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Lidando com o risco sistêmico[1]

Michel AgliettaCaixa de texto: Fórum Social Mundial 2001
Biblioteca das Alternativas
Artigo publicado em Economia e Sociedade, Campinas, Unicamp. Instituto de Economia, n. 11, dez. 1998.
www.eco.unicamp.br/publicacoes/revista.html 

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Introdução 

Na esteira da crise asiática renovaram-se as iniciativas no sentido de aperfeiçoar o funcionamento do sistema financeiro internacional. O G-7 – sem poupar grandiloqüência – colocou o projeto de uma “nova arquitetura mundial” em sua agenda. Não é a primeira vez em que o G-7 mostra-se preocupado com desordens financeiras internacionais. Depois da crise mexicana, pareceu-lhe necessário emitir uma declaração solene pedindo por sinais precoces de alarme (early warning indicators), por maior transparência dos mercados e por melhor supervisão preventiva. Nos últimos três anos, estas exortações tiveram ressonância. No início de 1997, o Comitê de Basiléia para a Supervisão Bancária  (Basle Committee on Banking Supervision) lançou seus Princípios Essenciais para a Supervisão Bancária Eficaz, com o endosso dos presidentes dos bancos centrais do G-10. Entrementes, o FMI fortaleceu seu sistema de monitoramento macroeconômico e foi dotado de recursos reforçados para prestar assistência a países em crise. Esforço adicional foi dedicado ao padrão bancário internacional, no intuito de adaptar a regulação prudencial às condições enfrentadas pelos bancos fora dos países do G-10, sem que se tenha chegado a qualquer acordo até o presente momento.

Contudo, a crise asiática evidenciou as limitações das tentativas anteriores de reduzir a fragilidade financeira. É fato largamente reconhecido, hoje, que a combinação de livres fluxos de capital e bancos mal regulados pode ser desastrosa – por isso foi estabelecida uma estrutura abrangente de regras. Mas, como argumenta vigorosamente Charles Goodhart (1997), estabelecer padrões é a parte fácil do trabalho. Implementar estes padrões de modo que o comportamento dos bancos seja efetivamente disciplinado é tarefa bem mais árdua. Ela requer uma estrutura de incentivos para manter o risco moral sob controle. Os  temerários empréstimos interbancários realizados em 1996 e 1997 na Ásia indicam claramente  que os padrões não estão funcionando bem – para dizer o mínimo. O enfrentamento do risco moral deve ir além das diretrizes internacionais, recorrendo à pesquisa avançada sobre o pré-compromisso e sobre a supervisão com pronta ação corretiva, implementada nos Estados Unidos. Este artigo sugere o pré-compromisso e a pronta ação corretiva como procedimentos conjuntos no tratamento do risco moral, apresentando uma reflexão sobre maneiras para implementá-los na arena internacional.

Além disso, há o problema fundamental do risco sistêmico. O debate acalorado que veio à tona após a crise asiática dividiu os especialistas em duas grandes categorias. Uma traz para o centro do debate os sistemas financeiros imperfeitos das economias asiáticas. A outra enfatiza o contágio, que dissemina o pânico.

É verdade que a liberalização financeira foi demasiadamente abrupta e mal concebida. Em países desenvolvidos, já se havia observado a ocorrência de crises bancárias de grande amplitude, em casos nos quais a mudança de um sistema financeiro segmentado para um sistema financeiro aberto foi tão brusca que os bancos não tiveram a chance de desenvolver um processo de aprendizado no controle de novos tipos de riscos, ligados a novas oportunidades. Esta observação conduz às seguintes recomendações: uma abertura ordenada e progressiva aos países que ainda não liberalizaram seus sistemas financeiros; a adoção de diretrizes internacionais para aqueles que já o fizeram, além da geração de melhores dados de mercado e da promoção da transparência.

Segundo a outra visão, porém, a má condução da liberalização financeira pelos governos não é suficiente para explicar a recorrência de crises financeiras nos últimos 25 anos, sem falar no registro histórico de crises descrito em Manias, panics and crashes (Kindleberger, 1978). É possível que os mercados de capitais globais sejam inerentemente instáveis, ao menos em condições de maior tensão. Por isso precisam de uma regulação global, cuja figura central seja um emprestador em última instância internacional. Este artigo é dedicado à questão do risco sistêmico nos mercados financeiros e à discussão acerca de como a função de emprestador em última instância pode ser mais bem executada no âmbito internacional.

Assim, o artigo está organizado da seguinte maneira. Na seção 1, são introduzidos alguns fundamentos teóricos sobre a natureza do risco sistêmico e sobre a razão de sua presença na atividade financeira. Na seção 2, são examinadas três crises de mercado dos anos 90, com o intuito de chamar a atenção para problemas de liquidez e fenômenos de contágio em uma ampla gama de mercados financeiros e circunstâncias. A seção 3 procura tirar lições da crise asiática, centrando foco sobre o risco sistêmico. A seção 4 argumenta em defesa da necessidade de um regulador sistêmico em adição às regras prudenciais já acordadas e aos supervisores nacionais dos bancos. Também investiga os mecanismos formulados a fim de manter o risco moral sob controle. Por fim, apresenta-se uma breve conclusão sobre a questão da regulação sistêmica.  

1. O risco sistêmico: alguns fundamentos teóricos 

O risco sistêmico pode ser definido, em linhas gerais, como a ocorrência de equilíbrios subótimos, i.e., socialmente ineficientes, que podem se transformar em armadilhas para os sistemas econômicos, porque não há um ajuste de mercado espontâneo, resultante do comportamento individual racional, que possa libertar o sistema da situação macroeconômica precária (Aglietta & Moutot, 1993).  Exemplos de tais equilíbrios surgem nos mercados de depósitos bancários (Diamond & Dybvig, 1983), de crédito bancário (Mankiw, 1993), de ativos transacionáveis com expectativas heterogêneas (Gennotte & Leland, 1990) ou com crenças extrínsecas (extraneous beliefs) (Guesnerie & Azariadis, 1982).

Portanto, o risco sistêmico per se é a possibilidade latente – desconhecida pelos participantes do mercado, ou contra a qual estes não se protegeram – de que um evento sistêmico possa ocorrer (e a economia, de fato, mova-se em direção a um equilíbrio subótimo). Os teóricos tendem a atribuir eventos sistêmicos a uma de duas hipóteses gerais sobre o funcionamento dos mercados financeiros:

– Informação assimétrica em mercados de crédito (Mishkin, 1995), que conduz à subestimação do risco e ao subseqüente sobreendividamento, fazendo surgir a fragilidade financeira, que resulta em um aumento acentuado no custo da intermediação financeira e/ou num credit crunch.

– Formação de preços de ativos em condições de liquidez restrita (Minsky, 1986), que descreve a alternância de euforia e desilusão gerada por fortes interações subjetivas entre os participantes do mercado, as quais fazem surgir comportamentos coletivos (contágio e pânico).

É possível fornecer uma fundamentação teórica mais profunda para ambas as hipóteses quando se compreende que a atividade financeira não é apenas processamento de informação, mas também aquisição de conhecimento em condições de incerteza. Em processos cognitivos – que dependem de interações interindividuais (externalidades) – podem ocorrer falhas de coordenação Por sua vez, as falhas de coordenação explicam por que a liquidez é o foco do risco sistêmico e por que os bancos são os elos frágeis do sistema financeiro. 

1.1. Incerteza e falhas de coordenação 

Há uma falha de coordenação quando melhoras no bem estar social são possíveis, mas não podem ser alcançados por ajustes de mercado, pois nenhum agente privado encontra incentivo para desviar-se do equilíbrio existente. O leitor pode observar que este conceito é totalmente consistente com a definição de risco sistêmico apresentada anteriormente.

Como se explica a ocorrência de uma falha de coordenação? Pelas interações estratégicas entre indivíduos, derivadas de processos cognitivos em condições de incerteza endógena.

Por causa da incerteza endógena, os riscos tornam-se não-independentes, o que provoca interações estratégicas entre os participantes do mercado. É possível distinguir dois tipos de incerteza endógena. O primeiro é a incerteza relacionada às atitudes dos demais (incerteza ética). O processo de aquisição de conhecimento depende de confiança, isto é, de uma coordenação coletiva implícita, cuja ausência causa falhas. O segundo tipo é a incerteza gerada pela indefinição do futuro (incerteza epistêmica). Significa que a inovação não pode ser prevista a partir do conhecimento acumulado no passado; a experiência das ações passadas é radicalmente incompleta como base para a tomada de decisões quanto ao futuro. A abordagem substantiva do risco (otimização de funções de utilidade certainty-equivalent) já não é apropriada. Torna-se necessário implementar uma abordagem procedural, que dê conta das interações estratégicas entre os participantes do mercado.

Mais do que qualquer outra atividade econômica, a atividade financeira que realiza apostas sobre as apostas dos empreendedores, e que vincula tais apostas a compromissos contratuais (contratos de dívida), é infestada de incertezas, tanto éticas quanto epistêmicas. Para descrever a abordagem procedural pertinente a situações de incerteza endógena, os acadêmicos inspiraram-se em teorias sobre os processos cognitivos e formularam as seguintes hipóteses:

A hipótese da miopia intrínseca (Guttentag & Herring, 1986): um risco do tipo que não pode ser estimado com base em uma função de probabilidade bem definida pode ser tratado com base em um patamar heurístico. Trata-se da reação psicológica a uma ameaça que não pode ser avaliada com base nas probabilidades indicadas por eventos passados da mesma natureza. O patamar heurístico induz a uma descontinuidade no comportamento individual, uma vez que a probabilidade subjetiva da ameaça é de zero abaixo do patamar e estritamente positiva além dele. Este comportamento míope é reforçado pelo fato de que a lembrança do último evento sistêmico degrada-se à medida em que este evento se afasta no tempo. A miopia é validada também pela dissonância cognitiva – a atitude mental relacionada à propensão de prosseguir subestimando o risco sistêmico, mesmo quando começam a aparecer os primeiros sintomas de que este risco está sendo subestimado.

