”
Dizendo
de outra maneira: não se educa para a cidadania com retórica profusa
de academia - ainda que com pretensões a crítico-científica - sobre
alunos objetos, passivos, despersonalizados, sem espaços para a
liberdade (que continua sendo sempre a liberdade de discordar),
coletores de informações, repetidores de elaborações e análises
alheias, alienados de tempo reflexivo para a formação de auto-conceito.
IDEOLOGIAS
E ADESTRAMENTO
Se,
independentemente da ideologia que serve como pano-de-fundo, a oratória
é unilateral, se os textos são direcionados e inquestionáveis, se
o aprendizado foi reduzido a testes e provas, se a avaliação confinou-se
a uma pobre medição da memória, não há "educação para a cidadania".
Não há educação, basta dizer! Mesmo que tudo isso venha perfumado
com o discurso da suposta competência para ascender aos códigos
sofisticados da classe dominante.
O
adestramento (perdoem a demasia em repetir esse já batido, mas não
conscientizado, lugar comum de todas as pedagogias emancipatórias)
não é monopólio de qualquer ideologia...
A
cidadania precisa ser vivenciada em sala de aula por todo
educador que se pretenda cidadão, não podendo, assim, o mesmo, estabelecer
sua prática sobre bases manipulatórias e reprodutoras. Isso, logicamente,
não se confunde com a visão vulgarizada do "liberalismo",
do “espontaneísmo”, do “não-diretivismo”, do desconhecimento do
papel do adulto, da desorganização, da desordem, da incompetência
acadêmica, da inconsistência em nível das propostas, de qualquer
das coisas com que nos querem assustar os mistificadores, amantes
da velha ordem. Apenas democracia! Coisa que pode e deve, perfeitamente,
ser praticada em casa ou na escola, sem ameaçar o sistema com o
caos. Vem acompanhada de propostas, de honestidade intelectual,
sem negar nem superestimar as diferenças nos papéis educador/educando,
e até hoje não teve qualquer problema com a questão da competência.
Aliás, na história mundial das relações políticas, firmou-se com
competência superior por sobre todas as demais propostas absolutizantes,
hoje publicamente desmoralizadas pelos resultados obtidos.
Eagleton, Terry. As Ilusões do Pós-Modernismo, Jorge Zhar
Editor, Rio de Janeiro 1998.
Barcellos, Ferreira, Balestreri e outros. Educando para a Cidadania
– Os Direitos Humanos no Currículo Escolar, Edições da Anistia
Internacional, Gráfica e Editora Pallotti, Porto Alegre, 1992.
Gadotti, Moacir. Pensamento Pedagógico Brasileiro,
Editora Ática, São Paulo, 1994.
Gadotti, Moacir. Pensamento Pedagógico Brasileiro, Editora
Ática, São Paulo, 1994.
E
OS CONTEÚDOS?
Evidentemente,
não estamos, com isso, negando a importância dos conteúdos, como
veículos para a formação da moralidade e da intelectualidade
autônomas. Tanto quanto uma boa metodologia, é fundamental um bom
conteúdo, em relação harmônica. Lembremos, contudo, que o critério
para ajuizar-se bons conteúdos e metodologias deve ser a percepção
do quanto os mesmos municiam os que deles se nutrem para alguma
forma de prática empreendedora e solidária. “Pelos frutos se conhece
a árvore”.
Isso
significa que o microcosmo da sala de aula não pode descolar-se,
em suas relações, do resto. Não há paraíso metodológico e nem conhecimento
crítico-acadêmico que se justifiquem em si mesmos.
As
ferramentas não foram feitas para ficar guardadas. E preciso
usá-las para aprender a usá-las e aprender a usá-las para usá-las!
Assim, toda a educação para a cidadania deve orientar-se no sentido
do todo. O conhecimento existe para melhorar a vida. Não é
demasiado repetir o que já sabemos em teoria: que a sala de aula
precisa ser uma caixa de ressonância das aspirações do social.
A
escola é chamada a derrubar os muros invisíveis que a separam da
comunidade imediata e do mundo.
CONSCIÊNCIA
POLÍTICA
Em
termos muito práticos, não devemos falar da miséria sem assumirmos
algum tipo de compromisso prático pela sua erradicação. Temos
o dever de orientar nossos jovens nesse sentido se não os quisermos,
em pouco tempo, amargurados, desesperançados, céticos e, subseqüentemente,
cooptados.
Se
trabalhamos contra os preconceitos, precisamos aproximar de nossos
educandos os setores organizados da sociedade que lutam pelo fim
dos mesmos (contra as mulheres, contra os portadores de deficiência,
contra os negros, contra os homoeróticos, contra os índios etc.).
