Sociedade de Assessoria aos Movimentos Popular e Sindical
Experiências com Educação
Popular em Direitos Humanos
Carlos Antonio Araújo Monteiro(1)
Apresentação
A Sociedade de Assessoria ao Movimento
Popular e Sindical SAMOPS, fundada no primeiro semestre de 1985, considerada de
utilidade pública estadual e municipal, tem como objetivo geral a defesa e promoção dos
direitos humanos no Estado da Paraíba. Através de um programa institucional desenvolve
atividades específicas nas áreas de diretio à segurança, criança, adolescente e a
questão urbana.
Atualmente trabalha com o monitoramento
das políticas públicas nas áreas acima, e a capacitação em direitos humanos com
comunidades populares. Participa do Conselho Estadual de Direitos Humanos na proposição
de políticas públicas nas respectivas áreas de atuação, do Fórum Estadual da Reforma
Urbana, e diversas articulações locais. Além de tudo mantém assento político em
articulações regionais e nacionais, a exemplo do Movimento nacional de Direitos Humanos
(MNDH), Fórum Nacional da Reforma Urbana (FNRU), Associação Nacional do Solo Urbano
(ANSUR) e a Associação Brasileira de Organizações não Governamentais (ABONG).
Mantém-se financeiramente de convênios nacionais e internacionais, através de agências
de desenvolvimento.
Tem atualmente 19 sócios efetivos e
estrutura deliberativa assim distribuída: Assembléia Geral, Conselho de Administração,
Conselho Fiscal e Conselho Social.
O Nascer do Curso
No traçar do programa institucional de
95-96, planejou-se a inclusão de atividades educativas visando trabalhar com os direitos
humanos nas comunidades parceiras da SAMOPS. Assim se exercia a idéia da implementação
de cursos de capacitação em direitos humanos.
A idéia de se ter cursos de capacitação
em direitos humanos nas comunidades de João Pessoa, partiu da necessidade de envolver
lideranças comunitárias, entidades de direitos humanos e poderes públicos na
problemática política de segurança pública. A comunidade local envolvida, conhecedora
direta da matéria, e porque não afirmar vítima de um sistema de segurança e justiça
falho, certamente se tornaria sujeita no diálogo com poderes públicos e sociedade civil
organizada, no sentido de melhorar a questão da segurança pública na comunidade
envolvida.
Portanto, como objetivos básicos no Curso
de Capacitação em Direitos Humanos, podemos destacar:
- Trabalhar líderes e agentes comunitários no sentido de
adotarem uma postura vigilante ante a problemática da violência institucional;
- Criar núcleos de defesa da vida (ndvs) de
referência sobre vigilância social das atividades da Polícia e seus agentes;
- Treinar agentes comunitários e líderes para o repasse de
informação e instrumentos legais de defesa do cidadão ante os abusos do poder pelos
agentes Estatais.
Das Comunidades Escolhidas
Como encontrar uma comunidade que deseja
discutir e se envolver em um assunto diário, marcante pela dor, omissão de autoridades e
sociedade, e ao mesmo tempo silenciada pela ameaça de diversos setores?
Tínhamos indicadores interessantes, a
exemplo do banco de dados de monitoramento da violência no estado da Paraíba, que a
SAMOPS mantém em parceria com o Movimento Nacional de Direitos Humanos, onde se é
possível fazer cortes estatísticos a exemplo de bairros com maiores números de
homicídios registrados (através da imprensa escrita diária), se homens ou mulheres são
mais vítimas, horários, dias, providências tomadas, enfim diversos itens a serem
trabalhados.
Mais uma vez, afirmam-se que a entidade
apresentava ainda inexperiência na área de capacitação, sobretudo da maneira como se
planejou. Realizam-se articulações com algumas comunidades, entidades, e aos poucos a
equipe interdisciplinar (advogados, assistente social, pedagogos, sociólogos) ganhava
conhecimento no campo de trabalho.
Em virtude de uma já solidificada
articulação, tendo em vista atividades desenvolvidas pela SAMOPS, bem como do
envolvimento da então assistente social da entidade na comunidade, fora possível após
vários planejamentos com os participantes, implementar o primeiro Curso de Capacitação
em Direitos Humanos na Cidade de Bayeux. O número de inscritos totalizou aproximadamente
60 pessoas, residentes em diversos bairros/comunidades da cidade. Apresentou o seguinte
perfil da atuação: envolvimento em trabalhos comunitários (igreja, associações,
clubes de mães, entre outras). Assim já mudamos o até então planejado, isto é, no
lugar de se administrar o curso em uma comunidade específica, e sobretudo na capital,
tinha-se uma outra cidade, porém mais próxima do centro da Capital até mesmo que
bairros da própria João Pessoa. Já quanto ao público alvo passava a ser mais difuso,
envolvendo diversas lideranças comunitárias ou não, de outros bairros de Bayeux-PB.
