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Notas para a construção de um Projeto Nacional de Desenvolvimento

As linhas gerais para construção de um projeto voltado aos interesses do povo e da nação brasileira

Wilson Cano

Neste texto apresento as linhas gerais que deveriam balizar a construção de um projeto voltado para os reais interesses do povo e da nação brasileira, mostrando que a esquerda pode e deve oferecer alternativas ao modelo neoliberal.(1) Não ignoro os obstáculos políticos e econômicos nisto envolvidos. No seu diagnóstico geral, parto da idéia central de que, a partir de 1979, s EUA, via política fiscal restauram o Dólar como o equivalente geral da economia mundial, retomam sua hegemonia e instauram em seguida, o maior poder imperial surgido no capitalismo.(2)

Para a periferia internacional, o resultado foi abdicar da soberania nacional e adotar submissamente políticas neoliberais, pondo suas economias sob os desígnios dos EUA. Aos efeitos da "Crise da Dívida" da década anterior, somaram-se os destas políticas, aumentando a desestruturação das economias nacionais, e agravando a crise do Estado e do balanço de pagamentos.(3)

I- breve resumo sobre a dinâmica do atual modelo

O exame destas duas últimas décadas, na América Latina, não deixa dúvidas.(4) A crise mostrou a supremacia do capital financeiro, exigindo a quebra de nossa soberania nacional,liberando as vias para sua intermitente valorização. Isto exigiu: desmantelar o Estado; desregulamentar entrada e saída de capital; abrir o comércio e a finança; transformar várias instituições em cassinos financeiros; privatizar e desnacionalizar nossas melhores empresas. Tudo com a submissão e aplauso de nossos governos e de parte de nossas elites.

Essas políticas resultaram em débil crescimento médio anual para nossos países nos últimos 12 anos: taxas altas em 3 ou 4 anos, baixas em outro tanto, e débeisl ou negativas em outros 3 ou 4 anos. Mas seu maior efeito foi o aumento das importações (bens e serviços) muito acima das exportações, acumulando enormes déficites externos, exigindou mais financiamento externo e maiores pagamentos de amortizações e juros, aumentando ainda mais o financiamento e a dívida externa pública e privada. O investimento direto financiou parte disto, mas gerou crescentes remessas de lucros, acima do aumento das exportações.

Isto contamina as contas públicas internas, pela esterilização do alto influxo de divisas, ampliando a dívida pública interna (que no Brasil quintuplicou desde o Plano Real). O aumento dessas duas dívidas impõe extorsivas taxas de juros que ampliam ainda mais o déficit público, quebram empresas nacionais e inutilizam os sacrifícios dos cortes nos gastos sociais. A estabilidade monetária obtida graças aos altos juros e valorizações cambiais, é também perniciosa, distorcendo os preços relativos, e alterando as priorizações privadas de investimento. Há ainda seus efeitos sociais: queda do salário real, aumento do desemprego, da violência e deterioração dos serviços sociais, presentes em quase todos nossos países e cidades.

Essa dinâmica conduz a economia a um desastre cambial, com violenta desvalorização do câmbio, do que pode resultar reativação de exportações, redução ou estagnação das importações e "retomada" do crescimento econômico. Mas a ilusão dura pouco: à medida que se acentue o crescimento, a dinâmica do modelo reporá o processo, as importações voltarão a crescer, o consumo se expandirá, o financiamento externo retornará, e nova crise surgirá em pouco tempo, com o que, nova recessão, mais desemprego, etc.

II - reformas ou ruptura radical com o modelo?

Por isso, não há como "reformar" parcialmente o modelo, embora alguns ingênuos creiam nisso. Se os juros baixam o capital externo foge e implode o modelo; se os gastos sociais crescem o orçamento explode, pelo alto peso dos juros; restringir importações é difícil, face à reestruturação já feita nas empresas e à desestruturação de cadeias produtivas; se estimularmos exportações nos acusarão de subsidia-las, sofrendo retaliações externas. Por isso propomos a ruptura com o modelo atual, retomando a soberania nacional e o manejo da política econômica, transitando para outro com alto crescimento da renda e do emprego, voltado principalmente (mas não exclusivamente) para o mercado interno e a população de baixa e média rendas.

