A
Educação para os Direitos Humanos
e para a cidadania em Cabo Verde
Não
pretendemos expor e maçar os
ouvintes com o que se propõe
concretamente como programa,
métodos e estratégias para o
ensino – especialmente depois
de ter falado a especialista
MRAfonso – partilhar reflexões
sobre o problema no contexto
cabo-verdiano.
Uma
útil e feliz coincidência a
realização deste Colóquio sobre
Direitos Humanos: exactamente
num momento em que acontecimentos,
que geram legitimamente uma
forte e genuína emotividade
em importantes sectores da sociedade,
também propiciam sentimentos
de alguma sub-valorização, senão
mesmo desconfiança ou, até,
de rejeição face aos DH, seus
fundamentos e suportes institucionais,
éticos e jurídicos. Um momento
em que – no que não constitui
propriamente novidade ou singularidade
cabo-verdiana, mas, pelo contrário,
consubstancia discurso e comportamentos
colectivos afins em quase todas
as latitudes, mesmo em países
à partida mais avançados do
que nós – as emoções se sobrepõem
à racionalidade, o epidérmico
se superioriza ao que se mostra
empírica ou cientificamente
sustentado, o fácil e contagioso
parecem triunfar sobre a argumentação
sofisticada e complexa.
Não
poderia ter acontecido este
foro em mais propícia ocasião,
quando surgem, por vezes de
forma subtil ou envergonhada,
mas outras vezes à superfície
da mais colorida mediatização,
discursos e posições que, à
míngua de respostas para problemas
reais e por vezes complexos
na suas causas e na sua configuração,
desembarcam em qualquer porto
ou apeadeiro que se revele «abrigador»,
diríamos melhor, desresponsabilizador
ou, no mínimo, desculpabilizante.
Quem
não tem ouvido, lido ou acompanhado,
mesmo entre nós, e em momentos
de dificuldades nas respostas
a problemas sociais e comunitários
de dimensão e gravidade que
legitimamente preocupam os cidadãos
(problemas de segurança, de
emergência de formas novas de
criminalidade grave, mormente),
discursos que quase transformam
os fundamentos e as instituições
– oficiais ou não – ligados
à defesa e promoção dos Direitos
Humanos ou Fundamentais ou o
seu depositário maior (a CRCV)
em «abrigos» do crime e seus
agentes ou, no mínimo, como
seus potenciadores e facilitadores.
E, diga-se desde já, em muitos
dos casos, discursos e exacerbadas
asserções construídos com base
em equívocos interpretativos,
em excessiva e redutora singeleza
de processos argumentativos,
quando não em desconhecimento
de regras e procedimentos que
deveriam ser instrumento quotidiano
do labor profissional. Discursos
e asserções que não raro assentam
em pressupostos e sugerem soluções
que contrariam frontalmente
o modo de vida sufragado há
muito pelos cabo-verdianos,
traduzido num determinado sistema
político, num determinado regime
político e, até, forma de vivência
colectiva. Diríamos, numa linguagem
mais rasa, que, algumas vezes,
a aceitar-se a proposta de remédio
para os males que nos apoquentam
correríamos o risco de morrer
da cura , em vez da doença.
Enfim, como já tivemos a oportunidade
de referir noutra ocasião, a
defesa da eficácia como critério
determinante e incondicionado
levar-nos-ia, por exemplo, a
privilegiar a tortura como método
de obtenção da confissão e esta
como critério eleito e decisivo
de prova; ou a sufragar um modelo
em que, p.e., se a polícia detém
uma pessoa como suspeita de
certo crime, seguir-se-ia o
cumprimento de uma pena por
ela decidida, suprimindo-se
o controlo jurisdicional da
privação da liberdade ou até
a existência de julgamento.
Seria tudo bem mais fácil, mais
célere, e tremendamente eficaz,
mas, talvez, tragicamente eficaz,
pois seriam os próprios defensores
de uma tal eficácia a, numa
primeira oportunidade, sendo
tocados pela tragédia individual
ou familiar, a propugnar a revolta
da colectividade e a pedir a
cabeça dos «sanguinários» e
«violadores dos DH».
