Espanhol
Italiano
Inglês

Tecido Social
Correio Eletrônico da Rede Estadual de Direitos Humanos - RN

N. 091 – 30/09/04

DIREITOS DA MULHER

Mulheres de toda América Latina e do Caribe saem às ruas para reivindicar acesso ao aborto legal e seguro 

A discussão sobre o direito ao aborto voltou com força para agenda de discussões no Brasil neste 28 de setembro, dia de luta pela descriminalização do aborto na América Latina e no Caribe. Os movimentos de mulheres realizaram ações de rua por todo o continente, reivindicando a descriminalização e a legalização do aborto que, segundo o Fundo de População das Nações Unidas, ainda é a causa da morte de cerca de seis mil mulheres por ano na América Latina. Segundo dados do Ministério da Saúde, a cada ano acontecem cerca de 800 mil abortos no Brasil, e cerca de 250 mil mulheres são internadas nos hospitais públicos em decorrência de seqüelas de abortos clandestinos.

Em Pernambuco, militantes do Fórum de Mulheres de Pernambuco e da Rede Feminista de Saúde - PE prepararam uma intervenção pública que começou às 8:30 da manhã com concentração na Rua Sete de Setembro. Lá foi estendida uma faixa-gigante, com trinta metros de comprimento, que trouxe o lema da campanha deste ano: Aborto. As Mulheres Decidem. A Sociedade Respeita. O Estado Garante. As pessoas presentes puderam assinar a faixa, que servirá de abaixo-assinado pela descriminalização e legalização do aborto, a ser enviado para o Congresso Nacional.

Da concentração, as mulheres atravessaram a Av. Conde da Boa Vista e seguiram para a Rua da Imperatriz, onde fizeram outra parada para recolher mais assinaturas. Depois percorreram a Ponte da Boa Vista até a Rua Nova, onde fizeram outra parada. De lá seguiram para a última parada, na Pracinha do Diário. Para incentivar a adesão da população, o grupo de teatro feminista Loucas de Pedra Lilás fez rápidas apresentações sobre o tema. As mais de sessenta entidades que compõem o Fórum de Mulheres de Pernambuco estiveram presentes com faixas e cartazes. Também houve a distribuição do material preparado pelas Jornadas Brasileiras pelo Aborto Legal e Seguro e pela Rede Feminista de Saúde.

Além do ato público, as ações pela descriminalização e legalização do aborto incluiram também uma campanha publicitária envolvendo outdoors, spots de rádio e anúncios nos principais jornais do estado. Toda a mobilização aconteceu com apoio das Jornadas Brasileiras pelo Aborto Legal e Seguro, a Campanha 28 de Setembro, a Rede Nacional Feminista de Saúde Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos, Fórum de Mulheres de Pernambuco e Católicas pelo Direito de Decidir.

 

Criminalização do aborto penaliza principalmente mulheres jovens

 

No Brasil, o aborto constitui um problema de saúde pública e um tema de justiça social. Segundo dados do Ministério da Saúde, a cada ano acontecem cerca de 800 mil abortos no Brasil – e cerca de 250 mil mulheres são internadas nos hospitais públicos em decorrência de seqüelas de abortos clandestinos. Enquanto mulheres com recursos financeiros são atendidas de modo seguro – com qualidade e sem risco para sua saúde e sua vida – mulheres pobres (sobretudo as jovens e negras) são empurradas para o aborto inseguro. Estas recorrem a práticas de grande risco: uso de sondas, chás tóxicos e outros remédios caseiros de efeitos colaterais danosos; ou buscam apoio em pessoas inescrupulosas e/ou sem competência profissional para realizar um aborto, expondo sua saúde e sua vida a riscos desnecessários.

 

Segundo dossiê preparado pela Rede Feminista de Saúde, no ano de 1999, garotas de 10 a 19 anos foram responsáveis por 51.380 internações por aborto incompleto, no SUS. As jovens de 20 a 24 anos foram responsáveis por 71.439 internações. Entre 2001 e 2002, cerca de 29% de adolescentes que engravidaram, ou engravidaram suas parceiras, não tiveram o filho.

 

Em levantamento feito pela Agência de Notícias dos Direitos da Infância (Andi), diariamente cerca de 140 meninas têm a gravidez interrompida. A cada hora, seis adolescentes entram em processo de aborto. A cada 17 minutos, uma jovem se torna mãe no Brasil. Aborto ou complicações no parto constituem a quinta causa de mortes entre adolescentes ou 6% do total de óbitos entre jovens.

 

 

Discussões sobre aborto no Brasil ganham ênfase em 2004

 

Em junho de 2004, o ministro Marco Aurélio de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu liminar garantindo a antecipação terapêutica do parto de fetos com anencefalia (má-formação fetal que torna inviável a sobrevivência após o parto). Assim, a partir de agora, é possível interromper a este tipo de gestação a qualquer momento sem autorização judicial. A liminar também protege médicos e profissionais de saúde que realizam a antecipação terapêutica do parto nos casos de anencefalia.

 

Desde 1940, havia apenas dois permissivos legais: gravidez resultante de estupro e risco de vida da gestante. A liminar se constitui no terceiro permissivo legal para a interrupção da gravidez no País e representa um importante ganho político, pois encerra a peregrinação de mulheres em busca de ajuda para interromper a gestação quando grávidas de anencéfalos. Para fazer valer o direito assegurado pela liminar, basta a mulher comparecer a um serviço que realize aborto previsto em lei, tendo em mãos o diagnóstico de anencefalia (ultra-sonografia) e autorizar, por escrito, a realização da interrupção da gravidez.