Esta alternativa não é a equivocada idéia de uma autarquia econômica: a proposta é de alterar nossa inserção externa, através da integração com os integráveis, reformulação do MERCOSUL e ampliação de seu espaço. Procura ampliar nossas tradicionais correntes de comércio, porém em bases mais justas e dignas para nós. Não ignoro que esta proposta implica em enfrentar fortes interesses cristalizados pela adoção das políticas neoliberais, globalização e reestruturação. Eles ampliaram nossos constrangimentos externos, que já eram elevados face ao endividamento externo, dificultando ainda mais a formulação e execução de um novo projeto nacional de desenvolvimento econômico e social.

Eles podem assim ser resumidos:

- a dívida externa, embora parcialmente renegociada, cresceu, pressionando ainda mais o Balanço de Pagamentos, e exigindo contínua ampliação do financiamento externo;

- a Tríade, com seu discurso e suas políticas multilateralistas, estreitaram o campo da negociação bilateral. Além disso é ela que concentra os maiores benefícios da multilateralização. A fácil adesão brasileira à Rodada Uruguai e à OMC reforçou ainda mais nosso comprometimento internacional;

- as novas empresas transnacionais, através de alta reconcentração privada de capital, ampliaram muito seus poderes monopólicos de mercado, financeiro, tecnológico e de decisão para o investimento interno;

- as transformações tecnológicas, que, entre outros, nos causam os seguintes problemas principais:

i - substituição de trabalho (principalmente o menos qualificado), fator abundante nos países subdesenvolvidos, e ampliação do desemprego estrutural;
ii- substituição de produtos tradicionais (aço , cobre, chumbo, açúcar de cana, etc.), basicamente produzidos aqui, por outros produzidos pelas novas tecnologias, notadamente nos países desenvolvidos;
iii - grande e rápido sucateamento de equipamentos e instalações relativamente novos, estruturados no antigo padrão tecnológico;
iv- necessidade de grandes investimentos de infra-estrutura adequada às novas tecnologias;
v - incerteza sobre o futuro de parte de nossa agricultura, que, no início do próximo século, graças à biotecnologia, poderá perder parte de nossas vantagens atuais;
vi -"transferência implícita" de países desenvolvidos para subdesenvolvidos, de grande parte da produção que causa graves danos ecológicos ou que consomem muita energia (aço, alumínio, celulose etc.);
vii- com as privatizações e rupturas dos monopólios públicos, o Estado encolheu ainda mais o investimento, perdendo a capacidade de conduzir as principais políticas setoriais e regionais;
viii - o predomínio das decisões pelas transnacionais dirige o progresso técnico para setores mais compatíveis com a distribuição regressiva da renda ou que a acentua.

A crise da dívida externa, os erros de nossa política econômica e outras adversidades dos últimos vinte anos, geraram um formidável conjunto de constrangimentos internos inibitórios à solução da crise:
- o recente processo de estabilização não garante que novas desvalorizações cambiais e remarcações de preços e tarifas públicas não venham a recrudescer a inflação. Ela está em níveis baixos, face à recessão, ao retardamento daquelas remarcações, à grande queda real de preços agrícolas internos e externos. Some-se a isso a inadiável necessidade do equacionamento da dívida interna;
- deterioração do estado, fragilização fiscal e financeira, corrosão incapacidade de planejamento e de política econômica, deterioração qualitativa do funcionalismo público e da eficiência administrativa,
- o efeito acumulado da redução do investimento público nos últimos vinte anos, deteriorou quase todos os serviços públicos básicos e a própria infra-estrutura;
- há urgente necessidade de readequação das empresas estatais e do reexame das privatizações agendadas;
- o atraso tecnológico relativo de vários setores produtivos;
- a debilidade do sistema nacional de financiamento de longo prazo;
- a ausência de vontade política das elites, para formular um Projeto Nacional. Estas em grande parte, se converteram em rentiers, beneficiando-se ainda da livre entrada e saída do capital para o exterior.

