História
dos Direitos Humanos no Brasil
Encontros
Nacionais do MNDH
Movimento
Nacional de Direitos Humanos
1982
| 1983
| 1984
| 1986
| 1988
| 1990
| 1992
| 1994
| 1996
1998
| 2000
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| 2004
| 2006
| 2008
| 2010
| 2112
1983
II
Encontro Nacional de Direitos Humanos do
MNDH
1983, Taboão da Serra-SP
RELATÓRIO
GERAL DO II ENCONTRO
1.
DANDO SEQUÊNCIA I ENCONTRO
Num
primeiro momento cumpre-nos assinalar que
o SIN (Serviço de lntercâmbio
Nacional), procurando atender as determinações
do 1º Encontro, exerceu papel preponderante
na articulação entre as diversas
entidades de Defesa dos Direitos Humanos.
Essa articulação se deu mediante
troca de correspondência com o objetivo
de denunciar situações de
injustiça, divulgar os trabalhos
e lutas desenvolvidos em função
do povo e de sua libertação,
bem como incentivar a participação
de novas entidades nesse projeto comum de
defesa dos direitos dos empobrecidos.
Essa comunicação assumiu
três formas distintas de acordo com
o assunto em questão:
a)
Memorandos — Consiste no pedido de
apoio e solidariedade através de
pressão às autoridades competentes.
Foram expedidos vinte e sete.
b)
Circulares — Trata-se da divulgação
de atividades que visam conscientizar o
povo, tais como cursos, palestras, atos
públicos, celebrações
ou qualquer outra espécie de manifestação
popular, bem como de material que sirva
de subsídios para grupos de reflexão
cartilhas, círculos bíblicos
informativos e jornais.
c)
Cartas de incentivo — Têm como
objetivo: motivar o surgimento de novas
entidades de Defesa dos Direitos dos
mais fracos; motivar a participação
de novas entidades nos Regionais constituídos
no 1º Encontro: motivar as entidades
que compõem os diversos Regionais
a se encontrarem para estudo da realidade
local e consequente definição
das prioridades de trabalho, bem como aprofundamento
acerca do papel do Regional para uma
melhor agilização entre as
diversas entidades.
Após
o Encontro de Petrópolis notou-se
entusiasmo e empenho por parte das
entidades no sentido de levar em frente
os propósitos ai assumidos,
o que possibilitou um crescimento constante
de novas adesões, reforçando
assim, a caminhada iniciada. Se naquela
época integravam o SIN trinta e três
entidades, hoje a remessa de correspondência
expedida por aquele Serviço atinge
a casa de 140 unidades. 64 entidades participantes
do II Encontro em São Paulo, outras
impossibilitadas de comparecer e um numero
cada vez maior de pessoas e autoridades
eclesiásticas interessadas na
criação de Centros de Defesa
dos Direitos Humanos.
Num
segundo momento faz-se oportuna uma breve
apreciação acerca do trabalho
desenvolvido pelos Regionais formados no
1º Encontro. Foram inúmeras
as dificuldades enfrentadas ao longo dessa
primeira etapa da caminhada (1982) inexperiência
de um trabalho articulado ao nível
nacional; impossibilidade de encontros regionais
frequentes face às grandes distâncias
entre as várias entidades; a concentração
de forças em função
das eleições diretas de 15
de novembro p.p. bem como a participação
na política partidária
de leigos ligados ao movimento popular;
o acirramento dos conflitos sociais em todas
as regiões do território nacional
devido a uma política excludente
exigiu das várias entidades presença
atuante na defesa dos direitos dos aviltados,
dificultando assim contatos sistemáticos
entre os grupos.
Apesar
das dificuldades acima mencionadas, alguns
Regionais chegaram a realizar alguns encontros:
Norte e Nordeste – um encontro cada
um; o Setor Rio de Janeiro do Regional Leste
– cinco encontros.
2.
