A 
                                                  Educação para os Direitos Humanos 
                                                  e para a cidadania em Cabo Verde
                                                Não 
                                                  pretendemos expor e maçar os 
                                                  ouvintes com o que se propõe 
                                                  concretamente como programa, 
                                                  métodos e estratégias para o 
                                                  ensino – especialmente depois 
                                                  de ter falado a especialista 
                                                  MRAfonso – partilhar reflexões 
                                                  sobre o problema no contexto 
                                                  cabo-verdiano.
                                                Uma 
                                                  útil e feliz coincidência a 
                                                  realização deste Colóquio sobre 
                                                  Direitos Humanos: exactamente 
                                                  num momento em que acontecimentos, 
                                                  que geram legitimamente uma 
                                                  forte e genuína emotividade 
                                                  em importantes sectores da sociedade, 
                                                  também propiciam sentimentos 
                                                  de alguma sub-valorização, senão 
                                                  mesmo desconfiança ou, até, 
                                                  de rejeição  face aos DH, seus 
                                                  fundamentos  e suportes institucionais, 
                                                  éticos e jurídicos. Um momento 
                                                  em que – no que não constitui 
                                                  propriamente novidade ou singularidade 
                                                  cabo-verdiana, mas, pelo contrário, 
                                                  consubstancia discurso e comportamentos 
                                                  colectivos afins em quase todas 
                                                  as latitudes, mesmo em países 
                                                  à partida mais avançados do 
                                                  que nós – as emoções se sobrepõem 
                                                  à racionalidade, o epidérmico 
                                                  se superioriza ao que se mostra 
                                                  empírica  ou cientificamente 
                                                  sustentado, o fácil e contagioso 
                                                  parecem triunfar sobre a argumentação 
                                                  sofisticada e complexa.
                                                Não 
                                                  poderia ter acontecido este 
                                                  foro em mais propícia ocasião, 
                                                  quando surgem, por vezes de 
                                                  forma subtil ou envergonhada, 
                                                  mas outras vezes à superfície 
                                                  da mais colorida mediatização, 
                                                  discursos e posições que, à 
                                                  míngua de respostas para problemas 
                                                  reais e por vezes complexos 
                                                  na suas causas e na sua configuração, 
                                                  desembarcam em qualquer porto 
                                                  ou apeadeiro que se revele «abrigador», 
                                                  diríamos melhor, desresponsabilizador 
                                                  ou, no mínimo, desculpabilizante. 
                                                    
                                                Quem 
                                                  não tem ouvido, lido ou acompanhado, 
                                                  mesmo entre nós, e em momentos 
                                                  de dificuldades nas respostas 
                                                  a problemas sociais e comunitários 
                                                  de dimensão e gravidade que 
                                                  legitimamente preocupam os cidadãos 
                                                  (problemas de segurança, de 
                                                  emergência de formas novas de 
                                                  criminalidade grave, mormente), 
                                                  discursos que quase transformam 
                                                  os fundamentos e as instituições 
                                                  – oficiais ou não – ligados 
                                                  à defesa e promoção dos Direitos 
                                                  Humanos ou Fundamentais ou o 
                                                  seu depositário maior (a CRCV) 
                                                  em «abrigos» do crime e seus 
                                                  agentes ou, no mínimo, como 
                                                  seus potenciadores e facilitadores. 
                                                  E, diga-se desde já, em muitos 
                                                  dos casos, discursos e exacerbadas 
                                                  asserções construídos com base 
                                                  em equívocos interpretativos, 
                                                  em excessiva e redutora singeleza 
                                                  de  processos argumentativos, 
                                                  quando não em desconhecimento 
                                                  de regras e procedimentos que 
                                                  deveriam ser instrumento quotidiano 
                                                  do labor profissional. Discursos 
                                                  e asserções que não raro assentam 
                                                  em pressupostos e sugerem soluções 
                                                  que contrariam frontalmente 
                                                  o modo de vida sufragado há 
                                                  muito pelos cabo-verdianos, 
                                                  traduzido num determinado sistema 
                                                  político, num determinado regime 
                                                  político e, até, forma de vivência 
                                                  colectiva.  Diríamos, numa linguagem 
                                                  mais rasa, que, algumas vezes, 
                                                  a aceitar-se a proposta de remédio 
                                                  para os males que nos apoquentam 
                                                  correríamos o risco de morrer 
                                                  da cura , em vez da doença. 