Considerados os anos em que estamos ficando à margem do processo de reestruturação tecnológica e o tempo necessário para alocar recursos e investimentos necessários à recuperação do que deixou de ser feito (estradas, telecomunicações, saneamento básico etc.), nas duas últimas décadas, não é difícil prever que nosso "atraso" rumo à Terceira Revolução Industrial já contabilizaria algo em torno de 40 anos.

III- linhas gerais para a formulação de alternativas de política econômica.

A esse atraso técnico e material, junta-se o cultural e social, ampliado no período. É preciso definir como objetivos básicos do projeto: retomar altas taxas de crescimento da renda e do emprego, implantar política científica, tecnológica e cultural autônoma, responsável conservação ambiental, e de distribuição de renda e de ativos. Insisto que apenas a instituição de uma economia solidária é insuficiente para enfrentar a questão social e muito menos para a do crescimento e do emprego. Há que aprofundar e detalhar o diagnóstico macroeconômico e social e examinar as perspectivas externas, para demonstrar que a continuidade do atual "modelo" aprofunda cada vez mais a crítica situação do Brasil.

Há que desmascarar as absurdas propostas para implantar a dolarização, a "moeda única latino americana", ou a conversibilidade de nossa moeda, cujos efeitos tirariam o resto de poder nacional do país, ampliando o dos EUA. Denunciar também as propostas para criar a ALCA e o Acordo Multilateral de Investimentos, que aprofundariam a atual submissão do país e do continente. Se entendido que o atual «modelo» não comporta "meros reparos", e sim ruptura, há que entender que só cabe propor uma alternativa progressista e democrática a esse fascismo de mercado, o que exige uma clara consciência dos problemas a enfrentar e que se esclareça a nação sobre suas dificuldades e seus efeitos.

Significa portanto, entender que:
- é inadiável a atitude de ruptura com o atual modelo, substituindo-o pelas alternativas propostas;
- é indispensável reestruturar as dívidas interna e externa, para desafogare a crítica situação das finanças públicas e do balanço de pagamentos;
- é imprescindível o controle drástico do câmbio e dos fluxos de capitais do e para o exterior;
- é necessário reestruturar os mecanismos de proteção tarifária e não tarifária e rever nossos acordos e obrigações internacionais (OMC, Mercosul);
- é necessária rigorosa reformulação das diretrizes que regem as instituições financeiras públicas e privadas, para criar novo sistema financeiro para garantir a alocação priorizada do crédito e conter a especulação;
- dada a restrição interna (pública) e externa de recursos, que poderá piorar após a ruptura, as alternativas deverão buscar, no início, a utilização de capacidade ociosa da economia, minimizando e priorizando as necessidades de novos investimentos, mormente dos que demandem elevados recursos externos;
- para a transição, é indispensável a implantação de uma política emergencial de
abastecimento e, posteriormente, uma política de segurança alimentar;
- será impossível a consecução destas proposições, sem que se faça uma completa e urgente reformulação dos aparelhos de estado voltados para a implantação das alternativas e de seu acompanhamento.

Advirta-se mais uma vez que os propósitos acima podem gerar vários conflitos externos (EUA, FMI. BIRD, OMC, banca internacional, etc.) e internos (elites, partidos à direita, empresários, sistema financeiro, alguns sindicatos etc.), exigindo portanto, a prévia construção de um novo e difícil pacto de poder político.

Este negociará com partidos, sindicatos, empresariado, regiões e setores, exigindo acurado preparo político. Sem isto, é difícil pensar em alternativas dentro da democracia. Mas um agravamento maior (interno e externo) da crise internacional, diminuiria as dificuldades políticas. Se o pacto não se realizar até as eleições, seus proponentes (um Partido ou coligação partidária) deveriam apresentar a proposta à opinião pública, na campanha eleitoral, como condição básica para o exercício do mandato, no caso de vitória.