Precisamos dar-lhes uma chance de ouvir direto das fontes, de sensibilizar-se
com elas, de poder optar a seu lado, somando-se a seus esforços
ordenados por uma vida de pleno significado fraterno.
Não
temos o direito de falar da opressão política, da tortura, do trabalho
escravo infantil e adulto, de execuções e desaparecimentos, se não
possibilitamos ao nosso aluno que proteste, talvez organizando um
abaixo-assinado ou escrevendo sua carta para o Consulado ou a Embaixada
do país alvo ou para enviar aos poderes de nosso próprio país. Quem
sabe nas aulas de português, ou de espanhol, ou de inglês, ou de
geografia, ou de história, por exemplo, quanto conteúdo significativo
se poderia aprender articulando ações contra a barbárie...
É possível fazer isso. Há Organizações que se dedicam a ações desse
tipo e que precisam muito de apoio voluntário (Anistia Internacional,
Américas Watch, Save the Children, UNICEF, entre outras).
Se
a consciência ecológica é realmente importante para uma escola,
os alunos precisam estabelecer, a partir de possibilidades que essa
mesma escola apresente, qualquer vínculo amoroso e direto com a
natureza (não é possível amar sem interagir). Trabalho em uma escola
onde há relação da criança e do jovem adulto com o plantio e a preservação
de bosques e isso, em sala de aula, torna-se reflexão sobre o concreto
e dá concretude e credibilidade à reflexão. Mas é possível ir além.
São tantas Organizações ecológicas que acolheriam de bom grado jovens
militantes, que poderiam ter nelas uma vida menos fútil... Quando
vamos começar a estimular a ação juvenil voluntária?
Tantas
vezes estamos tão preocupados com as drogas e a violência, sem percebermos
que elas entram onde ficou um vazio de sentido.
OS
PRETEXTOS DA MEDIOCRIDADE
Todas
as disciplinas, sem exceção, têm algo a ver com pelo menos algumas
dessas dimensões. É pequeno, é medíocre, causa dó o pretexto de
não termos tempo para isso, de termos que “dar a matéria”... Que
mundo é esse, aos pedaços, onde os que se dizem educadores estão
tão somente preocupados em "dar" o que chamam de "matéria"?
Para que serve mesmo a matéria?
Se
nós, os professores, fôssemos menos mecânicos, menos pretensiosos,
se percebêssemos que poderíamos desempenhar nosso mais importante
papel oportunizando aos educandos uma imersão crítica mais intensa
na vida real, então, à vida real se lhe devolveria o "status"
de melhor escola do que a escola, de fonte mais densa e significativa
de conhecimentos, de única via segura para habilitar à competência.
Se
isso ocorresse, talvez a escola pudesse, após tantos séculos testemunhando
quase passivamente a opressão, a injustiça e a destruição que flagelam
o planeta, dar a sua primeira sistêmica e efetiva contribuição para
uma sociedade melhor.
AGENTES
DE TRANSFORMAÇÃO
Seguramente,
nós, educadores, temos parte importante no despontar dessa nova
era, ajudando no processo de gestação espiritual de uma juventude
mais sadia, mais plena, portadora de ideais, de um significado para
sua existência. Seria um crime - contra ela e contra nós mesmos
- perdermos tamanha oportunidade.
Freinet,
com poética inspiração alicerçada em coerente prática, chama-nos
a atenção a esse papel do qual não podemos abdicar:
“Talvez
se você, educador, os ajudasse a afirmar a sua personalidade, como
desejaria ensinar-lhes ortografia e cálculo; se você os treinasse
para salvaguardar a própria dignidade, com a mesma ciência pedagógica
que emprega para os fazer obedecer; se você tivesse tanto cuidado
em formar o homem quanto em educar o estudante, então talvez tivéssemos
amanhã gerações capazes de saber defender-se dos faladores e dos
políticos que hoje nos dirigem.”
Não
é tarefa tão difícil quanto possa parecer. Basta-nos, para tanto,
um pouco de ousadia, alguma criatividade alicerçada responsavelmente
no aprofundamento dos estudos, fé em nosso próprio potencial, vocação
assumida para educar e disposição militante pelas causas da cidadania.
A
par disso, evidentemente, precisamos utilizar uma pedagogia coerente
com a construção da autonomia do educando. Sobre esse tema nos ocuparemos
no próximo capítulo.
Freinet, Constantin. Pedagogia do Bom Senso, Editora Martins Fontes,
São Paulo, 1991.