                                                  Enfim, como já tivemos a oportunidade 
                                                  de referir noutra ocasião, a 
                                                  defesa da eficácia como critério 
                                                  determinante e incondicionado 
                                                  levar-nos-ia, por exemplo, a 
                                                  privilegiar a tortura como método 
                                                  de obtenção da confissão e esta 
                                                  como critério eleito e decisivo 
                                                  de prova; ou a sufragar um modelo 
                                                  em que, p.e., se a polícia detém 
                                                  uma pessoa como suspeita de 
                                                  certo crime, seguir-se-ia o 
                                                  cumprimento de uma pena por 
                                                  ela decidida, suprimindo-se 
                                                  o controlo jurisdicional da 
                                                  privação da liberdade ou até 
                                                  a existência de julgamento. 
                                                  Seria tudo bem mais fácil, mais 
                                                  célere, e tremendamente eficaz, 
                                                  mas, talvez, tragicamente eficaz, 
                                                  pois seriam os próprios defensores 
                                                  de uma tal eficácia a, numa 
                                                  primeira oportunidade, sendo 
                                                  tocados pela tragédia individual 
                                                  ou familiar, a propugnar a revolta 
                                                  da colectividade e a pedir a 
                                                  cabeça dos «sanguinários» e 
                                                  «violadores dos DH».
                                                É 
                                                  verdade que tais construções 
                                                  aparecem apenas de vez em quando 
                                                  e que, amiúde, confrontadas 
                                                  com respostas bem alimentadas 
                                                  e cozidas a partir de argumentos 
                                                  racionais, esgrimidos a frio 
                                                  e não «à flor da pele» e alicerçados 
                                                  em razões técnicas, caem por 
                                                  terra à primeira estocada. Mas 
                                                  voltam sempre quando há um acontecimento 
                                                  mais doloroso, um homicídio 
                                                  que surge aberrante, um caso 
                                                  de violência gratuita e bárbara 
                                                  e, porque não dizê-lo desde 
                                                  já, quando as respostas operacionais 
                                                  não surgem atempada ou adequadamente 
                                                  . 
                                                E 
                                                  o preocupante – e que, por isso, 
                                                  merece reparo cirúrgico e carece 
                                                  de explicação paciente e segura 
                                                  – é que o fácil, o imediato, 
                                                  a resposta a quente, a solução 
                                                  redutora, a medida sugerida 
                                                  que apenas vê um aspecto do 
                                                  problema e esquece as consequências 
                                                  para o conjunto ou para a própria 
                                                  subsistência dos valores comunitariamente 
                                                  aceites por vezes são... rapidamente 
                                                  propagados de boca a boca, de 
                                                  comentário em comentário, nos 
                                                  media 
                                                  e, o mais perigoso, transformados 
                                                  em instrumento de esgrima política 
                                                  e/ou eleitoral. E quantas vezes 
                                                  não se tem assistido, um pouco 
                                                  por todo o lado, à adopção de 
                                                  medidas restritivas de Dtos 
                                                  e garantias, precisamente em 
                                                  nome da defesa de valores outros 
                                                  e do combate a «inimigos» do 
                                                  Estado de Direito, sem que quaisquer 
                                                  resultados práticos se tenham 
                                                  obtido, ou verificando-se mesmo 
                                                  a agravação dos problemas para 
                                                  os quais elas seriam remédio 
                                                  evidente?! De tal forma isso 
                                                  é verdade e preocupante que 
                                                  – o que parece,  a quem esteja 
                                                  numa observação mais serena 
                                                  porque menos interessada a curto 
                                                  prazo, estranho senão absurdo 
                                                  – é o próprio grupo político 
                                                  que se considera  o mais fiel 
                                                  depositário de certo ideário 
                                                  ou doutrina política ou ética 
                                                  a... dar tiros no pé, propondo 
                                                  ou sugerindo medidas que precisamente 
                                                  vão de encontro aos valores, 
                                                  princípios e regras que diz 
                                                  defender como causa primeira 
                                                  e sua. Não vale a pena entrar 
                                                  em detalhes para que quem me 
                                                  ouve  se aperceba do que falo 
                                                  e porque falo. Não queremos 
                                                  dar ou vir a dar razão a NICOLA 
                                                  MATTEUCI, quando, já num escrito 
                                                  de 1986, nos advertia para o 
                                                  facto de «... as ameaças pode(re)m 
                                                  vir do Estado, como no passado, 
                                                  mas podem vir também da sociedade 
                                                  de massa, com seus conformismos, 
                                                  ou da sociedade industrial, 
                                                  com sua desumanização [e crescentávamos 
                                                  nós: da sociedade do risco (na 
                                                  esteira do sociólogo Ulrich 
                                                  Beck) pós-industrial, com o 
                                                  seu manancial de formas novas 
                                                  e sofisticadas de ameaça a bens 
                                                  comunitários, justificadoras 
                                                  de um sistema penal de cariz 
                                                  totalitário ou, pelo menos, 
                                                  de risco ou de excepção]. É significativo... 
