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Crescimento e “nova economia”

O crescimento econômico que atingiu os países do Norte nos últimos anos, liderado pelos EUA, não implica em um novo período de expansão. A “nova economia” caracteriza-se principalmente pelo efeito riqueza gerado pelas empresas virtuais, ligadas à internet. 

Maxime Durand* 

A euforia que alimenta os hinos à nova economia se chocou com o pânico que acompanhou a crise financeira asiática e depois o colapso do rublo. Raciocinou-se, na época, sobre dois cenários: uma transmissão rápida do choque aos mercados financeiros dos Estados Unidos e da Europa ou uma asfixia progressiva do crescimento da economia mundial. Foi, todavia, um terceiro cenário, o da retomada do crescimento, que de fato se verificou. Confiantes, os defensores do capitalismo rapidamente concluíram que este entrava em uma nova fase de crescimento duradouro da economia. 

As duas questões devem, entretanto, ser tratadas separadamente. A retomada conjuntural não implica, forçosamente, no prognóstico de um novo período de expansão. Depois da recessão de 1993, a retomada se deu com dificuldades e pareceu se deter em meados de 1996. Mas 1997 é o ano de uma nova guinada que pode claramente ser remetida a uma revalorização do dólar em relação às moedas européias: as exportações da União Européia deram um salto de 10%. Em julho deste ano começou na Tailândia uma crise financeira que terminaria com a queda do rublo em meados de 1998, após ter abatido os melhores alunos do FMI nos países do Sul. Temia-se uma onda de choque sobre os países desenvolvidos. Na Europa, o pessimismo sobre o euro não se dissipava: os analistas vislumbravam um euro reduzido à dupla franco francês-marco alemão que puxaria à distância o “Clube Mediterrâneo” (Itália, Espanha, Portugal e Grécia). 

A nova economia dominante 

Na segunda metade de 1998, existia um acordo de que a situação nos Estados Unidos era a chave da evolução futura, quer por giro brutal do ciclo econômico, com um colapso de Wall Street e uma recessão generalizada, quer por uma aterrisagem suave da economia norte-americana e pela extinção progressiva dos focos de crescimento através do mundo. O fenômeno decisivo foi, portanto, o prolongamento do ciclo de crescimento nos Estados Unidos, ainda mais atípico na medida em que ele foi acompanhado de um verdadeiro entusiasmo, com um ritmo de crescimento anual de 7% no final de 1999. Este novo influxo explica porque uma boa parte da economia mundial retomou o crescimento. 

Os países do norte, paradoxalmente, se beneficiaram da crise financeira de duas maneiras: o retorno dos capitais fugindo dos “mercados emergentes” fortaleceu os resultados das Bolsas e afastou o fantasma do crash; e a diminuição da inflação, reforçada pela queda nos preços das matérias-primas, aumentou o poder de compra dos salários, principalmente na Europa. O ciclo europeu foi, então, retomado recentrado no mercado interno: consumo e depois investimento. 

O debate sobre a nova economia diz respeito principalmente aos Estados Unidos, na medida em que o crescimento europeu se explica muito bem pelos argumentos tradicionais, sem falar da asfixia do Japão por uma estagnação duradoura, que costuma ser esquecida. No caso dos Estados Unidos, deve-se ainda distinguir duas questões: entrou-se verdadeiramente em uma “nova era”?; e este modelo pode ser estendido ao conjunto do mundo capitalista, a começar pela Europa? 

Nos elogios ao novo capitalismo, esquece-se as características excepcionais de que se beneficia a economia dominante. Toda a história dos anos 90 poderia, deste ponto de vista, ser resumida no fato de que os imperialismos europeus e japonês deram aos Estados Unidos os meios de reconstituir uma dominação em todas as áreas: política, diplomática, militar, mas também tecnológica, monetária e econômica. 

A retomada da acumulação de capital nos Estados Unidos – com uma contribuição massiva das novas tecnologias – foi financiada, quase integralmente, pelas entradas de capitais provenientes do resto do mundo. Os Estados Unidos dispõe, de fato, de um privilégio exorbitante: terem seu considerável déficit externo (importações maiores do exportações) financiados pelo resto do mundo, enquanto no mercado interno o consumo doméstico se apóia em uma taxa de poupança próxima a zero. Em qualquer outro país, este desequilíbrio deveria ser reabsorvido através de uma diminuição do crescimento interno e/ou de uma desvalorização da moeda. Uma coisa é quase certa: estas características tornam o modelo americano difícil de ser exportado, ainda mais por sua exuberância repousar em um super-consumo que é acompanhado de um super-endividamento das famílias. Nem todo mundo pode ser a potência dominante! 