A hipótese da complementaridade estratégica (Cooper & John, 1993): trata-se de um feedback positivo entre ações que se reforçam mutuamente. É possível demonstrar que a complementaridade estratégica é condição necessária e suficiente para as falhas de coordenação. Ela conduz diretamente ao contágio – isto é, a processos coletivos que se reforçam a si mesmos. Gera equilíbrios múltiplos e reações amplificadas (isto é, efeitos multiplicadores) a choques endógenos no âmbito macroeconômico. Portanto, ao contrário do que normalmente se afirma, multiplicadores não são fundados em preços rígidos ad hoc.

A miopia intrínseca e a complementaridade estratégica são logicamente consistentes. Como o risco sistêmico não pode ser atribuído a um choque exógeno em uma variável fundamental, mas sim constitui o resultado de falhas de coordenação endógenas, não há como os participantes do mercado determinarem independentemente seus patamares heurísticos com base nos sintomas crescentes de uma ameaça a caminho. A única alternativa é observarem o comportamento dos participantes cujo patamar é mais baixo que o deles. Dado que, quando o patamar de um agente é atingido, dá-se uma reação descontínua, o contágio pode espalhar-se em um processo auto-realizável – que pode ser descrito como ações em cascata na mesma direção (por exemplo, vendas).    

1.2. A liquidez e os bancos 

A liquidez está no cerne do risco sistêmico em mercados financeiros. A falta de liquidez é muito mais perigosa para a integridade do sistema financeiro como um todo do que a insolvência de devedores isolados. A razão para isso está em que a dúvida a respeito da solvência pode facilmente permanecer circunscrita à instituição que a originou (a menos que esta instituição seja um banco); o mesmo não se aplica à dúvida a respeito da liquidez. Isto porque a liquidez não é uma característica exógena de um ativo; é uma relação estratégica entre os participantes do mercado. A liquidez é a relação que dá origem às falhas de coordenação na atividade financeira.

Liquidez é um direito potencial a dinheiro no ato, é a possibilidade de se obter dinheiro a partir de um ativo, a qualquer momento e sem perdas, para saldar um compromisso. Como os ativos que geram valor estão necessariamente ligados à capacidade produtiva, não se pode falar em liquidez para o conjunto de uma economia. A liquidez de um mercado existirá enquanto seus participantes acreditarem que ela existe. Se a confiança se enfraquece, fazendo com que as pessoas anseiem por testá-la, a liquidez torna-se esquiva. Ocorre uma pressão de venda que pode se transformar em pânico, num fenômeno em cascata. Torna-se possível identificar com precisão a falha de coordenação. Os participantes do mercado apressam-se em liquidar seus ativos, pois não sabem qual será o piso inferior do preço. Não existirá esse piso enquanto houver novas rodadas de vendas líquidas. Compreende-se facilmente o efeito devastador da incerteza endógena.

Dúvidas sobre a liquidez destroem a confiança, que dá sustentação à estrutura dos passivos financeiros. O medo de uma escassez de liquidez deixa os market makers imobilizados em posições involuntárias, e precipita a demanda para que as dívidas sejam saldadas, em lugar de serem roladas como de costume. Conforme será descrito na seção 2, o risco de liquidez pode dar vazão a efeitos de spillover de um segmento do mercado para outro. O feedback positivo, que ocorre por causa da complementaridade estratégica entre agentes privados, gera funções de excesso de demanda crescentes com os preços de mercado, fazendo com que os desequilíbrios transbordem de um mercado para outro.

Identificar a liquidez como o centro nevrálgico do risco sistêmico torna possível entender por que os bancos são especiais. Eles são ao mesmo tempo unidades privadas geradoras de lucro e partes de uma rede que oferece um bem coletivo para o conjunto da economia, o mecanismo para efetuar pagamentos e saldar dívidas. Esta é, evidentemente, uma definição funcional, e não institucional; qualquer unidade que realize funções bancárias torna-se um banco e deveria ser regulada enquanto tal. Por causa de seu duplo papel econômico, os bancos são as unidades nas quais os problemas de solvência e de liquidez apresentam-se inexoravelmente imbricados. Constituem os elos frágeis nas crises financeiras.

Os bancos oferecem depósitos – passíveis de conversão rápida e ao par em dinheiro – em volume muito superior ao de suas reservas e ativos líquidos. Portanto, o contágio pode acontecer com mais rapidez no caso dos bancos, com impactos sobre os saldos interbancários e os sistemas de compensação. O contágio também pode se tornar mais difundido entre os bancos do que em qualquer outro contexto porque o depositante médio tem todas as razões para acreditar que o dinheiro é resgatável. Os depositantes concebem o sistema bancário em seu dever coletivo de prestar ??l???? serviços de pagamento, o que os faz acreditar que os bancos são homogêneos em sua capacidade de prover dinheiro. Assim, a assimetria das informações é muito maior entre os bancos e seus depositantes do que entre outras instituições e seus credores. Conseqüentemente, os pânicos bancários podem desencadear mais falências e maiores perdas entre os depositantes, pois o capital é muito mais baixo em proporção aos passivos no caso dos bancos que em qualquer outra firma. É por isso que a dinâmica do risco sistêmico envolve bancos na maioria das crises financeiras. 

2. Falhas de mercados financeiros nos anos 90 

Com a expansão da mobilidade de capital e da liberalização financeira, toda uma gama de mercados floresceu nos anos 80 – tanto mercados de securities como de derivativos. Eles ampliaram enormemente os meios de gerenciar a liquidez e o risco. As conexões entre segmentos de mercado multiplicaram as oportunidades de arbitragem, e o resultado é um verdadeiro mercado atacadista para a liquidez. Já se argumentou que o grau mais elevado de completude dos mercados torna a disseminação do risco mais efetiva e faz com que as necessidades de liquidez sejam satisfeitas a um custo mais baixo, em razão do espectro mais amplo de fontes. Isto sem dúvida é verdade em condições normais, quando se considera que o risco sistêmico inexiste. Entretanto, nos anos 90, surgiram inúmeros distúrbios em vários mercados financeiros e de derivativos. Em seguidos episódios, um crescimento elevado da volatilidade e severos problemas de liquidez fizeram-se notar. Não é objetivo deste artigo fornecer um relato analítico dos episódios mais relevantes (o que foi feito em Davies, 1995 e Aglietta, 1996). Será suficiente apresentar uma sinopse das características principais destes eventos (Quadro 1), como base para as conclusões sobre a vulnerabilidade dos mercados contemporâneos em face do risco sistêmico. Depois disto, será destacado o novo papel dos bancos como intermediários de mercado. 

2.1. Lições da turbulência nos mercados financeiros 

As características contidas na sinopse (Quadro 1) poderiam ser tomadas como circunstanciais, pois não têm como base uma amostra ampla de episódios de crise da mesma natureza. Contudo, elas ilustram a fundamentação teórica esboçada anteriormente a respeito do comportamento individual e dos mecanismos de contágio nas atuais condições de mercado. Fatores recorrentes de fragilidade financeira estão ocultos na estrutura dos mercados financeiros internacionais. Eles permanecem em estado latente em condições normais, mas são ativados em períodos de tensão, freqüentemente provocados por choques macroeconômicos ou estruturais. Os distúrbios financeiros observados em estruturas frágeis possuem um potencial de disseminação para outros mercados. Os principais processos que conduzem ao risco sistêmico são dinâmicas de preço desestabilizadoras, incerteza na avaliação do risco do crédito e vulnerabilidade em face do risco de liquidez do mercado. Os derivativos raramente originam uma crise – constituem, não obstante, canais para o feedback positivo entre mercados sob pressão. No que diz respeito aos elos dinâmicos entre os mercados como fonte do risco sistêmico, é possível aprender as seguintes lições com base nos episódios mencionados na sinopse: 

 

Quadro 1

Características de crises financeiras recentes selecionadas

Episódios

Origens dos distúrbios

Natureza dos riscos

Envolvimento dos derivativos

Potencial de contágio

Insuficiências nas medidas prudenciais

Sistema Monetário Europeu (1992-1993)

Desalinhamento das taxas de câmbio

Choque da unificação alemã

Incerteza em relação ao SME

Risco cambial

Risco de crédito em alguns países

Opções put em moedas sob ataque especulativo

Hedging dinâmico

Especulação auto-realizável

Mercados ilíquidos

Falta de apoio internacional dentro do ERM (Exchange Rate Mechanism)

Mercado de bônus (1994)

Fortes posições carregadas na expectativa de taxas de juros de longo prazo mais baixas

Aperto abrupto na política monetária americana

Risco de juros

Swaps de taxas de juros e futuros

Enorme aumento na volatilidade

Spillover internacional generalizado

Venda em massa em um amplo espectro de mercados de bônus

As pesadas perdas impõem problemas agudos de liquidez para firmas internacionais

Barings (1995)

Queda inesperada do Nikkei

Risco de preço de ativos magnificada pela sensibilidade de derivativos

Contratos de opção e futuros sobre o índice Nikkei 225

Spillover entre as bolsas de Singapura e Osaka

Incerteza quanto ao pagamento de chamadas de margem no SIMEX

Administração interna de riscos ineficiente

Falta de coordenação entre bolsas

Falta de separação adequada entre o trading próprio e para clientes

México (1994-1995)

Desequilíbrios macroeconômicos cumulativos

Deterioração da situação política ??l????