                                                  na medida em que a tendência 
                                                  do século atual e do século 
                                                  passado parecia dominada pela 
                                                  luta em prol dos direitos sociais, 
                                                  e agora se assiste a uma inversão 
                                                  de tendências e se retoma a 
                                                  batalha pelos direitos civis».
                                                O 
                                                  que têm estas considerações 
                                                  a ver com o tema que aqui nos 
                                                  traz?! Certamente para alguns 
                                                  parece este nosso arrazoado 
                                                  deslocado deste ambiente e deste 
                                                  auditório e mais apropriado 
                                                  se o tema fosse a candente e 
                                                  cada vez mais actual questão 
                                                  da segurança no Estado de direito 
                                                  ou, então, a da compatibilização 
                                                  entre o fenómeno da criminalidade 
                                                  violente e a necessidade de 
                                                  seu combate e as exigências 
                                                  de um Estado de Direito e de 
                                                  Democracia. Temas que têm merecido 
                                                  a nossa atenção e algumas intervenções 
                                                  recentes. e as nossa respostas 
                                                  de ontem são as mesmas de hoje: 
                                                  é necessário, evidentemente, 
                                                  adequar os sistemas de justiça 
                                                  criminal e da segurança aos 
                                                  novos fenómenos da criminalidade 
                                                  
                                                (concordância 
                                                  prática – adequação, proporcionalidade/ 
                                                  escutas; SIR; alargamento prazos 
                                                  prisão preventiva certos casos; 
                                                  agente infiltrado; protecção 
                                                  testemunhas; revistas efectuadas 
                                                  em casos especiais por órgãos 
                                                  de polícia criminal, sem autorização 
                                                  judicial prévia )
                                                Os 
                                                  desafios impostos, nomeadamente 
                                                  ao direito penal (no seu todo), 
                                                  na adaptação aos novos tempos 
                                                  e às novas e sofisticadas formas 
                                                  de criminalidade, para além 
                                                  das razoáveis e equilibradas 
                                                  formas de «concordância prática» 
                                                  acima ilustradas, exigem o estudo 
                                                  aprofundado e imaginativo de 
                                                  mecanismos de adequação dos 
                                                  instrumentos da coacção penal 
                                                  à nova fenomenologia criminal, 
                                                  tanto no plano interno, quanto 
                                                  no supra-estatal; o que deverá 
                                                  conduzir a modelos distintos 
                                                  de investigação, à especialização 
                                                  de seus responsáveis, introdução 
                                                  de assessorias técnicas e científicas 
                                                  junto dos decisores judiciais, 
                                                  à maior consistência institucional 
                                                  e apetrechamento técnico-científico 
                                                  do Ministério Público e polícias 
                                                  criminais, a novos métodos de 
                                                  acesso e posterior tratamento 
                                                  da informação e à instauração 
                                                  de estruturas de colaboração 
                                                  e cooperação nos planos nacional 
                                                  e supra-estatal.