PREPARANDO O II ENCONTRO
Na
fase preparatória houve vários
contatos entre o SIN e os responsáveis
de São Paulo pela organização
de tal evento. Elencamos a seguir as decisões
mais importantes:
a)
Distribuição de atribuições
— Comissão Arquidiocesana
de Direitos Humanos e Marginalizados
de São Paulo: local para o Encontro,
hospedagem, recepção e infra-estrutura
que possibilite um bom andamento para
os trabalhos, incluindo a parte financeira.
—
Institutos de Estudos Especiais da PUC de
São Paulo: organização
da proposta de pauta; convite para a participação
do II Encontro e simultânea distribuição
de proposta de pauta a todas as entidades
e pessoas que fazem parte do serviço
de intercâmbio; elaboração
da pauta definitiva levando em conta as
sugestões enviadas pelos participantes
do SIN.
—
Serviço de Intercâmbio Nacional:
lista atualizada dos participantes
do SIN para contatos prévios com
entidades responsáveis pela articulação
dos diversos regionais, lembrando a necessidade
de se realizar encontros que discutissem
o papel dos regionais nessa caminhada de
defesa dos direitos humanos e sugerissem
assuntos para a pauta do encontro nacional;
projetos financeiros junto ás
entidades competentes nesta área
com o objetivo de ajudar as despesas de
viagem dos representantes dos vários
grupos; levantamento) junto ás
entidades contratadas pelo SIN, uma vez
asseguradas as verbas de auxilio, para colher
quais as verdadeiras necessidades de cada
uma nas despesas de locomoção.
b)
Conteúdo — Das contribuições
colhidas pelo SIN e dos estudos feitos sobre
os direitos humanos dentro da atual
realidade brasileira pelo prof. Queiroz
(IE-PUC), foram tirados dois temas prioritários.
Em primeiro lugar, e como tema central «Violência»
acolhendo a proposta da CNBB para a CF/83
«Fraternidade Sim Violência
Não». Seriam analisadas as
situações de violência
nas várias regiões do território
brasileiro. Violência em muitos níveis
e suas diferentes formas. Explícitas
ou implícitas. Enfim, tentar-se-ia
detectar suas causas mais profundas. E esse
seria o trabalho mais demorado, sendo
previsto dois a três dias de encontro.
Um segundo tema seria uma avaliação
das eleições de 15 de novembro
p.p., tendo em vista o trabalho de conscientização
popular já realizado para, a partir
desse estudo crítico, delinear as
principais diretrizes de continuidade
e aprofundamento para uma crescente participação
política.
c)
Objetivos — Além do mais, decidiu-se
que os objetivos mais prioritários
seriam:
—
Dar sequência ao I Encontro.
—
Fazer uma reflexão sobre a prática.
—
Sedimentar o SIN.
—
Favorecer o surgimento de novos Centros
e Grupos.
—
Articulação mais orgânica
ao nível nacional.
—
Possíveis encaminhamentos para a
conjuntura pós-eleitoral.
d)
Dinâmica — Para uma participação
ativa de todas as entidades decidiu-se:
—
O Regional relataria uma experiência
marcante em relação á
violência, ou a práxis policial.
Esta experiência deveria ter sido
discutida pelo Regional com antecedência.
Ademais, focalizaria 005 temas geradores,
nascidos da prática dos grupos, que
devem merecer encaminhamento a nível
nacional.
—
A fim de agilizar os trabalhos, foi pedido
que os Regionais explorassem sua criatividade
neste relato, utilizando jograis, dramatizações,
etc, cuidando para não ultrapassar
15 minutos de apresentação.
—
Dos relatos dos Regionais seria extraído
um panorama dos temas geradores para os
próximos passos.
—
Deveria ser feita uma análise teológica
dos fatos relatados.
Também
seria oportuna e necessária uma análise
sociológica.
