4. ETAPAS DA EVOLUÇÃO
HISTÓRICA DOS DIREITOS HUMANOS
A
história dos Direitos Humanos apresenta etapas que assinalam a
progressiva extensão do conteúdo do conceito:
a)
Uma grande etapa que vem das origens da História e chega até o século
XVIII, em que se formularam princípios e reivindicações que constituem
as “raízes” do conceito.
b)
A organização dos Direitos de Primeira Geração, que consagram as
liberdades civis e os direitos políticos. São chamados “Direitos de
Liberdade”.
c)
A conquista dos direitos sociais, econômicos e culturais, denominados
Direitos de Segunda Geração ou Direitos de Igualdade.
d)
A etapa de formulação dos Direito dos Povos, que constituem a Terceira
Geração de Direitos Humanos.
4.1
Raízes do conceito de Direitos Humanos
por
sua índole, pode-se dizer que os Direitos Humanos nascem com o homem. As
raízes do conceito se fundem com a origem da História e a percorrem em
todos os sentidos. Neste imenso lapso de tempo, o homem, desde as mais
diversas culturas, procura ideais e aspirações que respondem à
variedade de suas condições materiais de existência, de seu
desenvolvimento cultural, de sua circunstância política.
Por
isso, não é possível assinalar traços comuns a todo este período, mas
se constata que muitos princípios de convivência, de justiça, e a
própria idéia de dignidade da pessoa humana, aparecem em circunstâncias
muito diversas do vir-a-ser histórico da humanidade, coincidindo entre
povos separados pelo tempo. Sem pretender mais do que assinalar alguns
tópicos neste inacabado processo de definição da dignidade humana, vale
a pena mencionar duas questões: a definição do papel do governante e os
limites de seu poder, e a preocupação em estabelecer o ideal de
dignidade do homem.
No
código de Hamurabi (1700 a.C. aproximadamente) lemos já uma definição
da lei como garantia dos mais fracos. A civilização egípcia,
especialmente durante o reinado dos Faraós da XVIII dinastia, é profunda
em expressões que definem o poder como serviço.
“Hamurabi veio para
“fazer brilhara justiça (...) para impedir
ao poderoso fazer mal aos débeis”.
Código
de Hamurabi, 170-1685 a.C. Babilônia.
Os
profetas judeus vinculam o exercício do poder a deveres fundados em
princípios religiosos, que inspiram uma ética baseada na
responsabilidade de todos os homens pelos seus atos.
Buda,
Confúcio, Zoroastro, são exemplos da mesma exigência: um proceder reto
dos homens, que inclui governantes e governados.
Entre
os gregos, na Atenas do séc. V, a comunidade dos cidadãos supervisiona
as magistraturas do Estado (a polis) e as instituições são dirigidas
pelo “demos” (o povo). O limite do poder é dado pelo pleno direito
que exercem os cidadãos ao participarem dos assuntos públicos.
No
tempo que transcorre entre os séculos VIII a.C. e XVIII de nossa era, a
humanidade organiza uma grande quantidade de princípios relativos à
conduta que rege a tarefa de governar, e esto supõe o modo mais
freqüente de guiar a quem detém o poder e distribuir a justiça.
A
última etapa deste riquíssimo tempo percorrido, do qual me limitei a
assinalar uns poucos exemplos, se citou no início de uma nova etapa de
evolução dos Direitos Humanos e se confunde com ela. Para os
contratualistas do séc. XVII, a origem do poder define os deveres de quem
governa. Para Hobbes, o poder é entregue pelos homens a quem governa –
o monarca – para que salve a sociedade da desordem original; o monarca
dever ser justo, mas não precisa prestar contas de seus atos aos homens.
Para Locke, pelo contrário, o poder é delegado pelos membros da
sociedade e seus “representantes”, com a finalidade de manter a
harmonia do “estado natural” da sociedade. Por isso, o governo pode
exigir do poder que cumpra essa função, e rebelar-se quando este não o
faz.