                                                [Um 
                                                  direito penal ad hoc ou 
                                                  de excepção, no âmbito 
                                                  da criminalidade organizada, 
                                                  da corrupção ou do tráfico de 
                                                  estupefacientes apenas, que 
                                                  faça preterição do respeito 
                                                  dos direitos, liberdades e garantias 
                                                  individuais, constituídos como 
                                                  limite do exercício do poder 
                                                  estatal; um sistema de direito 
                                                  penal que assuma a primazia 
                                                  da razão de Estado sobre 
                                                  a razão jurídica como 
                                                  critério informador do Direito 
                                                  e do processo penal, é não só 
                                                  inaceitável, porque abala o 
                                                  princípio irrenunciável da dignidade 
                                                  da pessoa humana, sem a qual 
                                                  não se pode falar sequer de 
                                                  Estado de Direito, e faz perder 
                                                  a legitimidade do Estado democrático 
                                                  enquanto garante de «um projecto 
                                                  de convivência fundado nos direitos 
                                                  humanos», como acaba por se 
                                                  mostrar ineficaz a prazo. 
                                                Mas 
                                                  o que dissemos tem a ver, sim, 
                                                  com o tem que hoje está sob 
                                                  análise. O que dissemos, em 
                                                  jeito de mera ilustração, tende 
                                                  a reflectir a necessidade de 
                                                  uma educação para os DH e a 
                                                  cidadania em Cabo Verde. Porquê? 
                                                  Antecipando noções,  diremos 
                                                  que, hodiernamente, é pacífica 
                                                  a ideia de que cidadania não 
                                                  se resume a um estatuto formal, 
                                                  qual seja a condição de pertença 
                                                  a um estado ou à noção de nacionalidade. 
                                                  Ela tem, além de outras, uma dimensão ligada 
                                                  à emancipação, à capacidade 
                                                  de participação, mormente nas 
                                                  decisões públicas da comunidade. 
                                                  Já a partir da Revolução francesa, 
                                                  a cidadania era vista como qualidade 
                                                  de pertença e participação em 
                                                  um Estado democrático. Hoje a cidadania 
                                                  , sendo um status, 
                                                  é simultaneamente objecto 
                                                  de um direito fundamental das 
                                                  pessoas: o de beneficiar da 
                                                  defesa e da promoção de direitos 
                                                  que aquele status confere. A própria CRCV 
                                                  diz-nos que a educação  deve 
                                                  «preparar e qualificar os cidadãos 
                                                  ... para a participação cívica 
                                                  e democrática na vida activa 
                                                  e para o exercício plena da 
                                                  cidadania»  (art.º 77.º, n.º 
                                                  1, b)) e que deve também «promover 
                                                  os valores da democracia, o 
                                                  espírito de tolerância... e 
                                                  de participação» (f)), ao mesmo 
                                                  tempo que, num extenso capítulo 
                                                  sobre o que, sintomaticamente, 
                                                  apelida de «Direitos, Liberdades 
                                                  e Garantias de participação 
                                                  política e de exercício de cidadania» 
                                                  (art.ºs 54.º ss.), define normativamente esta relação estreita, umbilical, entre 
                                                  a condição de cidadania e a 
                                                  afirmação da democracia. Enfim, 
                                                  apesar de uma tal expressão 
                                                  se mostrar redundante hoje a 
                                                  noção de cidadania traduz-se 
                                                  pela de «cidadania democrática».
                                                Por 
                                                  outro lado, é inquestionável 
                                                  hoje que a aprendizagem e o 
                                                  aprofundamento da cidadania 
                                                  política, social e cultural 
                                                  permitem tanto desfrutar os 
                                                  direitos humanos e exercer as 
                                                  liberdades fundamentais, quanto 
                                                  compreender os deveres e as 
                                                  restrições inerentes à preservação 
                                                  da «coisa pública». Igualmente 
                                                  o ser cidadão importa acesso 
                                                  e fruição de direitos, desde 
                                                  os de participação política 
                                                  aos sociais, económicos e culturais, 
                                                  sob pena de, servindo-nos de 
                                                  uma imagem de DALMO DALLARI, 
                                                  a cidadania matar a pessoa, numa visão integrada 
                                                  (bem que susceptível de autonomização) 
                                                  dos DH que, hodiernamente, as 
                                                  NU perfilham e divulgam («Os 
                                                  dtos humanos estão fundados 
                                                  numa demanda crescente da população 
                                                  mundial por uma vida decente 
                                                  e civilizada, em que a dignidade 
                                                  de cada ser humano receberá 
                                                  respeito e protecção. Qdo falamos 
                                                  de DH, não falamos apenas das 
                                                  necessidades físicas, mas tb. 
