História
dos Direitos Humanos no Brasil
Encontros
Nacionais do MNDH
Movimento
Nacional de Direitos Humanos
1982
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1998
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1983
II
Encontro Nacional de Direitos Humanos do
MNDH
1983, Taboão da Serra-SP
III
— DOCUMENTO FINAL DO II ENCONTRO DE
DHs
INTRODUÇÃO
Irmãos
e irmãs
Companheiros
e companheiras
Nós,
militantes de cerca de 60 entidades, entre
as quais Comissões de Justiça
e Paz, Centros de Defesa dos Direitos Humanos,
representantes de outros organismos da Igreja
e da Sociedade civil juntamente com membros
da Igreja Metodista, todos vindos de 17
Estados a Federação, nos reunimos
em Taboão da Serra, em São
Paulo, dos dias 25 a 2~ de janeiro, para
celebrarmos o II Encontro Ecumênico
de Comissões e Grupos de Direitos
Humanos do Brasil.
Os
três dias e meio que passamos juntos
foram marcados por um espirito de calorosa
fraternidade, de troca de experiências,
de estudo, de debates sérios e de
busca de pistas de ação comum.
Deixamo-nos iluminar pela Palavra do Deus
dos pobres e oprimidos de cujos direitos
Ele é o primeiro Defensor.
Agora,
em sinal de comunhão com todos vocês
e com os que se comprometem na defesa e
promoção dos direitos
humanos especialmente dos direitos dos empobrecidos
do nosso povo lhes enviamos essa carta.
Nela constatamos as violações
que nossos irmãos e irmãs
sofrem, analisamos como nossas entidades
enfrentam a violência e estabelecemos
algumas pistas de ação que
visam fortalecer a promoção
da vida, supremo dom do Criador.
CONSTATAÇÕES
E VIOLAÇÕES DOS DIREITOS HUMANOS
NO BRASIL
1.
Terra
Em
nossos debates, concluímos que a
situação do uso e posse da
terra no Brasil, tanto na cidade quanto
no campo, é cada vez mais desfavorável
aos trabalhadores.
Durante
o ano de 1982, constatamos formas as mais
diversas de violência contra os trabalhadores,
tendo por motivo básico a questão
da terra:
Na
cidade, pioram as condições
dos favelados, seja no tocante á
moradia, seja quanto aos demais direitos
básicos ligados á vida (alimentação,
saneamento básico, saúde,
trabalho, educação, transportes
coletivos, lazer, participação
social e política). Expandem-se os
loteamentos clandestinos em nossas cidades,
inclusive com a conivência dos
poderes públicos. E os pobres também
são, com frequência, vitimas
de despejos em benefício da propriedade
privada.
A
recessão econômica tem levado
também ao rebaixamento, cada vez
maior, das condições de vida
das classes médias de tal forma que
constatamos um grande avanço
na proletarização dessa camada
social.
O
Sistema Financeiro da Habitação
por sua vez tem contribuído para
agravar essas condições,
não conseguindo reduzir o deficit
de moradia e fugindo de sua finalidade
social básica que é a de permitir
ao povo o acesso à casa própria.
Por
outra parte, multiplicam-se em todo o pais
as situações de extremo sofrimento
dos desabrigados, vitimas de secas
ou enchentes, cujos efeitos são
agravados pela incompetência dos poderes
públicos e pela corrupção,
além do uso das verbas públicas
em função dos interesses do
governo e de seus aliados.
No
campo, a estrutura do uso e posse da terra
tem favorecido, cada vez mais, o latifúndio
e a grande empresa rural observando-se o
avanço das multinacionais, associadas
ou não, aos interesses dos poderes
públicos e privados em detrimento
dos posseiros. meeiros, parceiros. arrendatários
e pequenos proprietários. A terra
tornou-se objeto de especulação,
sendo comprada (mediante qualquer expediente)
para se transformar em reserva de valor.
Em outras palavras, como já assinalou
a Conferência Nacional dos Bispos
do Brasil, a terra de especulação
toma o lugar da terra do trabalho.
Uma
permanente repressão de forças
policiais e de capangas dos latifundiários
tem atingido os trabalhadores rurais brasileiros
e suas lideranças além
dos cristãos e pessoas de boa vontade
que, com eles, trabalham por uma sociedade
mais justa.
importante
assinalar que, em nossas reflexões
e debates, reafirmamos nosso repúdio
à Lei de Segurança Nacional
e a todas as leis iníquas e igualmente
atentatórias aos direitos humanos,
vigentes em nosso país, como por
exemplo a Lei Anti-Greve, a CLT, os artigos
155 (permite a decretação
do estado de sitio) e 158 (permite a decretação
do estado de emergência) da Constituição.