É
verdade que tais construções
aparecem apenas de vez em quando
e que, amiúde, confrontadas
com respostas bem alimentadas
e cozidas a partir de argumentos
racionais, esgrimidos a frio
e não «à flor da pele» e alicerçados
em razões técnicas, caem por
terra à primeira estocada. Mas
voltam sempre quando há um acontecimento
mais doloroso, um homicídio
que surge aberrante, um caso
de violência gratuita e bárbara
e, porque não dizê-lo desde
já, quando as respostas operacionais
não surgem atempada ou adequadamente
.
E
o preocupante – e que, por isso,
merece reparo cirúrgico e carece
de explicação paciente e segura
– é que o fácil, o imediato,
a resposta a quente, a solução
redutora, a medida sugerida
que apenas vê um aspecto do
problema e esquece as consequências
para o conjunto ou para a própria
subsistência dos valores comunitariamente
aceites por vezes são... rapidamente
propagados de boca a boca, de
comentário em comentário, nos
media
e, o mais perigoso, transformados
em instrumento de esgrima política
e/ou eleitoral. E quantas vezes
não se tem assistido, um pouco
por todo o lado, à adopção de
medidas restritivas de Dtos
e garantias, precisamente em
nome da defesa de valores outros
e do combate a «inimigos» do
Estado de Direito, sem que quaisquer
resultados práticos se tenham
obtido, ou verificando-se mesmo
a agravação dos problemas para
os quais elas seriam remédio
evidente?! De tal forma isso
é verdade e preocupante que
– o que parece, a quem esteja
numa observação mais serena
porque menos interessada a curto
prazo, estranho senão absurdo
– é o próprio grupo político
que se considera o mais fiel
depositário de certo ideário
ou doutrina política ou ética
a... dar tiros no pé, propondo
ou sugerindo medidas que precisamente
vão de encontro aos valores,
princípios e regras que diz
defender como causa primeira
e sua. Não vale a pena entrar
em detalhes para que quem me
ouve se aperceba do que falo
e porque falo. Não queremos
dar ou vir a dar razão a NICOLA
MATTEUCI, quando, já num escrito
de 1986, nos advertia para o
facto de «... as ameaças pode(re)m
vir do Estado, como no passado,
mas podem vir também da sociedade
de massa, com seus conformismos,
ou da sociedade industrial,
com sua desumanização [e crescentávamos
nós: da sociedade do risco (na
esteira do sociólogo Ulrich
Beck) pós-industrial, com o
seu manancial de formas novas
e sofisticadas de ameaça a bens
comunitários, justificadoras
de um sistema penal de cariz
totalitário ou, pelo menos,
de risco ou de excepção]. É significativo...
na medida em que a tendência
do século atual e do século
passado parecia dominada pela
luta em prol dos direitos sociais,
e agora se assiste a uma inversão
de tendências e se retoma a
batalha pelos direitos civis».
O
que têm estas considerações
a ver com o tema que aqui nos
traz?! Certamente para alguns
parece este nosso arrazoado
deslocado deste ambiente e deste
auditório e mais apropriado
se o tema fosse a candente e
cada vez mais actual questão
da segurança no Estado de direito
ou, então, a da compatibilização
entre o fenómeno da criminalidade
violente e a necessidade de
seu combate e as exigências
de um Estado de Direito e de
Democracia. Temas que têm merecido
a nossa atenção e algumas intervenções
recentes. e as nossa respostas
de ontem são as mesmas de hoje:
é necessário, evidentemente,
adequar os sistemas de justiça
criminal e da segurança aos
novos fenómenos da criminalidade
(concordância
prática – adequação, proporcionalidade/
escutas; SIR; alargamento prazos
prisão preventiva certos casos;
agente infiltrado; protecção
testemunhas; revistas efectuadas
em casos especiais por órgãos
de polícia criminal, sem autorização
judicial prévia )
Os
desafios impostos, nomeadamente
ao direito penal (no seu todo),
na adaptação aos novos tempos
e às novas e sofisticadas formas
de criminalidade, para além
das razoáveis e equilibradas
formas de «concordância prática»
acima ilustradas, exigem o estudo
aprofundado e imaginativo de
mecanismos de adequação dos
instrumentos da coacção penal
à nova fenomenologia criminal,
tanto no plano interno, quanto
no supra-estatal; o que deverá
conduzir a modelos distintos
de investigação, à especialização
de seus responsáveis, introdução
de assessorias técnicas e científicas
junto dos decisores judiciais,
à maior consistência institucional
e apetrechamento técnico-científico
do Ministério Público e polícias
criminais, a novos métodos de
acesso e posterior tratamento
da informação e à instauração
de estruturas de colaboração
e cooperação nos planos nacional
e supra-estatal.