                                                  das condições de vida que nos 
                                                  permitam desenvolver e utilizar 
                                                  plenamente as nossas qualidades 
                                                  de inteligência e de consciência 
                                                  e de satisfação as nossas necessidades 
                                                  espirituais».)
                                                . 
                                                  [a DDHC, de 1789, proclamava 
                                                  que os direitos naturais impõem-se 
                                                  ao Estado como direitos do cidadão]. 
                                                  
                                                Atrever-me-ia 
                                                  a concluir, como faz ELÍAZ DÍAZ, 
                                                  que «Em definitivo, a razão 
                                                  de ser do ED é a protecção e 
                                                  a realização dos DH. A universalização 
                                                  destes e da democracia exige, 
                                                  pois, a universalização do Estado 
                                                  social e democrático de Direito).
                                                Ora 
                                                  bem, tudo isto é dito para sugerir 
                                                  que, entre nós, a educação para 
                                                  os DH e a cidadania – ao fim 
                                                  e ao cabo, para a democracia, 
                                                  diríamos, para o Estado de Direito 
                                                  e seus valores, plasmados na 
                                                  CRCV – é uma exigência geral 
                                                  que não se esgota, pois, na 
                                                  escola. Ela deve ser dirigida 
                                                  a toda a sociedade, como, aliás, 
                                                  preconiza a CNDHC no seu Plano 
                                                  de Acção («desenvolver programas 
                                                  de educação para os direitos 
                                                  humanos e cidadania, dirigidos 
                                                  às organizações estatais, organizações 
                                                  da sociedade civil, associações 
                                                  comunitárias e comunidade escolar»), 
                                                  seja directamente no que respeita 
                                                  à «capacitação em matéria de 
                                                  direitos humanos», seja no que tange 
                                                  à «difusão de uma Cultura de 
                                                  Paz»,  um dos elementos integradores 
                                                  da trilogia fundamentadora de 
                                                  uma cultura de democracia (DH-Cidadania-Paz). 
                                                  Ela deve ser levada aos agentes 
                                                  da autoridade, aos magistrados, 
                                                  aos partidos políticos, aos 
                                                  professores, aos guardas prisionais, 
                                                  aos profissionais da comunicação 
                                                  social, aos deputados e políticos 
                                                  em geral. No nosso caso, e tendo 
                                                  em atenção o que atrás referimos 
                                                  mas, sobretudo, o que tem sido 
                                                  considerado os verdadeiros calcanhares de Aquiles do nosso Estado 
                                                  de Direito (sistema prisional; 
                                                  esquadras policiais;  relações 
                                                  na família; imprensa) quer por 
                                                  instâncias internacionais ou 
                                                  estrangeiras, quer por observadores 
                                                  e organizações nacionais ligadas 
                                                  aos DH, a educação para os DHC 
                                                  deverá incidir em particular 
                                                  nos sectores atinentes àquelas 
                                                  áreas. E, tratando-se de agentes 
                                                  e responsáveis pela autoridade, 
                                                  nomeadamente policial ou de 
                                                  investigação criminal , ou a 
                                                  responsáveis técnicos e políticos 
                                                  no processo de exercício do 
                                                  poder democraticamente legitimado, 
                                                  antecipando de novo algumas 
                                                  reflexões, parece-nos decisivo 
                                                  que a formação de traduza e 
                                                  tenha por objectivo a capacitação 
                                                  no que se tem chamado «competências 
                                                  cognitivas», técnicas, de carácter 
                                                  jurídico-político, de carácter 
                                                  histórico-cultural e igualmente 
                                                  de carácter procedimental, para 
                                                  usarmos uma terminologia de 
                                                  AUDIGIER.  [a chamada de 
                                                  atenção de JORGE MIRANDA para 
                                                  a necessidade de formação em 
                                                  DF para os magistrados no CEJ/ 
                                                  benvinda].- A comunicação de 
                                                  hoje de Dallari (DH para as 
                                                  autoridades e para os magistrados
                                                Não 
                                                  quer isto dizer que não haja 
                                                  razões para privilegiar a educação 
                                                  para os DHC pela via do ensino 
                                                  formal, tal como está previsto 
                                                  venha a acontecer entre nós 
                                                  já a partir do próximo ano lectivo, 
                                                  a título experimental, em todos 
                                                  os níveis de ensino. Referimo-nos 
                                                  ao projecto, em curso, de introdução, 
                                                  nos currículos escolares, de 
                                                  disciplina sobre Direitos Humanos, 
                                                  Cidadania e Cultura da Paz. 
