Tecido
Social
Correio Eletrônico da Rede Estadual de Direitos Humanos
- RN
N.
011 – 16/11/03
EDITORIAL
Os viveiros de camarão não podem ser
nos mangues
Vim
chorar com o mangue nas águas do Rio Potengi. Águas também no
rio dos meus olhos.
Sou um pobre homem, trago duas colunas, a vertebral e esta aqui
no Tecido Social. Elas me doem muitas vezes.
A tal da escoliose dorso-lombar convexa maltrata o espinhaço.
Esta outra coluna, a escrita, também sofre de uma escoliose
literária.
Elas doem agora sustentando meu corpo e essas mal traçadas linhas.
Vim escrever aqui nessas águas-lágrimas, lama. Compreendo e
sinto agora as palavras de um velhinho tão lindo que me en!
contrando no meio da rua das ruas de
Natal, dizia que agora tenho duas colunas: a minha e a do jornal.
Elas se misturam, se unem... me doem.
A questão é maior do que a preservação do meio ambiente. Mais
do que preservar é preciso entender, sentir, agir e viver a
realidade de que formamos um todo. Não é verdadeiro de que de
um lado está a mulher e o homem e do outro lado se encontra
a natureza e o espaço sideral. A realidade completa é antropológica
e cósmica e, para os que crêem, também essa completude passa
pelo aspecto místico e espiritual. Humanidade, cosmos e Deus.
Uma visão e uma práxis holística.
Tudo bem que o Rio Grande do Norte tenha sua economia impulsionada
pela carcinicultura. Mas nenhum desenvolvimento econômico é
verdadeiro e duradouro se não for um desenvolvimento sustentável.
O inciso VI do Artigo 170 da Constituição sobre a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho, segurança
de uma existência digna para todos, conformes! os
ditames da justiça social, tem como uma dos seus princípios
fundamentais a defesa do meio ambiente. Assim, podemos afirmar
com segurança e serenidade que o desenvolvimento econômico não
pode ser em detrimento da devastação do meio ambiente e suas catastróficas conseqüências para o ecossistema
que une os humanos e a ecologia.
A Lei é clara que esses viveiros tão importantes para o nosso
desenvolvimento econômico e social não podem ser no mangue.
Pode e deve ser em outros lugares legalmente apropriados.
O Código Florestal e a resolução do CONAMA
312/02 veta explicitamente a carcinicultura na área do
mangue e exige o zoneamento ecológico econômico. Se o Executivo
e Legislativo federal, estadual ou municipal e o Judiciário
ou o Ministério Público permite sem a criação e manutenção de
viveiros de camarões no mangue, eles estariam infringindo a
lei e descumprindo a Constituição em seu Artigo 225 que impõe
a eles e a coletividade o dever de defende! r e preservar o
Meio Ambiente para as presentes e futuras gerações.
É importante ainda enfatizar que não cabe aos produtores dizer
que não vão se submeter ao zoneamento. Essa é uma decisão que
passa pelo Ministério Público e o Executivo com o Judiciário,
que com certeza não se renderão aos interesses econômicos sem
compreender a transversalidade dos direitos econômicos com os
direitos sociais, culturais e ambientais.
Não podemos esquecer algumas coisas. A carcinicultura, quando
no mangue, gera mais desemprego que emprega àqueles e aquelas
que tiram seu sustento desse manancial. A carcinicultura, quando
no mangue, tem destruído, poluído e assassinado a fauna e a
flora do nosso manguezal. Também em alguns lugares, a carcinicultura,
quando no mangue, tem violado direitos civis e políticos, roubando
a liberdade dos pescadores e pescadoras de entrarem no mangue,
fechando a eles e a elas o livre acesso, gerando conflitos e
até mortes. E o que é mais gra! ve, a carcinicultura, pode
ter aumentado a arrecadação do Estado e da União, o lucro a
médio ou longo prazo dos produtores, mas não diminuiu a escandalosa
desigualdade social e a má distribuição de renda em nossa terra
potiguar e nosso chão brasileiro.
À luz da constituição e da minha ideologia socialista democrática
– e sou um socialista sem aspas e sem interrogações entre parênteses
– só acredito num modelo econômico que distribua renda ao invés
de contratá-la. Que seja inclusivo e não exclusivo e excludente.
É também motivado pela força libertadora e transformadora do
Evangelho que compartilhamos essas palavras.
É importante frisar que não se promove um direito violando outro.
Em outras palavras, não se realiza o direito econômico gerando
emprego e renda, se esse viola o direito humano civil da liberdade
ir e vir e fere o direito humano ao meio ambiente que compromete
o equilíbrio ecológico que garante a conservação, a preservação
e! a manutenção dos seres humanos,
dos outros seres vivos e da biodiversidade.
No Protocolo Adicional à Convenção Americana Sobre Direitos
Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais, Culturais
e Ambientais – “PROTOCOLO DE SAN SALVADOR” – assinado pelo Brasil
em 1988 e ratificado em 1992, em seu preâmbulo diz:
“CONSIDERANDO A ESTREITA RELAÇÃO QUE EXISTE ENTRE A VIGÊNCIA
DOS DIREITOS ECONÔMICOS, SOCIAIS, CULTURAIS E AMBIENTAIS E A
DOS DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS, PORQUANTO AS DIFERENTES CATEGORIAS
DE DIREITO CONSTITUEM UM TODO INDISSOLÚVEL QUE ENCONTRA SUA
BASE NO RECONHECIMENTO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, PELO QUAL
EXIGEM UMA TUTELA E PROMOÇÃO PERMANENTE, COM O OBJETIVO DE CONSEGUIR
SUA VIGÊNCIA PLENA, SEM QUE JAMAIS POSSA JUSTIFICAR-SE A VIOLAÇÃO
DE UNS A PRETEXTO DA REALIZAÇÃO DE OUTROS”.
Somos irmãos do Potengi e o Potengi é nosso irmão. Amamos um
ao outro. Alteridade de beleza, sust! ento
e sobrevivência. Reciprocidade. Dom e acolhimento.
Meus pés enlameados... devagar vai
o sol se escondendo lavando seu rosto nessas águas salgada-doce...
colorindo o céu e a terra num amarelo
quase vermelho e num vermelho quase amarelo. Fogo. Por-do-sol.
Boca da noite. Isso não pode acabar, como acabaram
metade da Ponte Metálica. Não podemos ser meros expectadores.
Somos todos protagonistas por um desenvolvimento sustentável.
O mangue é área de preservação ambiental permanente.
Padre
Fábio Santos (padrefabio@diariodenatal.com.br)
- Secretário Executivo do Conselho Estadual de Direitos Humanos
do Rio Grande do Norte e Coordenador de Direitos Humanos do
Governo do Estado
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