Durante a realização da I Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres, realizada em Brasília no último mês de julho, a discussão sobre a interrupção da gravidez aconteceu de forma quase consensual. O texto final aprovado em assembléia geral por cerca de duas mil mulheres aprovou a descriminalização e a legalização do aborto, de modo a "Promover e garantir o reconhecimento público do direito das mulheres e dos casais quanto à opção da maternidade/paternidade, possibilitando meios para regulação da sua fecundidade, afirmando o caráter laico das políticas de saúde reprodutiva. Neste sentido, a I Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres recomenda a descriminalização e a legalização do aborto, com a garantia da assistência ao aborto no serviço público de saúde".

Com a intenção de garantir acesso qualificado às mulheres em processo de abortamento espontâneo ou inseguro, o Ministério da Saúde elaborou, em 2004, a Norma Técnica de Atenção Humanizada ao Abortamento, considera uma conquista pelos movimentos de mulheres, pois assegura atendimento humanizado e com dignidade às mulheres que chegam às emergências públicas, gerais ou obstétricas. Esta orientação serve de roteiro para a qualidade da atenção, pois incentiva “os profissionais, independente dos seus preceitos morais e religiosos, a preservarem uma postura ética, garantindo o respeito aos direitos humanos das mulheres”. Além disso, também por objetivo a integralidade do atendimento, de forma que se possa “disponibilizar às mulheres alternativas contraceptivas, evitando o recurso a abortos repetidos”.

A medida se fez necessária depois de notícias de mulheres presas por "aborto provocado", denunciadas pelo(a) médico(a) que as atenderam em processo de abortamento inseguro. Cabe ressaltar que o(a) médico(a) que denuncia à polícia uma mulher em situação de abortamento inseguro comete um ato anti-ético e ilegal. Tal comportamento é tipificado no Código Penal como quebra de sigilo profissional, cujas penalidades podem ser: prisão do(a) médico(a) e indenização civil por dano moral à vítima.

Além disso, a Norma Técnica significa, também, que o governo cumpre parte dos compromissos que o Estado brasileiro assumiu nas Conferências das Nações Unidas do Cairo (1994) e de Beijing (1995): garantir atenção humanizada ao abortamento inseguro. Resta agora revisar as leis punitivas sobre o aborto, compromisso do qual o Brasil também é signatário.


Movimentos de mulheres fortalecem ações pelo direito à interrupção da gravidez

 

No último mês de fevereiro, em reunião envolvendo 28 organizações feministas do Brasil, foram fundadas as Jornadas Brasileiras pelo Direito ao Aborto Legal e Seguro, definidas enquanto articulação específica pelo acesso ao aborto legal e seguro, segundo a decisão da mulher. Dentre os objetivos estão: estimular e organizar a mobilização nacional pelo direito ao aborto legal e seguro; apoiar projetos de lei que ampliem os permissivos legais para o aborto; contrapor-se aos projetos de lei contrários ao aborto; e ampliar o leque de aliados/as para a descriminalização e a legalização do aborto.

Descriminalização: aborto deixar de ser considerado crime.

Legalização: ser regulamentado e ter acesso garantido pelo SUS (Sistema Único de Saúde).


A história penal do aborto no Brasil

O aborto é contemplado, pela primeira vez, em legislação específica, no Brasil, em 1830, no Código Criminal do Império, Capítulo referente aos "Crimes contra a segurança da pessoa e da vida". O auto-aborto não era previsto como crime nem se atribuía à mulher qualquer atitude criminosa pelo consentimento para o aborto praticado por terceiros, sendo o bem tutelado a segurança da pessoa e da vida.

 

O Código Penal da República, de 1890, ampliou a imputabilidade nos crimes de aborto, prevendo punição para a mulher que praticasse o auto-aborto. Nesse caso, estabeleceu atenuantes quando era caso de "ocultar a desonra própria". Introduziu, ainda, a noção de aborto legal ou necessário, aquele praticado para salvar a gestante de morte inevitável.

 

O Código Penal de 1940, inspirado na filosofia do Código Penal Italiano, incluiu o aborto em seu Capítulo I – Dos Crimes Contra a Vida, criminalizando-o em todas as hipóteses, apenas excluindo de punibilidade o aborto necessário – se não há outro meio de salvar a vida da gestante – e o aborto no caso de gravidez resultante de estupro, desde que precedido do consentimento da gestante ou de seu representante legal, em caso de incapacidade.

Fonte: Fórum de Mulheres de Pernambuco

Veja também:
- LITERATURA E MEMÓRIA HISTÓRICA - As dunas vermelhas de Natal
- AMÉRICA LATINA - Alerta da Vía Campesina Brasil: o Mercosur entrega seus mercados à União Européia
- Con buena letra: una red de voluntarios alfabetiza Argentina
- JUSTIÇA E MEMÓRIA HISTÓRICA - Olga: a Justiça falhou
- LUTA À FOME - Fome Zero mundial

Adquira o CD-ROM Enciclopédia Digital Direitos Humanos II
O maior acervo sobre DH em língua portuguesa, revisto e atualizado
www.dhnet.org.br