—
Por fim se buscaria encaminhamentos a nível
nacional.
e)
Financiamento — O apoio financeiro
para o Encontro seria assim distribuído:
—
A MISEREOR, através de projeto apresentado
por São Paulo, contribuiria para
todas as despesas de instalação
e infra-estrutura do Encontro.
—
A CESE e a AÇÃO QUARESMAL
SUÍÇA, mediante projeto apresentado
pelo SIN, colaboraria com as despesas
de locomoção dos participantes.
3.
O ENCONTRO ACONTECENDO
O
II Encontro Ecumênico de Direitos
Humanos realizou-se no Instituto Paulo VI,
situado no município de Taboão
da Serra-SP.
Durante
quatro dias consecutivos representantes
de Centros de Defesa dos Direitos Humanos,
Comissões Justiça e Paz e
outras entidades que de uma ou outra forma
defendem os direitos dos pequenos, uniram
seus esforços no intuito de aprofundar
sua luta pela justiça. Veiculando
informações, refletindo
sua práxis, ouvindo assessores
capacitados, celebrando a vida, cantando
a libertação, tudo isso num
espirito de fé e alegria na busca
de uma articulação mais eficaz
entre os diversos grupos.
3.1.
Abertura (25-2-83):
a)
O Encontro teve início com uma celebração
litúrgica, inspirada no acontecimento.
ATO
LITÚRGICO
I.
Introdução
Há
um ano nos reunimos para refletir, intercambiar
experiências e buscar diante desse
quadro da sociedade brasileira — que
ameaça sistematicamente a vida
da grande maioria do povo — assumir
o compromisso de gravar, na bandeira dos
Direitos Humanos, através de nossa
ação concreta, as palavras:
SERVIR À VIDA!
As
experiências se multiplicaram, os
organismos e centros de defesa se fortificaram,
porém as dificuldades também
cresceram, dai porque o desafio permanece
e a luta continua!
II.
Saudação e acolhida
Em
nome do Pai, autor da vida; do Filho que
morreu para que todos tenham vida; e do
Espírito Santo que é
a vida em nossas lutas por uma nova sociedade.
Todos Amém.
Of.
— Irmãos, nossa luta pelos
Direitos Humanos, o sangue derramado de
nossos mártires juntamente com a
prática e o sangue de Jesus Cristo
fermenta a nossa união e o nosso
compromisso de construir um mundo fraterno.
Todos
Bendito seja Deus que nos reúne no
amor de Cristo e na memória de nossos
mártires que deram a sua vida
em favor da justiça.
Of.
Vós sois o Libertador dos oprimidos
e o Defensor dos pobres.
Todos
Vós amais a justiça e defendeis
o direito!
III.
Ato Penitencial
01.
— Irmãos nossos, neste instante
da história da América
Latina, estão sendo presos e torturados
em nome da Segurança Nacional. E
nós frequentes vezes calamos e cruzamos
os braços diante do massacre daqueles
que assumem a defesa do oprimido.
Todos
— Ai de mim se eu não disse
a verdade que ouvi!
—
Ai de mim se eu me calar quando Deus me
mandar falar!
Of.
Irmãos nossos, nas cidades e nos
campos da América Latina estão
vendendo sua força de trabalho em
troca de um salário de tome, perseguidos
pelo fantasma do desemprego, que os faz
morrer a cada dia. E nós ás
vezes nos acovardamos não participando
da luta que é de todos.
Todos
Ai de mim se eu não disser a verdade
que ouvi!
Ai
de mim se eu me calar quando Deus me mandar
falar!
Of.
— Deus, Pai e companheiro dos explorados,
tenha compaixão de nossas omissões,
perdoe os nossos comodismos e nos conduza
á vida eterna, fraterna, histórica
e solidária. Amém.
IV.
Liturgia da Palavra
Leitura
do Antigo Testamento — O profeta Isaias
denuncia situações sociais
onde a morte prevalece sobre a vida. Estas
situações continuam existindo
em nossa sociedade dividida em classes,
expressão máxima da violência
contra o homem.
