Notas
para a construção de um Projeto Nacional de Desenvolvimento
As
linhas gerais para construção de um projeto voltado aos
interesses do povo e da nação brasileira
Wilson Cano
Neste texto
apresento as linhas gerais que deveriam balizar a construção de
um projeto voltado para os reais interesses do povo e da nação
brasileira, mostrando que a esquerda pode e deve oferecer
alternativas ao modelo neoliberal.(1) Não ignoro os obstáculos
políticos e econômicos nisto envolvidos. No seu diagnóstico
geral, parto da idéia central de que, a partir de 1979, s EUA,
via política fiscal restauram o Dólar como o equivalente geral
da economia mundial, retomam sua hegemonia e instauram em seguida,
o maior poder imperial surgido no capitalismo.(2)
Para a periferia internacional, o resultado foi abdicar da
soberania nacional e adotar submissamente políticas neoliberais,
pondo suas economias sob os desígnios dos EUA. Aos efeitos da
"Crise da Dívida" da década anterior, somaram-se os
destas políticas, aumentando a desestruturação das economias
nacionais, e agravando a crise do Estado e do balanço de
pagamentos.(3)
I- breve resumo sobre a dinâmica do atual modelo
O exame destas duas últimas décadas, na América Latina, não
deixa dúvidas.(4) A crise mostrou a supremacia do capital
financeiro, exigindo a quebra de nossa soberania
nacional,liberando as vias para sua intermitente valorização.
Isto exigiu: desmantelar o Estado; desregulamentar entrada e saída
de capital; abrir o comércio e a finança; transformar várias
instituições em cassinos financeiros; privatizar e
desnacionalizar nossas melhores empresas. Tudo com a submissão e
aplauso de nossos governos e de parte de nossas elites.
Essas políticas resultaram em débil crescimento médio anual
para nossos países nos últimos 12 anos: taxas altas em 3 ou 4
anos, baixas em outro tanto, e débeisl ou negativas em outros 3
ou 4 anos. Mas seu maior efeito foi o aumento das importações
(bens e serviços) muito acima das exportações, acumulando
enormes déficites externos, exigindou mais financiamento externo
e maiores pagamentos de amortizações e juros, aumentando ainda
mais o financiamento e a dívida externa pública e privada. O
investimento direto financiou parte disto, mas gerou crescentes
remessas de lucros, acima do aumento das exportações.
Isto contamina as contas públicas internas, pela esterilização
do alto influxo de divisas, ampliando a dívida pública interna
(que no Brasil quintuplicou desde o Plano Real). O aumento dessas
duas dívidas impõe extorsivas taxas de juros que ampliam ainda
mais o déficit público, quebram empresas nacionais e inutilizam
os sacrifícios dos cortes nos gastos sociais. A estabilidade
monetária obtida graças aos altos juros e valorizações
cambiais, é também perniciosa, distorcendo os preços relativos,
e alterando as priorizações privadas de investimento. Há ainda
seus efeitos sociais: queda do salário real, aumento do
desemprego, da violência e deterioração dos serviços sociais,
presentes em quase todos nossos países e cidades.
Essa dinâmica conduz a economia a um desastre cambial, com
violenta desvalorização do câmbio, do que pode resultar reativação
de exportações, redução ou estagnação das importações e
"retomada" do crescimento econômico. Mas a ilusão dura
pouco: à medida que se acentue o crescimento, a dinâmica do
modelo reporá o processo, as importações voltarão a crescer, o
consumo se expandirá, o financiamento externo retornará, e nova
crise surgirá em pouco tempo, com o que, nova recessão, mais
desemprego, etc.
II - reformas ou ruptura radical com o modelo?
Por isso, não há como "reformar" parcialmente o
modelo, embora alguns ingênuos creiam nisso. Se os juros baixam o
capital externo foge e implode o modelo; se os gastos sociais
crescem o orçamento explode, pelo alto peso dos juros; restringir
importações é difícil, face à reestruturação já feita nas
empresas e à desestruturação de cadeias produtivas; se
estimularmos exportações nos acusarão de subsidia-las, sofrendo
retaliações externas. Por isso propomos a ruptura com o modelo
atual, retomando a soberania nacional e o manejo da política econômica,
transitando para outro com alto crescimento da renda e do emprego,
voltado principalmente (mas não exclusivamente) para o mercado
interno e a população de baixa e média rendas.
