Rede
Lusófona de Direitos Humanos
Manifesto
da Rede Lusófona
de Direitos Humanos
Nós,
integrantes da Rede Estadual de Direitos
Humanos do Rio Grande do Norte (REDH-RN),
Estado da região Nordeste do
Brasil, na esquina do continente sul-americano,
e da Comissão Nacional para
os Direitos Humanos e a Cidadania
(CNDHC) de Cabo Verde vimos manifestar
publicamente a nossa clara intenção
de trabalharmos juntos para criar
uma Rede de Direitos Humanos que abranja
todos os países de língua
portuguesa, iniciando com Cabo Verde
e o Brasil: uma “rede de redes”
orgânica e plural que tome forma
no ciberespaço e a nível
presencial através do compartilhamento
permanente de informações
e experiências, a criação
de espaços (virtuais ou não)
de articulação e diálogo,
projetos e ações conjuntas
e qualquer outra forma possível
de união, tendo como eixos
norteadores a promoção
de todos os direitos da pessoa, a
Educação em Direitos
Humanos, a arte e a cultura e o resgate
da memória histórica
dos povos lusófonos.
Após
a participação da Rede
Estadual de Direitos Humanos do Rio
Grande do Norte na I Conferência
Internacional de Direitos Humanos
de Cabo Verde a convite da Comissão
Nacional para os Direitos Humanos
e a Cidadania e a vinda da própria
Comissão a Natal, capital norte-riograndense,
no âmbito de uma visita ao Brasil
para dialogar com instituições
e conhecer experiências locais
de Direitos Humanos, consideramos
amadurecidas as condições
para se criar a Rede Cabo Verde de
Direitos Humanos, nos moldes da Rede
Brasil na qual estamos trabalhando
há anos: uma grande central
multimídia de dados e informações
sobre Direitos Humanos que atinja
toda Cabo Verde e os cabo-verdianos.
A versão beta da Rede Cabo
Verde de Direitos Humanos, que lançamos
no ar nos dias da visita da Comissão
ao Rio Grande do Norte, representa
o início prático deste
processo, embrião da futura
Rede Lusófona que pretendemos
construir juntos.
Muitos
são os elos que unem Cabo Verde
e o Nordeste do Brasil, as faces africana
e latino-americana de uma mesma realidade.
São elos naturais (as mesmas
paisagens, flora e fauna comuns),
históricos (a mesma opressão
colonial, a mesma miscigenação
étnica, lingüística
e cultural) e culturais (o mesmo idioma,
as mesmas raízes), mas são
também profundos elos espirituais.
Um
deles se encarna na figura do educador
Paulo Freire, fundador de uma pedagogia
que parte das exigências do
ser humano e tem como fim a libertação
do indivíduo, a pedagogia do
oprimido que representa um ponto de
referência ético e histórico
firme para o Rio Grande do Norte,
pois foi uma experiência que
começou aqui, nos anos Sessenta,
e se materializou nas inesquecíveis,
emocionantes 40 horas de Angicos,
um dos 167 municípios deste
Estado. Paulo Freire iniciou sua experiência
de educação popular
para a libertação das
massas neste pequeno município
do Sertão potiguar e a prosseguiu
na África, na terra de Amílcar
Cabral, nos deixando o relato desta
passagem no seu livro Cartas da Guiné-Bissau.
O ideário de Paulo Freire é
um dos pontos de partida desta nossa
parceria, que inicialmente terá
um caráter virtual, mas que
virará cada vez mais real,
palpável pois há nela
elementos muito fortes de educação,
memória histórica, arte
e cultura e, principalmente, a visão
global de que vivemos em um mundo
em transformação e com
ele temos que nos confrontar.
Os
elos que unem Cabo Verde e o Brasil
passam também por uma comum
história de infâmia.
Nossos países estão
separados por um vasto Oceano, e neste
Oceano despontam ilhas simbólicas
de tiranias, como a de Fernando de
Noronha, antigo presídio de
presos políticos de ditaduras
brasileiras, e Tarrafal, campo de
concentração salazarista
e de patriotas africanos de triste
memória. Sem esquecer a Ilha
de Goréé, entreposto
africano do vil comércio de
escravos por onde passaram vinte milhões
de cativos. É preciso resgatar
este sentimento comum de indignação,
recuperar a memória das atrocidades
que juntos sofremos.
É
esse resgate um dos eixos da nossa
Rede Estadual de Direitos Humanos
que, além de Paulo Freire,
bebe na fonte de Eduardo Galeano e
Darcy Ribeiro: a memória como
forma de devolver a vida à
voz dos oprimidos; a visão
da nossa realidade como fruto desgarrado
de uma violação originária,
a idéia das veias abertas;
o resgate das nossas raízes
africanas, indígenas, ibéricas
e de outras partes do mundo.
