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Textos de Rubens Pinto Lyra

 

OS CONSELHOS DE DIREITOS DO HOMEM E DO CIDADÃO E A DEMOCRACIA PARTICIPATIVA

Rubens Pinto Lyra*

1 - A Constituição Federal e a democracia participativa. É consabido que um dos aspectos mais inovadores, do ponto de vista da democracia, introduzido pela Constituição Federal (CF) de 1988, reside na "participação direta e pessoal da cidadania nos atos de Governo"(1). Esta se fundamenta no art. 5º, parágrafo único, da Lei Maior: "Todo poder emana do povo, que o exerce indiretamente, por representantes eleitos , ou diretamente, nos termos desta Constituição". Antes do processo constituinte, somente o Judiciário admitia, ainda que excepcionalmente, a participação direta do povo no exercício da judicatura, seja através do Júri Popular, seja mediante a escolha, por entidades representativas de empregadores e empregados, de juízes classistas (CF, art. 11 § 1º e 113).(2) A partir de 1988, a Justiça abre-se mais efetivamente à participação da cidadania, com a ampliação do objeto da ação popular, que passa a compreender, não somente a defesa do patrimônio público, mas também a da moralidade administrativa, a do meio ambiente e a do patrimônio cultural. Já no Legislativo a participação direta do cidadão na formação da Lei veio a se concretizar, destacadamente, através da iniciativa popular, o plebiscito e o referendo (CF, art.14, I e II, c/c o art. 49, V ,art. 14, III, c/c o art. 61 § 2º ). Todavia, é no âmbito do Poder Executivo que as inovações alcançam maior amplitude e profundidade. A Constituição Federal contém vários dispositivos que fazem menção expressa à "participação da comunidade" na gestão pública, notadamente na área da saúde (CF, art. 198, III), da seguridade social (CF, art. 194, VIII), da política agrícola, "envolvendo produtores e trabalhadores rurais" no seu planejamento e execução (CF, art. 187, caput), e da assistência social, onde se estabelece, de forma específica, a participação da população "por meio de organizações representativas" na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis (CF, art. 204, II).(3) O Estatuto da Criança e do Adolescente talvez seja a primeira lei a atribuir à cidadania o exercício direto da gestão pública. Esta, aliás lhe cabe com exclusividade, no caso dos Conselhos Tutelares, órgão mais importante previsto no estatuto, conforme o disposto no seu art. 132: "Em cada Município, haverá, no mínimo, um Conselho Tutelar, composto de cinco membros, escolhidos pela comunidade local para mandato de três anos, permitida uma recondução".(4)

2 - Os Conselhos Estaduais de Direitos do Homem e do Cidadão: Conselhos da Cidadania ou Conselhos do Governo?