No segundo ano do curso de capacitação,
e com certa acumulação de experiência do ano anterior, mais uma vez se registra a
participação de uma estagiária de pedagogia na SAMPOS no entendimento com a comunidade,
mantivemos então, reuniões preparatórias com os moradores do bairro Padre Zé,
localizado na cidade de João Pessoa. Em Padre Zé, a exemplo de Bayeux, percebeu-se maior
participação de moradores que têm envolvimento com a vida pastoral da igreja. A
experiência se repete nos anos seguintes: 1996 com a comunidade de Valentina e 1997 com
diversos integrantes das pastorais.
Perfil dos Participantes
Nos quatro anos de curso de capacitação
(94-97) encontramos a maior participação de moradores das comunidades que têm
envolvimento com as atividades da igreja. Acreditamos que devido a organização pastoral
da igreja que desperta para os valores da solidariedade, fraternidade e compaixão dos
irmãos, vem a fortalecer uma prática social, quando os participantes assumem na maioria
das vezes os problemas de suas comunidades. Além de tudo por ocorrer uma ligação por
princípio com a história das CEBs.
No geral podemos traçar os seguintes
perfis dos participantes: formação de primeiro grau, ganham no máximo 02 salários
mínimos, residem em casa própria, 85% são mulheres e já têm atuação no meio
popular. Nesse passo, pela própria necessidade, introduzimos a discussão de gênero com
os envolvidos.
Conteúdos
O primeiro triênio do curso (94-96),
manteve uma sintonia direta com os direitos individuais, coletivos e sociais do cidadão,
concretizando através de leitura didática da constituição federal e de outros textos,
mas sempre na perspectiva de buscar o assunto local (problema e encaminhamento), tornando
com exercício prático. Entendíamos, mesmo porque a prática da entidade não se
sujeitava aos métodos tradicionais de capacitação, desde o primeiro curso que se fazia
necessário ligar os módulos do curso a vida comunitária cotidiana dos participantes.
Traçamos os temas dos cursos dentro de
dois parâmetros, primeiro os objetivos da entidade e segundo a necessidade do público
alvo. Se a SAMOPS desde sua fundação (1985) trabalha com a política de direitos
humanos, assim qualquer participação manteria sintonia com o fim institucional. A
oportunidade de conciliar capacitação com demanda comunitária torna o curso, até os
dias de hoje, um núcleo vivo.
No final de cada módulo os participantes
têm oportunidade de avaliar conteúdo, metodologia, organização e planejar o tema
seguinte e, sobretudo, encaminhar ações da comunidade, tomando como base o tema exposto.
A título de exemplo, resgatamos uma das avaliações do primeiro ano de curso, no
módulo: "Sistema de Justiça e Segurança Pública" número V de 16.10.94.
"Decidiu-se que serão realizados
três debates em 3 áreas da cidade: Imaculada, Mutirão e SESI, considerados locais
violentos na cidade. O fenômeno das galeras de bairro foi considerado pelo grupo como um
tema importante para discutir com a juventude, uma vez que estas têm levado muitos jovens
a prática de atos delituosos. Continuando foi formado uma comissão para organizar sendo
assim formado pelos seguintes membros do grupo: Sra. Rita, Sra. Lourdes, Sr. Edmilson. Em
seguida foi dado continuidade ao estudo do tema proposto. A metodologia utilizada foi a
mesma dos encontros anteriores. É importante registrar que toda discussão realizada no
estudo foi sempre a partir dos fatos concretos vivenciados pelos membros" (grifo
nosso).
Ou seja, o curso além de ser informativo
e educativo, não deixa de ser um espaço próprio de articulação política dos
participantes. Nesse módulo planejamos a discussão do sistema de justiça e segurança
pública, a partir da constituição federal, arts. 127 a 135 e 144, bem como da
constituição estadual em seus artigos 42 a 48 e 125 a 154. Os participantes como tem o
esclarecimento próprio que tais comunidades apresentam índices alarmantes de violência,
buscam se aproximar de tais comunidades, a exemplo da realização de debates com a
comunidade envolvida pela violência. Uma atitude ousada, consciente e ao mesmo tempo
produtiva dos participantes. Além de tudo, pelo perfil da maioria dos participantes, pais
e mães, tem a necessidade preciosa de discutir o fenômeno das galeras.