Ao
considerarmos como principal instrumento
de sustentação do regime brasileiro
de governo, o qual em oportunidades incontáveis
demonstrou ser contrário aos mais
legítimos interesses e aspirações
do nosso sofrido povo, exigimos a revogação
imediata da Lei de Segurança Nacional.
Entendemos
que a revogação desta lei,
como das demais acima apontadas, deva passar
pelo Congresso Nacional. Assim, conclamamos
os representantes do povo brasileiro,
no Poder Legislativo, a se comprometerem
nesse sentido.
Acreditamos
que, dessa forma, unidos, percorreremos
o caminho da construção de
uma sociedade livre e justa, de acordo
com o plano de Deus.
3.
Desemprego e subemprego
Agrava-se
a situação do desemprego e
do subemprego, no campo e na cidade,
em todas as regiões do pais. As maiores
vitimas ·são os trabalhadores.
sobre os quais recai o peso da recessão
econômica (que não é
um fenômeno casual mas conseqüência
de fatores estruturais ligados ao sistema
capitalista).
A
atitude do governo diante do problema do
desemprego se orienta para garantir os interesses
dos detentores do capital em prejuízo
dos trabalhadores. mais e mais explorados,
como se evidenciou na recente mudança
da lei salarial.
4.
Violência policial
Constatamos
que no Brasil, crescem as arbitrariedades
da Polícia e têm como alvo
privilegiado os pobres (especialmente os
negros). Bairros populares e favelas
são considerados, por principio,
áreas suspeitas, sofrendo constantes
investidas da Polícia. Nas prisões.
a tortura permanece como a forma principal
de interrogatório. tendo ocasionado
freqüentes mortes. Cadáveres
são encontrados nas periferias das
cidades e do campo, sendo sabido que tais
assassinatos em sua grande maioria, são
realizados por policiais. A pena de morte
não existe na lei, mas já
se tornou uma prática quase legal,
já que os assassinos raramente
são identificados.
O
que mais chama a atenção é
a impunidade dos atos criminosos cometidos
por policiais.
5.
Presos políticos
Constatamos
a existência de uma repressão
política seletiva e a continuidade
da aplicação da Lei de Segurança
Nacional contra lideranças sindicais
e populares. A anistia continua restrita:
centenas de militares e funcionários
públicos federais ainda não
tiveram garantidos os seus direitos de reintegração
ao trabalho. Os casos dos desaparecidos
políticos brasileiros ainda es tão
por esclarecer e ainda há exilados.
No último ano, a repressão
seletiva tem atingido particularmente jornalistas,
como é o caso de editores indiciados
com base na Lei de Segurança Nacional,
e de jornalistas presos no Paraná
e Rio de Janeiro.
6.
Padres franceses e posseiros
Refletimos,
também, durante este Encontro, sobre
a situação dos padres Aristides
Camio e Francisco Gouriou e dos treze
posseiros do Araguaia, condenados (ao final
de um processo escandalosamente cheio
de erros e manipulações) pela
sua luta em favor da justiça e dos
direitos dos pobres.
Com
eles, está encarcerada toda a Igreja
de Jesus Cristo no Brasil. Entendemos que
o caso dos padres e posseiros do Araguaia
é utilizado, pelo governo, como exemplo
do que pode ocorrer com todos os que
lutam pela justiça na região
amazônica e em todo o país.
7.
índios
Os
povos indígenas do Brasil continuam
sofrendo os efeitos de uma política
expansionista do grande capital, sendo considerados
não como seres humanos livres e dignos,
mas como obstáculos a serem
removidos, custe o que custar. Em função
dos faraônicos projetos oficiais,
as terras indígenas são loteadas
e forças repressivas são
utilizadas para intimidá-los. A FUNAI
(Fundação Nacional do índio),
o GETAT (Grupo Executivo de Terras
do Araguaia e Tocantins) e outros órgãos
continuam a cumprir seu papel de agências
avançadas da «integração»
que nada mais é que a preparação
do clima para o posterior esmagamento dos
povos indígenas.
8.
Discriminação da mulher e
do menor
Verificamos
durante este Encontro, que, apesar de toda
a evolução na luta pela valorização
da mulher nestes últimos anos no
Brasil, ela continua a ser discriminada
pela sociedade em geral, particularmente
no trabalho, na prostituição
e na publicidade e também na estrutura
eclesiástica.
Por
outra parte verificamos a intensa exploração
a que são submetidos os menores,
precocemente colocados no mercado de
trabalho e vitimados por todo tipo de violência.
9.
Discriminação racial
Constatamos,
igualmente, a continuidade da discriminação
racial contra os negros, expressa nas dificuldades
de acesso ao trabalho, no tratamento
a eles dispensado pelos meios de comunicação,
no tato de serem também considerados,
em principio, como suspeitos nas investigações
policiais em que são da mesma maneira
as maiores vitimas.