Câmbio fixo

Risco cambial

Risco de liquidez

Swaps de Tesobonus entre bancos de investimento norte-americanos e bancos mexicanos

Substancial na América Latina, especialmente dramático na Argentina

Forte deficiência na supervisão do risco soberano com liberalização financeira

Ásia (1997)

Liberalização financeira mal concebida

Crédito de curto prazo excessivo

Câmbio fixo

Risco de crédito (superendividamento de curto prazo)

Risco cambial

Extrema volatilidade dos preços dos ativos

Operações offshore para ocultar o tamanho real da exposição

Disseminado na Ásia: retiradas em cascata de fundos de curto prazo e pressão de vendas em massa nos mercados de ativos domésticos e de moeda estrangeira

Inexistência de supervisão doméstica; gara??l????ntias implícitas

Demora do FMI na avaliação dos graves problemas de liquidez e da intensidade do credit crunch

– A falta de liquidez em algum segmento do mercado atacadista pode forçar os intermediários que atuam como market makers a lançar mão do hedging dinâmico, propagando a falta de liquidez para um conjunto mais amplo de segmentos.

Espera-se dos market makers que satisfaçam os usuários finais e mantenham o mercado em ordem, de modo que uma reação exagerada do mercado possa ser neutralizada por agentes baseados nos fundamentos. Na realização de suas atribuições, os market makers expõem-se a perdas indesejadas e significativas quando se postam contra um movimento de venda em massa. Se as perdas forem muito elevadas em relação ao capital, se o crédito é caro ou arriscado demais para financiar uma exposição crescente aos ativos em depreciação, os market makers podem desistir de sustentar os preços de mercado em qualquer nível predeterminado (Bingham, 1992). Esta é uma falha de mercado típica, em decorrência da qual a liquidez evapora-se no segmento em questão, e a incerteza faz aumentar substancialmente a volatilidade dos preços. Como conseqüência, diversos participantes do mercado vêem-se obrigados a proteger suas posições por meio do hedging dinâmico. Como pôde ser verificado nos casos notáveis do colapso do mercado de bônus em 1994 e da crise do Sistema Monetário Europeu em setembro de 1992, uma concentração de contratos de opção cujo preço de exercício esteja em um nível visto como crítico, de acordo com a percepção do mercado ou em relação a uma banda de flutuação, desencadeia o hedging dinâmico quando o preço futuro excede o preço de exercício. Por sua vez, o hedging dinâmico cria um excesso de demanda no mercado do ativo subjacente, excesso esse que é uma função crescente do preço de mercado, assim exacerbando os movimentos de preços e perturbando a liquidez do mercado de dinheiro (relatório Brockmejer, 1995). Outra pressão no sentido de se liquidarem os ativos subjacentes advém das chamadas de margem e de garantias sobre derivativos, que são tanto maiores quanto mais elevada for a volatilidade dos preços. A crise do Baring é um bom exemplo; na ausência de ação decisiva por parte dos reguladores, a incerteza poderia ter levado os dealers a liquidar suas posições, causando o colapso do SIMEX.

– Diversas razões explicam a possibilidade de venda em massa nos mercados atuais, nos quais a competitividade é intensa e as expectativas em relação a preços são influenciadas por parâmetros complexos.

Equilíbrios múltiplos auto-realizáveis e informação assimétrica podem levar à escassez de liquidez em mercados temporariamente desequilibrados. Tal situação pode ser transformada em crise aberta pelo movimento de fuga da exposição indesejada, por parte de um grupo concentrado de market makers.

Investidores institucionais, que desempenham um papel fundamental tanto nos mercados atacadistas de dívidas quanto nos mercados de derivativos associados, participam ativamente da dinâmica especulativa. Operando em mercados muito competitivos, reagem de modo similar a sinais comuns, desenvolvem as mesmas estratégias para proteção dos portfólios, e são altamente sensíveis às performances uns dos outros no mercado. O motivo pelo qual estão expostos ao comportamento de manada está em uma estrutura de incentivos que advém da informação assimétrica no gerenciamento da poupança contratual (Davis, 1995).

A administração de fundos envolve um sério problema de relação entre agente e principal. Na verdade, não existe qualquer contrato contingente de longo prazo capaz de obrigar os administradores a agir de modo ótimo no interesse dos investidores. Nos sistemas financeiros fortemente regulados, impunham-se restrições às estruturas de portfólio em nome da limitação dos riscos. Porém, essas regras restringiam a concorrência e davam espaço para que os administradores de fundos cobrassem comissões proibitivas. O surgimento da poupança contratual em um ambiente financeiro desregulado fortaleceu as demandas dos investidores finais por rendimentos mais elevados; daí decorreram mandatos mais curtos, avaliações de desempenho e a vinculação dos ganhos dos administradores a valores de mercado.

Os mecanismos adotados a fim de reduzir o conflito entre agente e principal levam, em condições de tensão, ao comportamento de manada. Quando os valores dos fundamentos são muito incertos, os administradores de fundos, de modo racional, seguem a opinião do mercado, de forma a garantir sua performance relativa de curto prazo, ou porque imitam uns aos outros ou porque recebem os mesmos sinais. Este tipo de coordenação de mercado provoca vendas ou compras em massa dos mesmos ativos (Scharfstein & Stein, 1990). Além disso, a informação levada em conta nessas circunstâncias nada tem a ver com valores futuros intrínsecos dos fundamentos. O que é crucial para vencer o mercado é deduzir, antes que os demais participantes do mercado, as notícias a que reagirão no futuro próximo – de acordo com a lógica do concurso de beleza de Keynes (Schiller, 1995). Consciente de que constitui uma fonte de informação para os demais, cada participante esconde, estrategicamente, sua opinião. Espalhar boatos e esquematizar engodos para despistar concorrentes são traços comuns de mercados financeiros sob incerteza. Assim, apelos rituais por transparência não passam, em tais estruturas de mercado, de ocas manifestações wishful thinking.

Os fundos de hedging e os fundos mútuos possuem passivos que podem ser liquidados a qualquer momento. São, pois, vulneráveis a uma fuga para a qualidade. Precisam vender seus ativos instantaneamente para redimir suas próprias quotas. É por isso que as mudanças na opinião do mercado podem deflagrar grandes alterações nos portfólios Quando começa a generalizar-se a opinião de que certas moedas devem ser descartadas, de acordo com um padrão de reconhecimento mútuo, pode ocorrer uma realocação em massa dos portfólios institucionais.  

2.2. A natureza da fragilidade oculta dos mercados financeiros
 

([1]) Traduzido do inglês por Maria Clara Paixão de Sousa. Revisão técnica de Antonio Carlos Macedo e Silva. 

Em seu exame abrangente de episódios históricos de crises financeiras, C.P. Kindleberger observou que os mercados financeiros funcionam bem na maior parte do tempo. Mas há circunstâncias nas quais o comportamento dos participantes do mercado cria efeitos de feedback, que fazem com que as perturbações se propaguem de um mercado para outro, em lugar de ser absorvidas no segmento de origem. Uma razão importante para isto é que os investidores institucionais, os principais fornecedores de liquidez, interpretam mal os sinais de preços. Em um ambiente de incerteza, eles podem entender um colapso nos preços devido a uma escassez temporária de liquidez como uma revisão para baixo do valor fundamental do ativo. Em lugar de comprar o ativo porque seu preço encontra-se temporariamente subvalorizado, gerando assim a liquidez necessária, eles apressam-se em vender, fazendo com que o preço continue deslizando para baixo. Se os market makers não entrarem como substitutos dos investidores institucionais, o segmento de mercado em questão pode entrar em colapso. Agentes que estavam usando este segmento para proteger, sob forma de hedging, suas posições em outros segmentos, vão ter que recorrer precipitadamente ao hedging dinâmico – e com isso disseminarão o desequilíbrio inicial.

Segundo o relatório de 1993 do G-30 sobre derivativos, a tarefa de market making, nos mercados globais, está altamente concentrada em um pequeno número de bancos internacionais de investimento e comerciais e securities houses. Quanto mais a poupança for canalizada por meio de investidores institucionais, maior será a dependência em relação aos mercados de securities como repositórios de liquidez. Quando os investidores institucionais produzem liquidez comprando títulos de dívida de curto prazo, eventualmente fazem o hedge de pelo menos uma parte do risco de mercado. Derivativos de balcão, em franco desenvolvimento, são instrumentos adequados à configuração de instrumentos sob medida. São emitidos pelos bancos internacionais. Estes dealers precisam fazer o hedge de suas posições. A questão crucial é: podem fazê-lo por meio dos mercados de derivativos de balcão ou precisam contar com o hedging dinâmico nos mercados de securities subjacentes, contribuindo assim para a pressão de venda em massa? Podem fazer o hedge diretamente se houver investidores querendo negociar risco em mercados de balcão. Estes investidores tornam-se os emissores finais dos derivativos. Nesse caso, o risco de mercado está efetivamente diversificado, e não ocorre nenhuma externalidade dinâmica. Os dealers também podem fazer o hedge se sua posição agregada líquida em mercados de balcão é pequena. O risco de mercado é redistribuído no interior do grupo de market makers segundo seus perfis de risco individuais, de modo que não são mantidas posições indesejadas. Este padrão ótimo de provisão de liquidez e diversificação do risco seguramente é possível quando as condições financeiras são estáveis. Contudo, é extremamente improvável que o padrão se sustente em ambientes voláteis, quando a opinião dos investidores institucionais passa por mudanças abruptas e coletivas em resposta a choques. Mercados de balcão podem tornar-se muito pouco líquidos, e o conjunto dos market makers terá que se garantir por meio do hedging dinâmico nos mercados subjacentes.

As crises de mercado a que se faz referência no Quadro 1 e outros episódios de graves perdas por parte de operadores em mercados de balcão demonstram que condições relativamente favoráveis nem sempre estão presentes. As estruturas dos mercados ocultam fragilidades que só se revelam em situações de maior tensão, quando os preços encontram-se excepcionalmente instáveis. As características de muitos contratos de derivativos do tipo das opções  tornam-nos altamente vulneráveis a mudanças inesperadas na volatilidade de taxas de juros e de câmbio. Quando os clientes tendem a fazer o hedge em um único sentido em um mercado de câmbio, a exposição agregada dos intermediários do mercado pode aumentar subitamente, e suas perdas são imensas.