A Constituição do Estado da Paraíba (CE/PB), promulgada conforme os princípios da Constituição Federal de 1988, tem como escopo "instituir uma ordem jurídica autônoma para uma democracia social participativa" (CE/PB, Preâmbulo, 1988). Inspirado nesta concepção de democracia, foi criado o Conselho Estadual de Defesa dos Direitos do Homem e do Cidadão (CEDDHC) "ao qual incumbe articular as ações da sociedade civil organizada, defensora dos direitos fundamentais do homem e do cidadão, com as ações desenvolvidas nessa área pelo Poder Público Estadual"(CE/PB, art. 75 do Ato das Disposições Transitórias, 1989).(5) Já o Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CONDEPE) ficou estruturado com base no art. 10 da Constituição do Estado de São Paulo (CE/SP), o qual determina que este Conselho "será criado por lei com a finalidade de investigar a violação dos direitos humanos no território do Estado, de encaminhar as denúncias a quem de direito e de propor soluções gerais a esses problemas" (CE/SP, 1989).(6) Esses dois Conselhos são os únicos, até agora, no país, a funcionarem de forma independente do Governo, tendo na sua composição a presença hegemônica de órgãos e entidades, públicos e privados, independentes do Poder Público Estadual, e Diretorias eleitas pelos Conselheiros. Isto porque a maior parte da "classe política", e, por vezes, membros do Poder Judiciário, demonstram total incapacidade de aceitar, na prática, os princípios da democracia participativa. Não admitem que a gestão governamental possa ser fiscalizada e politicamente monitorada por um órgão independente. Assim, mesmo os Conselhos, com essas características, que lograram aprovação, tiveram que enfrentar dificuldades para garantir o seu funcionamento. No caso do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos do Homem e do Cidadão (CEDDHC) da Paraíba, foi necessário "recriá-lo", através da Lei Estadual nº 5.551 de 15 de janeiro de 1992 e finalmente instalá-lo, em 26 de março do mesmo ano. Porém, já instalado e com um ano de funcionamento, o CEDDHC teve o livre exercício de seus poderes de fiscalização obstado pelo Juiz das Execuções Penais de João Pessoa que pretendeu condicionar o acesso de seus integrantes às dependências do sistema penitenciário à sua autorização prévia.(7) Foi preciso aguardar cinco meses para que esta pretensão arbitrária, consubstanciada em Portaria, fosse sepultada por meio de despacho administrativo do Corregedor-Geral do Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba. Este reconheceu, em 20 de agosto de 1993, ser direito incontrastável dos Conselheiros do CEDDHC ter livre acesso a qualquer unidade ou instalação pública estadual para a realização de vistorias, exames ou inspeções.(8) É interessante sublinhar que a exigência destas prerrogativas constituiu, e não por acaso, o pivot da disputa entre o Governo de São Paulo e as entidades da sociedade civil paulista que estiveram na origem da criação do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CONDEPE). Com efeito, a Lei Estadual nº 7.576, de 27 de novembro de 1991, foi aprovada com três artigos vetados, entre os quais o que garantia "acesso (ao CONDEPE) a todas as dependências de unidades prisionais estaduais e estabelecimentos destinados à custódia de pessoas, para o cumprimento de diligências".(9) Não obstante, o ponto de vista das entidades de direitos humanos acabou por prevalecer, mediante a aprovação da Lei Estadual 8.032, de 28 de setembro de 1992, que contém precisamente os três artigos anteriormente vetados.