10.
Meios de comunicação
Em
termos de direitos humanos, as violações
também ocorrem ao nível dos
meios de comunicação
de massa, tanto na divulgação
sensacionalista dos casos policiais
que envolvem gente do povo, quanto na promoção
da violência policial. Determinados
jornais e programas de televisão
estimulam esse tipo de arbítrio.
Do mesmo modo, a chamada grande imprensa
muitas vezes se omite na defesa e promoção
dos direitos humanos não tanto pelo
desinteresse dos que neles trabalham mas
principalmente por causa dos interesses
econômicos a que estes meios estão
ligados.
11.
Perseguição à Igreja
Refletimos
sobre a perseguição á
igreja no Brasil, representada pela
campanha de difamação contra
bispos, padres e agentes pastorais pelo
episódio da falsificação
do jornal «O São Paulo»
e de cartilhas políticas além
de documentos eclesiásticos,
e do recente sequestro do Pe. Antônio
Haddad em Belo Horizonte.
A
Igreja que se compromete com os direitos
humanos já tem seus mártires
e sente na carne a bem-aventurança
das perseguições.
12.
Violência em El Salvador, Guatemala
e Honduras
Constatamos
os iníquos níveis de violação
dos direitos humanos, especialmente da gente
pobre de El Salvador, Guatemala e Honduras,
pelas mesmas forças que também
atuam em nosso pais, quer dizer, os donos
do capital e os grandes latifundiários
que usam da Polícia e das Forças
Armadas, como seu braço estendido.
Nos
dias em que estivemos reunidos, vimos um
documentário sobre El Salvador e
nos debates fez-se presente a sofrida
sorte dos irmãos daquele país.
13.
Resistindo às violações
dos Direitos Humanos
Apesar
de todo este quadro em que as forças
da morte ainda prevalecem, a resistência
do povo não foi quebrada. Ela se
revelou nas mais diferentes formas
de denúncia e de exigência
de uma sociedade digna e humana.
Um
exemplo disso é o surgimento em todas
as regiões do país de comissões
e centros de defesa e promoção
de direitos humanos com a participação
de trabalhadores do campo e da cidade.
Muitas
vezes a violência de determinados
casos exigiu uma reação imediata
de nossas entidades sem deixar espaço
para um trabalho mais conscientizador
junto aos atingidos. Tais práticas,
aparentemente assistencíalistas,
não representam a metodologia mais
permanente por nós intencionada
e utilizada.
Esta
metodologia visa favorecer a organização
do povo por ele próprio, mediante
um levantamento da situação
a partir do conhecimento da realidade em
que ele vive, através de comissões
de bairros, de reivindicações
por ele feitas e de fundação
de grupos populares de defesa e promoção
dos seus direitos.
Muitas
de nossas entidades têm contado com
o apoio da Igreja local, outras tiveram
que caminhar sozinhas diante da omissão
de alguns bispos, padres e pastores. A grande
maioria tem buscado articular-se com outros
movimentos populares como sindicatos,
associação de bairros, entidades
representativas da sociedade civil e da
Igreja.
Algumas
carências são também
muito evidentes em nossa caminhada: insuficiente
assessoria jurídica, pequeno número
de militantes, precariedade de meios
materiais e financeiros e pouca disponibilidade
de tempo dos membros participantes.
É
evidente, nestas entidades, a consciência
quanto aos riscos do compromisso com as
lutas dos oprimidos. Esse risco se traduz
em ameaças, perseguições,
perda do emprego e prisões. E também
na incompreensão por parte de quem
não percebe o caráter libertador
do Evangelho.
No
final deste II Encontro apesar de todas
as dificuldades verificadas, as comissões
e grupos de direitos humanos estão
convencidos de que seu trabalho faz avançar
a luta por unia sociedade mais justa
e mais humana para todos.
14.
Pistas de ação: resistindo
e avançando
Refletimos
sobre o agravamento da crise econômico-política
brasileira, constatando que os custos da
atual recessão (que constituem não
uma causa mas o efeito de estruturas socio-econômicas
injustas, próprias do capitalismo),
recaem principalmente sobre as classes trabalhadoras.
O
elevado índice de desemprego imposto
pelo Governo, as recentes mudanças
na lei salarial e os grandes investimentos
na produção de armas em detrimento
da economia popular, são exemplos
muito claros neste sentido.
Por
outra parte, analisamos — com perplexidade
— a retomada da repressão política
seletiva contra pessoas e instituições
democráticas sob inspiração
da Lei de Segurança Nacional e repelimos
a hipótese de ocorrer neste ano o
recrudescimento desta escalada repressiva.