«Ai
de vós, que ajuntais casa com casa
e que acrescentais campo a campo, até
que não haja mais lugar, e que sejais
05 únicos proprietários do
pais. Os meus ouvidos ouviram ainda este
juramento do Senhor dos exércitos:
Grande número de casas, eu o juro,
serão devastadas, grandes e
magnificas herdades ficarão desabitadas>~.
Palavra do Senhor!
Todos
Graças a Deus!
Leitor
— Quem, Senhor, pertencerá
ao vosso povo?
Todos
Somente aqueles que vivem na luta e que
seguem a justiça!
Leitura
do Boa-noticia aos empobrecidos —Dia
a dia tiram a vida do pobre que vive em
condições sub-humanas. Mas
o Reino do Céu será dele.
Aqui e agora, e também amanhã.
Dele na medida em que se organiza, se une
a seus companheiros e faz avançar
a caminhada da Libertação.
«Então,
Ele ergueu os olhos e disse aos seus discípulos
Bem-aventurados
vós que sois pobres, porque vosso
e o Reino de Deus.
Bem-aventurados
vós que agora tendes fome, porque
serão fartos.
Bem—aventurados
vós que agora chorais, porque
vos alegrareis.
Bem-aventurados
sereis quando os homens vos odiarem, vos
expulsarem, vos ultrajarem, e quando
repelirem o vosso nome como infame por causa
do Filho do Homem. Alegrai-vos naquele dia
e exultai porque grande é o vosso
galardão no céu. Era assim
que os pais deles tratavam os profetas.
Palavra do Senhor!»
Todos
Glória a Vós, Senhor!
V.
Credo
Homens
Cremos em Deus Pai, Criador, que fez o mundo
para que nele o homem trabalhasse; vivesse
e construísse uma casa.
Mulheres
— Cremos que, pelo seu trabalho, todo
homem tem direito a um padrão de
vida digno que lhe assegure, entre outras
coisas, moradia, saúde, alimentação,
emprego.
Homens
— Cremos em Jesus Cristo Libertador
de todo egoísmo e do ódio,
que se faz presente na história do
homem; para que vivamos como comunidade
onde a partilha seja expressão do
amor.
Todos
— Cremos que a terra é um dom
de Deus. Cremos que o pão produzido
deve ser repartido. Cremos que a luta do
povo é a expressão maior
da presença do espirito de Deus na
história do povo.
Homens
Cremos que amar a justiça, promovendo
os Direitos Humanos e organizarmos o povo
em sua recuperação, é
a semente de um novo homem e de uma nova
sociedade, sem explorados nem exploradores.
Mulheres
Cremos que a vez e a hora do povo está
chegando, e que vamos vencer, pois a força
de Jesus Ressuscitado, nosso Libertador,
está presente em nosso meio.
Todos
— Cremos na torça do Espirito
Santo que nos ainda a cumprir nossa missão
de fermento na transformação
da América Latina.
Homens
— Cremos que o sangue derramado por
milhares de vitimas da classe trabalhadora
será a semente de uma nova vida que
nunca mais há de ter fim.
Mulheres
— Cremos na união das pessoas
que repartem o mesmo pão e partilham
a mesma vida e assim formam a Igreja que
Cristo inspirou para a concretização
do Reino e felicidade dos homens.
Todos
Eis a nossa fé, eis nosso compromisso,
eis nossa esperança.
VI.
Pedido final e oração comum
O
que é da base e se organiza para
o bem de todos é de Deus. Nasce pequenino
como semente e cresce. Assim é a
luta dos pequeninos. Assim esperamos seja
este II Encontro. Que Deus nos alente e
ilumine nestes dias de busca comum. Rezemos
juntos a oração que Jesus
nos ensinou:
«Pai-nosso...»
*
* *
«No
han muerto! Contra los nuestros nada pueden
los disparos.
En
eI corazón deI pueblo
ellos
vivirán mil aóos.