Esta alternativa não é a equivocada idéia de uma autarquia econômica:
a proposta é de alterar nossa inserção externa, através da
integração com os integráveis, reformulação do MERCOSUL e
ampliação de seu espaço. Procura ampliar nossas tradicionais
correntes de comércio, porém em bases mais justas e dignas para
nós. Não ignoro que esta proposta implica em enfrentar fortes
interesses cristalizados pela adoção das políticas neoliberais,
globalização e reestruturação. Eles ampliaram nossos
constrangimentos externos, que já eram elevados face ao
endividamento externo, dificultando ainda mais a formulação e
execução de um novo projeto nacional de desenvolvimento econômico
e social.
Eles podem assim ser resumidos:
- a dívida externa, embora parcialmente renegociada, cresceu,
pressionando ainda mais o Balanço de Pagamentos, e exigindo contínua
ampliação do financiamento externo;
- a Tríade, com seu discurso e suas políticas multilateralistas,
estreitaram o campo da negociação bilateral. Além disso é ela
que concentra os maiores benefícios da multilateralização. A fácil
adesão brasileira à Rodada Uruguai e à OMC reforçou ainda mais
nosso comprometimento internacional;
- as novas empresas transnacionais, através de alta reconcentração
privada de capital, ampliaram muito seus poderes monopólicos de
mercado, financeiro, tecnológico e de decisão para o
investimento interno;
- as transformações tecnológicas, que, entre outros, nos causam
os seguintes problemas principais:
i - substituição de trabalho (principalmente o menos
qualificado), fator abundante nos países subdesenvolvidos, e
ampliação do desemprego estrutural;
ii- substituição de produtos tradicionais (aço , cobre, chumbo,
açúcar de cana, etc.), basicamente produzidos aqui, por outros
produzidos pelas novas tecnologias, notadamente nos países
desenvolvidos;
iii - grande e rápido sucateamento de equipamentos e instalações
relativamente novos, estruturados no antigo padrão tecnológico;
iv- necessidade de grandes investimentos de infra-estrutura
adequada às novas tecnologias;
v - incerteza sobre o futuro de parte de nossa agricultura, que,
no início do próximo século, graças à biotecnologia, poderá
perder parte de nossas vantagens atuais;
vi -"transferência implícita" de países desenvolvidos
para subdesenvolvidos, de grande parte da produção que causa
graves danos ecológicos ou que consomem muita energia (aço, alumínio,
celulose etc.);
vii- com as privatizações e rupturas dos monopólios públicos,
o Estado encolheu ainda mais o investimento, perdendo a capacidade
de conduzir as principais políticas setoriais e regionais;
viii - o predomínio das decisões pelas transnacionais dirige o
progresso técnico para setores mais compatíveis com a distribuição
regressiva da renda ou que a acentua.
A crise da dívida externa, os erros de nossa política econômica
e outras adversidades dos últimos vinte anos, geraram um formidável
conjunto de constrangimentos internos inibitórios à solução da
crise:
- o recente processo de estabilização não garante que novas
desvalorizações cambiais e remarcações de preços e tarifas públicas
não venham a recrudescer a inflação. Ela está em níveis
baixos, face à recessão, ao retardamento daquelas remarcações,
à grande queda real de preços agrícolas internos e externos.
Some-se a isso a inadiável necessidade do equacionamento da dívida
interna;
- deterioração do estado, fragilização fiscal e financeira,
corrosão incapacidade de planejamento e de política econômica,
deterioração qualitativa do funcionalismo público e da eficiência
administrativa,
- o efeito acumulado da redução do investimento público nos últimos
vinte anos, deteriorou quase todos os serviços públicos básicos
e a própria infra-estrutura;
- há urgente necessidade de readequação das empresas estatais e
do reexame das privatizações agendadas;
- o atraso tecnológico relativo de vários setores produtivos;
- a debilidade do sistema nacional de financiamento de longo
prazo;
- a ausência de vontade política das elites, para formular um
Projeto Nacional. Estas em grande parte, se converteram em
rentiers, beneficiando-se ainda da livre entrada e saída do
capital para o exterior.