Em
termos de conjuntura pós-eleitoral,
entendemos que a vitória das
oposições em alguns estados
brasileiros abre perspectivas para um maior
respeito aos direitos básicos ligados
ávida, o que será garantido
através de nossa organização
e nossas lutas.
Com
vistas a consolidar nosso trabalho e com
o objetivo de reforçar a frente de
resistência contra as violações
aos direitos humanos, concordamos em
levar à prática as seguintes
pistas de ação:
A.
Preliminar
Acreditamos
nas possibilidades de organização
e resistência popular. O povo como
agente de sua história.
B.
Linhas gerais
1.
Articulação das Entidades
a partir de três eixos:
1.
Trabalho
Luta
organizada em todos os níveis por
melhores salários, contra o
desemprego.
/o:p>
2.
Terra
Luta
organizada em todos os níveis por
terra para morar e trabalhar, para todos.
Formação de uma «CPT
urbana» articulada com a CPT existente.
3.
Repressão
Luta
organizada em todos os níveis contra
todo tipo de repressão. Campanha
nacional contra a violência policial
(com destaque à discriminação
racial) em concordância com a CF/83.
Reforço do movimento das mães
das vitimas da policia (ROTA, etc.).
II.
Fortalecimento, multiplicação
e manutenção dos movimentos
populares:
1.
intercâmbio regional e nacional das
entidades;
2.
promover a articulação entre
movimentos populares;
3.
politização das lutas populares.
Procurar estratégias para sensibilizar
e comprometer a Igreja Institucional.
C.
Metodologia
I.
Informação (sobre conjuntura
e superestrutura) as entidades passam
as informações às bases,
em linguagem popular.
II.
Educação e mobilização
para a ação: para que as bases
assumam o processo educativo.
III.
Apoio/ação junto aos movimentos
populares: ampliando a união
e a capacidade de resistência
e organização dos trabalhadores.
D.
Eventos
I.
III Encontro Nacional — 1984 —
Vitória.
II.
Encontro das Entidades do Nordeste sobre
o grave problema da seca.
III.
Eventos nas regiões, objetivando
a consolidação e ampliação
das Regionais.
Servir
à vida — este dom supremo de
Deus
—
continuará sendo a grande motivação
de nossa luta. «Escolhe a vida e viverás»,
nos diz a Palavra da Revelação.
E a vida é humana somente quando
vivida em solidariedade e em comunhão
como irmãos e irmãs numa mesma
terra comum. com todos, especialmente com
os empobrecidos,
Taboâo
da Serra, São Paulo, 29 de janeiro
de 1983.
IV
— RELATÓRIOS REGIONAIS
ATIVIDADES
REALIZADAS EM 1982
CENTRO
DE DEFESA DOS DIREITOS HUMANOS
Rio
Branco — ACRE
METAS
ESTABELECIDAS PARA 1982:
—
Apoio aos sindicatos.
—
Continuidade no trabalho de representantes
de bairros.
—
Assessoria a grupos ou entidades do interior.
1.
Atividades realizadas
a)
Atendimento no plantão a 620 casos,
sendo os principais problemas:
—
Questões trabalhistas.
—
Problemas de Terra.
—
Problemas familiares.
b)
Acompanhamentos:
—
Triângulo Novo; Cidade Nova; Terminal
da Cadeia Velha; Campo Esperança;
Comissão de Direitos Humanos
do Quinari (Reuniões); Associação
Empregadas Domésticas; Orientação
para a criação da Associação
dos Trabalhadores da Construção
Civil de Boca do Acre.
2.
Treinamentos dos Direitos Humanos
—
31 de julho a 1º de agosto —
Direitos Individuais — Movimentos
populares e partidos políticos.
—
19/setembro O Poder no Brasil e Eleições.
—
11-12/dezembro/82 — Participação
no curso de análise da realidade
(1º ano).
3.
Assessoria Jurídica
—
Posseiros de Xapuri, soltura de pessoas
que se encontravam presas há vários
meses sem processo (Brasiléia).
—
Processo do Chico Mendes.
4.
Divulgação e outras lutas
Vigília
em favor dos presos do Araguaia.
Participação
na concentração dos trabalhadores
no 1º de maio.
Participação
no comitê de apoio aos professores
em greve — abril/82.
Caminhada
— Primeiro ano da morte de João
Eduardo.
Denúncia,
a nível nacional, do caso de Pedro
Marques (atentado)
Solidariedade
aos jornalistas da «Gazeta»
(LSN).
Solidariedade
— Greve de professores e garis. Rio
Branco, 29 de novembro de 1982.
^
Subir
1982
| 1983
| 1984
| 1986
| 1988
| 1990
| 1992
| 1994
| 1996
1998
| 2000
| 2002
| 2004
| 2006
| 2008
| 2010
| 2112 |