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III. QUESTÃO AGRÁRIA E VIOLÊNCIA NO CAMPO

(Subsídio-SIN)

 

As conclusões do relatório da Coordenadoria de Conflitos Agrários do MIRAD a respeito de conflitos de terra ocorridos no primeiro semestre de 1987 demonstram o agravamento da situação de violência no campo, gerada pela concentração da propriedade da terra no país.

Segundo o relatório, a omissão e até conivência de autoridades públicas diante da generalização da criminalidade no campo pode comprometer o processo de transição por que passa o país, gerando um clima de insegu­rança que propicia ações cada vez mais violentas.

No primeiro semestre de 1987 morreram 99 pessoas direta ou indireta­mente envolvidas em conflitos de terra no país. Alguns assassinatos reves­tem-se de grande ousadia e traços de crueldade que indicam haver o interesse de humilhar e aterrorizar a vítima e não apenas eliminá-la. Entre as ações praticadas são comuns os estupros, a decapitação e o decepamento de órgão das vítimas, em sua maioria posseiros. Entre os 99 listados encontram-se 5 crianças, 8 índios, 9 empregados de fazenda, 4 pistoleiros, 1 clérigo, 2 advogados, 3 policiais e 66 trabalhadores rurais, incluindo posseiros, lavradores e pequenos produtores. Estes representam 67% do total de óbitos, seguidos pelos “empregados de fazenda”, com cerca de 10% do total de mortes no período. Nesse quadro não se tem registro de fazen­deiros mortos por questão de terra.

Dos 38 imóveis rurais nos quais se verificaram mortes no período citado, 6 já são reincidentes, ou seja, já foram palco de outros assassinatos nos anos de 1985 e 1986. A Fazenda Agropecus no município de Redenção, estado do Pará, é a que apresenta maior número de mortes, 13 ao todo, sendo 12 no ano de 1986 e uma no primeiro semestre de 1987. Algumas fazendas, como o Projeto Tucumã, já têm processos de desapropriação formalizados. Urge que a tramitação desses seja agilizada.

O documento indica ainda que as zonas criticas de tensão social amplia­ram-se nas regiões de fronteira agrícola como Rondônia e Mato Grosso e em regiões onde se verifica carreação de recursos econômicos através de políticas governamentais e da concessão de incentivos fiscais. Esses parecem ser os casos da inclusão de fazendas localizadas nos municípios de Monção, Turiaçu e Grajaú, no estado do Maranhão, que vêm recebendo recursos da SUDENE.

De acordo com o relatório do MIRAD, a violência que se verifica no estado do Maranhão relaciona-se também com a implantação dos pólos siderúrgicos ao longo da ferrovia Carajás, dentro do Programa Grande Carajás.

A maior parte das mortes ocorridas no primeiro semestre de 1987 veri­fica-se na Região Nordeste (39 casos), sendo o estado do Maranhão o que registra maior número de óbitos (17 nesse período). Segue-se o estado da Bahia, com 15 casos e o Pará com 12. A região Norte apresenta 24 casos de mortes, seguida pela região Centro-Oeste com 23, a região Sudeste com 19 e a Sul com 9. Depois do estado do Pará, são os estados de Mato Grosso e Rondônia que apresentam maior número de mortes nesse período, com 10 ocorrências em cada.

Ao analisar a distribuição do número de mortes por mês o documento demonstra que janeiro foi o mês mais violento do semestre, com 26 óbitos (26% do total), seguido pelo mês de junho com 24 mortes (24% do total).

Estima a Coordenadoria de Conflitos do MIRAD, com base nos registros e levantamentos disponíveis, que dois mil e quinhentos imóveis rurais constituem-se focos de tensão e conflito social, estando envolvidas nesses conflitos mais de quinhentas mil famílias de trabalhadores rurais. Tais con­flitos distribuem-se em cerca de hum mil e duzentos municípios e envolvem várias formas de violência, abrangendo áreas de ocupação antiga, áreas onde predominam formas modernas de exploração agrícola e regiões de ocupação recente.

Além da violência física que vitima homens, mulheres e crianças na luta pela terra, outras práticas caracterizam a tensão social e os conflitos no campo: despejos em mandato judicial ou mesmo legais, mas cheios de falhas; presença de milícias privadas; prisões arbitrárias e ilegais; cárcere privado; coerção; atrocidades e sevícias físicas, inclusive contra mulheres e crianças; ameaças de mortes; pressões psicológicas; perseguições e violên­cias policiais; destruição de roças, colheitas, moradias e benfeitorias; elimi­nação de animais; desmatamentos e incêndios criminosos; furtos e roubos de bens e produtos; bloqueio de caminhos, estradas e vias de acesso, com proibição de trânsito; proibição de acesso a açudes e aguadas; proibição de comercialização da produção; e proibição do trabalho.

Esta situação vincula-se a determinadas formas de uso da terra e emprego da força de trabalho, caracterizadas pela grilagem de terra; o não uso da terra legalmente possuída; práticas ilegais de arrendamento, parceria e outras formas de relações de produção; e o descumprimento generalizado dos direitos trabalhistas que chega à prática de trabalho escravo.

São também decisivos para o agravamento desse problema os erros e a má condução das ações governamentais na destinação e utilização da terra. Essas distorções encontram-se nos processos de licitação e leilões de terras públicas; projetos de colonização; regularizações fundiárias; desapropriações e desalojamentos por obras públicas; na política de incentivos fiscais; na demarcação de áreas indígenas; e na morosidade dos processos de desapro­priação por interesse social.

