DIREITOS DA MULHER
Mulheres de toda
América Latina e do Caribe saem às ruas para reivindicar
acesso ao aborto legal e seguro
A discussão sobre o direito ao aborto voltou
com força para agenda de discussões no Brasil neste 28 de
setembro, dia de luta pela descriminalização do aborto na
América Latina e no Caribe. Os movimentos de mulheres realizaram
ações de rua por todo o continente, reivindicando a
descriminalização e a legalização do aborto que, segundo
o Fundo de População das Nações Unidas, ainda é a causa da morte de cerca de seis mil mulheres por ano na América Latina.
Segundo dados do Ministério da Saúde, a cada ano acontecem
cerca de 800 mil abortos no Brasil, e cerca de 250 mil mulheres
são internadas nos hospitais públicos em decorrência de
seqüelas de abortos clandestinos.
Em Pernambuco, militantes do Fórum de Mulheres
de Pernambuco e da Rede Feminista de Saúde - PE prepararam
uma intervenção pública que começou às 8:30 da manhã
com concentração na Rua Sete de Setembro. Lá foi estendida
uma faixa-gigante, com trinta metros de comprimento, que
trouxe o lema da campanha deste ano: Aborto. As Mulheres Decidem. A Sociedade Respeita. O
Estado Garante. As pessoas presentes puderam
assinar a faixa, que servirá de abaixo-assinado pela descriminalização
e legalização do aborto, a ser enviado para o Congresso
Nacional.
Da concentração, as mulheres atravessaram
a Av. Conde da Boa Vista e seguiram para a Rua da Imperatriz,
onde fizeram outra parada para recolher mais assinaturas.
Depois percorreram a Ponte da Boa Vista até a Rua Nova,
onde fizeram outra parada. De lá seguiram para a última
parada, na Pracinha do Diário. Para incentivar a adesão
da população, o grupo de teatro feminista Loucas
de Pedra Lilás fez rápidas apresentações sobre
o tema. As mais de sessenta entidades que compõem o Fórum
de Mulheres de Pernambuco estiveram presentes com faixas
e cartazes. Também houve a distribuição do material
preparado pelas Jornadas Brasileiras pelo Aborto Legal e
Seguro e pela Rede Feminista de Saúde.
Além do ato público, as ações pela descriminalização e legalização do aborto
incluiram também uma campanha publicitária envolvendo outdoors, spots de rádio e anúncios nos
principais jornais do estado. Toda a mobilização aconteceu
com apoio das Jornadas Brasileiras pelo Aborto Legal e Seguro,
a Campanha 28 de Setembro, a Rede Nacional Feminista de
Saúde Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos, Fórum de
Mulheres de Pernambuco e Católicas pelo Direito de Decidir.
Criminalização do aborto
penaliza principalmente mulheres jovens
No Brasil, o aborto constitui um problema
de saúde pública e um tema de justiça social. Segundo dados
do Ministério da Saúde, a cada ano acontecem cerca de 800
mil abortos no Brasil – e cerca de 250 mil mulheres são
internadas nos hospitais públicos em decorrência de seqüelas
de abortos clandestinos. Enquanto mulheres com recursos
financeiros são atendidas de modo seguro – com qualidade
e sem risco para sua saúde e sua vida – mulheres pobres
(sobretudo as jovens e negras) são empurradas para o aborto
inseguro. Estas recorrem a práticas de grande risco: uso
de sondas, chás tóxicos e outros remédios caseiros de efeitos
colaterais danosos; ou buscam apoio em pessoas inescrupulosas
e/ou sem competência profissional para realizar um aborto,
expondo sua saúde e sua vida a riscos desnecessários.
Segundo dossiê preparado pela Rede Feminista
de Saúde, no ano de 1999, garotas de 10 a 19 anos foram
responsáveis por 51.380 internações por aborto incompleto,
no SUS. As jovens de 20 a 24 anos foram responsáveis por
71.439 internações. Entre 2001 e 2002, cerca de 29% de adolescentes
que engravidaram, ou engravidaram suas parceiras, não tiveram
o filho.
Em levantamento feito pela Agência de Notícias
dos Direitos da Infância (Andi), diariamente cerca de 140
meninas têm a gravidez interrompida. A cada hora, seis adolescentes
entram em processo de aborto. A cada 17 minutos, uma jovem
se torna mãe no Brasil. Aborto ou complicações no parto
constituem a quinta causa de mortes entre adolescentes ou
6% do total de óbitos entre jovens.
Discussões sobre aborto
no Brasil ganham ênfase em 2004
Em junho de 2004, o ministro Marco Aurélio
de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu liminar
garantindo a antecipação terapêutica do parto de fetos com
anencefalia (má-formação fetal que torna inviável a sobrevivência
após o parto). Assim, a partir de agora, é possível interromper
a este tipo de gestação a qualquer momento sem autorização
judicial. A liminar também protege médicos e profissionais
de saúde que realizam a antecipação terapêutica do parto
nos casos de anencefalia.