Quanto
ao conceito de dignidade humana, este é resultado da confluência de
princípios tais como a tolerância, respeito, reta conduta, que desde a
Índia (Buda), China (Lao-Tsé e Confúcio) e os profetas judeus colocam a
ação benéfica anterior ao ritual vazio. A dignidade é dada pelo modo
de atuar frente aos semelhantes, por antepor a generosidade ao egoísmo, o
respeito à vida em vez da violência, a honradez nos procedimentos e ao
proteção que o forte deve dar aos que são fracos em vez dos abusos e da
opressão.
“...não aceitarei presentes (...) nem o fará no
meu nome qualquer outro homem ou mulher, por qualquer simulação ou
manobra. Escutarei ao acusador com a mesma imparcialidade e emitirei meu
juízo sobre o objeto preciso da denúncia. Eu o juro por Zeus, Poseidão,
Demétrio. Se sou perjuro, que pareça eu e minha casa; se sou fiel a meu
juramento, que venha a mim a prosperidade”.
(Juramento
dos belisastas, Discurso contra Timócrates, de Demótenes, 355 a.C.).
H
“Nunca modifiqueis uma lei para satisfazer os
caprichos de um príncipe; a lei está acima do príncipe”.
(Kuan-tseu,
séc. VII a.C., China).
Os
gregos desenvolveram o conceito de liberdade como expressão máxima do
homem, baseada na idéia de igualdade. A lei está acima de quem julga, o
que implica no nascimento da idéia do Direito.
Igualdade:
“Nossas leis oferecem uma justiça equitativa a
todos os homens por igual, em suas querelas privadas, porém isto não
significa que sejam passados por alto os direitos de mérito. Quando um
cidadão se distingue por seu valor, seja este preferido para as tarefas
públicas, não à maneira de privilégios, senão pelo reconhecimentos de
suas virtudes; em nenhum caso constitui obstáculo à pobreza.”.
(Discurso
de Péricles, séc. V a.C.).
estóicos
e Cristãos desenvolvem os princípios pensados pelos gregos e judeus.
Recolhem ainda outras inspirações, diretamente ou por mediação de
outras culturas que herdaram das tradições de origem oriental.
Os
estóicos elaboram os pontos de apoio do jusnaturalismo: a idéia de
igualdade de natureza entre os homens, a existência de princípios morais
universais, eternos e imutáveis, pelos quais deve reger-se a conduta
humana. Logo se conclui que todos os homens possuem um série de direitos
que lhe são inerentes, que os possuem por sua qualidade de homens.
O
cristianismo das primeiras Comunidades e os Padres da Igreja clamam por
uma igualdade radical entre todos os homens, ao estabelecer que foram
criados “à imagem e semelhança” de Deus. Mas além do que os homens
podem estabelecer como igualdade – para os estóicos a escravidão era
um fato natural – há uma absoluta identidade essencial., em uma origem
única e em seu destino comum”.
4.2
A primeira geração de Direitos de Liberdade
Com
exceção do aporte islâmico, não se verifica nenhuma mudança
importante nas condições sócio-históricas da Europa até o início da
Idade Média. Nesse cenário se dará o fenômeno das grandes
declarações de direitos e sua incorporação na ordem jurídica. Até a
Declaração de Virgínia pode ser incluída nesse contexto, pois daí
extrai sua inspiração.
Essas
grandes declarações foram precedidas de um prolongado processo de tomada
de consciência que acompanhou as mudanças históricas que transformaram,
paulatinamente, a Europa, desde os séc. XII e XIII. Na medida em que a
rígida sociedade estamental européia cedia espaço a uma classe social
incipiente, a burguesia foi adquirindo noção dos direitos que
necessitava, tanto para desenvolver suas empresas, como para expressar
suas idéias e participar do poder. A férrea autoridade dos nobres e
monarcas é posta em questão: se exige uma nova sociedade que admita a
prática de idéias concebidos por uma classe social emergente à luz das
mudanças sócio-econômicas que se estavam produzindo.
