JUSTIÇA E MEMÓRIA HISTÓRICA
Olga: a Justiça falhou
Por
João Baptista Herkenhoff*
A
expulsão de Olga Prestes foi chancelada pela Justiça. O
advogado Heitor Lima impetrou um habeas corpus perante a
Corte Suprema, que era o mais alto órgão do Poder Judiciário,
na época. O apelo judicial destinava-se a impedir que Olga
fosse expulsa do território nacional. A impetração tinha
pleno fundamento na Constituição Federal de 16 de julho
de 1934, vigente no Brasil de então.
O
Regime Vargas, sob o aspecto jurídico, não foi igual de
1930 a 1945. A Constituição de 1934 pretendeu compatibilizar
o regime com certo grau de civilização jurídica. Resultou,
indiretamente, da Revolução Paulista de 1932 que cobrava
do Governo Central seu compromisso democrático. Desencadeada
para corrigir os males da “República Velha”, a Revolução
de 1930 não podia perpetuar uma ditadura. A revolta de São
Paulo foi esmagada pelo poder central mas o sangue dos heróis
paulistas obrigou o Regime Vargas a constitucionalizar o
Brasil em 1934. Esses ares liberais duraram pouco: em 1937
desabou sobre o país o Estado Novo.
Conforme
se lê no art. 113, inciso 31, da Constituição de 1934: “Não
será concedida a Estado estrangeiro extradição por crime
político ou de opinião, nem, em caso algum, de brasileiro.”
E ainda conforme está expresso no art. 5º, inc. XIX: “compete
à União legislar sobre a expulsão de estrangeiros”, não
se cogitando, em parte alguma da Constituição de 1934, da
expulsão de brasileiro.
Olga
estava amparada pelos preceitos constitucionais:
a)
se crime lhe era imputado, tinha esse natureza política
e de opinião;
b)
ela estava grávida de uma criança brasileira e a expulsão
ou extradição seria dela e da criança guardada no seu seio.
O
habeas corpus tomou o número 26.155 e foi julgado em 17
de junho de 1936. A maioria dos ministros não conheceu do
pedido. E os que conheceram, indefiram-no. Foi, portanto,
unânime a rejeição à súplica de Olga. O mais grave é que
os ministros, como está literalmente expresso na decisão
do habeas corpus:
a)
indeferiram a requisição do processo administrativo que
determinava a expulsão;
b)
indeferiram o comparecimento da paciente ao tribunal;
e,
pasmem:
c)
indeferiram a “perícia médica a fim de constatar o seu alegado
estado de gravidez”.
Esse
julgamento não honra a Justiça brasileira. Mas o debate
do caso contribui para o avanço da cidadania porque a partir
do erro podemos buscar diretrizes para o acerto.
Conquistamos,
no país, a plena liberdade de opinião. Podemos hoje ter
acesso pela internet a esse habeas corpus. Podemos denunciar
a iniqüidade do que foi feito e lutar para que uma Justiça
honrada e digna, sob vigilância e censura pública, decida
com retidão as causas que lhe sejam submetidas, não se dobrando
à prepotência, não se amesquinhando no servilismo, não se
prostituindo na corrupção.
É
um caminho a caminhar.
*João Baptista Herkenhoff é livre-docente da Universidade
Federal do Espírito Santo e escritor
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