Considerados os anos em que estamos ficando à margem do processo
de reestruturação tecnológica e o tempo necessário para alocar
recursos e investimentos necessários à recuperação do que
deixou de ser feito (estradas, telecomunicações, saneamento básico
etc.), nas duas últimas décadas, não é difícil prever que
nosso "atraso" rumo à Terceira Revolução Industrial já
contabilizaria algo em torno de 40 anos.
III- linhas gerais para a formulação de alternativas de política
econômica.
A esse atraso técnico e material, junta-se o cultural e social,
ampliado no período. É preciso definir como objetivos básicos
do projeto: retomar altas taxas de crescimento da renda e do
emprego, implantar política científica, tecnológica e cultural
autônoma, responsável conservação ambiental, e de distribuição
de renda e de ativos. Insisto que apenas a instituição de uma
economia solidária é insuficiente para enfrentar a questão
social e muito menos para a do crescimento e do emprego. Há que
aprofundar e detalhar o diagnóstico macroeconômico e social e
examinar as perspectivas externas, para demonstrar que a
continuidade do atual "modelo" aprofunda cada vez mais a
crítica situação do Brasil.
Há que desmascarar as absurdas propostas para implantar a
dolarização, a "moeda única latino americana", ou a
conversibilidade de nossa moeda, cujos efeitos tirariam o resto de
poder nacional do país, ampliando o dos EUA. Denunciar também as
propostas para criar a ALCA e o Acordo Multilateral de
Investimentos, que aprofundariam a atual submissão do país e do
continente. Se entendido que o atual «modelo» não comporta
"meros reparos", e sim ruptura, há que entender que só
cabe propor uma alternativa progressista e democrática a esse
fascismo de mercado, o que exige uma clara consciência dos
problemas a enfrentar e que se esclareça a nação sobre suas
dificuldades e seus efeitos.
Significa portanto, entender que:
- é inadiável a atitude de ruptura com o atual modelo,
substituindo-o pelas alternativas propostas;
- é indispensável reestruturar as dívidas interna e externa,
para desafogare a crítica situação das finanças públicas e do
balanço de pagamentos;
- é imprescindível o controle drástico do câmbio e dos fluxos
de capitais do e para o exterior;
- é necessário reestruturar os mecanismos de proteção tarifária
e não tarifária e rever nossos acordos e obrigações
internacionais (OMC, Mercosul);
- é necessária rigorosa reformulação das diretrizes que regem
as instituições financeiras públicas e privadas, para criar
novo sistema financeiro para garantir a alocação priorizada do
crédito e conter a especulação;
- dada a restrição interna (pública) e externa de recursos, que
poderá piorar após a ruptura, as alternativas deverão buscar,
no início, a utilização de capacidade ociosa da economia,
minimizando e priorizando as necessidades de novos investimentos,
mormente dos que demandem elevados recursos externos;
- para a transição, é indispensável a implantação de uma política
emergencial de
abastecimento e, posteriormente, uma política de segurança
alimentar;
- será impossível a consecução destas proposições, sem que
se faça uma completa e urgente reformulação dos aparelhos de
estado voltados para a implantação das alternativas e de seu
acompanhamento.
Advirta-se mais uma vez que os propósitos acima podem gerar vários
conflitos externos (EUA, FMI. BIRD, OMC, banca internacional,
etc.) e internos (elites, partidos à direita, empresários,
sistema financeiro, alguns sindicatos etc.), exigindo portanto, a
prévia construção de um novo e difícil pacto de poder político.
Este negociará com partidos, sindicatos, empresariado, regiões e
setores, exigindo acurado preparo político. Sem isto, é difícil
pensar em alternativas dentro da democracia. Mas um agravamento
maior (interno e externo) da crise internacional, diminuiria as
dificuldades políticas. Se o pacto não se realizar até as eleições,
seus proponentes (um Partido ou coligação partidária) deveriam
apresentar a proposta à opinião pública, na campanha eleitoral,
como condição básica para o exercício do mandato, no caso de
vitória.
