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O Enfoque Histórico no Processo de Ensino-Aprendizagem em Direitos Humanos

Fábio F.B.Freitas( * )

A Importância de se Declarar Direitos

Por que tem sido tão importante, para nossa história recente, declarar direitos universais, que devem ultrapassar as barreiras dos Estados constituídos e assumir um valor universal? Qual o alcance desse gesto que se impõe como condição para a consolidação de uma vida estável e digna de ser vivida?

Para responder a tais questões, é preciso retomar, no plano da história, o processo de elaboração do conceito de dignidade humana e dos direitos fundamentais que se constituem como sua garantia. O que são os direitos humanos e por que reivindicá-los significa preservar nossa dignidade? Acima de tudo, são direitos "inerentes à nossa própria condição", independentemente da nossa inserção particular num determinado Estado.

 As expressões contidas nas "Declarações" -"direitos do homem e do cidadão"- já nos indicam que é necessário tomar o direito sob uma dupla perspectiva. A primeira, a do "homem", esboçou-se, desde a Antiguidade clássica, nas teorias do direito natural, fundado nas leis gerais da natureza, que não dependiam da vontade dos homens, mas se impunham necessariamente a todos os seres, ou nas leis da natureza exclusiva do homem, definido como um ser dotado de razão e sociável, nascido para viver em sociedade.

Essa última acepção delineou-se sobretudo no jusnaturalismo moderno, a partir do século 17, e serviu de base para a elaboração das "Declarações" posteriores. A expressão "direitos do cidadão" diz respeito aos direitos circunscritos a um determinado país. O que a história das "Declarações" nos mostra é que não é possível desvincular as duas perspectivas e que os direitos do homem, que se impõem pela universalidade, devem ultrapassar e servir de guias para os direitos civis, do cidadão, em qualquer país. Quando esses direitos se encontram em perigo, diante, sobretudo dos desmandos dos poderes estatais, invocar os direitos humanos se apresenta, para esses cidadãos, como um instrumento de luta, como uma âncora que lhes permite resgatar sua integridade.

"Declarar" direitos, no século 18, tinha uma conotação muito especial. "Declarar é vocábulo cognato de esclarecer, de aclarar. E o espírito do século 18, convém lembrar, é marcado pela idéia de que as luzes da razão (...) iluminavam todas as ações humanas e desvendavam os mistérios da natureza." Mas quem poderia esclarecer os homens sobre seus direitos? Certamente não seria o monarca absoluto, que já começava a deixar o cenário político, porque o poder, doravante, estaria nas mãos do povo soberano. Mas a dificuldade continua. Quem vai "esclarecer" o povo sobre os seus direitos humanos e civis?

A voz do povo

A partir da "Declaração de Direitos" de 1689, na Inglaterra, os agentes, sujeitos das declarações, começam a mudar. Vemos surgir, nos preâmbulos das declarações, as seguintes expressões: "Nós, os Lordes Espirituais e Temporais, bem como os Cidadãos Comuns"; "Os representantes dos Estados Unidos da América, reunidos em Congresso Geral"; "Os representantes do bom povo da Virgínia"; "Os representantes do povo francês, reunidos em Assembléia Nacional"; "O povo francês"; "Os Estados-Membros das Nações Unidas". Não basta, então, declarar direitos, é necessário também saber quem os declara.

Da voz do monarca passamos à voz do próprio povo ou de seus representantes e, mais recentemente, à das Nações Unidas. Os conteúdos das "Declarações" só se afirmam, no entanto, na medida em que são acatados pelos Estados particulares e reconhecidos como direitos fundamentais. Da limitação dos poderes da monarquia, na Idade Média, até a reivindicação dos ideais de igualdade, liberdade e fraternidade ou solidariedade, que está presente em todas as "Declarações" modernas e contemporâneas, formou-se um quadro bem preciso de direitos humanos que não podem mais ser ignorados por ninguém.

Isso não significa que sejam respeitados em toda parte. Muito ao contrário, o que vemos a todo instante é a necessidade de declarar, aclarar, esclarecer, relembrar, ensinar quais são os direitos inerentes à condição humana, porque eles são mais ultrajados que respeitados. Portanto a questão de quem declara assume um caráter pedagógico. Se prescindimos, no mundo dos homens, do reconhecimento de uma autoridade superior, acima do povo, que lhe deva ensinar quais são os direitos inerentes à sua própria condição, ele mesmo, o povo, passa a ser o sujeito da declaração dos seus direitos, num processo de auto-esclarecimento e de rememoração das conquistas históricas que seus antepassados realizaram, a duras penas e em várias revoluções.

Não foi fácil, por exemplo, eliminar a escravidão, reconhecer o direito à prática livre e diferenciada de religião, à liberdade de expressão, de imprensa, reconhecer a igualdade de raça, de cor, ou a diferença de comportamentos sexuais. A luta incansável das mulheres pelo reconhecimento dos seus direitos, consagrados em tantas declarações apenas começou, porque, de fato, eles não conseguem efetivar-se e, mesmo quando se explicitam nas legislações, não são cumpridos.