                                                   Não será difícil perceber o 
                                                  papel que, em especial, deve 
                                                  caber à escola, como instituição 
                                                  que, na actualidade, assume 
                                                  um relevo particular no percurso 
                                                  educativo dos jovens e das crianças. 
                                                  Um programa de educação para  
                                                  as escolas – do pré-primário 
                                                  ao secundário – sobretudo num 
                                                  país como o nosso, de população 
                                                  maioritariamente jovem e já 
                                                  com elevados índices de escolarização 
                                                  a tais níveis, a ser bem sucedido, 
                                                  constituiria um elemento importante 
                                                  de irradiação de uma cultura 
                                                  humanista e centrada no respeito 
                                                  pelos Dtos Humanos, capaz de 
                                                  facilitar um desenvolvimento 
                                                  integral e progressivo do país 
                                                  nos planos cultural, social 
                                                  e político. 
                                                E 
                                                  o sucesso dependerá de muitos 
                                                  factores, entre os quais vontade 
                                                  política dos governantes e das 
                                                  oposições; mobilização, motivação 
                                                  e formação dos docentes (exigência 
                                                  de saberes específicos); e, 
                                                  no plano concreto do ensino, 
                                                  a selecção de conteúdos a serem 
                                                  trabalhados, em função dos diferentes 
                                                  níveis de ensino, e das metodologias 
                                                  e estratégias mais adequadas, 
                                                  tendo sempre em consideração 
                                                  as especificidades da sociedade 
                                                  cabo-verdiana, nomeadamente 
                                                  no plano cultural (tanto os 
                                                  bons hábitos, quanto os maus 
                                                  hábitos) e das representações 
                                                  colectivas, gerais e tb. do 
                                                  mundo da nossa escola e do nosso 
                                                  ensino, sem esquecer o nível 
                                                  de desenvolvimento educativo 
                                                  do país ou da concreta comunidade.
                                                Em 
                                                  jeito de realce de uma minúcia, 
                                                  cremos que, particularmente 
                                                  no ensino secundário, a selecção 
                                                  dos conteúdos, a escolha das 
                                                  metodologias, em especial de 
                                                  avaliação, a definição do perfil 
                                                  e da natureza da disciplina 
                                                  e do perfil do professor, a 
                                                  carga horária, deverão ter em 
                                                  conta experiências recentes 
                                                  afins e, sobremaneira, a necessidade 
                                                  de motivar os destinatários 
                                                  da formação e os formadores 
                                                  e combater todo o assomo de 
                                                  uma cultura desresponsabilizante  
                                                  que atinge tanto discentes, 
                                                  quanto docentes ( a visão do 
                                                  aluno como «coitadinho», incapaz 
                                                  de aprender «coisas difíceis», 
                                                  que apenas é capaz de assimilar 
                                                  com exemplos, «bonecos» ou «histórias 
                                                  de quadradinhos»). Como, aliás, 
                                                  dizemos numa nótula de apresentação 
                                                  do esboço de programa para o 
                                                  secundário, «... Se é aceitável 
                                                  que, no ensino básico, e, especialmente 
                                                  no ensino pré-escolar, os métodos 
                                                  integrem essencialmente jogos, 
                                                  exploração de materiais, descrição 
                                                  de gravuras, etc. – aceita-se 
                                                  que, nestes ciclos escolares, 
                                                  o ensino de Direitos Humanos 
                                                  e Cidadania seja «transversal» 
                                                  - no ensino secundário deve 
                                                  ter-se em vista o objectivo 
                                                  decisivo de aquisição de conhecimentos, 
                                                  sem a qual dificilmente se poderão 
                                                  alcançar objectivos de desenvolvimento 
                                                  de capacidades e de mudança 
                                                  de atitudes e procedimentos.  