Os
renascentistas italianos se valeram da tradição grega para situar outra
vez o homem como “medida de todas as coisas”. O Islamismo expressará,
mais tarde, em teoria, o que os revolucionários do fim do século XVIII
conquistarão na prática. Os ilustrados explicitam o conceito de Direitos
Humanos, e colocam a idéia de dignidade humana no centro de uma eclosão
de idéias impulsionadas pela fé na razão, “uma força tão infalível
como a força da gravidade”.
Diderot,
a partir da Enciclopédia, lança este desafio: “é preciso examinar
todas as coisas, examinar tudo sem exceção e sem contemplação”.
Oposto
frontalmente com o conceito de monarquia, de direito divino, os ilustrados
retomam Locke e explicam a passagem de “um estado natural” para uma
sociedade política baseada na delegação e divisão de poderes.
Um
século depois da “Habeas Corpus Act”, de 1679, e da Declaração de
Direitos, de 1689, resultado da “Revolução Gloriosa”, da Inglaterra,
as grandes declarações de Virgínia (1779) e a francesa (1789) se
convertem em nova arrancada para esta grande etapa de evolução
histórica dos Direitos Humanos: Os Direitos Civis e os Direitos
Políticos são incorporados à ordem jurídica.
Eliminam-se
privilégios de sangue, consagrando-se a igualdade de todos os homens
perante a lei e os direitos “naturais e imprescritíveis do homem são
proclamados: a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à
opressão; se garante a liberdade de pensamento e opinião, se estabelece
a divisão de poderes, impõe-se garantias perante os que aplicam as leis.
A liberdade não tem outros limites a não ser o que é permitido pela
lei.
Se
confere aos homens a faculdade de exercer, por si e pelos seus
representantes, a capacidade de representação política. O poder
político tem a função de controle, e se abstém de intervir salvo
quando as leis são transgredidas.
A
burguesia, como classe social dominante, consagrou assim a nova ordem e
seu pensamento, resultado de circunstâncias históricas concretas,
transcendeu os limites sócio-históricos originais. O conceito atual de
Estado de Direito se sustenta nos princípios e garantias que emergiram
dos processos revolucionários norte-americanos e francês.
Na
evolução dos Direitos Humanos, “as conquistas do passado transcendem,
pelo seu conteúdo e não só por sua forma, o marco histórico que as
originou, incorporando-se, assim, ao patrimônio de toda espécie”.
Sem
dúvida, enquanto conquista derivada das aspirações de uma classe social
determinada, os Direitos Civis e Políticos são uma etapa fundamental na
evolução conceitual dos Direitos Humanos, mas não à última. Na medida
em que a sociedade se transforma, produz-se também uma nova definição
de aspirações, um novo estado de consciência que leva a novas
exigências a fim de fazer as necessidades básicas do homem. Os Direitos
Humanos são um fato dinâmico, e a Segunda geração de Direitos é uma
boa prova disso.
4.3
A Segunda Geração de Direitos: Os direitos de Igualdade
As
críticas à nova ordem iniciaram dentro do próprio seio da Revolução
Francesa. A voz de Babeuf denunciou a brecha real existente entre
igualdade proclamada e desigualdade real entre os cidadãos.
As
condições históricas que promoveram uma nova etapa no estado de
consciência sobre as necessidades básicas do homem, foram dadas pela
Revolução Industrial. As transformações sociais e econômicas que
provocou tiveram seu efeito mais dramático na conformação de uma classe
social de operários assalariados, submetida a desumanas condições de
exploração.
A
“nova ordem”, imposta pela burguesia, enfrenta, então, a crítica dos
pensadores socialistas, que reclamam uma radical transformação das
condições materiais de existência do “proletariado”.
Marx
renuncia a concepção liberal dos Direitos Humanos, negando sua
universalidade e identificando-se com os interesses da classe social
dominante: “a sociedade civil atual é a realização é a realização
do principio do individualismo: a existência individual é o objetivo
final, enquanto que a atividade, o trabalho, o conteúdo são meros
instrumentos”.
As
condições de vida das massas sociais agrupadas em torno dos centros
mineiros e fabris, inspira uma ordem de coisas que garantisse condições
de vida dignas. Mas essa dignidade não era o que outorgava o Estado
liberal ao cidadão: isto se refere especificamente à procura de melhores
condições de vida, de trabalho de bem estar social.