[Um
direito penal ad hoc ou
de excepção, no âmbito
da criminalidade organizada,
da corrupção ou do tráfico de
estupefacientes apenas, que
faça preterição do respeito
dos direitos, liberdades e garantias
individuais, constituídos como
limite do exercício do poder
estatal; um sistema de direito
penal que assuma a primazia
da razão de Estado sobre
a razão jurídica como
critério informador do Direito
e do processo penal, é não só
inaceitável, porque abala o
princípio irrenunciável da dignidade
da pessoa humana, sem a qual
não se pode falar sequer de
Estado de Direito, e faz perder
a legitimidade do Estado democrático
enquanto garante de «um projecto
de convivência fundado nos direitos
humanos», como acaba por se
mostrar ineficaz a prazo.
Mas
o que dissemos tem a ver, sim,
com o tem que hoje está sob
análise. O que dissemos, em
jeito de mera ilustração, tende
a reflectir a necessidade de
uma educação para os DH e a
cidadania em Cabo Verde. Porquê?
Antecipando noções, diremos
que, hodiernamente, é pacífica
a ideia de que cidadania não
se resume a um estatuto formal,
qual seja a condição de pertença
a um estado ou à noção de nacionalidade.
Ela tem, além de outras, uma dimensão ligada
à emancipação, à capacidade
de participação, mormente nas
decisões públicas da comunidade.
Já a partir da Revolução francesa,
a cidadania era vista como qualidade
de pertença e participação em
um Estado democrático. Hoje a cidadania
, sendo um status,
é simultaneamente objecto
de um direito fundamental das
pessoas: o de beneficiar da
defesa e da promoção de direitos
que aquele status confere. A própria CRCV
diz-nos que a educação deve
«preparar e qualificar os cidadãos
... para a participação cívica
e democrática na vida activa
e para o exercício plena da
cidadania» (art.º 77.º, n.º
1, b)) e que deve também «promover
os valores da democracia, o
espírito de tolerância... e
de participação» (f)), ao mesmo
tempo que, num extenso capítulo
sobre o que, sintomaticamente,
apelida de «Direitos, Liberdades
e Garantias de participação
política e de exercício de cidadania»
(art.ºs 54.º ss.), define normativamente esta relação estreita, umbilical, entre
a condição de cidadania e a
afirmação da democracia. Enfim,
apesar de uma tal expressão
se mostrar redundante hoje a
noção de cidadania traduz-se
pela de «cidadania democrática».
Por
outro lado, é inquestionável
hoje que a aprendizagem e o
aprofundamento da cidadania
política, social e cultural
permitem tanto desfrutar os
direitos humanos e exercer as
liberdades fundamentais, quanto
compreender os deveres e as
restrições inerentes à preservação
da «coisa pública». Igualmente
o ser cidadão importa acesso
e fruição de direitos, desde
os de participação política
aos sociais, económicos e culturais,
sob pena de, servindo-nos de
uma imagem de DALMO DALLARI,
a cidadania matar a pessoa, numa visão integrada
(bem que susceptível de autonomização)
dos DH que, hodiernamente, as
NU perfilham e divulgam («Os
dtos humanos estão fundados
numa demanda crescente da população
mundial por uma vida decente
e civilizada, em que a dignidade
de cada ser humano receberá
respeito e protecção. Qdo falamos
de DH, não falamos apenas das
necessidades físicas, mas tb.
das condições de vida que nos
permitam desenvolver e utilizar
plenamente as nossas qualidades
de inteligência e de consciência
e de satisfação as nossas necessidades
espirituais».)