                                                  
                                                Enfim, 
                                                  de uma forma singela e, eventualmente, 
                                                  caricatural: 
                                                  dificilmente se pode ter uma 
                                                  atitude positiva e construtiva 
                                                  face a Direitos Humanos (dos 
                                                  detidos e presos, dos doentes 
                                                  mentais, dos refugiados políticos, 
                                                  por exemplo), sem um conhecimento 
                                                  mínimo do que são tais Direitos 
                                                  e forma de seu exercício e defesa; 
                                                  do mesmo modo, não se poderá 
                                                  exercer uma cidadania plena, 
                                                  sem formação radicada em conhecimentos 
                                                  básicos de elenco de direitos, 
                                                  forma de seu exercício ou instrumentos 
                                                  de sua protecção. Sobremaneira, 
                                                  sem esse conhecimento, não se 
                                                  poderá almejar a formação de 
                                                  uma consciência cívica crítica, 
                                                  indispensável a uma democracia 
                                                  que exija efectiva participação 
                                                  numa sociedade de homens livres.
                                                Aliás, 
                                                  são os especialistas em pedagogia 
                                                  a dizerem que «... não há... 
                                                  oposição entre conhecimentos, 
                                                  desenvolvimento de competências 
                                                  e acção/participação cívica. 
                                                  Pelo contrário, todas estas 
                                                  componentes são úteis na consecução 
                                                  dos objectivos da educação para 
                                                  a Cidadania...».
                                                Como 
                                                  já se deixou salientado, neste 
                                                  âmbito, a formação dos professores 
                                                  revela-se decisiva, seja ela 
                                                  inicial, seja contínua, sendo 
                                                  certo que – como judiciosamente  
                                                  aponta MAÏMOUNA TANKANO DOUSSA 
                                                  (Burkina Faso) - « a primeira 
                                                  exigência de uma EDH é fazer 
                                                  com que os estabelecimentos 
                                                  escolares funcionem e sejam 
                                                  dirigidos como lugares de direito». A EDH começa, pois, 
                                                  pelo educador ou adulto, na 
                                                  sua prática de todos os dias, 
                                                  na sua forma de viver com os 
                                                  alunos, na forma como ensina
                                                Outrossim, 
                                                  a tarefa de uma tal educação 
                                                  deverá caber não só ao ensino 
                                                  formal. «Toda a sociedade é 
                                                  educativa», proclama-se.  **
                                                O 
                                                  tema que me foi sugerido para 
                                                  esta intervenção reza o seguinte: 
                                                  «Educação para a cidadania em 
                                                  Cabo Verde». Damo-nos conta, 
                                                  ao ler um texto interessante 
                                                  e provocador (de consciências) 
                                                  de Geneviève Koubi («Entre “civismo” 
                                                  y “Civilidad”. La Educación 
                                                  de la Ciudadanía»), de uma sua 
                                                  asserção central, segundo a 
                                                  qual em França, por exemplo, 
                                                  a «instrução cívica» se converteu 
                                                  em «educação para a cidadania» 
                                                  e que isso implicou, e cito, 
                                                  «un deslizamiento desde la formación 
                                                  en el espíritu crítico hacia 
                                                  la obediencia a la autoridad». 
                                                  Mais: o «civismo», com uma função 
                                                  política essencial em democracia, 
                                                  ter-se-á dissimulado ou ocultado 
                                                  em «civilidade», que tem uma 
                                                  conotação inegavelmente moral 
                                                  e exclui a apreensão das solidariedades 
                                                  inerentes ao nexo social e não 
                                                  investiga «... las vias de la 
                                                  socialización política de los 
                                                  (futuros) ciudadanos».
                                                Num 
                                                  sentido aparentemente diferente, 
                                                  diríamos mesmo contrário, perguntamo-nos 
                                                  se terá alguma razão António 
                                                  Barreto, quando diz que 
                                                  «a formação cívica e religiosa 
                                                  deve ser deixada a quem de direito: 
                                                  aos pais e aos párocos» e que 
                                                  «a escola deve ser democrática, 
                                                  mas não deve impingir a democracia».   