(10) As resistências aos Conselhos de Direitos Humanos independentes do Poder Executivo se manifestaram também na indiferença e velada hostilidade com que o seu funcionamento foi recebido pelas autoridades estaduais. No caso da Paraíba, meses após a instalação do CEDDHC, a sua direção nada havia obtido junto à Secretaria de Justiça e Cidadania e ao Governo, faltando-lhe sede, móveis, telefone e recursos financeiros. Somente um ano após a sua instalação, graças a "teimosia"de seus dirigentes, foi possível obter condições materiais que tornaram viável as suas atividades.(11) Estes dois Conselhos - o da Paraíba e o de São Paulo - conseguiram superar os obstáculos iniciais e conquistar credibilidade e respaldo para as suas iniciativas. Permanecem, todavia, sendo os únicos do país a serem estruturados de forma a garantir que a sua atuação se faça de forma independente do Poder Executivo. A resistência dos políticos conservadores à criação de Conselhos Estaduais com essas características determinou, em Sergipe, a rejeição em duas legislaturas, do projeto do Deputado Renato Brandão (12).Alegou-se - erroneamente - que seu projeto estaria contemplado na proposta do Poder Executivo, referente à criação do Conselho Estadual de Defesa da Comunidade (CEDC) - já transformado em Lei.(13) Ora, este Conselho, presidido pelo Governador do Estado, é composto de uma maioria de órgãos públicos, sem vínculo com a sociedade civil. Além do mais, não conta com a participação de entidades de direitos humanos (esta expressão nunca é, aliás, empregada no texto proposto). Além de independência, carece de eficácia, visto que não dispõe, como os Conselhos da Paraíba e de São Paulo, do poder de fiscalização dos órgãos integrantes da administração pública do Estado. A inocuidade do CEDC contrasta com os poderes conferidos pela Constituição do Estado de Sergipe (art. 133, § 1º ) ao Conselho Estadual de Defesa da Pessoa Humana, in verbis: "No exercício de suas funções, e a fim de bem cumprir suas finalidades, o Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana terá poderes de Polícia Administrativa, de convocar pessoas e de ordenar perícias". (14) Obedecendo ao mesmo diapasão oficialista, foram criados, em 29 de dezembro de 1987, o Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos em Minas Gerais e, em 27 de março de 1995, no Paraná, o Conselho Permanente de Direitos Humanos. Este, apesar de composto paritariamente por entidades, órgãos governamentais e não-governamentais (ONGS), é presidido pelo Secretário de Justiça e da Cidadania o que, associado ao voto de qualidade conferido ao Presidente, subordina o seu funcionamento ao Governo.(15) Já o Conselho de Defesa dos Direitos Humanos de Minas Gerais tem a sua sujeição ao Poder Executivo estampada na própria lei que o criou. Esta, no seu artigo primeiro, qualifica o referido Conselho de "órgão consultivo subordinado à Secretaria de Estado da Justiça"(16). Subordinação confirmada pelo seu Regimento Interno, aprovado em 27 de julho de 1994, ao estipular que o Presidente e a maioria de seus componentes são de livre escolha do Governador do Estado. Por fim, nulo é o poder de fiscalização desse Conselho, já que todas as inspeções, visitas e diligências que pretenda efetuar nos estabelecimentos públicos estão sujeitos "à prévia autorização dos titulares a que estão subordinados".(17) Dentro do mesmo padrão de dependência em relação ao Governo, foi criado, em 16 de dezembro de 1994, na Bahia, o Conselho Estadual de Proteção aos Direitos Humanos. Com efeito, o art. 3º da lei que o criou preceitua que "O Secretário de Justiça o presidirá". Além do mais, dos treze integrantes que o compõem somente cinco são indicados por entidades de sociedade civil, embora os órgãos do Governo estadual sejam minoritários no Conselho.