.
[a DDHC, de 1789, proclamava
que os direitos naturais impõem-se
ao Estado como direitos do cidadão].
Atrever-me-ia
a concluir, como faz ELÍAZ DÍAZ,
que «Em definitivo, a razão
de ser do ED é a protecção e
a realização dos DH. A universalização
destes e da democracia exige,
pois, a universalização do Estado
social e democrático de Direito).
Ora
bem, tudo isto é dito para sugerir
que, entre nós, a educação para
os DH e a cidadania – ao fim
e ao cabo, para a democracia,
diríamos, para o Estado de Direito
e seus valores, plasmados na
CRCV – é uma exigência geral
que não se esgota, pois, na
escola. Ela deve ser dirigida
a toda a sociedade, como, aliás,
preconiza a CNDHC no seu Plano
de Acção («desenvolver programas
de educação para os direitos
humanos e cidadania, dirigidos
às organizações estatais, organizações
da sociedade civil, associações
comunitárias e comunidade escolar»),
seja directamente no que respeita
à «capacitação em matéria de
direitos humanos», seja no que tange
à «difusão de uma Cultura de
Paz», um dos elementos integradores
da trilogia fundamentadora de
uma cultura de democracia (DH-Cidadania-Paz).
Ela deve ser levada aos agentes
da autoridade, aos magistrados,
aos partidos políticos, aos
professores, aos guardas prisionais,
aos profissionais da comunicação
social, aos deputados e políticos
em geral. No nosso caso, e tendo
em atenção o que atrás referimos
mas, sobretudo, o que tem sido
considerado os verdadeiros calcanhares de Aquiles do nosso Estado
de Direito (sistema prisional;
esquadras policiais; relações
na família; imprensa) quer por
instâncias internacionais ou
estrangeiras, quer por observadores
e organizações nacionais ligadas
aos DH, a educação para os DHC
deverá incidir em particular
nos sectores atinentes àquelas
áreas. E, tratando-se de agentes
e responsáveis pela autoridade,
nomeadamente policial ou de
investigação criminal , ou a
responsáveis técnicos e políticos
no processo de exercício do
poder democraticamente legitimado,
antecipando de novo algumas
reflexões, parece-nos decisivo
que a formação de traduza e
tenha por objectivo a capacitação
no que se tem chamado «competências
cognitivas», técnicas, de carácter
jurídico-político, de carácter
histórico-cultural e igualmente
de carácter procedimental, para
usarmos uma terminologia de
AUDIGIER. [a chamada de
atenção de JORGE MIRANDA para
a necessidade de formação em
DF para os magistrados no CEJ/
benvinda].- A comunicação de
hoje de Dallari (DH para as
autoridades e para os magistrados
Não
quer isto dizer que não haja
razões para privilegiar a educação
para os DHC pela via do ensino
formal, tal como está previsto
venha a acontecer entre nós
já a partir do próximo ano lectivo,
a título experimental, em todos
os níveis de ensino. Referimo-nos
ao projecto, em curso, de introdução,
nos currículos escolares, de
disciplina sobre Direitos Humanos,
Cidadania e Cultura da Paz.
Não será difícil perceber o
papel que, em especial, deve
caber à escola, como instituição
que, na actualidade, assume
um relevo particular no percurso
educativo dos jovens e das crianças.
Um programa de educação para
as escolas – do pré-primário
ao secundário – sobretudo num
país como o nosso, de população
maioritariamente jovem e já
com elevados índices de escolarização
a tais níveis, a ser bem sucedido,
constituiria um elemento importante
de irradiação de uma cultura
humanista e centrada no respeito
pelos Dtos Humanos, capaz de
facilitar um desenvolvimento
integral e progressivo do país
nos planos cultural, social
e político.