                                                  
                                                O 
                                                  que pensar destas posições?
                                                O 
                                                  pensamento de KOUBI é tributário 
                                                  da ideia revolucionária (setecentista) 
                                                  que liga umbilicalmente a «instrução 
                                                  pública» à  qualidade de cidadão. 
                                                  A Declaração dos DHC era o «livro» 
                                                  fundador da política educativa 
                                                  e adquiria uma força simbólica 
                                                  tal que participava das estratégicas 
                                                  pedagógicas, deste modo expressa 
                                                  por Condorcet quando, em 1791, no seu Premier mémoire sur l’ instruction publique, dizia:    «a instrução 
                                                  pública é um dever da sociedade 
                                                  para com os cidadãos».]
                                                Daí 
                                                  que se manifeste contra a concentração 
                                                  da instrução no ensino privado.
                                                Ora 
                                                  bem: não é legítimo, num ED, 
                                                  num Estado de liberdades, que 
                                                  o ensino procure uma qualquer 
                                                  «ideologização» ou «doutrinação». 
                                                  Não deve almejar formar um «homem 
                                                  novo» ou pessoas bem formadas 
                                                  moralmente. O ensino deve, sim, 
                                                  contribuir para a formação de 
                                                  homens e mulheres livres, de 
                                                  cidadãos de corpo inteiro. 
                                                [La 
                                                  profundización de la conciencia 
                                                  cívica es de una factura innegablemente 
                                                  crítica: la educación  para 
                                                  la ciudadanía es, en democracia, 
                                                  una formación para el espíritu 
                                                  crítico e  incluso, llegado 
                                                  el caso, para la desobediencia 
                                                  civil. ]
                                                Nos 
                                                  nossos dias, o conceito de DH 
                                                  está muito mais indeterminado 
                                                  do que no séc. XVIII porque 
                                                  nos falta o consenso nos exemplos 
                                                  que os concretizam (James Griffin pergunta: 
                                                  «trinta líderes mundiais, numa 
                                                  declaração apresentada através 
                                                  do SG das NU, proclamam que 
                                                  “a possibilidade de decidir 
                                                  o número de filhos e quando 
                                                  os ter é um direito fundamental 
                                                  básico dos pais. Sê-lo-á? Infringe 
                                                  realmente a política chinesa 
                                                  de um filho por casamento um 
                                                  DH? Sê-lo-ia também uma política 
                                                  de cinco ou dez filhos? E continua: 
                                                  o direito de uma pessoa à segurança(inegável 
                                                  consensualmente) será muito 
                                                  diferente, na sua configuração, 
                                                  de um direito a decidir sobre 
                                                  o próprio corpo, impedindo-se, 
                                                  p.e., que se seja submetido 
                                                  a uma inoculação para evitar 
                                                  uma perigosa enfermidade?
                                                Poder-se-ia 
                                                  dizer que há DH qdo e só qdo 
                                                  estamos perante direitos que 
                                                  temos simplesmente porque somos 
                                                  pessoa humana. As NU referem-se  
                                                  a direitos que decorrem da natureza 
                                                  humana, da condição humana. 
                                                  Mas não há consenso sobre o 
                                                  que isso pode significar.
                                                Os 
                                                  que vem nas Declarações e Pactos/os 
                                                  direitos fundamentais na Constituição, 
                                                  os «básicos». [poder-se-ia dizer 
                                                  que um «direito constitucional» 
                                                  é um direito eleito por uma 
                                                  certa convenção de cidadãos 
                                                  e e dada em certa espécie de 
                                                  lugar fundacional no sistema 
                                                  jurídico. Efectivamente «lo 
                                                  que se sacrificaria tomando 
                                                  este camino seria la Idea de 
                                                  que ciertos derechos tienen 
                                                  su estatuto fundacional no en 
                                                  convenciones o lugares en el 
                                                  sistema legal, sino en su estatuto 
                                                  moral».
                                                A 
                                                  resposta não será segura. Mas.... 
                                                  CRCV aberta, compromissória, 
                                                  receptáculo DIC e dtos funadamentais 
                                                  análogos/DIC tutela complementar.