IV- uma alternativa não neoliberal
A alternativa privilegia a criação de um amplo mercado interno
de massas, pois os constrangimentos internos e externos apontados
impedem a opção de apenas um único e determinante vetor de
crescimento, seja o "drive exportador" ou o hacia dentro
com forte aumento do investimento interno. A exclusiva opção
interna exige elevados investimentos públicos e privados nos próximos
10 anos, para repor os não realizados nos últimos 20 anos. O
modelo também não evitaria altas e necessárias importações de
máquinas e insumos.
Somos um país continental e de grande população mas não
contamos com grandea produção de alta qualidade para poder
transformar nossas exportações na variável determinante da
renda. Isso no passado foi possível com o café, para nós e
milho, trigo e carne, para a Argentina; hoje isto não é mais
possível. Há que selecionar setores menos demandantes de importações,
que aumentarão face à necessária modernização de alguns
setores exportadores. Assim, qualquer dos dois vetores nos coloca
problemas sérios de financiamento interno e externo, e portanto,
de inflação e balanço de pagamentos. Mas o crescimento possível
com qualquer deles - isoladamente - é pequeno e insuficiente para
dar conta do desemprego e de nossa crise social.
Por isso é necessária uma estratégia que não se concentre num
só vetor, mas que, utilize "de tudo um pouco". Ela
contemplaria vários setores ao mesmo tempo, priorizando atualização
tecnológica de alguns segmentos, escalonando no tempo o uso dos
recursos mais escassos (câmbio e finanças públicas). Mesmo
assim, uma combinação "ótima" de setores/tempo/espaço
pressionaria a capacidade de pagamentos externos, obrigando-nos a
reforçar a política de exportações.
Para atingir nossos objetivos, temos que nos libertar do
Neoliberalismo. Para isto é imperativo e urgente que se formule
uma estratégia, para um Programa: Organizado, para não deixar só
ao mercado a "solução" de problemas econômicos e
sociais; Defensivo, porque temos a maior estrutura industrial do
"Terceiro Mundo" e ainda muito a perder - em Ativos e
Empregos - se permitirmos a continuidade da atual política
neoliberal.
Para isto é imprescindível reestruturar o Estado, para retomar
soberanamente os destinos da Política Econômica e Social, mas
isto exige a elaboração de quatro complexos projetos
interdependentes:
1- para evitar que a inflação retome níveis altos e para
arbitrar perdas decorrentes da política de estabilização, com
maior justiça social. Tal projeto deve ser implementado
simultaneamente com algumas das reformas propostas, sinalizando
necessidades e oportunidades de inversão privada, que estimulem o
crescimento e impeçam a fuga ou realocação especulativa de
capitais. Há que formular uma política de abastecimento para
itens de alimentação, cuja demanda crescerá com o aumento do
emprego. Nos principais bens-salário (têxtil, calçados e confecções),
há capacidade produtiva ociosa, mas será necessário fiscalizar
seus preços. Para rever a efetiva variação do custo de vida é
preciso reexaminar as estruturas de cálculo dos Índices de Preços,
muito afetadas pela valorização cambial e queda real dos preços
agrícolas.
2- uma difícil engenharia política que repolitize a economia,
para uma ampla negociação nacional, que passe não apenas pelos
Partidos Políticos, e que examine, discuta, negocie e promova os
atendimentos possíveis à população - notadamente às classes médias
e baixas - e à economia. Tal negociação deve "passar a
limpo" as relações trabalho/ capital; as da interação das
pequenas, médias e grandes empresas; as do tripé, capital
estrangeiro/capital nacional público/ privado; e a dos interesses
e conflitos inter-regionais.