E
o sucesso dependerá de muitos
factores, entre os quais vontade
política dos governantes e das
oposições; mobilização, motivação
e formação dos docentes (exigência
de saberes específicos); e,
no plano concreto do ensino,
a selecção de conteúdos a serem
trabalhados, em função dos diferentes
níveis de ensino, e das metodologias
e estratégias mais adequadas,
tendo sempre em consideração
as especificidades da sociedade
cabo-verdiana, nomeadamente
no plano cultural (tanto os
bons hábitos, quanto os maus
hábitos) e das representações
colectivas, gerais e tb. do
mundo da nossa escola e do nosso
ensino, sem esquecer o nível
de desenvolvimento educativo
do país ou da concreta comunidade.
Em
jeito de realce de uma minúcia,
cremos que, particularmente
no ensino secundário, a selecção
dos conteúdos, a escolha das
metodologias, em especial de
avaliação, a definição do perfil
e da natureza da disciplina
e do perfil do professor, a
carga horária, deverão ter em
conta experiências recentes
afins e, sobremaneira, a necessidade
de motivar os destinatários
da formação e os formadores
e combater todo o assomo de
uma cultura desresponsabilizante
que atinge tanto discentes,
quanto docentes ( a visão do
aluno como «coitadinho», incapaz
de aprender «coisas difíceis»,
que apenas é capaz de assimilar
com exemplos, «bonecos» ou «histórias
de quadradinhos»). Como, aliás,
dizemos numa nótula de apresentação
do esboço de programa para o
secundário, «... Se é aceitável
que, no ensino básico, e, especialmente
no ensino pré-escolar, os métodos
integrem essencialmente jogos,
exploração de materiais, descrição
de gravuras, etc. – aceita-se
que, nestes ciclos escolares,
o ensino de Direitos Humanos
e Cidadania seja «transversal»
- no ensino secundário deve
ter-se em vista o objectivo
decisivo de aquisição de conhecimentos,
sem a qual dificilmente se poderão
alcançar objectivos de desenvolvimento
de capacidades e de mudança
de atitudes e procedimentos.
Enfim,
de uma forma singela e, eventualmente,
caricatural:
dificilmente se pode ter uma
atitude positiva e construtiva
face a Direitos Humanos (dos
detidos e presos, dos doentes
mentais, dos refugiados políticos,
por exemplo), sem um conhecimento
mínimo do que são tais Direitos
e forma de seu exercício e defesa;
do mesmo modo, não se poderá
exercer uma cidadania plena,
sem formação radicada em conhecimentos
básicos de elenco de direitos,
forma de seu exercício ou instrumentos
de sua protecção. Sobremaneira,
sem esse conhecimento, não se
poderá almejar a formação de
uma consciência cívica crítica,
indispensável a uma democracia
que exija efectiva participação
numa sociedade de homens livres.
Aliás,
são os especialistas em pedagogia
a dizerem que «... não há...
oposição entre conhecimentos,
desenvolvimento de competências
e acção/participação cívica.
Pelo contrário, todas estas
componentes são úteis na consecução
dos objectivos da educação para
a Cidadania...».
Como
já se deixou salientado, neste
âmbito, a formação dos professores
revela-se decisiva, seja ela
inicial, seja contínua, sendo
certo que – como judiciosamente
aponta MAÏMOUNA TANKANO DOUSSA
(Burkina Faso) - « a primeira
exigência de uma EDH é fazer
com que os estabelecimentos
escolares funcionem e sejam
dirigidos como lugares de direito». A EDH começa, pois,
pelo educador ou adulto, na
sua prática de todos os dias,
na sua forma de viver com os
alunos, na forma como ensina
Outrossim,
a tarefa de uma tal educação
deverá caber não só ao ensino
formal. «Toda a sociedade é
educativa», proclama-se. **
O
tema que me foi sugerido para
esta intervenção reza o seguinte:
«Educação para a cidadania em
Cabo Verde». Damo-nos conta,
ao ler um texto interessante
e provocador (de consciências)
de Geneviève Koubi («Entre “civismo”
y “Civilidad”. La Educación
de la Ciudadanía»), de uma sua
asserção central, segundo a
qual em França, por exemplo,
a «instrução cívica» se converteu
em «educação para a cidadania»
e que isso implicou, e cito,
«un deslizamiento desde la formación
en el espíritu crítico hacia
la obediencia a la autoridad».