Enfim, os nomes indicados para terem assento no referido Conselho devem passar pelo crivo da Assembléia Legislativa do Estado, antes da nomeação pelo Governador, o que retira a plena autonomia de suas escolhas.(18)

Já os ante-projetos de lei que estão na iminência de serem encaminhados à Assembléia Legislativa do Espírito Santo e à Câmara Legislativa do Distrito Federal, respectivamente, pelos Governadores Victor Buaiz (19) e Cristovam Buarque (20), prevêem a instalação de Conselhos com dirigentes eleitos, efetivo poder de fiscalização e maioria de integrantes constituída por entidades da sociedade civil.

Queremos assinalar, à guisa de conclusão, que os Conselhos do Paraná, da Bahia, de Minas Gerais e de Sergipe existem apenas no papel. Não foram instalados até agora exatamente por que são atrelados aos respectivos governos, dominados por dirigentes pouco comprometidos, na prática, com a defesa dos direitos humanos e a promoção da cidadania.

3 - A questão da autonomia nos colegiados da democracia participativa.

3.1. Teses conflitantes sobre a paridade

A participação popular na gestão pública ou na fiscalização desta, para ser idônea, necessitaria, em todos os casos, nos órgãos colegiados, de uma paridade entre órgãos governamentais e não governantais? Ou, mais do que isto: de uma maioria de entidades representativas da sociedade civil? E ainda: Estas seriam necessariamente, "organizações não governamentais" (ONGS)? Alguns Procuradores da República defendem a tese de que, em quaisquer dos colegiados onde a lei prevê a "participação da comunidade" por meio de organizações representativas, tal participação deveria garantir a essas organizações uma presença paritária, sem o governo ter direito ao voto de Minerva ou ao poder de homologação. Caso contrário, segundo esse raciocínio, se fosse admitida a hegemonia do Poder Executivo, a participação direta da população nos órgãos de Governo não passaria de mera figuração. O poder não seria exercido diretamente, conforme o preceito constitucional, já que as decisões continuariam a ser tomadas pelo Governo, sendo apenas caucionados pelos exercentes da democracia direta com participação nos Conselhos e órgãos assemelhados.(21) Pensamos diferentemente. A tese dos Procuradores da República, acima referidos, de necessidade de uma composição sempre paritária para legitimar, do ponto de vista jurídico e político, a participação direta da população nos órgãos do Estado, nas condições acima referidas, contrasta com a diversidade do controle da gestão pública envolvendo a participação direta da cidadania, prevista na Constituição Federal, nas Constituições Estaduais e Legislação ordinária. Como ensina o professor Manoel Eduardo Alves Camargo e Gomes: "É possível localizar na Constituição Federal de 1988 um verdadeiro sistema de mecanismos extra e interorgânicos de participação e controle da gestão pública. Todavia, nos moldes em que estes mecanismos foram contemplados, é impossível atribuir-lhes uma natureza especificamente deliberativa, consultiva ou fiscal. O que pode ser constatado, sem muito esforço hermenêutico, é que todo este alargamento do universo subjetivo de participação na Administração Pública, realizado pelo legislador constituinte, tem seu esteio exatamente em um amplo plexo de normas através das quais o cidadão é situado como núcleo de todo um sistema de controle, o que demonstra a preponderância da natureza fiscal destes mecanismos".(22) No nosso entendimento, a existência de uma maioria de órgãos independentes do Poder Executivo apenas constitui pré-requisito de idoneidade no caso de colegiados dotados exclusivamente do poder de fiscalização, como os Conselhos Estaduais de Direitos Humanos. Assim, quando se trata de Conselhos como os de Saúde, de Habitação, de Ciência e Tecnologia, e de outros do mesmo gênero, que definem estratégias e elaboram políticas para o setor, alocam recursos, em suma, tomam decisões de Governo, entendemos que, nesses casos, é legítimo e até necessário que o Poder Executivo disponha de uma representação majoritária (ou, sendo o colegiado paritário, do voto de Minerva). Isto porque, o titular do Executivo (Presidente, Governador ou Prefeito) foi eleito pelo povo para governar. O que, obviamente, poderia vir a não ocorrer, em um Estado em que os órgãos responsáveis pela formulação das políticas públicas fossem, não os do Governo, mas Conselhos integrados paritariamente por entidades do Poder Executivo, não tendo este maioria ou direito ao voto de desempate. A ocorrência dessa hipótese poderia gerar, como subproduto, a substituição da legitimidade derivada do sufrágio universal pela da de organizações com base social limitada, idôneas para exercerem influência e poder de pressão no seio do Estado e para conferirem transparência a gestão pública. Mas não para governarem em lugar do Governo. Se tal acontecesse, estaríamos em presença da ressurreição do vanguardismo: uma minoria de "iluminados" representantes da sociedade civil, escolhidos por uns poucos, governaria em lugar dos mandatários eleitos pelo voto da maioria da população. Ou então, prevalecendo o desacordo, a ausência do voto de Minerva poderia conduzir ao virtual engessamento da administração .

3.2.A Composição dos Conselhos Estaduais de Cidadania

Examinemos agora, mais detidamente, quais os elementos necessários à configuração da autonomia dos Conselhos que dela necessitam para exercer, com independência, o seu mister de órgão de fiscalização do serviço público e de defensor dos direitos humanos. Vimos que o primeiro requisito é o de que tais Conselhos congreguem uma maioria de entidades independentes do Poder Executivo. Na verdade, se a autonomia formal pode ser assim assegurada, a capacidade, e empenho e a disposição de se confrontar, quando necessário, com o Governo, assim como o respaldo social para tal enfrentamento, depende um segundo requisito: o da exigência de uma maioria de entidades representativas de diferentes segmentos da sociedade civil interessados na defesa e promoção dos direitos da cidadania. Preenchido este requisito, que confere uma autonomia real aos Conselhos - sobretudo se as entidades da sociedade tiverem um compromisso prático e efetivo com a luta pelos direitos humanos — pouco importa que as entidades referidas sejam públicas ou privadas. Importa que elas não sejam "entidades governamentais" no sentido estrito do termo, isto é, que elas não sejam subordinadas ao Governo. Assim, tanto faz que sejam organizações governamentais no sentido amplo — pois exercem poderes próprios do Estado — como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), os Conselhos Regionais de Medicina, Economia e outros, que aglutinam importantes setores da sociedade civil — ou que sejam simplesmente entidades privadas, como associações estaduais de imprensa, entidades ecológicas, centros de direitos humanos, etc.