Assim, todos os cursos aplicados pela
entidade e com a participação direta do público alvo são direcionados a realidade
local. Tanto é verdade que se começava com provocações de temas aos participantes e no
decorrer do curso as comunidades envolvidas definiam as afinidades. As comunidades de
Bayeux optaram pela discussão da violência juvenil. Enquanto, na comunidade do Padre Zé
houve a preocupação com a violência local e com o monitoramento de equipamentos
sociais, a exemplo da reativação do posto policial. No conjunto Valentina se tem a
definição de pauta com a deficiência dos transportes públicos que servem a comunidade
e a saúde local.
O resultado do curso já se percebe pelas
iniciativas próprias e reais de cada comunidade.
No segundo triênio (97-99), ainda em
execução, e na busca de envolver todos os sub-programas da entidade: direito à
segurança, justiça e solo urbano, e com a experiência do triênio anterior, planejamos
inserir o curso de capacitação em todos os sub-programas da entidade, e além de tudo
envolver mais lideranças potenciais de diversas comunidades de João Pessoa.
Entretanto, o envolvimento com outras
áreas da cidade no curso de capacitação em direitos humanos não tinha como se
distanciar de transporte público, saneamento, saúde, escola, trabalho e associativismo.
Afinal o que entendemos por direitos humanos?
Pela visibilidade inicial, e com já
afirmamos anteriormente, até mesmo pela iniciativa pioneira, os primeiros cursos tinham o
foco prioritário da violência, obviamente não se distanciando das outras políticas
sociais.
Em 1997, introduzimos o direito à cidade,
o direito à moradia, os instrumentos de legalização da posse urbana, a iniciativa de
lei popular, os poderes públicos legislativo e executivo municipal, orçamento público,
conselhos de gestão, funcionamento das zonas especiais de interesse social e a
construção ou formalização das associações comunitárias, além dos assuntos da
violência contra a vida.
Dessa maneira, passamos também a utilizar
a seguinte legislação: a lei orgânica do município, o plano diretor da cidade e o
código de urbanismo.
Metodologia
Após a escolha das comunidades
participantes, através da representação, e levando em conta indicadores sociais
catalogados por órgãos oficiais ou não governamentais, a exemplo do nosso próprio
banco de dados, passa-se a segunda etapa: a definição de metodologia, temas, cronograma,
recursos e parcerias.
A metodologia pauta-se numa visão
participativa sob a ótica popular. Assessorados por profissionais da área, os
participantes são convidados a preparar os cursos, se dando através do último módulo,
quando se tem a avaliação ou em um outro dia da semana. É interessante a preparação
do tema seguinte no final de cada módulo, pois se tem dificuldade de encontrar os
participantes, pois em dia de semana a maioria tem trabalho.
Através dos textos elaborados e
distribuídos com os envolvidos, busca-se a memorização do tema exposto e até mesmo o
compromisso do repasse aos que ficam nas comunidades, gerando o processo da
multiplicação do conhecimento. Quebrar a idéia do individualismo também passa a ser um
compromisso da equipe, ou seja, ouvimos muito: "foi bom", foi um
enriquecimento meu", "agora eu sei como me defender". E o Grupo?
Não se cogita nesse momento que todos
envolvidos agentes comunitários serão multiplicadores do curso em suas
comunidades. São, deveres, inúmeras dificuldades. Todavia o compromisso e a permanente
avaliação nos aproxima dessa realidade. Nesse momento percebemos que a participação e
o retorno à comunidade acontece de uma maneira rica e expontânea, através do resultado
iniciativa própria, conforme registramos anteriormente.
Quando os moradores de Bayeux,
participantes do curso, dizem que vão organizar debates em três comunidades consideradas
violentas e discutir o fenômeno galera, não somos nós educadores os genitores da
idéia, mas a própria comunidade que ergue o problema para uma discussão no meio.