Como será argumentado a seguir, o risco de liquidez nos mercados deveria constituir uma motivação central para que os reguladores incentivem a cooperação organizada. Isso porque as dúvidas sobre a liquidez destroem a confiança na qual repousa a estrutura dos compromissos financeiros, o que leva ao contágio, como aconteceu na crise asiática. 

3. A crise asiática, para além dos fundamentos macroeconômicos 

A explicação convencional das crises financeiras foi extraída da experiência latino-americana dos anos 80 – ou seja, de crises originadas pela insolvência de devedores soberanos. Entendem-se as crises como fruto da deterioração de fundamentos macroeconômicos: ampliação dos déficits público e externo, supervalorização da taxa real de câmbio, baixa poupança privada, inflação alta, baixas reservas cambiais, e assim por diante. Quando se analisam as crises financeiras em países emergentes, dedica-se pouca atenção à experiência das recorrentes crises bancárias e de mercado que acompanharam a liberalização financeira nos países desenvolvidos. O erro de diagnóstico originalmente cometido no caso da Ásia resulta provavelmente deste viés interpretativo. Com a possível exceção da Tailândia, porém, não há muito o que aprender com a tentativa de inferir fatores de crise de variáveis macroeconômicas. Não há explicação tradicional que dê conta da desvalorização média de 80% enfrentada pelos países abatidos pelo pânico entre 2 de julho e o final de dezembro de 1997, combinada com o declínio de 50% no índice de valor das ações asiáticas. O caso da Coréia é notável. O país apresentou uma taxa média de crescimento de mais de 8%,  nos anos de 1994 a 1996; uma taxa de inflação decrescente de 6 a menos de 5%; uma taxa de poupança doméstica de nada menos que 35% do PIB (sem nenhum sinal de queda); um déficit de conta corrente, muito modesto até 1995, que aumentara, sem motivos para alarme, para menos de 5% do PIB em 1996 e já em 1997 recuperava-se para 2%; e uma taxa de câmbio real estável. Não se pode dizer que este quadro representasse uma deterioração da situação macroeconômica... Definitivamente, torna-se imperioso conduzir a investigação para além da visão convencional de uma crise estrutural induzida pelos fundamentos. A questão principal é descobrir o que provocou as condições de tensão, que forneceram as bases para o pânico e o contágio que se seguiram.  

3.1. Uma fragilidade financeira fundada em uma liberalização mal concebida 

Segundo a análise do funcionamento dos mercados financeiros, estes são vulneráveis ao risco de liquidez, que leva a feedbacks positivos e efeitos de spillover.  A dinâmica deriva de falhas de coordenação em condições de incerteza endógena. Estes tipos de incerteza, éticas ou epistêmicas, fazem com que os participantes do mercado percebam a possibilidade de equilíbrios múltiplos. Uma taxa de câmbio fixa, por exemplo, é um regime que envolve ao menos dois equilíbrios, pois o fim da ancoragem leva a uma taxa de câmbio flexível, que é um regime factível. A ruptura do regime é auto-realizável, se advém de uma coordenação de expectativas, fundada sobre a crença de que o ataque especulativo será validado pelas autoridades monetárias sob pressão (Obstfeld, 1996).

Considerando-se a experiência dos repetidos eventos na América Latina, Europa e Ásia, pode-se concluir que a liberalização do mercado financeiro é o elo frágil na criação do tipo de incerteza que conduz a entradas de capital insustentáveis e às subseqüentes crises auto-realizáveis.

A crise asiática tem raízes plantadas nas finanças privadas, ao contrário das crises de dívida soberana dos anos 80. A fragilidade financeira desenvolveu-se a despeito do desempenho macroeconômico favorável, assim como na Europa e nos Estados Unidos em 1986/89. Na Ásia, a crise surgiu depois de um longo período de crescimento elevado e estável, com uma acumulação financiada por dívida, que não apresentou maiores problemas enquanto os sistemas financeiros dos países permaneceram regulados.  A liberalização finaneira será entendida como uma inovação sistêmica, que destruiu a coerência anterior sem criar uma nova. É um solo fértil para a incerteza epistêmica entre os participantes do mercado – locais ou estrangeiros.

A liberalização financeira correspondeu a um desaparecimento súbito do controle do crédito por parte do Estado, controle esse que era o pilar da estabilidade financeira em economias propensas ao endividamento. Este pilar foi derrubado sem que se desse tempo, nem às instituições financeiras locais para adquirir experiência no gerenciamento de riscos, nem às autoridades supervisoras para constituir um conjunto de regras prudenciais e mecanismos de sanção. Os métodos de gerenciamento prevalecentes, tão criticados ultimamente pelos mesmos comentaristas que aplaudiam o milagre asiático no começo da década, eram de fato incompatíveis com a abertura dos mercados financeiros. 

3.2. Garantias implícitas? 

Uma explicação muito em voga sobre a crise, divulgada com vigor por Paul Krugman e seguida por outros, entende que a crise origina-se de fraquezas estruturais nos sistemas financeiros. Porém, atribui ela toda a culpa aos devedores, dando ênfase às assim chamadas garantias implícitas. Os investidores internacionais ficam inteiramente redimidos e o capitalismo de compadrio é apontado como o único culpado pelas desordens financeiras.

Esta visão não resiste a um escrutínio cuidadoso. Como já foi mencionado, é preciso explicar por que o capitalismo de compadrio funcionou tão bem e por tanto tempo, e por que desarranjou-se tão abruptamente por si só. A única resposta possível é que a abertura financeira instantânea eliminou a lógica fundamental e a coerência geral do sistema asiático. A lógica básica era que o setor financeiro não constituía  uma atividade autônoma, e sim um mecanismo de crédito voltado ao crescimento. Maximizar o crescimento total não é o mesmo que maximizar o valor financeiro líquido. Mas o sucesso desta concepção da atividade financeira, adotada na Europa continental e no Japão ao longo da era de crescimento do pós-guerra, requer um sistema regulado com controle direto do crédito. Com a eliminação deste controle, não pode haver garantia efetiva, seja explícita ou implícita. Os investidores internacionais deveriam ter sido mais cautelosos do que aparentemente foram, tendo em vista as experiências passadas. Mas aqui cabe uma acusação ainda mais direta do que a de terem ignorado a mudança no arranjo sistêmico.

A forma mais desagregadora de influxo de capital foi a dos empréstimos de curto prazo em moeda estrangeira, concedidos pelos bancos internacionais aos bancos locais. Sabia-se bem que estes últimos estavam estendendo  o crédito em moeda local em ritmo cada vez mais acelerado, e com prazos mais breves, a empreendedores imobiliários e a empresas industriais que passavam por uma situação de excesso de capacidade. Não havia falta de transparência sobre o montante de crédito de curto prazo. Além disso, os bancos internacionais certamente não ignoravam que os bancos locais estavam juntando um imenso risco de câmbio a seu risco de crédito e ao descasamento de prazos. Com certeza sabiam, por sua experiência no passado, que o risco de câmbio é o mais volátil dos fatores de risco. Se acreditavam em garantias implícitas, qual teria sido a fonte desta crença? Como tinham concedido empréstimos em moeda estrangeira, as garantias dependiam inteiramente das taxas fixas de câmbio adotadas pelos países asiáticos. Se existe uma coisa sabida e aceita, pela teoria e na prática, é que nada é mais frágil que uma taxa fixa de câmbio. Assim que o câmbio se torna supervalorizado, vêm à tona os equilíbrios múltiplos e os ataques especulativos auto-realizáveis. Se os bancos internacionais tivessem levado em conta a possibilidade do colapso das taxas fixas, teriam conduzido stress tests para avaliar suas perdas potenciais nos piores cenários. Os resultados de uma avaliação de risco adequada teriam feito com que os bancos internacionais cumprissem o dever de disciplinar seus devedores, sob a forma de prêmios de risco muito mais elevados e limites de crédito.

Ainda assim, seria possível argumentar que os bancos internacionais contavam com garantias, uma vez que não comportaram de acordo com o que seus sistemas de controle interno permitiam. Mas os governos asiáticos não podiam oferecer garantias sólidas. A origem da garantia era a política do FMI. Tendo em vista crises de endividamento anteriores, os bancos internacionais sabiam muito bem que o FMI sempre veio em seu resgate. É uma prática padrão comum nacionalizar as obrigações dos bancos, por meio de contratos de reescalonamento, elaborados junto aos governos locais sob o auspício do FMI, manobrando os mecanismos de crédito do Fundo. Enquanto se praticar esta doutrina arraigada, não haverá incentivo para que os bancos internacionais fortaleçam suas próprias políticas prudenciais e monitorem seus devedores mais de perto. 

Tabela 1

Coréia: indicadores macroeconômicos e financeiros após a liberalização financeira

??l???? ??l???? ??l????

 

1992

1993

1994

1995

1996

1997

1 – Variáveis macroeconômicas

 

 

 

  

  

 

Taxa de crescimento do PIB (%)

5.1

5.8

8.6

8.9

7.1

6.0

Taxa de inflação (%)

6.2

4.8

6.3

??l????

4.5

4.9

4.3

Taxa de poupança interna (% do PIB)

35.1

35.2

34.6

35.1

33.3

32.9

Saldo em conta corrente (% do PIB)

–1.5

0.1

–1.2

–2.0

–4.9

–2.0

Taxa de câmbio real (índice 1990=100)

87.8

85.2

84.7

87.8

86.8

 

 

 

 

 

 

 

2 – Variáveis financeiras

 

 

 

 

 

 

Crescimento do crédito interno (%)

11.7

12.7

18.4

14.7

19.4

Crédito ao setor privado (% do PIB)

53.4

54.2

56.8

57.0

61.8

Passivos externos dos bancos (% dos passivos totais)

7.6

6.9

8.0

10.1

12.8

Passivos externos líquidos dos bancos (U$ bilhões)

20.9

29.2

43.8

58.4

57.1

Passivos externos líquidos de instituições não bancárias (U$ bilhões)

??l????