Vale assinalar que existem representações de órgãos públicos participantes de Conselhos com características bastante peculiares, como a Comissão de Direitos do Homem e do Cidadão (CDHC) da Universidade Federal da Paraíba. Eleita pelo órgão máximo da instituição, o Conselho Universitário, congrega militantes da cidadania, - com força de representação social de uma instituição prestigiosa, - que agem com plena autonomia pois deliberam livremente sobre sua ação, não recebendo ordens de nenhum órgão da Universidade. A CDHC apresenta, portanto, elementos essenciais que a assemelha às entidades representativas da sociedade civil.

O terceiro requisito diz respeito à existência de Diretorias eleitas, por duas razões: Primeiro, porque se o papel do Presidente é crucial na vida associativa brasileira, ele se torna ainda mais decisivo nos órgãos públicos cujo funcionamento fica na dependência da autoridade do Estado que presidir o colegiado, pois que dele dependerá tanto a convocação para as reuniões quanto a obtenção da infraestrutura necessária ao funcionamento do órgão em questão.

O quarto requisito - o poder de fiscalização -- já referido anteriormente -- somente é efetivo quando o seu exercício não depender de qualquer autorização dos governantes.

4 - Os Conselhos Estaduais de Direitos Humanos de São Paulo e da Paraíba: uma análise comparativa.

