Uma
nova crise do petróleo? (1)
Mesmo
que os preços do óleo cru sejam estabilizados num patamar mais
baixo, nada assegura que os preços dos combustíveis o serão. A
manutenção das atuais taxas de crescimento da economia mundial
terá na alta das cotações um obstáculo decisivo
Ricardo
Carneiro*
Ainda
estão bem vivos na memória de muitos os assim chamados choques
do petróleo ocorridos nos anos 70. Paralelamente a estes choques,
observou-se a perda de dinamismo da economi
a mundial. As taxas de
crescimento caíram substancialmente naquela década, encerrando
um brilhante ciclo de expansão -- a "idade de ouro" --
iniciado no imediato pós-guerra. Apesar da crise conter elementos
mais amplos, como a contestação à hegemonia do dólar e o
esgotamento do ciclo de inovações, os choques do petróleo
tiveram seu papel, tanto no plano econômico quanto simbólico.
Durante
estes anos o aumento do preço do petróleo foi notável: no
primeiro choque, em 1974, ele saltou do patamar de US$ 3 para US$
10, permanecendo neste nível até 1978. Em 1979 ocorreu o novo
choque e os preços chegaram a US$ 30, oscilando em torno deste
patamar nos 5 anos seguintes, quando sobrevieram a crise de
superprodução global e a derrubada dos preços.
Costuma-se
atribuir os distúrbios e a conseqüente subida de preços à
formação do cartel de produtores através da OPEP, cujos membros
chegaram a controlar 50% do total da produção mundial. De fato,
a constituição do cartel foi decisiva, ainda mais quando se
considera a influência política na fixação dos preços que os
países centrais exerciam sobre os países produtores tomados
isoladamente. Há todavia outros ingredientes igualmente
relevantes para explicar o aumento persistente dos preços. São,
por exemplo, o crescimento elevado e sincronizado dos países
centrais e, em conseqüência, da economia mundial, durante os
anos 1970-1973, após um largo período de crescimento
internacional continuado, sob a égide de Bretton Woods.
Os
preços caem, a estrutura de produção se altera
Dos
choques dos anos 70 para cá, a produção e os preços sofreram
importantes modificações. A persistência dos preços elevados
até 1984 implicou a entrada de novos produtores e uma etapa de
superprodução cujo ponto crítico foi o ano de 1986, no qual os
preços caíram abaixo do patamar de US$ 10 o barril. Entre 1987 e
1997, os preços permaneceram estáveis e relativamente
deprimidos. Em termos nominais, oscilaram entre US$ 15 e US$ 20, o
que, descontada a inflação, implica valores menores do que
aqueles praticados após o primeiro choque.
A
redução dos preços, em termos reais, determinou importantes
modificações na estrutura de oferta. Houve, na indústria petrolífera,
um substancial progresso técnico, especialmente com o
desenvolvimento da tecnologia de exploração em águas profundas,
com expressiva redução dos custos de produção. A combinação
de preços reais menores e progresso técnico expulsou produtores
marginais e deu origem a uma nova geografia da produção.
As
múltis recuperam terreno
Do
ponto de vista das áreas produtoras, a principal modificação
foi a perda de importância dos países do ex-bloco socialista,
cuja participação na produção caiu de 20,8% em 1987 para 10,0%
em 1998. Em simultâneo, a OPEP ampliou a sua fatia no mercado, de
31,5% para 40,7% no mesmo período. Os países desenvolvidos, por
sua vez, só mantiveram a participação (1/4 do total) por conta
da produção do Reino Unido, no Mar do Norte, pois produtores
tradicionais como os EUA, reduziram o seu peso em razão da não
competitividade de parcela da produção local.
No
plano das empresas, as modificações foram ainda mais profundas.
Além de um importante movimento de privatização das petrolíferas
estatais, observou-se um intenso processo de concentração entre
empresas privadas através de mega-fusões, como a ocorrida entre
a British Petroleum e Amoco, ou a da Exxon com a Mobil, ou ainda
via aquisições, como as da Elf e Fina pela Total. Em resumo, o
oligopólio petrolífero, tradicionalmente estável e concentrado,
teve a sua concentração ampliada nas última décadas.
Voltando
à trajetória dos preços, observa-se que antes do atual choque,
no início de 1999, os preços estavam em torno de US$ 10 o
barril, por efeito da crise asiática. Em termos reais, descontada
a inflação, este valor correspondia a apenas cerca de 20% do
praticado imediatament
e após o primeiro choque do petróleo, em
1974. Não é de estranhar, portanto, que a decisão da OPEP de
reduzir a produção em 6%, para evitar maior depreciação dos
preços, tenha produzido tamanho reajuste, levando os preços ao
patamar de US$ 35 o barril. Há a considerar também, que em
simultâneo à redução da oferta, a demanda tem crescido
firmemente, por conta da sincronização do crescimento nos países
centrais e na economia mundial.
As
chances da OPEP e a alternativa dos países ricos
Portanto,
ao que tudo indica, está afastada a possibilidade de redução
substancial dos preços. A estratégia da OPEP é regular a produção
para estabilizar os preços do óleo cru na faixa de US$ 22 a US$
28 o barril, evitando de um lado a sub-remuneração e de outro a
entrada de produtores marginais. Ela tem grande possibilidade de
êxito, inclusive em razão do apoio das grandes empresas privadas
cujos lucros aumentaram exponencialmente.
Se de fato esta tendência se impuser, termos, ao final, um
pequeno choque de preços, de cerca de 20% frente àqueles
praticados antes da crise asiática.
Há,
todavia, problemas adicionais a equacionar. A OPEP e as grandes
empresas controlam sobretudo a oferta de óleo cru. Entre a produção
deste último e a de com
bustíveis para uso doméstico ou
industrial há toda uma estrutura de refino, que dá mostras de
estar utilizando integralmente a capacidade instalada. Da mesma
maneira, a capacidade de transporte entre as áreas de produção
e de refino e consumo, através de navios-tanques, também está
saturada. Ou seja,
mesmo que os preços do óleo cru sejam estabilizados num patamar
mais baixo, nada assegura que os preços dos combustíveis o
sejam.
Do
que foi exposto pode-se concluir que a manutenção das atuais
taxas de crescimento da economia mundial terá, no aumento dos preços
dos combustíveis, um obstáculo decisivo. A alternativa dos
governos dos países centrais poderá ser reduzir a carga tributária,
para atenuar a ampliação dos preços até que a capacidade de
refino e transporte seja ampliada. É uma estratégia de êxito
duvidoso que, além do mais, ao estimular o consumo de derivados
de petróleo, vai na contramão de preceitos ambientalistas com
forte aceitação política e social nesses países.
Professor do Instituto de Economia da UNICAMP e editor da
revista Economia e Sociedade
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