Também quando os participantes em 1995, da comunidade Padre Zé, em uma reunião
histórica com aproximadamente 110 pessoas presentes, inclusive de bairros adjacentes:
Mandacarú e 13 de Maio, convidaram o Secretário de Estado de Segurança para discutir o
problema da segurança, existindo assim uma iniciativa da própria comunidade. Além de
outros exemplos, acreditamos que essa seja uma das maneiras de multiplicar os
conhecimentos, despertados e amarrados em um curso de capacitação popular em direitos
humanos.
Ademais, além das iniciativas coletivas,
registramos em nossas avaliações que os participantes disseram que a partir do curso
despertaram na melhoria da relação de emprego, da escola do filho, da convivência no
lar, do engajamento com a comunidade e espaços coletivos, na busca por uma profissão, o
retorno aos estudos, etc. O curso não chega, ao nosso ver, a ser um divisor, mas talvez
um ouvidor de problemas domésticos e sociais, tão raro em um Domingo de sol, praia e
televisão.
Percebemos, também, que eventos
importantes na cidade já começavam a ter integrantes dos cursos, participando de
sessões na câmara de veradores, manifestações públicas, audiências, requerimento aos
poderes públicos, etc.
Sem uma metodologia participativa e
diversificada, certamente não contribuiria em nada com a riqueza e a potencialidade do
público alvo, expurgar cada vez mais o "professoral" e o "doutoral"
que existem dentro de cada um de nós oriundos de centros de formações tradicionais e
distantes do saber popular, ajudam-nos a entender melhor o nosso assunto, a nossa
importância no meio popular, a diversidade de problemas sociais e individuais. Assim as
oficinas e técnicas foram essenciais para conjugar o indivíduo doméstico, com sua
subjetividade, ao indivíduo social, garantindo uma ponte de confiança entre a entidade e
o público alvo.
Equipe:
A SAMOPS, como sociedade civil organizada,
mantém desde sua fundação uma equipe de trabalho interdisciplinar, envolvendo:
advogados, sociólogos, arquitetos, jornalistas, assistentes sociais, pedagogos,
estudantes e estagiários.
Os temas planejados, que dividimos em
módulos, tem a participação de todos os profissionais, porém há divisão diante de
certas vivências.
O envolvimento de estagiários oriundos da
Universidade Federal da Paraíba nas atividades da SAMOPS contribuiu de diversas maneiras,
tais como: formação de quadros, formação profissional, política de parceria entre
sociedade civil e poder público e aprimoramento do saber científico.
O presente narrador da experiência, ainda
quando acadêmico de Direito da UFPB fora selecionado para desenvolver com mais três
estagiários e profissionais da entidade, a pesquisa dentro do sub programa Direito à
Segurança: "Percepção da Violência no Meio Popular", já encaminhada à
publicação. Além de tudo, e diante de uma visão de um estágio extra curricular
participativo em organização não governamental, iniciou sua atuação no primeiro curso
de capacitação com a comunidade de Bayeux em 1994.
Verifica-se que o envolvimento de todos os
profissionais da entidade torna-se importantíssimo e ao mesmo tempo indispensável ao
funcionamento do curso de capacitação. Inserir as atividades desenvolvidas, a exemplo da
instrumentalização do monitoramento da violência através de banco de dados, a
participação nos conselhos de políticas públicas, seja o Conselho Estadual de Direitos
Humanos da Paraíba, dos Fóruns da Criança e da Reforma Urbana, tornam o curso de
capacitação em direitos humanos dinâmico, prático e envolvente.
Parcerias:
A SAMOPS mantém convênios de
cooperação com agências nacional e internacional, como OXFAM do Brasil (escritório em
Recife e matriz na Inglaterra), EZE (matriz na Alemanha), Desenvolvimento e Paz (sede no
Canadá) e a CESE (sede na Bahia), no sentido de viabilizar suas atividades. Entretanto,
diante de vários fatores externos e internos, todos nós sabemos que a conjuntura não
está como outrora. Nesse sentido, o primeiro triênio do curso conviveu com cortes
fundamentais, o que tocou em partes sensíveis de um programa. Assim como uma sociedade
civil sem fins lucrativos, e porque não afirmar já conhecedora dos desafios da falta de
verbas, a criatividade passa a ser cada vez mais essencial dentro da entidade. Não se
cobra mensalidade ou taxa de inscrição dos participantes, no início tivemos até mesmo
de contribuir com o vale-transporte dos participantes, além das despesas de almoço,
aluguel de sede, prestação de serviço dos profissionais e material.