Esta
Segunda geração de direitos, econômicos, sociais e culturais, é
reclamada desde as reuniões da Internacional Socialista e os congressos
sindicais que se dão durante o século XIX. As primeiras incorporações
desses direitos à ordem jurídica de um Estado, correspondem ao século
XX: são incluídos na Constituição Mexicana, de 1917; na Russa, de 1918
e na da República de Weimar, de 1919. No Uruguai, são incorporados na
Constituição de 1934.
A
diferença com a primeira geração de direitos não reside exclusivamente
no conteúdo dos direitos. da fase de reclamar direitos que a pessoa
possui por sua qualidade como tal, se passou a reivindicar ao meios para
que esses direitos se tornem efetivos. Em conseqüência, obrigam a uma
ação dos poderes públicos: “a obrigação do Estado reside no
imperativo dever de dedicar, dentro de suas possibilidades econômicas e
financeiras, os recursos necessários para a satisfação desses direitos
econômicos, sociais e culturais” de todo indivíduo e da sociedade como
um todo”.
Os
direitos desse Segunda geração estão contidos no “Pacto Internacional
do Direitos Econômicos, Sociais e Culturais”, firmado pela ONU em 1966.
O
direito de trabalhar, à remuneração que assegure condições de
existência digna, à sindicalizar-se, ao descanso, à segurança social
encabeçaram os artigos do Pacto. Recomenda-se a proteção e assistência
à família, à mãe, às crianças, assim como reconhece-se os direitos
à saúde e à educação. Para o exercício deste último direito,
reconhece-se a necessidade de que o ensino primário seja gratuito, e o
ensino médio “generalizado e acessível a todos”, além de outras
recomendações sobre o ensino superior e a educação fundamental para os
que não possuem o ensino primário. A eles se agregam ainda outros
direitos culturais.
Em
outro artigo se reconhece “o direito fundamental da pessoa estar
protegida contra a fome” e, talvez nenhum como este, nos ponha à frente
da realidade de um grande mundo que gasta em armamentos, cada 15 dias, o
que se necessita para alimentar e prover de água, saúde e habitação, a
cada pessoa do planeta, onde 1 (um) bilhão de pessoas sofrem de fome
crônica.
Este
contraste entre o que se proclama e o que é realidade, originou, nestes
últimos decênios de nosso século, uma nova etapa no conceito de
Direitos Humanos, denunciando a dicotomia que divide o mundo entre países
ricos e países pobres.
4.4
A Terceira Geração de Direitos Humanos:
Os Direitos dos Povos
Em
1945, passado o horror da 2º Guerra Mundial, 51 países assinam a Carta
Fundadora das Nações Unidas, em que se proclama “a fé nos direitos
fundamentais do homem, na dignidade e valor da pessoa humana”. Nos fins
do ano de 1948, em Paris, as Nações Unidas proclamam a “Declaração
Universal dos Direitos do Homem”. O Brasil se entre os 48 países
que subscreveram a Declaração, refletindo as profundas divergências que
dividiam, agora, os que pouco tempo antes eram aliados.
Assim,
as duas primeiras gerações de Direitos Humanos recebem um reconhecimento
oficial por parte dos países signatários da Declaração. Por uma série
de pactos procuram incorporar às suas normas jurídicas, os direitos
proclamados na Declaração de 1948.
Através
de trabalhosa elaboração de textos, em 1966 se aprova dois pactos: o de
Direitos Civis e Políticos, e o de Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais. Apesar de que, até 1980, somente 65 países haviam ratificado
os Pactos (64 o primeiro e 65 o segundo), se deu um enorme passo adiante.
A divisão em dois pactos traduz bem as profundas divergências quanto à
filosofia que sustenta as posições dos dois blocos nos quais o mundo se
polarizou depois da guerra.