3- É preciso um conjunto de reformas estruturais para que se
possa fazer a "arrumação da casa", para formular as
políticas de curto, médio e longo prazo. É sumamente importante
lembrar que estas reformas, em sua maior parte, devem ser
implantadas concomitantemente, mas, sempre que possível ou necessário,
escalonar algumas em desdobramentos de curto, médio e longo
prazo:
-reforma do Estado, para maior agilização administrativa,
equacionamento e reabilitação do funcionalismo público,
reinstaurar o sistema de planejamento, de política econômica e
de priorização do gasto público;
-estudar e propor pautas adicionais de exportação e importação
que poderão ser criadas via acordos especiais, com ampla integração
comercial com a América Latina e outros países periféricos,
principalmente com os três outros "continentais "-
China, Índia e Rússia. As pautas teriam caráter complementar
entre o Brasil e esses países, expandindo as vendas de produtos
de difícil ingresso nos demais mercados;
-equacionamento do serviço da dívida externa, condicionado á
nossa capacidade fiscal de amortiza-la e que compatibilize um orçamento
cambial que ampare a retomada do investimento e do crescimento;
-equacionamento da dívida pública interna, para disciplinar as
contas públicas e conter a pressão estrutural sobre a taxa de
juros. Todas as dívidas entre órgãos públicos deverão ser
examinadas para uma possível e simples compensação. Dado que as
três esferas de governo encontram-se financeiramente
comprometidas, esse equacionamento deverá abranger a todas. O
alongamento das dívidas públicas poderá ser atenuado para a
alocação privada (direta ou indireta) de recursos em
investimentos privados aprovados pelo governo, em caráter prioritário,
bem como no pagamento de dívidas vencidas com órgãos públicos.
-fiscal e tributária, com maior eqüidade, para readequar as
contas públicas regionais e locais e para simplificar o sistema
tributário nacional e normalizar as finanças exigidas por um
Estado eficiente e justo.
-reestruturação do sistema financeiro nacional para dificultar a
especulação, fortalecer o mercado de capitais e solucionar nosso
estrutural estrangulamento do financiamento de longo prazo;
- reformas sociais (agrária, abastecimento, urbana, saúde pública,
previdência social, educacional e ambiental), projetadas tanto
para ataques emergenciais aos problemas dos mais carentes quanto
para se atingir toda a sociedade, numa perspectiva de prazo maior
- certamente superior ao de um mandato presidencial;
- reforma da empresa, adequa-la aos novos requisitos produtivos,
administrativos e financeiros e permitir maior transparência de
seus resultados, sua eficiência e seu papel social numa sociedade
moderna e mais justa.
4- o quarto é o desenho estratégico do "modelo", cujos
limites são os orçamentos cambial e fiscal, a capacidade interna
de financiamento e o processo seletivo de priorizações sociais e
produtivas, que atendam aos princípio políticos básicos do
modelo. Embora tenhamos que alocar recursos em muitas coisas ao
mesmo tempo (restauração da infra-estrutura, ampliação das
exportações, modernização produtiva e gastos sociais), a
limitação dos recursos impede-nos de atender a tudo e a todos,
ao mesmo tempo. Por isso, o modelo sócio-econômico terá como
diretriz básica priorizações seletivas para o crescimento e a
distribuição da renda. Há que construir "engenharia sócio-econômica"
que combine o máximo possível de áreas-problema, e use os
recursos com metas claras de crescimento, modernização e justiça
social. Ao priorizar áreas, teremos que desenhar projetos específicos
que abarquem selecionados segmentos sociais, regionais e setoriais
i- grupos de empresas que mais exportam ou que têm maior relevância
na produção
de um setor prioritário - material de construção, por exemplo,
para a política habitacional;
ii- regionais, objetivando desenvolve-los e manter a unidade e a
harmonia nacional,
via desconcentração da atividade econômica, mas considerando
também o lado social;
iii- sociais, tanto emergenciais, como frentes de trabalho,
programas especiais de
emprego, atendimento a carentes, e os de caráter estrutural e
permanente, via reforma agrária, distribuição e acesso a
ativos, profunda reformulação dos sistemas de saúde, educação
e cultura, e de renda mínima ;
iv- de ciência e tecnologia, para desenvolver criatividade,
assegurar maior autonomia nacional,e
diminuir o atual elevado grau de dependência tecnológica do país
para com as empresas transnacionais.