Não podemos deixar de registrar que houve
um bom apoio quanto ao espaço dos encontros, no primeiro e terceiro anos de curso, nas
igrejas São Sebastião e do Valentina.
Contudo, a política de estágio e
parcerias são fundamentais na condução política dos trabalhos, haja visto que parte do
princípio que os parceiros tem objetivos comuns e a entidade passa a oferecer uma demanda
de serviço social no meio popular, que interesse ao estudante de graduação.
Há pontos positivos hoje na política de
parceria, pois nos últimos dois anos verificamos o empenho dentro do Estado e
precisamente na cidade de João Pessoa de entidades pela capacitação em direitos
humanos, a exemplo do CEDHC, Movimento da Moradia, Fundação Margarida Maria Alves,
Pastoral das Favelas e UFPB. Por isso, entendemos plenamente a possibilidade de envolver
essas entidades na parceria da capacitação.
Implicações Sociais e Institucionais
Resultados
Realmente o planejado é diverso da
prática, sendo talvez, o mais importante dessa mística relação, é a percepção da
diferença e a habilidade para avaliar: o que se planejou, o que se fez, o que nos impediu
e encaminhamentos.
No primeiro triênio, como se verificou no
início da narração planejamos: trabalhar líderes e agentes comunitários no sentido de
adotarem uma postura vigilante ante a problemática da violência institucional; criar
centros comunitários e populares de referência sobre vigilância social das atividades
da Polícia e seus agentes; treinar agentes comunitários e líderes para o repasse de
informação e instrumentos legais de defesa do cidadão ante os abusos do poder pelos
agentes Estatais.
Em avaliação da entidade com os
participantes das comunidades e parceiros financeiros, nos quatro anos de Cursos de
Capacitação percebemos a oscilação de resultados em cada comunidade. Se partirmos para
uma leitura de eventos realizados e ações planejadas, encontraremos indicados
satisfatórios. No primeiro curso não conseguimos "criar" centros ou núcleos
de defesa da vida com os participantes, conforme planejado. Mas em contrapartida fora
possível reforçar as associações e centros comunitários existentes nas comunidades,
debates em três comunidades consideradas violentas, ações educativas, entre outras, ou
seja, a finalidade principal do curso estava lançada.
No segundo ano de curso e, repita-se, já
com certo acúmulo de experiência, a comunidade de Padre Zé, reforçou a necessidade de
reabrir o único posto policial, convocando o Secretário de Estado para discutir o
problema da violência local, colocando policiamento no bairro, aproximando-se da
associação comunitária e propondo reclamação coletiva na curadoria do consumidor.
No terceiro ano e último triênio, mais
uma vez retornamos a um público difuso, com a comunidade do conjunto Valentina, com
representantes de diversas localidades do bairro: Santa Bárbara, Monsenhor Magno, entre
outras, totalizamos aproximadamente 09 (nove) comunidades presentes. A princípio os
participantes mostraram preocupação com problemas de saneamento, pavimentação,
funcionamento do hospital e sobretudo a caótica prestação de serviços dos transportes
públicos, experiência interessantíssima sob todos os aspectos. Os moradores formaram um
núcleo de defesa da vida, que trabalha a questão dos direitos humanos e transporte
público (unifica diversas associações comunitárias), com conquistas reconhecidas por
toda a população local, inclusive chegando atualmente a contribuir na discussão a
nível de João Pessoa.
Com o encerramento do triênio (94-96) e
diante de uma nova proposta de intervenção no espaço urbano, a entidade canaliza uma
atuação para o triênio seguinte (97-99) na política de urbanização nas favelas de
João Pessoa, legalmente conhecidas como Zonas Especiais.
A idéia de trabalhar em comunidades
potencialmente consideradas ZEIS guardou sintonia com uma das maiores conquistas do
movimento popular e da sociedade civil organizada na cidade de João Pessoa, isto é, a
aprovação de temas, por unanimidade, dentro do título III "Uso e Ocupação do
Solo", no Plano Diretor de João Pessoa, que é uma Lei Complementar Municipal de nº
04 de 30 de abril de 1993.
A definição legal de ZEIS e com suporte
sociológico vem no próprio art. 33 do Plano Diretor, ou seja, "Zonas Especiais de
Interesse Social são aquelas destinadas primordialmente à produção, manutenção e à
recuperação de habitações de interesse social e compreendem:
I terrenos públicos ou
particulares ocupados por favelas ou por assentamentos assemelhados, em relação aos
quais haja interesse público em se promover a urbanização ou a regularização
jurídica da posse da terra, delimitados no Mapa 3, que é parte integrante desta
lei";
Isto é, quando a própria lei do plano
diretor considerou que o Mapa 3 fazia parte da lei, mapa esse elaborado pela Prefeitura
Municipal, reconheceu a cidade com 110 favelas consideradas ZEIS.