Y
abora naula de lágrimas!
Puíóos
y pechos blindados!
Y
a pelear como leones
porcíne
ellus no han muerto en vano!»
(Luis
Nielo — Peru)
b)
Acolhida dos participantes
Dando
prosseguimento á programação,
foram proferidas palavras de boas-vindas
aos participantes pelo advogado Firmino
Fecchio, coordenador da Comissão
de Pastoral de Direitos Humanos e Marginalizados
de São Paulo. Eis na integra seu
pronunciamento:
1)
Saudação e agradecimentos
«Grande
é minha satisfação
em saudá-los em nome da CAPDH e M.
e do Centro Santo Dias da Silva. Para mim
é um privilégio e uma alegria
muito grande transmitir-lhes as saudações
da Comissão Organizadora deste encontro
e de D. Paulo Evaristo Arns, Cardeal de
São Paulo.
Não
foi sem uma certa apreensão que recebemos,
ainda no final daquele memorável
encontro de Petrópolis, a indicação
e o convite para sediar e organizar este
II Encontro Nacional. Para a aceitação
do convite, no entanto, muito nos animou
o apoio e o incentivo do nosso Cardeal,
que desde cedi) se empenhou em mobilizar
recursos e meios necessários
para que este encontro, afinal, se tornasse
possível. É para D. Paulo,
pois, nossa primeira palavra de agradecimento.
Nossos
agradecimentos calorosos aos companheiros
de Petrópolis organizadores do 1º
Encontro — que muito nos auxiliaram
durante toda a preparação
deste evento, com sua experiência,
suas sugestões e indicações.
Na pessoa de sua coordenadora — Márcia
Miranda quero apresentar a todo o Grupo
Ação, Justiça e Paz
os agradecimentos de todos nós.
Por
razão de justiça devo nomear
também o
INSTITUTO
DE ESTUDOS ESPECIAIS da PUC, que se responsabilizou
por toda a infra-estrutura administrativa
deste Encontro. Ao Prof. Queiroz. ao Prof.
Mauricio e a todos os amigos do IEE nosso
muito obrigado!
Nossos
agradecimentos ás entidades patrocinadoras
MISEREOR, CESE e Ação Quaresmal
da Suíça —, cuja generosa
ajuda nos possibilitou enfrentar todos os
gastos deste Encontro.
Agradecemos
especialmente também aos nossos amigos
peritos, que atenderam ao nosso convite
e que estarão presentes. ouvindo
pacientemente o relato de nossas experiências
e nos auxiliando a descobrir pistas mais
seguras para uma atuação mais
eficaz.
Agradecer
nominalmente implica sempre no risco de
esquecer alguém. A todos aqueles
que de uma forma ou de outra trabalharam
para que esse encontro fosse possível
e a todos vocês presentes o nosso
muito obrigado!
2)
Objetivos do Encontro
«Acompanhamos
com simpatia e interesse o 1º Encontro
Nacional de Petrópolis — do
qual este pretende ser uma continuação
—. O material e as conclusões
daquele encontro muito nos auxiliaram
na caminhada até aqui. Temos esperança
que 05 trabalhos deste Encontro que se inicia
possam trazer, igualmente, uma contribuição
significativa para o fortalecimento
e continuidade da luta pela defesa dos direitos
daqueles que se encontram á margem
dos canais de participação
e decisão, na sociedade brasileira.
Nós
sabemos que a defesa dos direitos humanos,
antes de ser tema de congressos e conferencias,
tem sido a luta comum, diuturna, das várias
comissões aqui representadas. Este
Encontro pretende ser um momento muito
forte de REFLEXÃO sobre as práticas
das nossas entidades. Todos são
convidados a partilhar as experiências
concretas de atuação de suas
organizações, a questionar
mútua e fraternalmente essas práticas
umas das outras e a ajudar a explicitar
melhor os pontos positivos e negativos dessa
7itiiacão a uivei de sociedade brasileira.
