Jornal
de Natal – 02.12.1996 – Política – p. C4
“Está
na hora de fazer uma limpeza”
O
secretário-executivo do Centro de Direitos Humanos e Memória Popular do Rio
Grande do Norte, Roberto de Oliveira Monte, concedeu entrevista ao Jornal de
Natal. Em uma das salas do CDHMP, Roberto Monte falou sobre as declarações
do delegado Maurílio Pinto de Medeiros (publicadas na edição anterior do
JN) e disse que está na hora de ser feita uma “limpeza” no sistema de
segurança do Estado. Uma das grandes expectativas de Roberto é relacionada
à subcomissão de Direitos Humanos, criada na terça-feira passada, em Brasília,
que terá como presidente o Deputado Federal Hélio Bicudo. A seguir, a íntegra
da entrevista:
Jornal
de Natal
– Passados 37 dias do assassinato do advogado Gilson Nogueira, como o
CDHMIP tem avaliado o trabalho realizado pelo delegado Gilson Campos, da
Policia Federal?
Roberto
Monte
— Nós achamos que o delegado tem realizado um bom trabalho. Está
trabalhando à vontade, sem pressões, do modo dele, e isso é bom. Não temos
interesse em ficar pressionando o delegado Gilson Campos. Nossa grande bandeira
foi exigir que o governador do Estado solicitasse um delegado especial,
de fora do Rio Grande do Norte, para investigar o crime. Como o governador
foi sensível e atendeu, nosso papel, agora, é de esperar o desfecho do
caso. Desde o começo sabíamos que 30 dias era um período muito curto
para concluir o inquérito e achamos natural o pedido de prorrogação do
prazo, por parte do delegado.
JN
– Alguns membros da Comissão dos Direitos Humanos & Câmara dos
Deputados estiveram em Natal. O que eles acharam das denúncias contra
Polícia
Civil?
Roberto
Monte
– Muitas dessas pessoas que visitaram Natal sabem bem o que nós estávamos
denunciando. Homens como o deputado Hélio Bicudo, que dia-a-dia atuam em
diferentes casos no Brasil mas, aqui no Rio Grande do Norte, eles disseram que
era o mais espantoso de todos, porque as entidades de Direitos Humanos denunciavam
o secretário-adjunto da segurança pública, apresentando as vítimas
das arbitrariedades cometidas por determinados policiais civis, e o governo do
Estado não fazia nada. E tanto que ficamos sabendo, através dessa Comissão,
que o afastamento do delegado Maurílio Pinto foi comunicado até ao
presidente Fernando Henrique Cardoso, através do ministro da justiça,
Nelson Jobim.
JN
– O delegado Maurílio Pinto declarou que Gilson Nogueira havia oferecido
uma recompensa ao lutador Bann para prestar depoimento contra ele, em Brasília,
e que as denúncias feitas pelo advogado, à Comissão da Câmara dos Deputados,
não são verdadeiras...
RM
– Tenho certeza que Gilson não ofereceu dinheiro a ninguém. E muito fácil
acusar um morto, que não pode se defender. Gilson não foi a Brasília
sozinho. Ele foi juntamente com membros do CDHMP e as denúncias foram
feitas para que o ministério público apurasse. Se vão ser apuradas ou não,
a gente não sabe. A polícia investiga a partir de denúncias anônimas e
muitas vezes consegue desvendar mistérios. Além disso, as denúncias não
partiram somente de Gilson Nogueira. Há várias vítimas de violência
policial que foram ouvidas pelos integrantes da Comissão, quando estiveram
em Natal, recentemente.
JN
– Com o afastamento do delegado Maurilio Pinto, você acredita que a
secretaria de segurança vai funcionar melhor, de acordo com a opinião das
entidades de direitos humanos?
RM
– Maurílio Pinto representa o velho. Ele não acompanhou as mudanças
ocorridas no Brasil. E do tempo que cargo de chefia de policia passava de
pai para filho. Maurílio Pinto só funciona porque as instituições não
funcionam. Ninguém ia à secretaria de segurança para resolver um
problema. As pessoas procuravam diretamente Maurílio Pinto. Ele decidia
tudo. E um absurdo ele ter dito, com a maior naturalidade, que o filho com 12
anos de idade era utilizado como “isca”, em diligências policiais. Isso
é anti-ético. O afastamento dele significa um bom começo para a melhoria
da segurança do Estado. Não sei se ele consegue entender o nosso discurso.
O delegado Maurilio Pinto também é vitima do conceito de instituição que
era pregado no Brasil, na época da ditadura militar. Ele ficou acostumado e
não mudou. Diz que ocupa o cargo há vários anos e que nunca foi
substituído por nenhum governador. E claro, ele estava tão comprometido e
já tinha prestado tantos favores, aos mais diferentes grupos, que acabou
criando uma força enorme e ninguém conseguia substitui-lo. Ele chegar a
dizer que um pistoleiro quer falar a favor dele é demais. Várias vezes fui
ameaçado de ser processado, mas nunca me processaram. No dia que me
processarem, minhas testemunhas serão pessoas de bem, sem nenhuma mácula.
Jamais levarei um pistoleiro para ser minha testemunha.
JN
– Mas ele sugeriu que as entidades de Direitos Humanos procurassem fazer
uma avaliação do trabalho que ele realiza em benefícios das comunidades
mais carentes, citando, inclusive, o bairro de Mãe Luiza...
