LITERATURA
E MEMÓRIA HISTÓRICA
As dunas vermelhas de Natal
Por Moacy Cirne*
Nei Leandro de Castro, nascido em 1940, muito provavelmente
é o maior escritor contemporâneo do Rio Grande do Norte.
Autor de pelo menos dois livros antológicos de poesia (Era uma vez Eros, 1993, e Diário íntimo da palavra,
2000) e dois romances primorosos (O dia das moscas, 1983, e As pelejas de Ojuara,
1986), além de um premiado dicionário de Guimarães Rosa
(Universo
e
vocabulário do Grande Sertão,
1970), sem contar com outros livros e contos inéditos, Nei
Leandro, embora pouco conhecido no Sul do país, é um nome
modelar para se compreender a literatura brasileira da segunda
metade do século passado. Um nome que, em pleno século XXI,
continua produzindo com fulgor criativo.
Haja vista o seu mais novo romance: As
Dunas Vermelhas [Natal: A.S. Editores, 2004,
232 p.]. Sua escrita, carregada de modernidade, contém todos
os elementos que fazem do seu texto um convite aberto à
leitura prazerosa, seja pela tessitura romanesca, seja pela
construção dos personagens, seja pelo humor envolvente em
vários momentos, seja pela própria História que alimenta
a narrativa. E não se trata de uma história qualquer. Afinal,
a rebelião comunista de Natal, em novembro de 1935, faz
parte da saga política natalense do século XX, com seus
muitos erros (apesar do idealismo que a gerou), a começar
por um fato sintomático: seus líderes mal conheciam as teorias
do socialismo revolucionário.
E o que dizer da Natal da época? Com seus (aproximadamente)
36/38 mil habitantes, era uma cidade bastante provinciana.
Mas o romance de Nei Leandro não se detém na História enquanto
tal, mesmo quando essa mesma História é um elemento significativo
para a compreensão de seus meandros romanceados. O livro
do autor potiguar, em sendo marcado pela contextualização
histórica, existe como um relato fluente, otimamente estruturado e muito bem articulado em suas funções
romanescas, quase “cinematográficas” através de capítulos
curtos que “animam” e ”movimentam” a leitura. A ação se
passa antes, durante e depois do já citado levante de Natal
em 1935, com suas elevadas taxas conteudísticas de política
e humor, política e romance, política e mentiraiadas. No
melhor estilo de Nei Leandro.
São muitos os personagens
que formam a trama de As Dunas Vermelhas,
alguns reais, outros imaginários, outros pressentidos. São
muitas as tensões dramáticas que alimentam o livro, formando
um mosaico narrativo que, extrapolando o que seria um romance
histórico, abre-se para situações temáticas centradas em
afetos, paixões, dúvidas, questionamentos, traições. A rigor,
na tessitura do enredo, não há conclusões (ou, ao menos,
não há conclusões simples): o próprio destino de alguns
personagens passa pela imaginação do leitor. Decerto, muitos
natalenses ligados à geografia humana da cidade, poderão
descobrir fatos, pessoas e desdobramentos históricos que
poderão enriquecer o imaginário construído a partir do livro.
Mas a verdade é
que um romance bem elaborado não se constrói fácil, assim
como não se constrói fácil a boa poesia. Exige rigor, exige
dedicação, exige disciplina. A propósito, as palavras do
romancista americano William Faulkner, em célebre entrevista
concedida em 1956 a Paris Review,
cabem perfeitamente aqui:
“Um escritor precisa
de três coisas, experiência, observação e imaginação, sendo
que duas dessas, às vezes até mesmo uma, podem suprir
a falta das outras”. Se bem que, no caso específico
de As Dunas
Vermelhas, pode-se dizer que, além da disciplina,
Nei Leandro trabalhou com três níveis de elaboração: experiência,
pesquisa e imaginação. Sim, a pesquisa histórica terminou
sendo da maior relevância para o livro de Nei Leandro de
Castro – um livro que já nasceu com as marcas fundantes
da grande Literatura.
*Moacy Cirne é escritor e teórico de histórias-em-quadrinhos
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