Quando
afirmamos que o objetivo deste Encontro
é uma reflexão sobre a prática,
é óbvio que não estamos
nos referindo, apenas, a uma mera descrição
do que se está fazendo numa comissão
ou num centro de defesa, mas objetivamos,
isto sim, analisar a integração
dessa luta concreta num processo histórico
e numa luta muito mais ampla da sociedade
maior. Temos bem presente a lição
magistral de Luiz A. Gomes de Souza quando
afirma que «é necessário,
pois, que trabalhemos a nível das
práticas e não somente
a nível da narração
de experiências. Estudar uma prática
é mais do que descrever o que se
faz, é dar-lhe um significado e uma
posição num contexto
mais amplo».
Como
já foi informado em nossa circular
n, 1, objetivamos, por outro lado, de alguma
forma, dar sequência aos trabalhos
e conclusões do nosso 1 Encontro
de Petrópolis, sedimentando o serviço
de intercâmbio que lá nasceu
e favorecendo, de maneira mais efetiva,
a intercomunicação mais orgânica,
a nível nacional, dos diversos grupos
de defesa dos Direitos Humanos.
Daqueles
dias inesquecíveis de Petrópolis
até hoje muita coisa aconteceu em
termos de Brasil: a reafirmação
do autoritarismo, em diversas ocasiões;
alguns outros pacotinhos e pacotões;
a condenação dos Padres e
Posseiros do Araguaia; a ida ao FMI; a alteração
da lei salarial, que é o assunto
dos jornais de hoje... E houve as eleições.
E apesar da interferência abusiva
das autoridades políticas, o governo
foi amplamente batido em quase todos os
Estados mais importantes do Pais. Na
Câmara Federal, por exemplo houve
um superavit de 5,5 milhões de votos
oposicionistas. É por tudo isso que
a Comissão Organizadora, ouvindo
sugestões de muita gente, destacou
também como preocupação
deste Encontro a análise do
posicionamento das entidades de defesa dos
Direitos Humanos face agora á nova
conjuntura pós eleitoral, agravada
por esse quadro() econômico-financeiro
terrível por que passa o pais».
c)
Em seguida houve apresentação
das entidades presentes obedecendo
o critério dos Regionais constituídos
no 1 Encontro. Cabem aqui algumas considerações
acerca da natureza dos diversos grupos:
—
Alguns defendem os Direitos Humanos em áreas
especificas Ex.: Movimento de Defesa do
Favelado —. Outros canalizam seus
esforços na defesa de determinada
classe — Ex.: índios —
ou sobre o enfoque de determinado problema
— Ex.: terra.
Alguns
constituem entidades civis devidamente registradas,
sem nenhuma vinculação com
instituições, e, por conseguinte,
autônomas (normalmente é
o caso dos CDDHs). Outros estão vinculados
a Igrejas diversas, permanecendo sob suas
orientações independente de
serem ou não entidades civis registradas.
Elemento
constitutivo da práxis de todas as
entidades é a defesa dos direitos
dos empobrecidos, dos oprimidos, dos
marginalizados, o que revela uma nova compreensão
de Direitos Humanos. Aqui os Direitos Humanos
são olhados a partir do lugar dos
«sem vez e sem voz» da História.
Grupos
presentes e representados
Região
Norte
—
Centro de Defesa dos Direitos Humanos do
Acre.
—
Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos
Humanos.
Região
Nordeste
—
Centro de Defesa dos Direitos Humanos/Assessoria
e Educação Popular –
PB.
Centro
de Defesa dos DHs da Arquidiocese da Paraíba.
—
Comissão de Justiça e Paz
da Arquidiocese de Olinda e Recife.
—
Centro de Defesa e Promoção
dos DHs da Arquidiocese de Fortaleza CE.
—
Comissão Pontifícia Justiça
e Paz — Arquidiocese de Natal
— RN.