Sem
dúvida, essa divisão não pode ser aceita, porquanto os Direitos Humanos
constituem um todo indivisível, assim como o homem, e contradiz o que é
sustentado pelas próprias Nações Unidas no Documento A/2929, cap. II,
de 1º de julho de 1955:
“Todos
os direitos devem ser desenvolvidos e protegidos. Na ausência de direitos
econômicos, sociais e culturais, os direitos civis e políticos correm o
perigo de serem puramente nominais; na ausência dos direitos civis e
políticos, os direitos econômicos, sociais e culturais não poderiam ser
garantidos por muito tempo”.
A
única diferença aceitável não está na hierarquia de ambas as
gerações de direitos, senão em seu caráter, pois, como se assinalou,
os direitos civis e políticos são garantias do indivíduo “frente”
ao Estado, o qual assume o papel de protetor e mantenedor da vigência
desses direitos; por outro lado, os direitos sociais, econômicos e
culturais, exigem do Estado uma intervenção, uma política concreta para
dispor de meios que tornem efetivos esses direitos.
Mas,
todos os povos dispõem de meios para tornar efetivos os direitos de
segunda geração?
Nos
18 anos transcorridos entre a Declaração Universal de 1948 e os Pactos,
o mundo presenciou um acelerado processo de descolonização. Os Pactos
já exprimem uma nova situação: em ambos, o artigo I proclama que “todos
os povos têm direitos à livre determinação”.
A
breve história dos povos que conquistaram sua independência, foi
suficiente para demonstrar que a “auto-determinação” era em grande
parte, fictícia. Se viu que quando as nações carecem dos meios para
satisfazer as necessidades mínimas de seu povo, as declarações de
Direitos Humanos perdem sentido.
Em
Bandung, representantes de jovens da Ásia e da África reclamam o
desarmamento e, em especial, a proscrição das armas nucleares
(24.04.55). em Belgrado, seis anos depois, reúnem-se, pela primeira vez,
a Conferência dos chefes de Estado de Países Não-Aliados, e em sua
declaração “rechaçam categoricamente a tese que afirma que a guerra
e, por exemplo, a guerra fria, seja inevitável, porque esta é uma
confissão de impotência e desesperança, contrária à idéia de
progresso do mundo”. A conferência vaticina “o fim de uma época em
que os povos eram oprimidos pelo estrangeiro e faz, igualmente, da
cooperação pacífica entre os povos, fundada sobre os princípios da
independência e igualdade de direitos, uma condição indispensável de
sua liberdade e de seu progresso”.
Estes
exemplos, que não são os únicos, indicam o início de uma nova etapa na
evolução de Direitos Humanos. A terceira geração de direitos surge da
paulatina tomada de consciência, por parte dos povos do mundo
não-desenvolvido, da necessidade de uma mudança na sua situação para
dispor dos meios que permitam garantir plenamente a vigência dos Direitos
Humanos.
Se,
na década de 60, a aspiral armamentista preocupa os povos não alinhados,
que vêem da cooperação internacional pacífica a única saída
possível, na década de 70 fica claro que o desarmamento não é
possível, nas circunstâncias econômicas internacionais.
Ao
direito de livre determinação se opõe a crescente desigualdade nos
acordos de intercâmbio, sempre desfavorável para os países produtores
de matérias primas. Este predomínio econômico, iniciado na etapa
colonial, é seguido pelo domínio dos meios de comunicação e de
informação.
Na
Conferência de Argel (1976), um grupo de países do mundo
não-desenvolvido proclamaram a Declaração dos Direitos dos Povos. Nela
propõem a busca de uma “nova ordem política e econômica internacional”,
em um contexto em que se possa dar o respeito efetivo dos Direitos Humanos”.
A
esta declaração se agregam as conclusões do “simpósio de
especialistas sobre o tema dos direitos de solidariedade e direitos dos
povos”, convocado pela UNESCO, em San Marino (1984).
O
último artigo da Declaração de Argel exige o pleno restabelecimento das
direitos fundamentais de um povo, que, "“quando são gravemente
ignorados, é um dever que se impõe a todos os membros da comunidade
internacional”.