9.1

11.2

14.3

20.4

23.1

Fonte: IMF World Economic Outlook (Dec. 1997, Tab. A1).

O caso da Coréia é particularmente eloqüente (Tabela 1). Ele mostra claramente que a tomada excessiva de riscos origina-se da regulação financeira inadequada (Stiglitz, 1998). Com a eliminação do controle de crédito, o crédito ao setor privado em relação ao PIB saltou de 53% em 1992 para 62% em 1996. Os passivos externos líquidos dos bancos quase triplicaram, subindo de US$ 21 em 1993 para US$ 58 bilhões em 1996.  No caso das instituições não bancárias, o aumento foi de US$ 9 para US$ 20 bilhões. A disseminação deste comportamento em meio ao novo ambiente financeiro é ilustrada pelo caso dos chaebols. Eles antes competiam por fatias de mercado com margens de lucro estreitas, em decorrência de uma política industrial que tinha como objetivo a obtenção de economias de escala em indústrias exportadoras (Yung Chul Park, 1998). É por isso que suas posições relativas dependiam de seus gastos com investimento. Com o endividamento, estes gastos foram fortemente alavancados. A desregulação iniciada em 1993 simplesmente eliminou o controle estatal sem reinstituir qualquer outro mecanismo de monitoramento. Logo depois, a dívida foi às alturas e tornou-se mais de curto prazo.

No início dos anos 90, uma campanha ideológica liderada pelos Estados Unidos e pelas instituições internacionais pressionava os governos asiáticos a liberalizar seus setores financeiros. A ??l???? China resistiu; mas a Coréia, como novo membro da OCDE, não podia fazer nada a não ser sujeitar-se a essas exigências. A abertura, forçada e sem uma preparação adequada, abriu caminho, imediatamente, ao impressionante e insustentável crescimento dos influxos de capital acima mencionado. Fortíssimas exposições a riscos de descasamento de prazos e de mercado foram acrescentadas a riscos de crédito ampliados. Empréstimos de curto prazo passaram a responder por mais de 60% das entradas líquidas totais – quando correspondiam a menos de 40% no período de 1990 a 1993. Tanto as disponibilidades para crédito comercial quanto os empréstimos bancários ultrapassaram em muito o crescimento doméstico e a expansão do comércio. Foram atraídos pelo chamariz do rendimento elevado, no contexto de grandes diferenciais de juros entre os mercados financeiros domésticos e os externos, com taxas de câmbio fixas. Com os bancos locais acumulando dívidas externas de curto prazo para oferecer empréstimos internos de longo prazo a um ritmo que só podia ser sustentado temporariamente, e com a incapacidade das autoridades supervisoras em fazer valer medidas corretivas, viriam sem dúvida momentos de tensão, tão logo a qualidade dos ativos começasse a ser questionada. A coluna dos ativos, nos balanços das instituições financeiras, deteriorou-se drasticamente, em razão dos investimentos descuidados em securities estrangeiras e das operações com derivativos financeiros. Firmas de securities  e fundos mútuos da Coréia estabeleceram fundos offshore para disfarçar seus empréstimos como se fossem investidores estrangeiros, reinvestindo em securities domésticas de alto risco. Essas posições offshore abertas acarretaram imensas perdas.

3.3. A crise asiática como processo auto-realizável 

Quando uma grande alta nos preços de ativos, alimentada por um aumento acelerado na demanda por crédito, leva ao aumento da volatilidade, ou quando corporações fortemente alavancadas começam a dar sinais de insolvência, uma mudança drástica nas opiniões do mercado pode estar bem próxima. Porém, a explosão da bolha é inerentemente imprevisível. Há um período de latência após a incerteza ter atingido o ápice. As informações que normalmente alimentam o julgamento do mercado deixam de ser relevantes. As expectativas perdem seus parâmetros. Em busca de informações significativas e sem poder encontrá-las em valores fundamentais, os participantes do mercado voltam-se para dentro. A coordenação das expectativas torna-se mimética e dá vazão à formação de um estado de espírito coletivo, que pode mudar abruptamente de euforia para desilusão. Inicia-se uma forte pressão de vendas; as entradas de capital transformam-se em saídas. Como foi demonstrado na seção 2, seguem-se problemas de liquidez que desencadeiam uma fuga generalizada para a qualidade e levam ao contágio por meio do comportamento de manada.

Os mercados de câmbio sofreram uma impressionante reversão nos fluxos de capital. Nos cinco países asiáticos assolados pela crise, o movimento de retorno dos fluxos de curto prazo foi equivalente a mais de 10% do PIB. Investidores estrangeiros sacaram seus fundos, e os residentes correram para cobrir suas dívidas em moeda estrangeira. O bath mergulhou no dia 2 de julho. Duas semanas depois, o contágio atingiu a Malásia e a Indonésia, enquanto o dólar de Singapura despencava. A confiança foi sendo minada ao longo do verão, com o declínio contínuo das três moedas sob pressão especulativa. Àquela altura, já era evidente que os mercados não estavam conseguindo encontrar um piso para os preços, com base no qual a liquidez pudesse ser regenerada. Em outubro, a crise ganhou vulto. Entre 10 de outubro e 24 de dezembro, o won caiu 50%, ao passo que a rúpia desabou completamente. Até o dólar de Taiwan teve uma depreciação substancial, e o dólar de Hong Kong  entrou na linha de ataque. Nesse ínterim, a queda brusca da bolsa de valores de Hong Kong em 23 de outubro derrubou os mercados acionários em toda a região. A esta altura, o FMI precisou, repetidas vezes, vir ao socorro tomados dos países tomados pelo pânico, sem conseguir acalmar os mercados.

Esta breve reconstituição do contágio pode ser suplementada por um relato mais detalhado sobre a Coréia, para demonstrar que a dinâmica dos mercados ilíquidos estava operando de acordo com o padrão descrito na seção 2.

Investidores estrangeiros retiraram seus investimentos do mercado de ações coreano já na primeira semana de setembro (Yung Chul Park, 1998). Emitiram assim um sinal aos bancos estrangeiros, que se recusaram a rolar seus empréstimos de curto prazo às instituições financeiras coreanas. Depois de sua temerária distribuição de empréstimos, que evidenciava nível elevado de risco moral, os bancos internacionais pressionaram o governo coreano a buscar financiamento junto ao FMI. Como o pacote do FMI não foi suficiente para estancar a crise de liquidez, a situação piorou em dezembro, em meio à incerteza política.

Só em dezembro chegou-se à decisão de fornecer uma assistência emergencial, da ordem de US$ 10 bilhões, para cobrir a iminente interrupção nos pagamentos relativos aos empréstimos estrangeiros de curto prazo. Isto constituiu uma intervenção retardada de emprestador em última instância. Esta intervenção – e não a política tradicional de crédito restrito do FMI, imposta anteriormente ao governo coreano – restituiu um pouco de confiança ao mercado de câmbio. Depois de ter atingido seu ponto mais baixo no início de janeiro de 1998, a taxa de câmbio recuperou-se. Isto é uma pista de que a Coréia havia sofrido um arrocho da liquidez provocado pelo excesso de passivos estrangeiros de curto prazo. Alarmados pelo sinal de alerta emitido pela queda nos preços das ações, os bancos haviam se lançado em busca da quitação dos empréstimos concedidos, negando a seus devedores a rolagem de rotina (Feldstein, 1998). A resultante pressão de venda em massa sobre o won deveria ter sido combatida já em outubro de 1997.

As lições trazidas por este episódio enfatizam o papel crucial do mercado de câmbio. É este o canal pelo qual os riscos de crédito e de mercado, normalmente separados, tornam-se interdependentes. É também o canal privilegiado do contágio.

Enquanto a taxa de câmbio se mantém fixa, a pressão especulativa crescente revela-se nas taxas de juros em franca ascensão e no declínio das reservas contra a dívida de curto prazo em moeda estrangeira. As saídas em forma de pagamentos de juros aumentam quando da rolagem dos empréstimos vincendos. Uma inquietação com respeito a uma possível escassez de liquidez em relação a compromissos de pagamento futuros alimenta a especulação, porque a perspectiva de um  colapso da taxa fixa de câmbio  torna-se visível.

Se o câmbio fixo realmente entra em colapso, os passivos dos bancos locais endividados ultrapassam instantaneamente seus ativos, deteriorando seu patrimônio líquido. O risco de câmbio efetivado alimenta o risco de crédito. Os bancos internacionais cortam suas linhas de crédito e resgatam seus títulos assim que estes vencem. A crise de liquidez torna-se aguda e deflagra nova rodada de queda livre no câmbio. A pressão de venda é gerada pela incerteza a respeito das condições de liquidez. Como ninguém sabe qual será o piso do preço, o mercado não consegue reequilibrar-se endogenamente. Quando falhas de mercado ocorrem em mercados cambiais, faz-se necessária a presença de um emprestador em última instância internacional.  

4. A necessidade de um emprestador em última instância e o controle do risco moral 

É sabido que a atividade de emprestador em última instância e o risco moral são frutos gêmeos do risco sistêmico. Além disso, o risco moral é onipresente em mercados financeiros enfraquecidos por informações assimétricas e externalidades. O custo social supera o custo privado. O problema principal é que a intervenção do emprestador em última instância deve ser soberana – e não refém dos bancos, ou dos países devedores sempre que as dívidas externas do setor privado forem de facto nacionalizadas. É exatamente por isso que o risco moral deve ser controlado. Ao contrário do que se costuma dizer, como o risco moral está envolvido na maioria dos contratos financeiros, proibir o emprestador em última instância com certeza não é a maneira de lidar com essa ineficiência. O caminho está em fortalecer políticas prudenciais, que assegurem ao emprestador em última instância autonomia plena em sua ação. Isso significa nada além de um retorno à própria essência do emprestador em última instância: salvaguardar a confiança no funcionamento dos mercados monetários.