Lições da retomada européia 

Permanece a questão da introdução massiva de novas tecnologias nos Estados Unidos e da possibilidade delas fornecerem a base para uma nova fase de crescimento. O debate está aberto, mas dificilmente será fechado. De momento, os fenômenos reais não mostram nenhuma ruptura significativa com as explicações tradicionais. Em particular, os ganhos de produtividade são o fruto de um aumento notável de investimento, cuja característica central é ser financiado pelo resto do mundo. 

Para o social-liberalismo dominante na Europa, a retomada comprovaria uma política bem-sucedida: saneamento financeiro e orçamentário, redução do custo do trabalho e estabelecimento do euro. Mas a realidade é diferente: é na medida em que a Europa teve que descartar os preceitos neoliberais, que ela reencontrou este crescimento suplementar. A retomada foi alimentada por uma moeda fraca e por salários estáveis, enquanto as políticas neoliberais queriam obter uma moeda forte e baixar os salários. Contrariamente ao que era esperado, o euro caiu em relação ao dólar (ou principalmente o dólar subiu) e a deflação deu um fôlego aos salários. Estes dois parâmetros não foram escolhidos pelos governos europeus e lhes foram impostos de fora, contra sua vontade. 

Além disso, esta “retomada de fora” não desencadeou nenhuma das consequências nefastas previstas pelos neoliberais. A inflação continua a diminuir e o excedente corrente, já impulsionado em 1997 pelas exportações, pode ser mantido num nível alto. A participação dos salários na renda deixou de cair, embora tenha se estabilizado em um nível muito baixo, próximo dos 60% do valor agregado nas empresas no caso francês. Isso demonstra, enfim, que o crescimento e não a austeridade é o melhor meio para reduzir o déficit orçamentário, graças às receitas suplementares que ele propicia. 

Rumo a um crash da Bolsa? 

O sucesso da retomada recente (cerca de um milhão de novos empregos criados em dois anos e meio na Europa) permite ter uma idéia do tempo perdido por causa das políticas neoliberais; foi o relaxamento das imposições neoliberais que relançou o emprego. Mas porque se esperou tanto tempo para se relaxar as imposições monetárias e a pressão ferrenha sobre os salários? 

O que é realmente novo na “nova economia” é a decolagem na Bolsa dos valores ligados à internet. A cotação de uma ação na Bolsa serve normalmente para avaliar a rentabilidade, atual ou futura, da empresa. Entre as duas, pode haver uma defasagem, na medida em que a Bolsa antecipa lucros futuros. Não é absolutamente anormal que uma ação cresça mais rápido que o “valor” operacional da empresa. Mas, à médio prazo, esta distância deve ser reabsorvida e a cotação da ação deve ser validada por uma rentabilidade real da empresa. 

O que se passa hoje é quase sem precedentes. As cotações da “Net-economia” decolaram completamente, perdendo qualquer relação real com os resultados de empresas que são, a maior parte do tempo, deficitárias, e que provavelmente permanecerão assim por muito tempo. 

Esta decolagem torna problemático o mercado de ações, do ponto de vista dos próprios capitalistas. Que uma empresa como a American On Line, que no fundo não é senão uma empresa de informática de tamanho médio, tenha podido comprar uma gigante da indústria de lazer como a Time Warner é perfeitamente irracional. As “verdadeiras” empresas não apenas estão expostas ao risco de compra mas veem suas cotações fagocitadas pelas ações internet. Esta situação absurda, onde a Yahoo pesa tanto quando a General Motors, deve se resolver de uma maneira ou de outra. Como parece pouco provável que a rentabilidade das empresas da Net-economia se multipliquem na mesma proporção que a cotação de suas ações, a “correção” será feita pela falência pura e simples ou pela aterrisagem destas ações. 

Como afirma The Economist, a única questão que se coloca é saber quando. É aí que intervem a famosa euforia, esta “exuberância irracional” de que fala Greenspan, o presidente da Federal Reserve Bank (o Banco Central norte-americano). Enquanto todo mundo acreditar, isso pode continuar. O afluxo de pequenos investidores na Bolsa alimenta o mercado com os lucros de alguns investidores parecendo confirmar que não se está no terreno virtual e que isso pode durar um certo tempo. Mas a partir do momento em que há uma guinada e a maioria dos investidores pensa que o mercado não subirá mais, ele deve recuar para seus fundamentos. Quanto mais alto se for, mais dura será a queda. Cada mês que se passa torna-se menos plausível o cenário de uma correção suave e da articulação entre os valores da Internet e do restante da economia. E como a economia dos Estados Unidos foi puxada por um “efeito riqueza” onde as famílias mais ricas consomem muito porque dispõem de um patrimônio confortável, este crash da Bolsa poderá pôr um fim a este ciclo de crescimento da economia dos Estados Unidos. 