RM
– E mais uma prova de como ele é antigo. E do tempo do assistencialismo.
E como um político que distribui feirinha em troca de voto. Uma figura com
a imagem dele é muito fácil de obter destaque em camadas sociais mais
baixas, que não têm acesso à realidade dos fatos.
JN
– Como o ministério público do Rio Grande do Norte tem atuado no caso
das chacinas denunciadas pelo CDHMP?
RM
– O ministério público, o próprio deputado De Velasco disse isso ao
Jornal de Natal, sempre encontrou uma barreira e não conseguia trabalhar.
Esperamos que a criação dessa subcomissão da Câmara sirva para que o
ministério público não fique mais intimidado e não assuma uma posição dúbia.
O ministério tem que assumir o espaço que a Constituição lhe deu e não
pode mais fugir do controle externo do trabalho da policia. Recebemos inúmeras
queixas de prisões irregulares, inclusive com invasão de residências.
Chegam a prender por embriaguez. Isso não existe.
JN
– Como é, para você, a polícia ideal?
RM
– Uma polícia que trabalhe certo, cumprindo o que determina as leis. A
policia daqui não presta. Não quero dizer que os policiais não prestam.
Sabemos que há inúmeros policiais corretos, que infelizmente não
conseguem porque quem manda são sempre os que trabalham errado. Queremos uma
polícia moderna, ética, bem equipada, com bons salários. Queremos que os
policiais sejam formados por pessoas competentes. Do jeito que as coisas estão,
o policial novato já aprende que confissão tem que ser obtida através de
porrada, de choque elétrico, de tortura. Isso foi aprendido na época da
ditadura e, infelizmente, ainda é aplicado pela polícia daqui. As
entidades de Direitos Humanos não têm competência para proibir isso, apenas
para denunciar e esperar as providências do ministério público. Seria bom
que fosse criada uma espécie de fiscalização, pelo ministério público,
nas delegacias, principalmente nas delegacias de plantão, para se evitar o
espancamento, a prisão irregular, a humilhação dos presos. Muita gente diz
que o CDHMP é inimigo da polícia. Isso não é verdade. Não admitimos que
absurdos sejam cometidos por maus policiais e ninguém faça nada. Você não
vê intelectuais na Polícia Civil, não há quem pense de acordo com a
atualidade. Se existe, é impedido de falar. Na Polícia Militar, apesar de
algumas divergências que tivemos, você encontra homens cultos, como o
coronel Gadelha, o coronel Altamiro, que sabem discutir os problemas nas
instituições de acordo com a realidade do País”.
JN
– Você teme ser assassinado por estar na lista dos “dez marcados para
morrer”?
RM
– Se eu disser que ando despreocupado estou mentindo. Tomo algumas precauções,
mas não vou ficar fugindo e desistir do meu trabalho. Não tenho prazer em
ficar falando de chacina, de morte, de espancamento. Apenas estou cumprindo
meu papel. Se alguém tem que fazer isso e esse alguém sou eu, farei. Sou
apenas um elo das 300 entidades que fazem parte do Movimento Nacional de
Direitos Humanos. Se acontecer alguma coisa comigo, esse povo é responsável.
JN
– Quem é “esse povo”?
RM
– Quem teve interesse em matar Gilson Nogueira, que tem interesse em nos
calar. Tem procurador do Estado dormindo armado com dois revólveres. Isso é
um absurdo. Não tenho como citar nomes porque não tenho provas e não serei
irresponsável.
Assassinato ganha dimensão internacional
A
partir do momento em que foi noticiada a morte do advogado Francisco Gilson
Nogueira de Carvalho, no último dia 20 de outubro, as correspondências com
mensagens de solidariedade e revolta não pararam de chegar ao Centro de
Direitos Humanos e Memória Popular do Rio Grande do Norte.
Mais
de mil pessoas, de diferentes países, já escreveram para autoridades
brasileiras e para o CDHMP. Entre os remetentes, pessoas de destaque nacional,
como a ex-deputada Dirce Quadros Drucker, a “Tutu Quadros”, filha do
ex-presidente Jânio Quadros. De Los Angeles, na Califórnia, ela escreveu ao
procurador-geral de Justiça do Rio Grande do Norte, Emmanuel Cavalcanti,
protestando o assassinato e afirmando que gostaria que “as autoridades
brasileiras assumissem a responsabilidade de uma investigação imparcial e
justa”.
O
Procurador-geral da República, Geraldo Brindeiro, no dia 18 de novembro,
recebeu uma carta enviada por estudantes da Escola Graduada de Artes e Ciências,
da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, também protestando sobre o
assassinato e pedindo providências.
Alunos
e professores de Psicologia da PUC/RJ também enviaram correspondência, que
termina com a seguinte afirmação: “Talvez os tiros, na verdade, saíram
pela culatra e Gilson conseguirá mobilizar mais tantas pessoas com sua morte
trágica do que com sua luta paciente em vida”.
INTERNET
Toda
a documentação que está sendo elaborada sobre o assassinato de Gilson
Nogueira está sendo enviada para o um do todo através da Internet. Segundo
Roberto Monte, isso tem dado um resultado impressionante. Graças a esse tipo
de comunicação, o Programa Fantástico, da Rede Globo, divulgou o caso.
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