Trata-se também de produzir projetos que possam atingir metas múltiplas
como por exemplo, os habitacionais que, simultaneamente, podem
proporcionar altos efeitos positivos diretos e indiretos de
emprego, crescimento e distribuição de renda. Seriam as
seguintes suas principais metas:
i. área social: crescimento com distribuição; combate à
pobreza.
No início do plano gastos e investimentos deverão privilegiar
setores de maior atendimento social e que também sejam
multiplicadores de renda e emprego (como o habitacional,
saneamento etc.). É área que requer poucos gastos em divisas,
altamente empregadora mas forte demandante de recursos públicos e
financiamento de longo prazo. A reforma agrária é prioritária,
pelos menores recursos que exige e menor investimento por emprego
gerado. Saúde e educação públicas incluirão metas para
urgente erradicação do analfabetismo e outras de maior abrangência.
Programa do tipo renda mínima deverá ser implantado, com previsão
de gradativa redução a longo prazo, em função do aumento do
emprego, da melhoria de salários, de política tributária
progressiva e de aumento da oferta de bens-salário. Políticas de
emprego emergencial priorizarão o uso intensivo de mão de obra
em obras públicas e em sua manutenção, obrigatoriamente
condicionadas pelas fontes supridoras de recursos. Aumento
gradativo do salário mínimo.
ii. infra-estrutura:
No início só haverá grandes investimentos em poucos setores,
priorizando-se a distribuição setorial de gastos para atenuar a
carência e deterioração de áreas, tornando-as gradativamente
aptas a apoiar a modernização, as exportações e a retomada do
crescimento. Sua relação capital/produto é alta, mas vários de
seus segmentos podem ser produzidos (e mantidos) com uso mais
intenso de trabalho e menos de capital.
iii. modernização produtiva:
Aqui a priorização estratégica será usada com maior rigor,
dado que a maior parte dos setores tem que ser modernizada. A
seletividade contemplará algumas áreas mais prioritárias, como:
a) manter ou expandir exportações para as quais somos hoje
capacitados; b) desenvolver segmentos de high tech (para o mercado
interno e diversificação de exportações); c) eliminar
"gargalos" da infra-estrutura e da área social. Cadeias
produtivas parcialmente destruídas pelas políticas neoliberais
serão objeto de programa especial, tendo em vista o crescimento,
a economia de divisas com importações e a recomposição da
estrutura produtiva.
V- Apêndice: algumas considerações sobre possibilidades de
expandir exportações.
Além do já apontado, é preciso: i- política de incentivos; ii)
regulamentação para criar estímulos e condições do tipo: para
cada dólar gasto com importações correntes, gerar três de
exportações e para lucros não reinvestidos e remetidos, gerar
recursos externos; iii- reformular a estrutura institucional
externa.
A multilateralização, simplificou as negociações e dificultou
formalmente discriminações isoladas, mas não nos defende das
pressões dos países líderes na OMC nem de suas ações específicas
(isoladas, como as dos EUA, ou coletivas como as da CEE ), que
fazem pender a balança para seus interesses.
A América Latina (desde 1961 com a Alalc), mostrou que as diferenças
estruturais entre seus países (econômicas, institucionais e
sociais), constituem sérios obstáculos para a plena integração.
A precipitada criação do Mercosul (sem mesmo se fazer estudos
setoriais) num prazo de 10 anos (encurtado para 4) deve ser
contraposta à realidade da CEE, que acumulou 34 anos de integração,
antes de instituir o mercado único. A proposta dos EUA, para
integrar o continente americano (a ALCA) é ainda mais absurda,.
Por isso, é preciso repensar o Mercosul, e estudar alternativas
de reorientação comercial, incluindo mais ativamente a América
Latina e propor a criação de um segundo circuito comercia, com a
Europa Oriental, ex-URSS, Índia e China. Vejamos, resumidamente,
algumas questões relevantes, segundo classes de produtos.