Mais: o «civismo», com uma função
política essencial em democracia,
ter-se-á dissimulado ou ocultado
em «civilidade», que tem uma
conotação inegavelmente moral
e exclui a apreensão das solidariedades
inerentes ao nexo social e não
investiga «... las vias de la
socialización política de los
(futuros) ciudadanos».
Num
sentido aparentemente diferente,
diríamos mesmo contrário, perguntamo-nos
se terá alguma razão António
Barreto, quando diz que
«a formação cívica e religiosa
deve ser deixada a quem de direito:
aos pais e aos párocos» e que
«a escola deve ser democrática,
mas não deve impingir a democracia».
O
que pensar destas posições?
O
pensamento de KOUBI é tributário
da ideia revolucionária (setecentista)
que liga umbilicalmente a «instrução
pública» à qualidade de cidadão.
A Declaração dos DHC era o «livro»
fundador da política educativa
e adquiria uma força simbólica
tal que participava das estratégicas
pedagógicas, deste modo expressa
por Condorcet quando, em 1791, no seu Premier mémoire sur l’ instruction publique, dizia: «a instrução
pública é um dever da sociedade
para com os cidadãos».]
Daí
que se manifeste contra a concentração
da instrução no ensino privado.
Ora
bem: não é legítimo, num ED,
num Estado de liberdades, que
o ensino procure uma qualquer
«ideologização» ou «doutrinação».
Não deve almejar formar um «homem
novo» ou pessoas bem formadas
moralmente. O ensino deve, sim,
contribuir para a formação de
homens e mulheres livres, de
cidadãos de corpo inteiro.
[La
profundización de la conciencia
cívica es de una factura innegablemente
crítica: la educación para
la ciudadanía es, en democracia,
una formación para el espíritu
crítico e incluso, llegado
el caso, para la desobediencia
civil. ]
Nos
nossos dias, o conceito de DH
está muito mais indeterminado
do que no séc. XVIII porque
nos falta o consenso nos exemplos
que os concretizam (James Griffin pergunta:
«trinta líderes mundiais, numa
declaração apresentada através
do SG das NU, proclamam que
“a possibilidade de decidir
o número de filhos e quando
os ter é um direito fundamental
básico dos pais. Sê-lo-á? Infringe
realmente a política chinesa
de um filho por casamento um
DH? Sê-lo-ia também uma política
de cinco ou dez filhos? E continua:
o direito de uma pessoa à segurança(inegável
consensualmente) será muito
diferente, na sua configuração,
de um direito a decidir sobre
o próprio corpo, impedindo-se,
p.e., que se seja submetido
a uma inoculação para evitar
uma perigosa enfermidade?
Poder-se-ia
dizer que há DH qdo e só qdo
estamos perante direitos que
temos simplesmente porque somos
pessoa humana. As NU referem-se
a direitos que decorrem da natureza
humana, da condição humana.
Mas não há consenso sobre o
que isso pode significar.
Os
que vem nas Declarações e Pactos/os
direitos fundamentais na Constituição,
os «básicos». [poder-se-ia dizer
que um «direito constitucional»
é um direito eleito por uma
certa convenção de cidadãos
e e dada em certa espécie de
lugar fundacional no sistema
jurídico. Efectivamente «lo
que se sacrificaria tomando
este camino seria la Idea de
que ciertos derechos tienen
su estatuto fundacional no en
convenciones o lugares en el
sistema legal, sino en su estatuto
moral».
A
resposta não será segura. Mas....
CRCV aberta, compromissória,
receptáculo DIC e dtos funadamentais
análogos/DIC tutela complementar.