Vimos, precedentemente, que os Conselhos Estaduais da Paraíba e de São Paulo, são órgãos congêneres, já que compartilham aspectos que, no essencial, lhes conferem uma identidade comum. Assim, em ambos os casos, a maioria das entidades que o compõem são independentes, suas Diretorias são eleitas e possuem efetivo poder de fiscalização. Além do mais, nos dois Conselhos, as entidades da sociedade civil, ou a elas assemelhadas, como as representações autônomas das Universidades, são hegemônicas. Dispõem, portanto, dos elementos substantivos, formais e operacionais, que lhes permitem exercer uma função de monitoramento da gestão pública estadual, com vistas a fazer valer o respeito pelos direitos humanos. Existem, todavia, importantes especificidades que conformam diferentemente os dois Conselhos, tanto no que se refere à sua composição quanto às suas atribuições e, consequentemente, ao seu campo de atuação. São Paulo optou por compor o Conselho Estadual dos Direitos da Pessoa Humana (CONDEPE) com a presença esmagadoramente dominante de entidades da sociedade civil, tendo os poderes de Estado uma participação apenas simbólica ( um representante do Executivo e um do Legislativo). O Judiciário decidiu não tomar assento no CONDEPE por considerar existir dúvidas quanto à compatibilidade entre sua participação nesse órgão e o exercício de suas funções judicantes. Outra foi a opção da Paraíba, que fez o Conselho Estadual de Defesa dos Direitos do Homem e do Cidadão (CEDDHC) uma instituição híbrida, composta de sete órgãos ligados ao Estado e oito representantes da sociedade civil ou a eles assemelhados (entre estes a OAB/PB e a Universidade Federal da Paraíba). Vê-se que a composição do CEDDHC reflete um relativo equilíbrio entre Estado e Sociedade, a despeito da presença hegemônica desta, atendendo assim o que dispõe a Constituição paraibana, que concebeu o Conselho como sendo o locus por excelência da articulação das ações da sociedade civil organizada com a atuação desenvolvida pelo Poder Público Estadual na esfera dos direitos do homem e do cidadão. A opção de São Paulo explica-se possivelmente pelo maior peso de sua sociedade civil, que praticamente sozinha consegue garantir o funcionamento do CONDEPE e a credibilidade deste. Aliás, não é propriamente a sociedade civil paulista que está, através de seus segmentos mais expressivos, representada no Conselho de São Paulo, mas apenas os Conselhos, Comissões e grupos mais importantes de direitos humanos - além da OAB/SP, que não deixa de ser da área. Na Paraíba, e em boa parte dos Estados brasileiros, tal composição seria inimaginável, haja vista a pouca expressividade das entidades de Direitos Humanos na sociedade. Daí o CEDDHC incorporar, entre os seus membros, os setores mais representativos da sociedade civil paraibana: Ordem dos Advogados, Associações ou Conselhos de ecologistas, médicos e de economistas, entre outros. Todavia, se considerarmos a própria debilidade da sociedade civil da Paraíba no seu conjunto, parece ter sido correta a proposta consagrada na Constituição daquele Estado e na Lei que o criou, de conceder ampla participação no seu Conselho de Direitos Humanos, não só aos setores organizados da sociedade, mas também aos órgãos públicos encarregados da defesa e da promoção da cidadania, como o Ministério Público Estadual e Federal, a Corregedoria de Justiça, a Procuradoria Geral da Defensoria Pública e as Secretarias de Justiça e de Segurança do Governo. Tão importante revelou-se esta participação que a Polícia Militar do Estado foi convidada, posteriormente, pela unanimidade dos integrantes do CEDDHC, a tomar assento no Conselho. Trata-se com essa configuração, do único Conselho de Direitos Humanos do país, que vem desenvolvendo uma experiência sui generis e exitosa de articulação entre os órgãos públicos e privados interessados na questão dos direitos humanos. Na esteira deste "modelo", o ante-projeto de Lei que será apresentado pelo Governador Cristovam Buarque à Câmara Legislativa de Brasília, contempla a participação de um número expressivo de órgãos do Estado ligados à área de direitos humanos (oito) apesar da nítida maioria de representantes da sociedade civil brasiliense. Um outro aspecto relevante, que distingue os Conselhos Estaduais de Direitos Humanos na Paraíba de seu congênere paulista é a abrangência de seus respectivos campos de atuação. Assim, o CONDEPE é um Conselho dos Direitos da Pessoa Humana enquanto o CEDDHC ocupa-se dos Direitos do Homem mas também "do cidadão". A diferença não é apenas semântica. A grande maioria das entidades interessadas na questão dos direitos humanos se preocupam, exclusivamente ou quase, com as violações em geral relacionadas com a violência, de caráter individual, de grupo ou de etnia, ou social, aos direitos fundamentais da pessoa humana. As propostas aprovadas no Seminário sobre "A proteção nacional e internacional de Direitos Humanos", realizado em Brasília, em dezembro de 1994 (23), que reuniu as entidades e personalidades mais representativas no campo dos direitos humanos, bem como o II Forum Nacional de Comissões Legislativas de Direitos Humanos, também realizado em Brasília, em novembro de 1995(24), comprovam essa assertiva. Com efeito, as suas resoluções são direcionadas quase que unicamente para a proteção aos direitos humanos contra as diferentes formas de violência, e as medidas de caráter institucional ou educativo que devem ser adotadas para melhor combatê-las. As exceções correm por conta das propostas formuladas, nos dois eventos, pelo representante do CEDDHC, relativas à criação de Conselhos Estaduais de Direitos Humanos e de Ouvidorias Públicas. A análise dos dispositivos da Lei Estadual nº 7.576, que criou o CONDEPE, demonstra que as suas atribuições giram em torno de uma ação corretiva ou punitiva face ao desrespeito aos direitos humanos assegurados na Constituição. O regimento Interno do CONDEPE acrescenta, como sua atribuição, o acompanhamento das políticas públicas na área social.(25)