Com a globalização dos mercados, a assistência do emprestador em última instância também precisa ampliar seu escopo, pois os efeitos de contágio difundem-se por vastas áreas. Se é necessário um emprestador em última instância internacional, isto não significa que este papel deva caber a uma única instituição supranacional. O regulador sistêmico poderia ser organizado como uma rede cooperativa de bancos centrais, com a responsabilidade de manter um estoque regular de liquidez. Correlativamente, a prevenção do risco moral deve ser construída com base na compreensão de que as estruturas de mercado envolvem instituições centrais. 

4.1. A prevenção do risco moral 

Em abril de 1997, o Comitê da Basiléia para a Supervisão Bancária lançou seus Princípios Centrais para uma Efetiva Supervisão Bancária (BIS, 1997), defendendo diretrizes consistentes para reformas financeiras, a serem realizadas individualmente pelos países, sob a responsabilidade de seus respectivos governos. A implementação de tais diretrizes em países emergentes certamente ajudará a tornar o sistema financeiro internacional mais robusto. Mas serão necessários anos, ou mesmo décadas, para que as reformas estejam avançadas, implementadas e disseminadas a ponto de terem influência significativa no sistema financeiro global.

Esta abordagem estrutural depara-se com obstáculos descomunais. Em primeiro lugar, a visão normativa que inspira os princípios centrais é bastante estranha aos métodos utilizados para manter a estabilidade financeira nos países em desenvolvimento. Já foi observado, neste artigo, que a liberalização financeira constitui um choque sistêmico, porque o pilar  da estabilidade financeira – isto é, o controle estatal – é removido abruptamente. Estabelecer regras c??l????apazes de fornecer uma estrutura de incentivos que propicie o bom comportamento em mercados livres, em lugar de segmentar operações e proibir determinadas ações, é um salto muito grande, que enfrentará obstáculos filosóficos e políticos. Criar instituições supervisoras capazes de fazer valer as regras é um desafio ainda maior. Traz à tona questões como expertise, dessegmentação, autoridade política com mandato claro, independência estatutária. Assim, a mudança comportamental e organizacional das instituições financeiras exige um processo cognitivo demorado, que enfrentará fortes resistências a práticas administrativas ainda não testadas.

Como a reforma financeira provavelmente prosseguirá de modo muito desigual de um país para outro, a cooperação entre os organismos supervisores nacionais ficará muito aquém dos requisitos de uma supervisão global. Entretanto, as recorrentes crises financeiras em mercados interrelacionados chamam atenção para as deficiências das agências supervisoras nacionais, que não alcançam uma visão global mesmo em países financeiramente sofisticados. Por sua vez, as recomendações das firmas de auditoria e das agências de rating podem ser seriamente questionadas. Não se pode esperar muito do aumento da transparência  a menos que a divulgação seja muito drástica para firmas internacionais com múltiplas posições interconectadas em uma ampla ga??l????ma de segmentos de mercado. Essas afirmações soam pessimistas; mas apontam, na realidade, para uma abordagem que concentre a prevenção do risco nas instituições centrais dos mercados monetários globais.

Concentrar-se no lado dos tomadores de recursos não basta. Se a dívida externa de curto prazo não tivesse se acumulado, não teria havido uma crise financeira com potencial de risco sistêmico na Ásia. Os empréstimos de curto prazo dos bancos locais foram fornecidos pelos grandes bancos internacionais, na forma de volumosos créditos interbancários. Supõe-se que estas instituições centrais sejam dotadas de sistemas de controle interno eficientes, capazes de evitar que se arrisquem excessivamente. Contudo, os sistemas não conseguem integrar o risco de crédito e o risco de mercado, além de subestimarem grosseiramente as perdas potenciais em tempos de tensão.

A crise asiática traz à baila um grave desafio para o gerenciamento de riscos. A elevada alavancagem em processo era conhecida dos participantes do mercado. Havia pistas de que algo de errado estava acontecendo. Mas uma profunda incerteza ocultava a magnitude dos problemas e o momento de sua explicitação. Os modelos emitiam sinal verde até o início da crise; as agências de rating não foram mais eficientes. Todo administrador de portfólio presume que diversificar é bom, porque se supõe que as condições financeiras nos diferentes países são independentes, em vista das informações obtidas junto aos especialistas em cada país. A ênfase no stress testing não é tão desenvolvida, não só por causa das dificuldades técnicas, mas também – e principalmente – porque é muito difícil pensar no impensável. Como foi observado na seção II, o risco moral é o resultado da miopia quanto ao risco sistêmico. Por isso é tão difícil, no stress testing, distinguir cenários. Ataques auto-realizáveis trazem uma incerteza radical. Alguns países podem ir à bancarrota sem que se desenvolva uma turbulência mundial; outros podem suscitá-la inesperadamente. Mas não há critério para diferenciar choques financeiros que são auto-contidos de outros que não são.

É possível tirar conclusões decisivas destas observações. Mercados de capital globais precisam de uma regulação financeira global, não de uma mixórdia de supervisores nacionais de visão estreita e qualidade variável. Além disso, a questão da regulação prudencial das instituições centrais é muito diferente da supervisão macroeconômica de cada país. Uma tal responsabilidade deveria recair sobre uma entidade que conheça intimamente as grandes firmas financeiras, tenha capacidade de reunir informações sobre a atividade dos mercados e de investigar os sistemas de controle internos das firmas. Isto aponta para um BIS ampliado, e não para o FMI, com a vantagem de desenvolver a expertise onde esta já existe, e impedir uma concentração de poder demasiadamente grande.

Em relatório recente, o G-30 sustentava que as exposições a risco mais opacas, não detectadas pelos sistemas de monitoramento existentes, provêm da trama intrincada de riscos de contraparte assumidos pelas principais firmas internacionais, diretamente umas com as outras e, indiretamente, por meio de suas transações com os mesmos clientes pelo mundo (G-30, 1997). Portanto, um fortalecimento substancial da supervisão global seria indispensável para levar os principais intermediários a assumir maior responsabilidade por seus riscos.  

Quadro 2

Organização da regulação prudencial

Tipos de regulação

Natureza das instituições

Nível 1: regulação do mercado

Proteção ao consumidor

Preservação da liquidez do mercado em tempos normais

Agência independente (SEC, ...)

Câmaras de compensação em mercados organizados??l???? sob a forma de bolsas

Intermediários privados em mercados de balcão

Nível 2: supervisão bancária

Monitoramento prudencial de ratios

Supervisão de sistemas internos de controle

Reguladores prudenciais: autoridades supervisoras independentes e (ou) bancos centrais

 

Nível 3: tratamento de crises financeiras

Solução de falências bancárias

Contenção do contágio sistêmico

Reguladores sistêmicos:

Fundos dotados de dinheiro público (resolution funds)

Emprestador em última instância

 

Uma organização eficiente da regulação prudencial deveria distinguir três níveis, exercidos por diferentes tipos de instituição (Quadro 2). O caráter internacional complica ainda mais a questão: pode se tratar tanto de instituições localizadas em centros financeiros diferentes trabalhando em cooperação, como de instituições genuinamente internacionais, com autoridade para regular intermediários financeiros, de qualquer origem, que estejam envolvidos em atividades financeiras internacionais.

A supervisão de bancos internacionais é um tipo de regulação do nível 2. As instituições diretamente envolvidas, no âmbito nacional, são os bancos centrais, e talvez autoridades supervisoras independentes, conforme as idiossincrasias das legislações de cada país. Os bancos centrais estão sempre envolvidos – mesmo que não monitorem diretamente os intermediários financeiros – já que também são reguladores sistêmicos. A questão do risco moral é, justamente, a conexão entre as regulações do nível 2 e do nível 3. A qualidade da supervisão no nível 2 influencia a capacidade de conter crises financeiras e resolvê-las, caso cheguem a ocorrer, com firmeza e a custos mínimos.

Supervisores de bancos também precisam trocar informações com as instituições do nível 1, pois os principais intermediários estão profundamente envolvidos em atividades de mercado, sendo subscritores de securities internacionais e market makers de derivativos de balcão.

Uma estrutura coerente deveria envolver todas as instituições ativas no âmbito global. A abordagem market friendly recentemente desenvolvida deveria ser acompanhada pelo princípio duplo de controle interno e supervisão delegada. Mas os padrões de qualidade deveriam ser muito mais severos para o grupo altamente concentrado das principais instituições do que para outros participantes do mercado. Isso significa que os modelos de controle interno devem ser capazes de operar em condições de mercado extremas; a transparência relativa às exposições deve ir além dos extratos financeiros de rotina para determinar posições consolidadas; deve haver abertura para investigações in loco, e deve ser adotada uma estrutura administrativa que separe criteriosamente funções operacionais e funções de auditoria interna. É necessário, também, aperfeiçoar a auditoria externa. Firmas de auditoria que lidam com instituições globais devem ser capazes de investigar o perfil de risco dos auditorados, o que significa que deve haver uma única firma de auditoria para cada instituição central.

Para que estes mecanismos aperfeiçoados operem tranqüilamente, é necessário que haja um monitoramento financeiro global. O BIS parece ser o lugar apropriado para isso. Ele já centraliza os relatórios dos bancos internacionais; abriga um comitê bancário que reúne os supervisores nacionais da maioria, senão de todos os bancos internacionais. Este comitê já conduziu um diálogo substancial com a comunidade financeira, protegido das influências dos governos. O BIS é também o eixo principal de uma rede de bancos centrais. Sob seus auspícios, ou em estreita ligação com ele, poderia ser criado um instituto para o estudar e diagnosticar o risco sistêmico.