—
CESE: Coordenadoria Ecumênica de Serviço
Salvador.
—
Centro de Orientação dos DHs
Guarabira, PB.
Região
Leste 1 (Minas Gerais)
—
Comissão de Defesa dos DHs de Betim
— MG.
—
Comissão de Defesa dos DHs de Santos
Dumont — MG.
—
Comissão Diocesana de «Justiça
e Paz» —Teófilo Otoni
— MG.
—
Centro de Defesa dos DHs — Diocese
de Itabira MG.
—
Comissão dos DHs — Poté
— MG.
—
Comissão Arquidiocesana de DHs —
Belo Horizonte — MG.
Região
Leste 2 (Rio de Janeiro — Juiz de
Fora)
—
Comissão Diocessana de Justiça
e Paz de Nova lguaçu — RJ.
—
Centro de Defesa dos DHs de Duque de Caxias
RJ.
—
Centro de Defesa dos DHs — GAJP de
Petrópolis/RJ.
—
Centro de Defesa dos DHs da Arquidiocese
de Juiz de Fora.
—
Secretariado Pró-Justiça do
Movimento Familiar Cristão.
—
OAB — Seccional do Rio de Janeiro.
—
Anistia Internacional — Grupo 3.
—
Movimento de Reintegração
do Hanseniano.
—
Grupo Movimento Popular de Base de S. João
de Meriti.
Região
Leste 3 (Espírito Santo)
—
Comissão Justiça e Paz de
Vitória.
—
Comissão de Defesa dos DHs de Vitória.
—
Comissão de Direito ã Moradia
— Vitória.
—
Comissão de Defesa dos DHs —
Linhares.
Região
Sul 1 (S. Paulo)
—
Centro de Defesa dos DHs de Campinas.
—
Centro de Defesa dos DHs-Núcleo Boqueirão
— Santos.
—
Centro de Defesa dos DHs da Diocese de Santo
André.
—
Centro de Defesa dos DHs de Lins.
—
Centro de Defesa dos DHs de Itapecerica
da Serra.
—
Centro de Defesa dos DHs de Osasco.
—
Centro de Defesa dos DHs de 5. Miguel Paulista.
—
Centro de Defesa dos DHs do Setor de Interlagos.
—
Centro de Defesa dos DHs de Sapopemba.
—
Centro de Defesa dos DHs do Imirim.
—
Centro de Defesa dos DHs «Carlos Alberto
Pasini».
—
Comitê DHs de Vila Remo.
—
Comissão de Defesa dos DHs de Campo
Lindo.
—
Comissão Regional dos DHs da Lapa.
—
Equipe Regional de DHs de Itaim Paulista.
—
Comitê Cristão de Solidariedade
D. Oscar Romero — J. Minam.
—
Centro Santo Dias de DHs.
—
Centro D. Oscar Romero — Ipiranga.
—
Comissão Arquidiocesana de Pastoral
dos DHs e Marginalizados.
—
Comissão Pastoral de DHs e Marginalizados
da Região Santana.
—
Comissão Justiça e Paz de
S. Paulo.
—
Secretariado Nacional Justiça e Não-Violência.
—
Movimento de Defesa dos Favelados.
—
Grupo União e Consciência Negra.
—
Centro de Pastoral Vergueiro.
—
Universidade Metodista de Piracicaba.
—
União Cristã Brasileira de
Comunicação Social (UCBC).
—
Pastoral de DHs de Osasco.
—
Centro de Defesa dos DHs de Purus.
Região
Sul 2 (PR — SC — RS)
—
Centro de Defesa dos DHs de Joinville.
—
Comissão Justiça e Paz do
Paraná.
—
Movimento de Justiça e DHs de Porto
Alegre.
—
Comissão de DHs da Assembléia
Legislativa — Porto Alegre.
—
Comissão Justiça e Paz de
Florianópolis.
Região
Centro-Oeste
—
Comissão Arquidiocesana Justiça
e Paz de Goiânia.