a) produtos da agropecuária e agroindústria
Sua demanda (entre 1974 e 1998) caiu cerca de 30% em preços, e não
se espera recuperação alentada. Previsões para o consumo
mundial apontam pequeno crescimento anual das quantidades, entre
1% e 2% para a maioria dos produtos, entre 2,5% e 3,5% para trigo
e soja. A desestruturação das ex-economias socialistas e seu
eventual ingresso na CEE, pode gerar restrições em suas importações
e aumento de suas exportações para a CEE. Com a China, ocorreria
o inverso, por seus graves problemas de erosão, escassez de água
e de terras agricultáveis, vis-a-vis a expansão da demanda
interna causada pela rápida industrialização.
b) produtos minerais metálicos
A tendência a longo prazo é de desaceleração no comércio
mundial, face ao menor crescimento industrial, ao problema energético
e ambiental, e às recentes tecnológicas ( miniaturização,
menor peso dos produtos industriais, novos materiais substitutos e
alta reciclagem (de alumínio, chumbo e zinco).
c) produtos manufaturados
A crise internacional, a reestruturação e "novas"
barreiras comerciais dos países da OCED reduziram muito o alto
crescimento anterior de nossas exportações, caindo nossa
participação no mercado mundial ( caiu para 0,6% em têxteis-confecções
e para 6,7% em calçados). Nos tradicionais perdemos terreno tanto
pelas altas exportações daqueles países (55% das exportações
totais de têxteis e confecções e 45% das de calçados), quanto
pelo avanço das asiáticas, com China, Hong Kong e Coréia
detendo em 1990 mais de 30% das de confecções e de têxteis. A
China deve expandir também suas exportações não-tradicionais,
o que implicará em novas e difíceis negociações, dada a dimensão
mundial de sua oferta e demanda. Para nós, a modernização
seletiva é imprescindível, pois não será mais possível
exportar à custa de trabalho mais barato.
As commodities industriais sofrem altos custos energéticos e
ambientais e substituição tecnológica: a demanda mundial de
siderúrgicos e não ferrosos continuará caindo. Para a pasta
celulósica a concorrência aumentou, face à expansão da
capacidade produtiva em países subdesenvolvidos. Por termos
competitividade nesses segmentos (25% de nossas exportações
totais), ainda poderemos manter nossa participação no mercado,
em que pese as restrições dos países desenvolvidos, já
mencionadas.
Material de transporte, com alta participação na pauta, tem
problema mais delicado, dada a enorme dependência que temos das
decisões de suas transnacionais, ainda mais na área do Mercosul.
Isto também se dá com os produtos high tech . Outros, como químicos
e mecânicos, podem ainda ser objeto de negociações especiais (o
segundo circuito comercial) com países subdesenvolvidos.
As exportações de serviços terão duras negociações,
restando-nos, se possível, exportar serviços de engenharia
pesada e importar os de high tech, além dos financeiros, de
transporte e outros.
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1 A primeira
versão (mimeo) é de 1990 (Unicamp), publicada em 1992 (Cano
(Coord.), São Paulo no Limiar do Século XXI, F.Seade, SP,
v.1),depois ampliada (Cano, Reflexões sobre o Brasil e a Nova
(Des)Ordem Internacional, Unicamp, 1995, 4a. ed). Nesta resumidíssima
versão incorporo sugestões de colegas, notadamente de Maria C.
Tavares, mas a responsabilidade pelo texto é exclusivamente
minha.
2 As principais decorrências das atitudes dos EUA foram: quebra
financeira dos países endividados, alguns deles socialistas; anúncio
do projeto Star Wars (Guerra nas Estrelas) em 1983, limitando a
capacidade de retaliação da URSS; o desastre político e econômico
da perestroika, a partir de 1985-86 e a desintegração da URSS em
1991; a queda do Muro de Berlim em 1989 e o alto custo da
reunificação alemã; desvalorização do Dólar e subseqüente
valorização do IEN. Com isto, os EUA liquidaram não só com a
URSS mas também com as pretensões de Japão e Alemanha, em dar
as cartas no capitalismo mundial.
3 Sobre o tema ver: Fiori, J.L.(Org.) Estados e moedas no
desenvolvimento das nações, VOZES, (1999) e Cano, W. Soberania e
Política Econômica na América Latina, UNESP/UNICAMP (2.000).
4 Ver, no texto citado (Cano, 2000), a análise macroeconômica
dos sete principais países latino americanos.
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