Depois do mini-crash 

Eu comprei dez ações de R$100 reais e tive que desembolsar R$1000. Se sua cotação aumenta, eu enriqueço. Este enriquecimento permanece nominal: minhas ações estão em uma conta informatizada e posso seguir dia-a-dia a progressão de meu patrimônio. Esta nova riqueza me encoraja a consumir mais, sem que tenha que poupar minha renda normal. Este “efeito riqueza” desempenha um papel fundamental na euforia de consumo nos EUA. Enquanto conservo minhas ações na “carteira”, permaneço relativamente indiferente às flutuações virtuais das cotações; mas se vendo parte de minhas ações (ou todas elas), posso comprar um carro ou uma casa bem reais. 

Este é o milagre da Bolsa, que multiplica os pequenos pães de uma maneira fascinante. Mas é possível enriquecer dormindo? Para a teoria marxista do valor a explicação é simples: trata-se de uma transferência de valor imposta pelas rendas financeiras sobre a riqueza produzida pela sociedade. Ela é possível porque os salários estão congelados e o investimento produtivo não aumenta. Uma parte do valor criado é, assim, captado por especuladores hábeis: o dinheiro que lhes cai do céu é apenas parte do salário não pago. A ideologia particular do novo capitalismo procura convencer a população que o capital (ou a internet) podem criar dinheiro fora de todo processo de exploração. É isso que se chama fetichismo. Individualmente, um grande número de capitalistas mais informados podem explicar que esta tendência não pode continuar, mas a máquina foi acionada e não tem freio. 

O elogio à nova economia vem sendo acompanhado do elogio a um “acionismo assalariado” que quer colocar como princípio o congelamento dos salários: a remuneração dos trabalhadores não deveria mais passar pela dita “poupança salarial” e sim pela participação nas ações das empresas. Procura-se, desta forma, legitimar a atual forma de acumulação de capital e seu modo de repartição das rendas, dando-lhe uma base social, dividindo os assalariados entre aqueles que têm ações e os que não têm e criando melhores condições para a defesa de um congelamento dos salários e da previdência social. 

Isto pode continuar? A questão é, no fundo, social. Isso pode ser constatado pela extrema sensibilidade dos mercados financeiros à menor melhoria da situação dos salários: quando o desemprego recua, os preços e os salários aumentam e a bolsa vacila. Um dos elementos da “nova economia” é tentar obter um crescimento mais rápido contornando-se o crescimento dos salários. Do ponto de vista estritamente econômico, não há limite para esta configuração, cujo único problema é ser extremamente desigual. Mas se ela é rejeitada, se os assalariados reivindicam sua parte do bolo, então a fuga para frente pode se transformar em derrocada; não se pode distribuir mais riquezas do que aquelas que foram criadas. Se o crescimento se mantem durante alguns anos em 3 ou 4% e a massa salarial também aumenta 3 ou 4%, um aumento anual de 30, 50 ou 100% nos lucros na bolsa não é sustentável. 

Mas um crash na bolsa não significa o crash (final) do capitalismo. Pode-se mesmo dizer que o capitalismo tem hoje a necessidade deste choque – que significaria uma boa desvalorização do capital, a ruína de boa parte dos pequenos investidores parasitas e um estímulo para novas fusões. Ele parece ser uma condição necessária para uma nova fase de crescimento duradouro. Mas esta correção eliminaria também toda tentativa de “vender” o “acionismo assalariado” e evidenciaria os limites do capitalismo atual. 

Entramos em uma fase de instabilidade nas Bolsas. O minicrash pode ser absorvido, a euforia foi resfriada, mas pode-se prever novos passos em falso. Não se trata, todavia, de seguir as cotações da Bolsa e esperar o colapso final. Se a razão da decolagem das bolsas é a depressão salarial, então a questão salarial deve estar, mais do que nunca, no coração da intervenção revolucionária. Deve-se resistir à ofensiva contra o assalariamento, aproveitar a retomada da economia para reativar uma reivindicação salarial ampliada (com a defesa do estatuto do trabalho, a redução da jornada de trabalho e a defesa do emprego) e combater a lógica patrimonial do capitalismo atual. 

Se as bolsas afundam, teremos a melhor comprovação de que o “acionismo assalariado” é uma lorota; se ela não afunda, os assalariados devem reivindicar sua parte no crescimento obtido, e desta forma se opor ao capitalismo realmente existente.

 *Maxime Durand é economista

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