IV- uma alternativa não neoliberal

A alternativa privilegia a criação de um amplo mercado interno de massas, pois os constrangimentos internos e externos apontados impedem a opção de apenas um único e determinante vetor de crescimento, seja o "drive exportador" ou o hacia dentro com forte aumento do investimento interno. A exclusiva opção interna exige elevados investimentos públicos e privados nos próximos 10 anos, para repor os não realizados nos últimos 20 anos. O modelo também não evitaria altas e necessárias importações de máquinas e insumos.

Somos um país continental e de grande população mas não contamos com grandea produção de alta qualidade para poder transformar nossas exportações na variável determinante da renda. Isso no passado foi possível com o café, para nós e milho, trigo e carne, para a Argentina; hoje isto não é mais possível. Há que selecionar setores menos demandantes de importações, que aumentarão face à necessária modernização de alguns setores exportadores. Assim, qualquer dos dois vetores nos coloca problemas sérios de financiamento interno e externo, e portanto, de inflação e balanço de pagamentos. Mas o crescimento possível com qualquer deles - isoladamente - é pequeno e insuficiente para dar conta do desemprego e de nossa crise social.

Por isso é necessária uma estratégia que não se concentre num só vetor, mas que, utilize "de tudo um pouco". Ela contemplaria vários setores ao mesmo tempo, priorizando atualização tecnológica de alguns segmentos, escalonando no tempo o uso dos recursos mais escassos (câmbio e finanças públicas). Mesmo assim, uma combinação "ótima" de setores/tempo/espaço pressionaria a capacidade de pagamentos externos, obrigando-nos a reforçar a política de exportações.

Para atingir nossos objetivos, temos que nos libertar do Neoliberalismo. Para isto é imperativo e urgente que se formule uma estratégia, para um Programa: Organizado, para não deixar só ao mercado a "solução" de problemas econômicos e sociais; Defensivo, porque temos a maior estrutura industrial do "Terceiro Mundo" e ainda muito a perder - em Ativos e Empregos - se permitirmos a continuidade da atual política neoliberal.

Para isto é imprescindível reestruturar o Estado, para retomar soberanamente os destinos da Política Econômica e Social, mas isto exige a elaboração de quatro complexos projetos interdependentes:

1- para evitar que a inflação retome níveis altos e para arbitrar perdas decorrentes da política de estabilização, com maior justiça social. Tal projeto deve ser implementado simultaneamente com algumas das reformas propostas, sinalizando necessidades e oportunidades de inversão privada, que estimulem o crescimento e impeçam a fuga ou realocação especulativa de capitais. Há que formular uma política de abastecimento para itens de alimentação, cuja demanda crescerá com o aumento do emprego. Nos principais bens-salário (têxtil, calçados e confecções), há capacidade produtiva ociosa, mas será necessário fiscalizar seus preços. Para rever a efetiva variação do custo de vida é preciso reexaminar as estruturas de cálculo dos Índices de Preços, muito afetadas pela valorização cambial e queda real dos preços agrícolas.

2- uma difícil engenharia política que repolitize a economia, para uma ampla negociação nacional, que passe não apenas pelos Partidos Políticos, e que examine, discuta, negocie e promova os atendimentos possíveis à população - notadamente às classes médias e baixas - e à economia. Tal negociação deve "passar a limpo" as relações trabalho/ capital; as da interação das pequenas, médias e grandes empresas; as do tripé, capital estrangeiro/capital nacional público/ privado; e a dos interesses e conflitos inter-regionais.