Informa ainda o relatório da Coordenadoria de conflitos do MIRAD que, segundo denúncias da CPT Araguaia/Tocantins, somente em Conceição do Araguaia, no estado do Pará, três trabalhadores foram feridos a bala, 94 foram espancados, 37 estão ameaçados de morte, 103 foram presos arbitrariamente, 85 famílias foram despejadas, 914 trabalhadores estão submetidos a regime de trabalho escravo e 26 casas foram destruídas.

Analisando as causas gerais da ocorrência de conflitos sociais no campo, a Coordenadoria de Conflitos do MIRAD aponta especialmente duas polí­ticas governamentais que considera potencializadoras desses conflitos: a política de incentivos fiscais e a política de regularização fundiária.

Quanto a primeira destaca-se “a pressão econômica sobre a estrutura fundiária em virtude da atuação dos organismos de desenvolvimento re­gional, através dos programas de incentivos fiscais em regiões de fronteira agrícola” (p. 35). A aquisição de grandes extensões de terra, a baixo custo, com a finalidade de transformá-la em reserva de valor vem gerando fortes contradições que se refletem na existência de grandes extensões de terras inaproveitadas e enorme contingente de trabalhadores rurais sem terra ou com pouca terra. Nessas regiões as terras são muitas vezes conseguidas através da grilagem ou de documentos forjados, resultando na expulsão, de forma violenta, dos trabalhadores de suas posses.

De acordo com avaliações da SUDENE, SUDAM e IPEA, a política de incentivos fiscais e subsídios tiveram um desempenho aquém do esperado no que tange ao desenvolvimento agrícola do Norte e do Nordeste, embora os recursos a ela destinados tenham sido muito significativos. “Os projetos em pauta para aprovação pela SUDAM (em agosto de 1986) totalizam incentivos da ordem de Cz$ 1,57 bilhão, valor este superior ao orçamento do MIRAD para aquele ano, de Cz$ 1,2 bilhão” (p. 37).

Constata-se que os cronogramas de implantação dos projetos não são cumpridos nos prazos estipulados em virtude, principalmente, do desvio de recursos, e os imóveis beneficiados com tais políticas continuam classifi­cados como latifúndios por exploração, mesmo decorrido tempo razoável desde o início da implantação dos projetos.

Além disso, verifica-se também que os critérios para concessão de incen­tivos fiscais refletem-se no processo de expulsão de camponeses de suas terras, pois os recursos são utilizados para a contratação de pistoleiros, tratores e outros instrumentos, utilizados nos processos de expulsões.

Segundo o documento da Coordenadoria de Conflitos do MIRAD a concentração da propriedade, que tem origem no processo de grilagem e de aquisição de glebas sem titulação em áreas de incidência de incentivos fiscais é mais significativa quanto maior for o aporte de recursos globais a título de incentivo governamental. A região abrangida pelo Projeto Grande Carajás é citada como exemplo.

Em relação à política de regularização fundiária desenvolvida pelos órgãos públicos até passado recente, o relatório da Coordenadoria de Con­flitos Agrários do MIRAD (CCA/MIRAD) cita o exemplo da ação do GETAT (Grupo Executivo de Terras do Araguaia/Tocantins) na bacia do Araguaia/Tocantins, que resultou no fomento à concentração fundiária na região, com a criação de latifúndios e minifúndios. Estima-se que ali existam cerca de 500 mil posseiros.

Originalmente subordinado ao Conselho de Segurança Nacional, o GETAT passou para o âmbito do MIRAD, quando da sua criação, mas sua política chocou-se com os objetivos do I PNRA.

De acordo com a CCA/MIRAD, “os conflitos agrários são agravados em virtude da própria ação fundiária do órgão responsável”. Existe uma excessiva burocratização dos procedimentos desapropriatórios, que envolve em muitos casos, uma sucessão de vistorias, revisões e atualizações cadas­trais que fazem com que os processos se arrastem por vários meses e até anos, dificultando a solução dos problemas e honerando em demasia os cofres públicos. À morosidade da tramitação desses processos corresponde uma agudização dos conflitos nas áreas objeto de desapropriação.

Contribui ainda para o agravamento considerável da questão a crise institucional do Poder Judiciário e o mal funcionamento dos órgãos públi­cos, especialmente a polícia. As ações desencadeadas pelo estado com o objetivo de amenizar a situação tem tido efeito oposto, por serem voltadas contra os mais carentes e, portanto, desprovidos da assistência dos órgãos públicos. O relatório da CCA cita o exemplo da “Operação Desarma­mento”, realizada pelo Governo do estado no Sul do Pará, que causou profundas seqüelas na população de posseiros ali residentes dada a brutali­dade, a arbitrariedade e o caráter terrorista com que se revestiu.

Concluindo o seu relatório a Coordenadoria de conflitos Agrários do MIRAD apresenta algumas recomendações que contribuiriam para a defini­ção de ações coordenadas ao poder público visando a amenizar os conflitos pela posse e uso da terra.

Tais sugestões envolvem as ações do MIRAD no âmbito interno e exter­no, no que se refere à agilização dos processos de desapropriação e ao desenvolvimento de ações coordenadas que permitam o cumprimento das medidas preconizadas pelo PNRA, e a atuação do Ministério junto a outros órgãos públicos, especialmente o Ministério da Justiça. Essas recomenda­ções, se efetivamente acatadas, poderiam contribuir para o início da solução de situações litigiosas que geram a grande violência e os conflitos verifi­cados no meio rural.

 

(Documento produzido por Joaquim Soriano e Elisabeth Freitas, consultores do INESC especialmente para este subsidio).

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