A grande questão que se apresenta àqueles que se põem a tarefa de refletir sobre os direitos humanos diz respeito à sua afirmação como valores universais e que possam servir de guias, balizas para o julgamento das formas jurídicas que os direitos assumem nos Estados particulares. Para escapar a essa dificuldade, o positivismo jurídico tomou como princípio que não pode haver direito fora da organização política dos Estados particulares ou do acordo que se possa estabelecer entre eles no plano internacional. Posição essa que é totalmente problemática, pois a caraterística essencial dos direitos humanos consiste no fato de valerem contra o Estado. Mas, em vez de aderir a uma concepção essencialista que defende que tais direitos têm seu fundamento numa essência comum e universal da espécie humana, com características inatas que indicariam o fundamento dos direitos, o que, certamente, o conduziria a uma concepção estática da natureza humana,  preferimos  assumir a posição dos que defendem a "afirmação histórica dos direitos humanos".

Consciência ética coletiva

"É irrecusável, por conseguinte, encontrar um fundamento para a vigência dos direitos humanos além da organização estatal. Esse fundamento, em última instância, só pode ser a consciência ética coletiva, a convicção, longa e largamente estabelecida na comunidade, de que a dignidade da condição humana exige o respeito a certos bens ou valores em qualquer circunstância, ainda que não reconhecidos no ordenamento estatal, ou em documentos normativos internacionais."(Comparato,1999). Contra o argumento dos positivistas de que os direitos humanos só poderiam ser considerados como tais se sua observância pudesse ser exigida em juízo, o autor responde que, se fosse assim, "a quase-totalidade das normas declaradas em tratados internacionais -sem falar no costume e nos chamados princípios gerais do direito- não teria caráter jurídico".

O argumento decisivo contra o positivismo jurídico é o de que ele promove uma "confusão entre o direito subjetivo propriamente dito, que é a pertinência de um bem da vida a alguém, e a chamada pretensão,que é o modo, judicial ou extrajudicial, reconhecido pelo ordenamento jurídico, para garantir o direito subjetivo. A ausência ou o não-exercício da pretensão não significa, de modo algum, que não haja direito subjetivo".

Se os direitos humanos se apresentam, portanto, como pertencentes ao domínio do direito subjetivo, sua garantia só se efetivará, quando houver o reconhecimento de sua existência. Estabelece-se entre os direitos humanos e os direitos civis e políticos uma relação na qual o reconhecimento é o sinal da existência logicamente anterior dos primeiros, os quais devem dar o tom e servir de baliza para a ordem jurídica que se estabelecerá nos Estados particulares.

A recusa de uma concepção estática da natureza humana, a crítica ao positivismo jurídico e a afirmação do caráter histórico do surgimento de uma "consciência ética coletiva" da dignidade humana não seriam ainda suficientes para assinalar o caráter universal dos direitos humanos e essa posição certamente poderia ser acusada de relativista e historicista. Como resposta a essa possível objeção, invocamos a reflexão filosófica contemporânea, sobretudo a existencialista, que define o homem como "ser-no-mundo", constantemente em mutação, mas, ao mesmo tempo, responsável por ela.

Nesse contínuo devir, os direitos humanos também sofrem alterações, novos direitos aparecem e se incorporam aos já conquistados. Mas são os direitos que se afirmam ao longo da história e que se efetivam nos Estados particulares, que aparecem como valores universais, mesmo numa realidade em constante transformação. Há, pois, permanência no processo de mudança. Se assim não fosse, o relativismo seria total e nenhum direito poderia firmar-se como universal.

Outra dificuldade a superar é a de que os direitos humanos, pelo fato de se inscreverem no âmbito do direito subjetivo, só dizem respeito aos indivíduos tomados como realidades atomizadas, independentes. Nesse caso, cada um, na sua solidão, poderia reivindicar todos os direitos passíveis de serem elaborados por sua imaginação. Nessa luta por fazer valer todos os direitos individuais possíveis e imagináveis, dependentes exclusivamente da subjetividade de cada um, a sua realização só se faria pela violência ou por uma guerra generalizada de todos contra todos(Hobbes), em nome dos direitos individuais ilimitados.

Isso, certamente, poderia valer em estado de natureza, numa situação na qual cada um é o senhor absoluto de si mesmo, sem nenhuma lei a obedecer a não ser a da conservação de si mesmo. Essa não é a condição na qual nos encontramos. Em sociedade, nossa dependência dos outros nos leva a buscar uma solução, um meio para estabelecermos regras de convivência pacífica. São elas que constituem a esfera do direito.

Para sua efetivação, os direitos humanos precisam ser reconhecidos no interior de cada Estado particular, numa luta constante dos homens como sujeitos da história. O reconhecimento da dignidade da pessoa humana é uma conquista histórica que precisa efetivar-se a todo instante. Comparato nos lembra que a história não caminha por si mesma e que os direitos humanos não se efetivam naturalmente. Muito pelo contrário, "pois foi justamente no século da consagração dos direitos supra-individuais, da criação da Organização das Nações Unidas e da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que a humanidade conheceu a experiência sem precedentes do estado totalitário, do massacre coletivo de duas guerras intercontinentais, da organização tecnológica do genocídio e da ameaça de destruição nuclear do planeta".

( * )Fábio F.B.Freitas é professor de Teoria Política e Direitos Humanos junto ao  CH/ UFPB;membro da CDH-UFPB, da Rede Brasileira  de Educação em Direitos Humanos e da Anistia Internacional.

 

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