3- É preciso um conjunto de reformas estruturais para que se possa fazer a "arrumação da casa", para formular as políticas de curto, médio e longo prazo. É sumamente importante lembrar que estas reformas, em sua maior parte, devem ser implantadas concomitantemente, mas, sempre que possível ou necessário, escalonar algumas em desdobramentos de curto, médio e longo prazo:

-reforma do Estado, para maior agilização administrativa, equacionamento e reabilitação do funcionalismo público, reinstaurar o sistema de planejamento, de política econômica e de priorização do gasto público;
-estudar e propor pautas adicionais de exportação e importação que poderão ser criadas via acordos especiais, com ampla integração comercial com a América Latina e outros países periféricos, principalmente com os três outros "continentais "- China, Índia e Rússia. As pautas teriam caráter complementar entre o Brasil e esses países, expandindo as vendas de produtos de difícil ingresso nos demais mercados;
-equacionamento do serviço da dívida externa, condicionado á nossa capacidade fiscal de amortiza-la e que compatibilize um orçamento cambial que ampare a retomada do investimento e do crescimento;
-equacionamento da dívida pública interna, para disciplinar as contas públicas e conter a pressão estrutural sobre a taxa de juros. Todas as dívidas entre órgãos públicos deverão ser examinadas para uma possível e simples compensação. Dado que as três esferas de governo encontram-se financeiramente comprometidas, esse equacionamento deverá abranger a todas. O alongamento das dívidas públicas poderá ser atenuado para a alocação privada (direta ou indireta) de recursos em investimentos privados aprovados pelo governo, em caráter prioritário, bem como no pagamento de dívidas vencidas com órgãos públicos.
-fiscal e tributária, com maior eqüidade, para readequar as contas públicas regionais e locais e para simplificar o sistema tributário nacional e normalizar as finanças exigidas por um Estado eficiente e justo.
-reestruturação do sistema financeiro nacional para dificultar a especulação, fortalecer o mercado de capitais e solucionar nosso estrutural estrangulamento do financiamento de longo prazo;
- reformas sociais (agrária, abastecimento, urbana, saúde pública, previdência social, educacional e ambiental), projetadas tanto para ataques emergenciais aos problemas dos mais carentes quanto para se atingir toda a sociedade, numa perspectiva de prazo maior - certamente superior ao de um mandato presidencial;
- reforma da empresa, adequa-la aos novos requisitos produtivos, administrativos e financeiros e permitir maior transparência de seus resultados, sua eficiência e seu papel social numa sociedade moderna e mais justa.

4- o quarto é o desenho estratégico do "modelo", cujos limites são os orçamentos cambial e fiscal, a capacidade interna de financiamento e o processo seletivo de priorizações sociais e produtivas, que atendam aos princípio políticos básicos do modelo. Embora tenhamos que alocar recursos em muitas coisas ao mesmo tempo (restauração da infra-estrutura, ampliação das exportações, modernização produtiva e gastos sociais), a limitação dos recursos impede-nos de atender a tudo e a todos, ao mesmo tempo. Por isso, o modelo sócio-econômico terá como diretriz básica priorizações seletivas para o crescimento e a distribuição da renda. Há que construir "engenharia sócio-econômica" que combine o máximo possível de áreas-problema, e use os recursos com metas claras de crescimento, modernização e justiça social. Ao priorizar áreas, teremos que desenhar projetos específicos que abarquem selecionados segmentos sociais, regionais e setoriais
i- grupos de empresas que mais exportam ou que têm maior relevância na produção
de um setor prioritário - material de construção, por exemplo, para a política habitacional;
ii- regionais, objetivando desenvolve-los e manter a unidade e a harmonia nacional,
via desconcentração da atividade econômica, mas considerando também o lado social;
iii- sociais, tanto emergenciais, como frentes de trabalho, programas especiais de
emprego, atendimento a carentes, e os de caráter estrutural e permanente, via reforma agrária, distribuição e acesso a ativos, profunda reformulação dos sistemas de saúde, educação e cultura, e de renda mínima ;
iv- de ciência e tecnologia, para desenvolver criatividade, assegurar maior autonomia nacional,e
diminuir o atual elevado grau de dependência tecnológica do país para com as empresas transnacionais.
Trata-se também de produzir projetos que possam atingir metas múltiplas como por exemplo, os habitacionais que, simultaneamente, podem proporcionar altos efeitos positivos diretos e indiretos de emprego, crescimento e distribuição de renda. Seriam as seguintes suas principais metas:

i. área social: crescimento com distribuição; combate à pobreza.