Assim, não é por acaso que a Lei Estadual nº 8.032, que garantiu ao CONDEPE o poder de fiscalização, restringe o direito de acesso às instalações públicas estaduais "as dependências de unidades prisionais e estabelecimentos destinados a custódia de pessoas", exatamente nos setores em que funcionam os serviços públicos de caráter repressivo-punitivo, onde portanto é indispensável a ação do Conselho com vistas ao combate à violência dos agentes do Estado. Já o Conselho da Paraíba, como referido em tópico anterior, tem atribuições mais abrangentes. Estas se estendem a todos os aspectos de uma cultura de direitos do homem e do cidadão lastreada nos valores da ética republicana e democrática, que visam, entre outros objetivos, o aprimoramento do serviço público, mediante a participação crescente da sociedade na gestão do Estado e no monitoramento de sua administração. Assim, o art. 5º da Lei nº 5.551, que criou o CEDDHC, lhe confere a atribuição de "propor diretrizes para o poder público atuar nas questões dos direitos do homem e do cidadão", o que habilita o Conselho a se manifestar e a formular propostas sobre todas as esferas de ação do Estado, na ótica da promoção da cidadania.(26) A este dispositivo de caráter abrangente correspondente um poder de fiscalização que não se restringe aos estabelecimentos de custódia, mas que se estende a "qualquer unidade ou instalação pública estadual para realização de vistorias, exames ou inspeções", o que sujeita virtualmente todo o funcionamento do serviço público ao monitoramento do CEDDHC. Daí a lei em foco garantir a esse Conselho não somente os poderes necessários à investigação de denúncias relativas à violação dos direitos humanos, mas também à formulação de propostas que permitam a institucionalização da promoção dos direitos do homem e do cidadão. Com base nesses dispositivos, o CEDDHC desenvolveu toda uma intervenção positiva nos mais diferentes domínios. Desde estudos, posicionamentos e propostas relacionadas com o respeito e o aprimoramento das liberdades públicas e do regime democrático até campanhas e eventos sobre temas específicos como o da criação e disseminação da Ouvidorias Públicas no país. Nenhum dos Conselhos de Direitos Humanos - sejam eles autênticos fórums de cidadania ou expressões maquiadas do Poder Executivo - dispõem de um campo de atuação tão extenso quanto o do CEDDHC.

Todavia, o ante-projeto elaborado pela Consultoria Jurídica do Distrito Federal, se aprovado, criará um Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana - apesar de sua aparente similitude com o de São Paulo - com uma esfera de competência e poder de fiscalização da mesma amplitude da do CEDDHC.

Resta esperar que a instalação dos Conselhos de Direitos Humanos do Espírito Santo e do Distrito Federal venha imprimir uma nova dinâmica à disseminação de Conselhos de Cidadania independentes do Poder Executivo, concretizando, desta forma, nesse campo específico da esfera pública, os princípios da democracia participativa.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

( 1) A escolha dos juizes classistas é considerada uma manifestação de democracia direta pelo doutor Paulo Guimarães Leite, Ouvidor Público de Campinas, no seu artigo Aprimorando a Democracia (São Paulo, mimeo, 1995. 4 p.), do qual retirei valiosas indicações para esta pesquisa. Todavia, no caso acima referido, trata-se de uma forma de participação propriamente corporativa, que se diferencia qualitativamente do direito de "participação da comunidade" com vistas à preservação do interesse público, a que aludimos na sequência deste trabalho.

( 2)SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros Editores, 1995. 820 p.

(3)BRASIL. Constituição . Constituição da República Federativa do Brasil: artigos. São Paulo : Atlas, 1988. 180 p

. (4)BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. João Pessoa: Defensoria Pública do Estado da Paraíba, 1995. 140 p.

(5)PARAÍBA. Constituição. Constituição do Estado da Paraíba: Preâmbulo e artigos. João Pessoa: Assembléia Legislativa da Paraíba, 1989. 193 p.

( 6)SÃO PAULO. Constituição. Constituição do Estado de São Paulo: artigo. São Paulo: IMESP, 1989. 48 p.

( 7)PARAÍBA. Poder Judiciário. 7ª Vara Privativa das Execuções Penais. Portaria 1/93 de 18 de Março de 1993. João Pesoa, 1993.

(8)PARAÍBA. Poder Judiciário. Corregedoria-Geral de Justiça. Despacho Administrativo do Corregedor-Geral do Tribunal de Justiça, de 20 de Agosto de 1993. João Pessoa, 1993.

( 9)SÃO PAULO. Lei Estadual nº 7.576, de 27 de Novembro de 1991. Cria o Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana e dá providências correlatas. Diário Oficial (do Estado de São Paulo), São Paulo, 101 (225) 28 de novembro de 1991.

(10)SÃO PAULO. Lei Estadual nº 8.032, de 28 de Setembro de 1992. Altera a Lei nº 7.576, de 27 de Setembro de 1991. São Paulo Legislação. Setembro de 1992. São Paulo, 1992. 3 p.