Desde 1940, havia apenas dois permissivos
legais: gravidez resultante de estupro e risco de vida da
gestante. A liminar se constitui no terceiro permissivo
legal para a interrupção da gravidez no País e representa
um importante ganho político, pois encerra a peregrinação
de mulheres em busca de ajuda para interromper a gestação
quando grávidas de anencéfalos. Para fazer valer o direito
assegurado pela liminar, basta a mulher comparecer a um
serviço que realize aborto previsto em lei, tendo em mãos
o diagnóstico de anencefalia (ultra-sonografia) e autorizar,
por escrito, a realização da interrupção da gravidez.
Durante a realização da I Conferência Nacional
de Políticas para as Mulheres, realizada em Brasília no
último mês de julho, a discussão sobre a interrupção da
gravidez aconteceu de forma quase consensual. O texto final
aprovado em assembléia geral por cerca de duas mil mulheres
aprovou a descriminalização e a legalização do aborto, de
modo a "Promover e garantir o reconhecimento público
do direito das mulheres e dos casais quanto à opção da maternidade/paternidade,
possibilitando meios para regulação da sua fecundidade,
afirmando o caráter laico das políticas de saúde reprodutiva.
Neste sentido, a I Conferência Nacional de Políticas para
as Mulheres recomenda a descriminalização e a legalização
do aborto, com a garantia da assistência ao aborto no serviço
público de saúde".
Com a intenção de garantir acesso qualificado
às mulheres em processo de abortamento espontâneo ou inseguro,
o Ministério da Saúde elaborou, em 2004, a Norma Técnica
de Atenção Humanizada ao Abortamento, considera uma conquista
pelos movimentos de mulheres, pois assegura atendimento
humanizado e com dignidade às mulheres que chegam às emergências
públicas, gerais ou obstétricas. Esta orientação serve de
roteiro para a qualidade da atenção, pois incentiva “os
profissionais, independente dos seus preceitos morais e
religiosos, a preservarem uma postura ética, garantindo
o respeito aos direitos humanos das mulheres”. Além disso,
também por objetivo a integralidade do atendimento, de forma
que se possa “disponibilizar às mulheres alternativas contraceptivas,
evitando o recurso a abortos repetidos”.
A medida se fez necessária depois de notícias
de mulheres presas por "aborto provocado", denunciadas
pelo(a) médico(a) que as atenderam em processo de abortamento
inseguro. Cabe ressaltar que o(a) médico(a) que denuncia
à polícia uma mulher em situação de abortamento inseguro
comete um ato anti-ético e ilegal. Tal comportamento é tipificado
no Código Penal como quebra de sigilo profissional, cujas
penalidades podem ser: prisão do(a) médico(a) e indenização
civil por dano moral à vítima.
Além disso, a Norma Técnica significa, também,
que o governo cumpre parte dos compromissos que o Estado
brasileiro assumiu nas Conferências das Nações Unidas do
Cairo (1994) e de Beijing (1995): garantir atenção humanizada
ao abortamento inseguro. Resta agora revisar as leis punitivas
sobre o aborto, compromisso do qual o Brasil também é signatário.
Movimentos de mulheres
fortalecem ações pelo direito à interrupção da gravidez
No último mês de fevereiro, em reunião envolvendo
28 organizações feministas do Brasil, foram fundadas as
Jornadas Brasileiras pelo Direito ao Aborto Legal e Seguro,
definidas enquanto articulação específica pelo acesso ao
aborto legal e seguro, segundo a decisão da mulher. Dentre
os objetivos estão: estimular e organizar a mobilização
nacional pelo direito ao aborto legal e seguro; apoiar projetos
de lei que ampliem os permissivos legais para o aborto;
contrapor-se aos projetos de lei contrários ao aborto; e
ampliar o leque de aliados/as para a descriminalização e
a legalização do aborto.
Descriminalização: aborto deixar de
ser considerado crime.
Legalização: ser regulamentado e ter acesso garantido
pelo SUS (Sistema Único de Saúde).
A história penal do aborto no Brasil
O aborto é contemplado, pela primeira vez,
em legislação específica, no Brasil, em 1830, no Código
Criminal do Império, Capítulo referente aos "Crimes
contra a segurança da pessoa e da vida". O auto-aborto
não era previsto como crime nem se atribuía à mulher qualquer
atitude criminosa pelo consentimento para o aborto praticado
por terceiros, sendo o bem tutelado a segurança da pessoa
e da vida.
O Código Penal da República, de 1890, ampliou
a imputabilidade nos crimes de aborto, prevendo punição
para a mulher que praticasse o auto-aborto. Nesse caso,
estabeleceu atenuantes quando era caso de "ocultar
a desonra própria". Introduziu, ainda, a noção de aborto
legal ou necessário, aquele praticado para salvar a gestante
de morte inevitável.
O Código Penal de 1940, inspirado na filosofia
do Código Penal Italiano, incluiu o aborto em seu Capítulo
I – Dos Crimes Contra a Vida, criminalizando-o em todas
as hipóteses, apenas excluindo de punibilidade o aborto
necessário – se não há outro meio de salvar a vida da gestante
– e o aborto no caso de gravidez resultante de estupro,
desde que precedido do consentimento da gestante ou de seu
representante legal, em caso de incapacidade.
Fonte: Fórum de Mulheres de Pernambuco
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