No início do plano gastos e investimentos deverão privilegiar setores de maior atendimento social e que também sejam multiplicadores de renda e emprego (como o habitacional, saneamento etc.). É área que requer poucos gastos em divisas, altamente empregadora mas forte demandante de recursos públicos e financiamento de longo prazo. A reforma agrária é prioritária, pelos menores recursos que exige e menor investimento por emprego gerado. Saúde e educação públicas incluirão metas para urgente erradicação do analfabetismo e outras de maior abrangência. Programa do tipo renda mínima deverá ser implantado, com previsão de gradativa redução a longo prazo, em função do aumento do emprego, da melhoria de salários, de política tributária progressiva e de aumento da oferta de bens-salário. Políticas de emprego emergencial priorizarão o uso intensivo de mão de obra em obras públicas e em sua manutenção, obrigatoriamente condicionadas pelas fontes supridoras de recursos. Aumento gradativo do salário mínimo.

ii. infra-estrutura:

No início só haverá grandes investimentos em poucos setores, priorizando-se a distribuição setorial de gastos para atenuar a carência e deterioração de áreas, tornando-as gradativamente aptas a apoiar a modernização, as exportações e a retomada do crescimento. Sua relação capital/produto é alta, mas vários de seus segmentos podem ser produzidos (e mantidos) com uso mais intenso de trabalho e menos de capital.

iii. modernização produtiva:

Aqui a priorização estratégica será usada com maior rigor, dado que a maior parte dos setores tem que ser modernizada. A seletividade contemplará algumas áreas mais prioritárias, como: a) manter ou expandir exportações para as quais somos hoje capacitados; b) desenvolver segmentos de high tech (para o mercado interno e diversificação de exportações); c) eliminar "gargalos" da infra-estrutura e da área social. Cadeias produtivas parcialmente destruídas pelas políticas neoliberais serão objeto de programa especial, tendo em vista o crescimento, a economia de divisas com importações e a recomposição da estrutura produtiva.

V- Apêndice: algumas considerações sobre possibilidades de expandir exportações.

Além do já apontado, é preciso: i- política de incentivos; ii) regulamentação para criar estímulos e condições do tipo: para cada dólar gasto com importações correntes, gerar três de exportações e para lucros não reinvestidos e remetidos, gerar recursos externos; iii- reformular a estrutura institucional externa.
A multilateralização, simplificou as negociações e dificultou formalmente discriminações isoladas, mas não nos defende das pressões dos países líderes na OMC nem de suas ações específicas (isoladas, como as dos EUA, ou coletivas como as da CEE ), que fazem pender a balança para seus interesses.

A América Latina (desde 1961 com a Alalc), mostrou que as diferenças estruturais entre seus países (econômicas, institucionais e sociais), constituem sérios obstáculos para a plena integração. A precipitada criação do Mercosul (sem mesmo se fazer estudos setoriais) num prazo de 10 anos (encurtado para 4) deve ser contraposta à realidade da CEE, que acumulou 34 anos de integração, antes de instituir o mercado único. A proposta dos EUA, para integrar o continente americano (a ALCA) é ainda mais absurda,. Por isso, é preciso repensar o Mercosul, e estudar alternativas de reorientação comercial, incluindo mais ativamente a América Latina e propor a criação de um segundo circuito comercia, com a Europa Oriental, ex-URSS, Índia e China. Vejamos, resumidamente, algumas questões relevantes, segundo classes de produtos.