Neste
processo de resgate, temos muito a
compartilhar: a África fincou
raízes profundas no Brasil,
virou um elemento decisivo da identidade
do nosso povo e influenciou nossa
cultura, nossa percepção
de mundo, nossa maneira de falar e
até nosso jeito de transmitir
saberes, conhecimentos e tradições.
A oralidade, traço ancestral
da África profunda, é
a mais característica forma
de preservação da cultura
popular em várias regiões
brasileiras. O resgate das nossas
identidades, das nossas histórias
passa necessariamente pelo resgate
da oralidade, no Brasil como em Cabo
Verde e no resto da África
Lusófona.
Todos
os elos que existem entre nós
mostram que a Rede Lusófona
de Direitos Humanos que pretendemos
construir a partir do nosso diálogo
inter-atlântico está
embasada na mesma raiz cultural, que
queremos respaldar e enriquecer com
elementos de interatividade e multimídia,
criando espaços virtuais de
articulação, debate
e troca de informações.
Acreditamos
que a Rede já iniciou-se na
prática com a parceria e cumplicidade
entre a Comissão Nacional para
os Direitos Humanos e a Cidadania
de Cabo Verde e a Rede Estadual de
Direitos Humanos do Rio Grande do
Norte, representando o Brasil. Mas
ela está aberta para acolher
organizações da sociedade
civil, instituições,
redes e pessoas de todos os nossos
países irmãos que desejem
apostar nesta ousadia: Portugal, Angola,
Moçambique, Guiné-Bissau,
São Tomé e Príncipe
e Timor Leste.
Ansiamos
a inserção de todas
as forças vivas que buscam
o novo, com o mesmo espírito
daqueles que buscaram a liberdade
dos nossos povos, dos mais conhecidos
até aqueles milhares, milhões
de lutadoras e lutadores sociais anônimos
que no dia a dia, como nós
hoje, foram a seiva mais pura da construção
deste novo que almejamos.
Estamos
abertos para fazer e discutir com
quem queira práticas de promoção,
proteção e garantia
dos Direitos e valorização
dos Desejos Humanos, de resgate da
memória histórica dos
vencidos e humilhados, da arte e cultura
dos nossos povos.
Sonhamos
com uma Rede como a do Rio Grande
do Norte que, embora tão nordestina
no seu nascedouro, é apenas
a parte visível de uma grande
Rede Nacional de Direitos Humanos
em gestação no Brasil:
uma rede que se configure como um
grande sistema de promoção,
proteção e garantia
de todos os direitos da pessoa humana,
de maneira indivisível e universal,
juntando todas aquelas e todos aqueles
que lutam pelo Humanismo na sua forma
mais generosa, aquelas e aqueles que
têm a profunda convicção
de que um outro mundo, continentes
compartilhando ideais não são
só possíveis, mas imprescindíveis
e necessários no atual estágio
que atravessa a humanidade.
Uma
Rede Lusófona de Direitos Humanos
é, antes de mais nada, um estado
de espírito, um ideal comum,
uma aspiração compartilhada.
Mas é também uma realidade
em gestação que só
irá existir e crescer quando
aparecerem elos orgânicos, parcerias
permanentes como a que começamos
com a Comissão Nacional para
os Direitos Humanos e a Cidadania
de Cabo Verde. Uma parceria que se
alimentará de ações
concretas como, no mais imediato,
a reformulação do jornal
digital da Rede Estadual de Direitos
Humanos do Rio Grande do Norte, Tecido
Social, com amplas pinceladas de Cabo
Verde, trazendo notícias da
nossa Rede em gestação.
Enfim,
queremos que nossa parceria seja o
primeiro passo para materializar um
intercâmbio entre o Brasil,
a África Lusófona e
os outros países de língua
portuguesa em uma perspectiva “glocal”
re-pensando Paulo Freire, este grande
elo que existe entre todos nós,
para re-definir o global e o local
trabalhando práxis de micro-políticas,
mas resgatando o valor universal (hoje
mais do que nunca) da solidariedade
e do bem comum, universalizando a
prática de compartilhar saberes
e experiências.
Queremos,
em definitivo, fazer valer o conteúdo
do manifesto do Núcleo de Direitos
Africanos Amílcar Cabral, braço
da Rede Estadual de Direitos Humanos
do Rio Grande do Norte para a África
de língua portuguesa:
“É
nossa meta buscar - aonde estiver
- uma nova globalização
humana, algo que seja feito com fios
de ternura e cânticos de emoção,
com olhos estupefatos e peito aberto
à maior aventura: a de fazer
parte de um mutirão histórico
que busca integrar a parte mais sofrida
e mal-amada da humanidade (...).
Enquanto
o mundo dorme, fazendo ouvidos de
mercador, aos lamentos de corações
despedaçados, lançamos
nossas esperanças em forma
de chama, chama de vida, chama de
chamado, chama que não se extingue
pois brota do que há de mais
puro e sagrado em nós:
O
Desejo de Ser.
O
Desejo de Amar.
O
Desejo de Agir”
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