Texto da palestra proferida durante
o painel “Como mediar conflitos e construir a paz?”, Eixo IV,
dia 29 de janeiro
Nora de Cortiñas
O terrorismo de Estado é um crime
contra a humanidade que não merece prescrição ou anistia. É um
crime que ultrapassa as barreiras da justiça. É um crime que
tocou mulheres, homens, crianças, idosos e inválidos de todos os
níveis sociais. Foi uma perseguição com uma ideologia nazista e
uma metodologia nazista. Na Argentina, deixou mais de 30 mil
desaparecidos, milhares de pessoas assassinadas e uma infinidade
de exilados, dentro e fora do país. Muita gente foi embora para
salvar a vida. Outros tiveram que asilar-se dentro do próprio país.
Foram, realmente, anos de terror.
Esse terror não começou com a
ditadura militar. Na época da Isabelita Martínez de Perón, que
era um governo constitucional, o terrorismo de Estado já tinha
começado. Foi a época em que se formou um grupo terrorista
chamado Triple A – Aliança Anticomunista Argentina. A partir
dessa época, houve 1.500 presos e desaparecidos. Foi nesse período
que ocorreu o maior número de presos políticos. Brutalmente
torturados, muitos deles morreram devido às torturas que
sofreram, depois de recuperarem a liberdade. A aberração chegou
ao ponto de seqüestrarem crianças, de seqüestrarem mulheres grávidas,
torturá-las e depois cuidar delas para que quando tivessem os
seus filhos, pudessem pegar essa criança. As torturas são
inimagináveis. Nunca tínhamos passado por uma guerra no nosso país
e parecia impossível que se repetisse esse tipo de holocausto
nazista. No entanto, até as crianças, os bebês que estavam
dentro da barriga da mãe, até eles foram torturados de uma forma
tão criminosa que seria muito doloroso recordar isso, recordar o
que os militares fizeram e o que as forças armadas fizeram. Isso
com membros da sociedade civil, ou seja, civis que colaboravam com
o terrorismo, com a tortura. Até o dia de hoje permanece a
impunidade. Fizeram tudo isso com absoluta impunidade e essa
impunidade se mantém até hoje. Existem leis que permitem que
essas pessoas permaneçam em liberdade. Os assassinos, os
torturadores e os repressores continuam em liberdade.
Os conflitos vêm acontecendo
porque a repressão aos movimentos sociais continua. Os movimentos
continuam exigindo justiça social, assim como faziam nossos
filhos e nossos desaparecidos. Por que a ditadura militar e por
que a repressão na Argentina? Para implementar esse sistema econômico
que temos hoje dia, esse sistema econômico neoliberal de fome, de
desemprego e de humilhação. Por isso estamos aqui reunidos. Para
procurar soluções, para ver quais são as melhores formas de
luta, para conseguir terminar com esse sistema, com essa agressão
aos povos. Continuam sendo geradas riquezas maiores para os ricos,
porém o empobrecimento é cada vez maior. Existem coisas que
devemos deixar bem claras: não há países desenvolvidos e países
em desenvolvimento; há países usurários, capitalistas, que
penalizam os países cada dia mais pobres que são os nossos,
devido à extorsão que sofrem.
Neste momento, na Argentina, os
conflitos sociais crescem. Temos 2.500 trabalhadores processados
por terem protestado contra este infame sistema econômico. Temos
duas pessoas presas por pedir comida em supermercados. Temos Raul
Castell e Emílio Ali, que estão presos há mais de um ano por
acompanharem o povo na reivindicação para diminuir a fome que
existe em muitas regiões.
Reprodução editada da gravação
da palestra proferida, sem revisão final da expositora.
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