Ainda assim, uma melhor estrutura para prevenir condutas que induzem ao risco sistêmico não será completamente segura. Para combater o risco moral de modo eficaz, o supervisor ou a rede de supervisores devem ter o poder de impor sanções. Pode-se defender duas estratégias para relacionar as sanções a uma estrutura de incentivos que impeça a aceitação deliberada de perdas elevadas (Goodhart et al. 1998). Uma delas é um esquema de rating para as principais instituições, conferido pelo supervisor do país sede das instituições, segundo um método de rating acordado pelos supervisores como parte do monitoramento financeiro global. Este procedimento profundo de rating terá a vantagem adicional de obrigar as agências de rating a também encontrar métodos melhores. A outra maneira é uma abordagem de pré-compromisso, pela qual uma instituição se compromete com um limite máximo de perda em seu portfólio global ou de trading, sofrendo uma punição se o limite é ultrapassado (Kupiec & O’Brien, 1997).

A vantagem do pré-compromisso para o supervisor é que ele não precisa avaliar os sistemas internos de controle. Mas a abordagem também encerra desvantagens graves. O pré-compromisso não é apenas uma auto-avaliação do nível de risco; envolve também as questões do apetite pelo risco e do custo de capital, em uma avaliação que dependerá da cultura de cada firma. A conseqüência é que não há consistência entre os limites pré-compromissados das várias instituições; eles podem variar amplamente, e ainda encerrar níveis excessivos de risco. Além disso, se a punição por ultrapassar a perda máxima anunciada for de natureza financeira, ela poderá ser contornada pelo uso de estratégias de opção – pois a punição opera como uma opção relativa aos rendimentos do banco.

Portanto, a melhor estratégia para os supervisores deve ser elaborar um esquema de rating combinado a sanções de natureza não financeira. Um caminho que talvez valesse ser estudado seria definir as sanções como um gradiente de reações, da parte dos supervisores, em uma estrutura ampliada de ações corretivas imediatas. Um rebaixamento no rating teria como resultado uma determinação de que o banco tomasse medidas no sentido de reduzir sua exposição ao risco. Quanto mais rápido e maior o rebaixamento, mais drásticas e mais imediatas seriam as medidas exigidas. 

4.2. A questão do emprestador em última instância 

Originada na obra de Thornton, já em 1802, a doutrina de emprestador em última instância adquiriu características operacionais nas duas últimas décadas do século XIX. Desde então, sofreu mudanças significativas. Porém, a estrutura básica do risco sistêmico, que constitui sua razão de ser, indica as condições e o objetivo de suas ações. Reafirmar seus princípios é a melhor maneira de levantar o problema trazido pela exigência de tornar internacional o escopo desta função. Permite, assim, definir que tipo de instituição pode melhor desempenhar a função de emprestador em última instância no cenário financeiro globalizado de hoje.

A função de emprestador em última instância é um atributo soberano de uma autoridade monetária, que evita a propagação de um colapso da liquidez devido a falhas de coordenação nos mercados monetários. No período anterior à primeira guerra mundial, quando as crises financeiras foram freqüentes e se espalharam internacionalmente, a atividade de emprestador em última instância era considerada a arte dos bancos centrais. O empréstimo de última instância não decorre de um contrato, e sim de uma decisão discricionária tomada por um banco central, ao diagnosticar que uma economia inteira está prestes a cair em um equilíbrio subótimo por causa da escassez de liquidez.

Este poder discricionário e soberano provoca nos mercados uma ambigüidade estrutural. Como as crises de liquidez podem ser auto-realizáveis, o volume de liquidez para contê-las não pode ser predeterminado. Só uma instituição com soberania na criação de dinheiro pode mobilizar recursos ilimitados. A elasticidade infinita do dinheiro do banco central durante uma contração brusca da liquidez é que restaura a confiança entre os bancos. É possível, portanto, exercer o papel de emprestador em última instância induzindo certos bancos importantes a manter suas linhas de crédito ou depósitos junto a outros bancos, sem que efetivamente haja dispêndio de dinheiro pelo banco central. Esta medida será facilitada se o banco central puder contar com um bom monitoramento financeiro para controlar o risco moral e para avaliar a tempo a deterioração da liquidez.

Para ser operacional e não conduzir ao risco moral, a doutrina precisa distinguir entre iliquidez e insolvência fundamental. Instituições podem tornar-se insolventes por causa da queda nos preços dos ativos e do cancelamento das linhas de crédito, que resultam da própria crise de liquidez. Mas se seus portfólios fossem avaliados em níveis pré-crise, e se os passivos fossem rolados como de costume, estariam perfeitamente solventes. Em vista disso, a doutrina clássica do emprestador em última instância recomendava que se emprestasse com liberalidade a instituições capazes de apresentar boas garantias, quando avaliadas a preços “normais”, fazendo-o a uma taxa punitiva, para desencorajar o risco moral. É sabido que uma distinção precisa entre falta de liquidez e insolvência não é factível em meio ao turbilhão de uma crise aberta. É exatamente por isso que o risco moral surge juntamente com o auxílio do emprestador em última instância. Seja como for, uma percepção básica da doutrina clássica perdura: em um mundo de mercados financeiros livres, o emprestador em última instância é a única instituição capaz de determinar um piso para o preço em mercados cruciais tomados de assalto por vendas motivadas pelo pânico.

Além disso, os grandes intermediários de mercado só podem ser recrutados para auxiliar no resgate da liquidez se por trás deles houver a figura de um emprestador em última instância de prontidão. Com esta garantia coletiva, eles podem ser induzidos à formação de pools para compra de ativos, ou à realização de empréstimos a instituições dispostas a comprar os ativos que estão sendo colocados à venda por todos os demais agentes em fuga para a liquidez.

Tais intervenções, que afirmam a presença do emprestador em última instância sem que haja dispêndio de sua parte, são comuns em mercados nacionais. Basta lembrar que, em 20 de outubro de 1987, quando o mercado futuro de índices de ações ameaçou entrar em colapso total, o FED incitou os big city banks a continuar emprestando aos dealers do mercado, e emitiu uma declaração anunciando que estaria pronto a fornecer qualquer montante de liquidez que se fizesse necessário.

Em mercados financeiros globais, a visibilidade do emprestador em última instância tem sido menos nítida, e nunca foi institucionalizada. Não obstante, episódios de crise recentes salientam sua eficácia. No final de setembro de 1992, o franco francês foi alvo de um ataque especulativo auto-realizável. Uma declaração conjunta solene das autoridades monetárias francesas e alemãs reafirmou a pertinência da paridade central no que dizia respeito aos fundamentos e sua importância na transição para a União Monetária Européia. A declaração afirmava ainda que a paridade seria defendida com todos os meios disponibilizados pelo acordo do Sistema Monetário Europeu. Esse comunicado singular e simbólico teve grande impacto no mercado. Deu credibilidade ao cenário oficial e desacreditou o cenário rival, sufocando efetivamente a especulação. No final de 1994, tornava-se claro que as autoridades mexicanas enfrentariam problemas incontornáveis de liquidez no primeiro semestre de 1995. A imensa demanda por dólares deflagrou uma venda pânica de pesos. A queda da taxa de câmbio estava se transformando em debandada geral, e o mercado de ações estava à beira do colapso total, porque ninguém sabia qual seria o piso para o valor em dólares do peso. Depois  de alguma demora, o FED e o tesouro americano entraram em cena e prepararam um empréstimo de emergência para o governo mexicano, restaurando efetivamente a confiança e interrompendo a queda livre do peso. A falha de mercado foi combatida com sucesso porque as autoridades monetárias dos Estados Unidos convenceram o mercado de que queriam um piso razoável para o valor do peso. Com este ponto de referência assegurado, foi possível retomar as transações, com alguns investidores internacionais apostando na recuperação do peso, baseados neste piso.

Uma perspectiva histórica mais profunda, que investigue os mercados financeiros globais do período anterior à Primeira Guerra Mundial, pode lançar mais luz sobre o funcionamento do emprestador em última instância. Recentemente, surgiu uma controvérsia entre historiadores econômicos. Uma vertente sustenta que a cooperação entre os bancos centrais representou uma contribuição decisiva para o funcionamento do padrão-ouro clássico (Eichengreen, 1995). Outra ressalta, em contrário, que a cooperação era episódica (Flandreau, 1997). É possível reconciliar as duas visões quando se admite que o padrão ouro funcionava bem sozinho em tempos normais, graças à força da propriedade de reversão à média dos fluxos de capital na proximidade dos gold points, expressando a confiança na regra de convertibilidade. Porém, em tempos de tensão, podia ocorrer uma escassez aguda de ouro, por causa da mesma regra de convertibilidade. O Banco da Inglaterra estava contido, em seu papel de emprestador em última instância, pelas severas restrições impostas pelo Peel Act. Em contraste, o Banco da França havia acumulado uma quantidade considerável de ouro, que possibilitava a esta instituição oferecer empréstimos de emergência a bancos estrangeiros ou regularizar as condições de liquidez no mercado monetário internacional.

Dois episódios notáveis merecem ser comentados. Na crise do Baring em 1890, o Banco da França e o Banco da Rússia em conjunto emprestaram ouro como parte de um pacote internacional de resgate, preparado sob os auspícios do Banco da Inglaterra. No outono de 1907, a crise de liquidez estava a todo vapor no mercado monetário de Nova Iorque. J. P. Morgan dirigiu-se a Londres para pedir auxílio, em nome dos membros da Câmara de Compensação. O Banco da França fez uma contribuição crucial, fornecendo ouro diretamente e descontando letras de câmbio contra Londres.