Por que trabalhar com as ZEIS? Porque o
poder público tem o dever legal de elaborar um, dois ou vários planos de
urbanização para as mesmas. E a urbanização de comunidades incluem a
transformação de barracos em casas de alvenaria, o esgoto de céu aberto em galerias, as
moradias impróprias que se localizam em locais de lixos, barreiras, fios de alta tensão,
são removidas, funcionamento adequado de escolas, postos de saúde e policial na
comunidade, acesso de transporte público, produção de empregos e a regularização
jurídica da posse dos moradores. Fatores que certamente contribuem para uma vida melhor,
redução de índices de violência e o direito à cidade.
O governo municipal diante da atual
conjuntura alegaria a impossibilidade de tornar realidade as conquistas, faltaria o
"combustível" da urbanização: recurso financeiro. Mas nas articulações,
encontros e debates, inclusive tomando de experiência os avançados programas de
urbanização realizados em outras capitais com administrações mais participavas, criou
na própria Lei (Plano Diretor), o Fundo de Urbanização, especificando as origens
das receitas, a exemplo da outorga onerosa, contribuições de melhoria, recursos
próprios da Prefeitura e de convênios ligados à política habitacional.
Mas como exercer os direitos assegurados
no Plano Diretor sem conhecê-los? Como garantir o direito à cidadania?
O papel do curso de capacitação na
atualidade reflete a visão "holística" do direito à vida. Apostamos que as
comunidades, consideradas ZEIS por lei municipal, quando começarem a sentir o direito à
cidade, com a urbanização, terão direitos humanos. Assim reservamos a discussão só
jurídica, ou o notável papel do "jurídico leigo" para outra realidade. A
experiência do primeiro triênio não revelou ser capaz de ter o cidadão vigilante e ao
mesmo tempo advogado popular. Mostrem uma petição de habeas corpus, ou até mesmo
construam com o "leigo" o requerimento do remédio heróico constitucional,
poucos para não ser um pessimista usarão na defesa do direito à
liberdade. Não existe impedimento legal, mas a estrutura do judiciário não ajuda. A
mentalidade funcional não enxerga o cidadão como advogado popular e a morosidade
desarticula o profissional técnico, o que dizer do cidadão que participa em direitos
humanos pela SAMOPS ou outra entidade! Ao contrário insistimos que o "habeas
corpus" deve ser ingressado pela defensoria pública, e principalmente quando se
existe boa quantidade de profissionais da área sendo remunerados pelos cofres públicos;
somos favoráveis que em cada unidade de trabalho da justiça tenha o defensor público
plantonista e quando designado realmente compareça. Conhecer o Ministério Público
(curadorias) e suas atribuições constitucionais a exemplo da ação civil pública, o
inquérito civil e até mesmo ingressar com o "habeas corpus", são
experiências que devem ser divulgadas. Ter o direito de acesso aos órgãos públicos é
uma garantia constitucional. Assim ainda não temos o convencimento de que curso seja
capaz de tornar o participante é um jurista leigo, quando sabemos que até mesmo para
ingressar com a ação popular necessita de advogado devidamente inscrito na OAB.
Por outro lado o curso de capacitação
nos reserva a possibilidade de sair se articulando com os moradores das ZEIS, no sentido
de torná-los cientes que a comunidade já é uma área de interesse social e por tais
motivos existem recursos específicos destinados a urbanização. Aumenta o interesse, o
número de atores e por último o poder político de reivindicar os direitos inseridos em
uma lei e ao mesmo tempo fiscalizar à execução e traçar outros, isso nos parece
pertencer categoria dos direitos da cidadania.
Por isso que a defesa da vida passa por
uma qualidade de viver, e aqui não se tem nenhuma inovação. A entidade ao se engajar
com outras parcerias e movimento popular na aprovação do plano diretor, com matéria
endereçada aos pessoensses de vida nada digna, assumiu um compromisso político e ético.
(1)Bacharel em Direito e Coordenador do Curso de
Capacitação em Direitos Humanos/SAMOPS-MNDH-PB. |