(11)PARAÍBA. Conselho Estadual de Defesa dos Direitos do Homem e do Cidadão (CEDDHC). Mensagem da Presidência aos Conselheiros do CEDDHC. João Pessoa, 5 de Julho de 1992.

(12)BRANDÃO, Renato. Ante-Projeto de Lei nº 102/93 de 4 de Agosto de 1993. Aracajú: Assembléia Legislativa, 1993.

(13)SERGIPE. Lei Estadual nº 3.641, de 3 de Agosto de 1995. Aracajú.

(14)SERGIPE. Constituição. Constituição do Estado de Sergipe: artigo. Aracajú: SGRAF, 1989. 134 p.

(15)PARANÁ. Lei Estadual nº 11.070, de 27 de Março de 1995.Diário Ofícial (do Estado do Paraná) nº 4.476, p. 2-3. Curitiba.

(16)MINAS GERAIS. Lei Estadual nº 9.516, de 20 de Dezembro de 1987. Transforma em Secretaria de Estado da Justiça a Secretaria de Estado de Interior e Justiça, cria o Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos e dá outras providências. Legislação (do Estado de Minas Gerais), p. 612, Dezembro de 1987. Belo Horizonte.

(17)MINAS GERAIS. Poder Executivo. Decreto nº 35.661, de 27 de Junho de 1994. Aprova o Regimento Interno do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos. Diário do Executivo, p. 4, 16 de Julho de 1994. Belo Horizonte.

(18)BAHIA. Lei Estadual nº 6.699, de 16 de Dezembro de 1994. Dispõe sobre o Conselho Estadual de Proteção aos Direitos Humanos e dá outras providências. Salvador.

(19)ESPÍRITO SANTO. Governo do Estado. Secretaria de Justiça e Cidadania. Ante-Projeto de Lei, (sob forma de minuta) referente à criação do Conselho Estadual de Direitos Humanos. Vitória.

(20)DISTRITO FEDERAL. Centro de Referência de Direitos Humanos. Ante-Projeto de Lei, sob forma de minuta, referente à criação do Conselho Estadual dos Direitos Humanos.

(21)ENTREVISTA com os Procuradores da República Fabiano Silva e Delson Lyra. Brasília, 28 de novembro de 1995, D.F.

(22)GOMES, Manoel Eduardo Alves Camargo e. O controle da administração pública: os pressupostos teóricos para uma revisão conceitual. Dissertação de Mestrado. Curso de Mestrado em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina. Mimeo. Florianópolis, 1992. 100 p.

(23)MARIANO, Benedito Rodrigues e FECHIO, Fermino. A proteção nacional e internacional dos Direitos Humanos. Seminário de Brasília. Brasília: Forum Interamericano de Direitos Humanos - FIDEH e Centro Santo Dias de Direitos Humanos da Arquidiocese de São Paulo, 1994. 127 p.

(24)DOCUMENTO Final. II Forum Nacional de Comissões Legislativas de Direitos Humanos. Brasília: Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal. Novembro de 1995. 4 p. (mimeo).

(25)São Paulo. Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania. Conselho Estadual de Defesa da Pessoa Humana . Direitos Humanos: um novo caminho. São Paulo, 1994. 122 p.

(26)PARAÍBA. Lei Estadual nº 5.551, de 14 de Janeiro de 1992. Dispõe sobre a criação do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos do Homem e do Cidadão.Diário Oficial (do Estado da Paraíba) de 15 de Janeiro de 1992, p. 4-5.

(*)Doutor em Direito, na área de Política, pela Universidade de Nancy (França). Professor de Teoria Política do Mestrado em Ciências Sociais e do Mestrado em Ciências Jurídicas da Universidade Federal da Paraíba. Presidente do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos do Homem e do Cidadão (CEDDHC) e 1º Vice-Presidente da Associação Brasileira de Ouvidores (ABO). Autor de vários livros, artigos e comunicações sobre cidadania, democracia e socialismo.

Versão Preliminar: Somente pode ser reproduzida parcialmente, para efeito de citação, com a prévia e expressa autorização do autor.

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