Tanto episódios contemporâneos como históricos mostram que as intervenções internacionais de emprestador em última instância são ações de bancos centrais, unilaterais ou bilaterais, que se dão sempre que os bancos centrais têm interesse em manter tranqüilos os mercados monetários sob seus cuidados. Os bancos centrais não estão autorizados a sofrer perdas no cumprimento de suas atribuições de prestamistas de última instância; por isso, precisam encontrar boas garantias. Na Ásia, nenhum membro do poderoso grupo de bancos centrais do G-10 estava interessado o bastante para entrar em cena. Os mercados estavam assustados, e as perdas acarretadas pelo pânico foram desnecessariamente altas. Se o FED ou o Banco do Japão tivessem interferido para sustentar o won nos dias críticos de outubro – eventualmente trocando mais tarde os ativos adquiridos por ativos em DES (Direitos Especiais de Saque) com o FMI – teriam enviado um importante sinal para o mercado. A crise de liquidez teria sido estancada muito provavelmente já em outubro de 1997. 

4.3. Intervenção em última instância sobre o iene 

Em 6 de junho de 1998, houve uma intervenção conjunta inesperada sobre a taxa de câmbio iene-dólar, que ilustra o esquema defendido neste artigo. O FED e o Banco do Japão compraram moeda estrangeira no valor de dois bilhões de dólares para interromper a queda livre do iene. A presença do FED no mercado teve um efeito dramático sobre os agentes. O iene, que perdia valor dia após dia em um mercado em crise de confiança – tendo chegado a 146 e estando a caminho dos 150 ou mais – reagiu de imediato, indo para 135, estabilizando-se na faixa de 135 a 140 nos dias subseqüentes.

É importante ressaltar que este evento foi um intervenção de emprestador em última instância, e não uma intervenção de rotina no mercado de câmbio. Foi motivado pela preocupação das autoridades monetárias dos Estados Unidos ao diagnosticarem um risco sistêmico global.

Em 1997, as condições macroeconômicas no Japão haviam deteriorado flagrantemente, piorando assim a insolvência generalizada do sistema financeiro. As taxas de juros de curto prazo estavam paradas em 0,5% e a impotência da política monetária era um indício de uma situação de armadilha da liquidez. De um modo geral, o processo de política econômica como um todo parecia paralisado. Os consumidores haviam perdido a confiança na elite política e financeira. Já não reagiam a qualquer estímulo, sacando seus depósitos dos bancos e optando pelo sistema postal ou por dinheiro vivo.

Enquanto isso, o big bang da liberalização financeira estava marcado para abril de 1998. O início da liberalização permitiria aos investidores japoneses uma margem de manobra muito maior para exportar capital. Diante de um diferencial de 5% nas taxas de juros de longo prazo, manadas de investidores lançaram-se precipitadamente a comprar ativos em dólar, aumentando assim a pressão de venda sobre o iene.

A queda contínua do iene teve conseqüências terríveis para os países asiáticos mergulhados na crise. Mercados acionários e moedas asiáticas flutuantes afundaram junto com o iene, agravando os problemas financeiros e tornando as políticas restritivas implementadas sob a égide do FMI ainda menos toleráveis para a população. Mas o principal temor era a ameaça de um impacto sobre China e Hong Kong. Lá residia o elo sistêmico que poderia dar início a uma turbulência financeira global.

Um quase-pânico em Hong Kong fez as taxas de juros de curto prazo dobrarem, alçando-as a seu nível mais alto desde o ataque especulativo ao câmbio fixo, em outubro de 1997. O que provocou isso foi o boato de que os bancos japoneses, necessitando de dinheiro para satisfazer a demanda de seus clientes, estariam liquidando de 10 a 20 bilhões de seus ativos em dólar em Hong Kong, criando assim uma crise de liquidez no território. Além disso, a queda da maioria das moedas asiáticas, incluindo o iene, estava provocando um conflito de interesses com a China.

As autoridades chinesas deixaram bem claro a seus colegas americanos que se chegara ao ponto em que elas não mais desempenhariam o papel de estabilizadores. O espectro de uma desvalorização do yuan era um sinal de alerta aterrorizador para o câmbio fixo de Hong Kong, para as moedas em estado frágil na Rússia e na América Latina, para os mercados acionários em toda parte. O FMI não tinha nem os recursos nem a habilidade necessários para lidar com crises de mercado simultâneas em escala global.

A atitude do FED foi uma intervenção de emprestador em última instância para impedir uma falha num mercado  crucial com repercussões sistêmicas. Estabeleceu um precedente para a atribuição de papéis na regulação do sistema financeiro global, ao distinguir a provisão de liquidez da resolução de insolvências bancárias – distinção essa que a conduta do FMI havia obscurecido. 

Conclusão 

A conclusão a que se pode chegar é que a função de emprestador em última instância não pode ser desempenhada pelo FMI, a menos que ele seja transformado em um banco central supranacional plenamente constituído. O emprestador em última instância lida com mercados e instituições financeiras privadas; o FMI lida com governos. O emprestador em última instância age segundo um critério inteiramente discricionário, preservando a ambigüidade estrutural necessária para manter o risco moral sob controle. O FMI opera a pedido dos governos, ao fim de uma negociação demorada e sob condicionalidades. O emprestador em última instância internacional e o FMI são complementares, e não substituíveis entre si. O primeiro tem a ver com a prerrogativa de um banco central para deter o contágio em mercados monetários. O outro é um mecanismo político, por cujo intermédio a comunidade internacional conduz alguns de seus membros ao bom comportamento (nos moldes de uma doutrina liberal), por meio de ajustes estruturais apoiados na concessão de financiamentos. Um representa uma iniciativa preventiva e de curto prazo, que não deixa vestígios duradouros na estrutura financeira, quando corretamente conduzida. O outro constitui um processo de longo prazo, que altera irreversivelmente a estrutura financeira dos países envolvidos. O Quadro 3 resume a função dual da regulação sistêmica; contrapõe a ação de emprestador em última instância à reabilitação dos bancos e às reformas estruturais. 

Quadro 3

Regulador sistêmico: separação das funções

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Emprestador em última instância internacional

(clube de bancos centrais)

Reformas estruturais e ajustes

(FMI e Banco Mundial)

Ação discricionária junto aos mercados

Ambigüidade estrutural

 

Recursos potencialmente ilimitados

 

Auxílio de liquidez de curto prazo para restaurar  confiança aos mercados

 

Ato de soberania monetária pura, para deter o contágio nos mercados de dinheiro globais

Estabelecimento de um piso para o preço em mercados cruciais

Ausência de vestígios duradouros na estrutura financeira dos participantes do mercado solventes

Ação contratual junto aos governos

Condicionalidade

 

Concessão predeterminada de financiamentos

Ajustes estruturais de longo prazo e ajustes macroeconômicos de médio prazo

 

Mecanismo político para incentivar o bom comportamento nos países membros, nos moldes de uma doutrina liberal

 

 

 

Mudanças duradouras na estrutura financeira dos países envolvidos

 

Portanto, a proposta que sugere a atribuição de uma função de emprestador em última instância ao FMI é um grave engano. Além da exorbitante e perigosa concentração de poder, ela significaria misturar em uma mesma instituição política duas funções claramente separadas. Uma tal proposta opõe-se frontalmente à doutrina de separação e independência, adotada pelos países financeiramente avançados, na configuração da estrutura institucional de suas autoridades monetária e prudencial.

Uma regulação market-friendly precisa ser implantada no sistema financeiro global. Ela requer um monitoramento financeiro reforçado dos principais intermediários internacionais e um emprestador em última instância internacional. Estes são domínios de um clube de bancos supervisores e bancos centrais, aberto a novos membros e sediado no BIS. A função de emprestador em última instância não deve ser institucionalizada. Deve seguir sendo uma cooperação ad hoc entre os bancos centrais mais envolvidos em uma determinada crise. Mas a dedicação dos bancos centrais à prevenção de perturbações desestabilizadoras nos mercados monetários globais deve ser maior do que aquela demonstrada no episódio da crise asiática. A atitude do FED perante o iene é uma indicação de que esta preocupação está sendo levada em conta.

Michel Aglietta é professor da University of Paris X-Mini Forum and CEPII.

 

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Resumo

A crise financeira asiática demonstra a fragilidade do sistema financeiro global. Falhas de coordenação nos mercados financeiros, equilíbrios múltiplos, ataques especulativos auto-realizáveis, defaults bancários disseminados são sintomas de risco sistêmico.

O risco sistêmico torna necessária uma rede de proteção abrangente, capaz de conter os episódios de pânico e os spillovers nos mercados financeiros globais. Esta regulação deve ser tanto sistêmica como prudencial. Como o risco moral e a necessidade de um emprestador em última instância internacional são frutos gêmeos do risco sistêmico, uma regulação global deve tratá-los como questões complementares, e não substituíveis entre si.

A idéia central do empréstimo em última instância é estabelecer um piso para o preço em mercados monetários cruciais. Isto está bastante distante daquilo que o FMI é capaz de oferecer. O papel de emprestador em última instância internacional só pode ser executado por um clube de bancos centrais poderosos, como o BIS, que cooperem numa base ad hoc para prevenir e conter as turbulências em mercados monetários globais.

Palavras-chave: Crise financeira; Crise asiática; Sistema financeiro internacional; Risco sistêmico.

 

Abstract

The Asian financial crisis demonstrates the fragility of the global financial system. Co-ordination failures in financial markets, multiple equilibria, self-fulfilling speculative attacks, widespread bank defaults are symptoms of systemic risk.

Systemic risk calls for a comprehensive safety net capable of thwarting panic and spillovers in global financial markets. Such a regulation should be systemic as well as prudential. Since moral hazard and the need of an international lender-of-last-resort are the twin offspring of systemic risk, a global regulation should handle both questions as complementary instead of substitutable.

The gist of lending in last resort is setting a bottom price in critical money markets. This is quite foreign to what the IMF can deliver. The role of the international lender-of-last-resort can only be played by a club of powerful central banks, such as the BIS, working on an ad hoc co-operation and dedicated to preventing disorderly conditions in global money markets.

Key-words: Financial crisis; Asian crisis; International financial system; Systemic risk. 

 

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