a) produtos da agropecuária e agroindústria

Sua demanda (entre 1974 e 1998) caiu cerca de 30% em preços, e não se espera recuperação alentada. Previsões para o consumo mundial apontam pequeno crescimento anual das quantidades, entre 1% e 2% para a maioria dos produtos, entre 2,5% e 3,5% para trigo e soja. A desestruturação das ex-economias socialistas e seu eventual ingresso na CEE, pode gerar restrições em suas importações e aumento de suas exportações para a CEE. Com a China, ocorreria o inverso, por seus graves problemas de erosão, escassez de água e de terras agricultáveis, vis-a-vis a expansão da demanda interna causada pela rápida industrialização.

b) produtos minerais metálicos

A tendência a longo prazo é de desaceleração no comércio mundial, face ao menor crescimento industrial, ao problema energético e ambiental, e às recentes tecnológicas ( miniaturização, menor peso dos produtos industriais, novos materiais substitutos e alta reciclagem (de alumínio, chumbo e zinco).

c) produtos manufaturados

A crise internacional, a reestruturação e "novas" barreiras comerciais dos países da OCED reduziram muito o alto crescimento anterior de nossas exportações, caindo nossa participação no mercado mundial ( caiu para 0,6% em têxteis-confecções e para 6,7% em calçados). Nos tradicionais perdemos terreno tanto pelas altas exportações daqueles países (55% das exportações totais de têxteis e confecções e 45% das de calçados), quanto pelo avanço das asiáticas, com China, Hong Kong e Coréia detendo em 1990 mais de 30% das de confecções e de têxteis. A China deve expandir também suas exportações não-tradicionais, o que implicará em novas e difíceis negociações, dada a dimensão mundial de sua oferta e demanda. Para nós, a modernização seletiva é imprescindível, pois não será mais possível exportar à custa de trabalho mais barato.

As commodities industriais sofrem altos custos energéticos e ambientais e substituição tecnológica: a demanda mundial de siderúrgicos e não ferrosos continuará caindo. Para a pasta celulósica a concorrência aumentou, face à expansão da capacidade produtiva em países subdesenvolvidos. Por termos competitividade nesses segmentos (25% de nossas exportações totais), ainda poderemos manter nossa participação no mercado, em que pese as restrições dos países desenvolvidos, já mencionadas.

Material de transporte, com alta participação na pauta, tem problema mais delicado, dada a enorme dependência que temos das decisões de suas transnacionais, ainda mais na área do Mercosul. Isto também se dá com os produtos high tech . Outros, como químicos e mecânicos, podem ainda ser objeto de negociações especiais (o segundo circuito comercial) com países subdesenvolvidos.

As exportações de serviços terão duras negociações, restando-nos, se possível, exportar serviços de engenharia pesada e importar os de high tech, além dos financeiros, de transporte e outros.

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1 A primeira versão (mimeo) é de 1990 (Unicamp), publicada em 1992 (Cano (Coord.), São Paulo no Limiar do Século XXI, F.Seade, SP, v.1),depois ampliada (Cano, Reflexões sobre o Brasil e a Nova (Des)Ordem Internacional, Unicamp, 1995, 4a. ed). Nesta resumidíssima versão incorporo sugestões de colegas, notadamente de Maria C. Tavares, mas a responsabilidade pelo texto é exclusivamente minha.
2 As principais decorrências das atitudes dos EUA foram: quebra financeira dos países endividados, alguns deles socialistas; anúncio do projeto Star Wars (Guerra nas Estrelas) em 1983, limitando a capacidade de retaliação da URSS; o desastre político e econômico da perestroika, a partir de 1985-86 e a desintegração da URSS em 1991; a queda do Muro de Berlim em 1989 e o alto custo da reunificação alemã; desvalorização do Dólar e subseqüente valorização do IEN. Com isto, os EUA liquidaram não só com a URSS mas também com as pretensões de Japão e Alemanha, em dar as cartas no capitalismo mundial.
3 Sobre o tema ver: Fiori, J.L.(Org.) Estados e moedas no desenvolvimento das nações, VOZES, (1999) e Cano, W. Soberania e Política Econômica na América Latina, UNESP/UNICAMP (2.000).
4 Ver, no texto citado (Cano, 2000), a análise macroeconômica dos sete principais países latino americanos.

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