O
documento de San Marino reconhece, por sua vez, e existência de direitos
cujo titulares são “os povos”, tanto individualmente como
coletivamente”.
Tomando
como base o último documento citado, de grande valor, uma vez que foi
subscrito por especialistas das mais diversas nacionalidades –
provenientes tanto de países desenvolvidos como países de Terceiro Mundo
– os direitos proclamados são: o direito de existência dos povos, à
livre disposição dos recursos naturais próprios, o direito ao
patrimônio natural comum da humanidade, a autodeterminação, à paz e à
segurança, à educação, à informação e à comunicação, à um
meio-ambiente são e ecologicamente equilibrado. O corolário destes
direitos todos é o direito ao desenvolvimento, “de cuja
realização se deriva, com efeito, o respeito à maioria dos demais
direitos e liberdades dos povos”.
Estas
demandas se converteram no centro do Direitos Humanos. Sem dúvida, desde
nossa situação de povos que não alcançaram cotas aceitáveis de
desenvolvimento, que não incidem sobre os mecanismos de intercâmbio
econômico internacional e vêem como diminue o valor relativo de seus
recursos, e que sofrem o peso de uma dívida externa agoniante, esta etapa
da evolução de Direitos Humanos não admite dúvidas. Os povos privados
das condições básicas para alcançar seu desenvolvimento econômico,
não podem atender devidamente as necessidades essenciais de uma
população.
A
negação do direito dos
povos só se pode explicar a partir da ótica das nações que detêm o
poder econômico e político internacional. O mundo atual se caracteriza
pela estreita-relação entre as nações. Sob a ameaça de destruição
nuclear e ante a prodigalidade da corrida armamentista e ante a elevada
dívida externa dos países do Terceiro Mundo, se eleva a voz dos povos
reclamando uma nova ordem internacional. E este é um feito tão
expressivo de um salto até à esperança de um mundo mais justo e
solidário, como foram os ideais dos ilustrados ou como o foi o clamor dos
que proclamaram a igualdade social.
5. CONCLUSÃO
não obstante a brevidade desta
apresentação do desenvolvimento e evolução dos Direitos Humanos, vale
a pena avançar algumas conclusões sobre os pontos essenciais do
conceito.
Coincidindo com o Dr. Constantino
Urcuyo nas principais conseqüências que se inferem desta evolução:
a)
A variabilidade histórica do conceito do Direitos Humanos;
b)
A íntima conexão destes com os processos sociais que os originam,
através do desenvolvimento de necessidades sociais em mudança e a
formulação de códigos morais que legitimem sua satisfação, servindo
de suporte para o reconhecimento jurídico destes como direitos;
c)
Transformação dos Direitos Humanos em direitos de titularidade coletiva
(transformação operada no calor das lutas sociais de dois séculos); e
d)
Tomada de importância dos Direitos Humanos no contexto internacional e
transformação dos mesmos em um elemento de moralidade política
internacional”.
Basta assinalar a íntima
conexão entre as três gerações: “os direitos do homem constituem um
complexo integral, interdependente e indivisível, em que pese a
subsistência, hoje, de grandes discrepâncias, enquanto sua natureza e
essência jurídica, compreende, necessariamente, os direitos civis e
políticos e os direitos econômicos, sociais e culturais”. A estes
direitos se agrega hoje uma nova geração, “novos direitos que surgem,
como amanhã surgirão outros com conseqüência dos imperativos
resultantes das novas necessidades do desenvolvimento humano”.
Por último, ressaltamos que,
assim como a dignidade da pessoa humana é o eixo em torno do qual gira o
conceito dos Direitos Humanos, seu dinamismo é a resposta a requerimentos
novos que surgem dos protestos dos humildes, dos marginalizados, do mais
profundo dos povos.
Os que assinaram Declaração de 1948 expressaram
sua convicção de que haviam reconhecido o essencial da “consciência moral da humanidade”. Hoje, os
Direitos Humanos representam, mais do que nunca, o horizonte dos povos. A
humanidade crescerá tanto quanto for o grau de desenvolvimento de
relações justas, pacíficas e solidárias.
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