Comitê
de Defesa dos DHs de Cuiabá.
—
CPT Nacional — Goiânia.
—
CIMI Nacional — Brasília.
3.2.
ATIVIDADES DO 1º DIA — 26-1-83
a)
Reunião dos Regionais — Como
já foi observado acima, os Regionais
enfrentaram muitas dificuldades para
se reunirem. Face a isto, foi proposto
ao plenário que cada Regional tivesse
um tempo para decidir sobre os seguintes
pontos:
—
Escolher um elemento para integrar a coordenação
do Encontro.
—
Escolher um representante para contatos
com a imprensa durante o Encontro.
—
Discutir qual seria a função
dos assessores no Encontro.
—
Avaliar a caminhada dos Direitos Humanos
em 1982.
Refletir
sobre os casos de violência enfrentados
por cada grupo e optar pelo mais significativo
para ser apresentado em plenário.
b)
Plenário — A coordenação
geral do Encontro e a Comissão
para Imprensa foram formadas a partir dos
nomes designados por cada Regional
presente.
—
Acerca da função dos Assessores
houve consenso de que estes deveriam integrar
a Coordenação Geral do
Encontro e acompanhar os trabalhos
da Comissão de Redação.
Em plenário e nos grupos, eles deveriam
acompanhar as discussões, intervindo
quando se fizesse necessário, sistematizando
e orientando para o futuro, sobre os temas
relevantes. Oportunamente poderiam também
fazer exposições teóricas
sobre as colocações feitas,
possibilitando a todos maiores informações.
Enfim, deveriam estar disponíveis
para serem consultados, ajudando a esclarecer
dúvidas. Concluiu-se que, durante
o Encontro, todo trabalho seria de conjunto,
pois cada participante é «perito»
na sua função e no contexto
de sua realidade.
—
No que diz respeito á caminhada de
1982, foram feitas as seguintes considerações:
—
Nordeste — Houve, após o Encontro
de Petrópolis, maior integração
das entidades que lutam pelos Direitos Humanos,
O SIN foi reconhecido como órgão
importante no apoio ás denúncias.
Por causa dessa caminhada aconteceu o 1
Encontro Regional.
—
Leste 1 (MG) — Não houve possibilidade
de articulação do Regional
nem infra-estrutura para responder a todas
as solicitações do SIN. Apesar
disso, várias entidades se integraram
a caminhada graças ao trabalho de
divulgação de alguns grupos
e do SIN.
—
Leste 2 (RJ) — Realizou quatro encontros
regionais, discutindo sobre uma ação
conjunta mais eficaz das entidades participantes.
Questionou-se a ausência nas
reuniões regionais de algumas entidades
que estiveram presentes no 1 Encontro e
que também participavam deste II
Encontro.
Leste
3 (ES) — Observou-se que o SIN foi
bastante positivo, ajudando na divulgação
das diversas lutas. Falou-se do surgimento
da Comissão de Direitos Humanos de
Linhares e de Subcomissões especificas
na Comissão Justiça e Paz
de Vitória.
—
Sul 1 (SP) A articulação regional
não se deu por dificuldades de infra-estrutura
do grupo responsável. Foi realizado
um encontro apenas entre as entidades da
Região Metropolitana da capital.
Reconheceu-se também a importância
do SIN.
Sol
2 (PR — SC — RS) Valorizou o
SIN. Chegou a realizar um encontro regional.
Em
seguida foram apresentados os casos ou situações
significativas de violência das diversas
regiões:
O
Norte/Centro-Oeste (AC, PA, GO, MT, MS)
—
Foi salientado o processo de extermínio
dos índios causado pelo desrespeito
ás suas reservas, com a construção
de estradas e de hidroelétricas.
Essas informações foram fornecidas
pelo representante do CIMI nacional.
Nordeste
— Caso de Camucim, — Camucim
é uma fazenda, onde posseiros vivem
há mais de 51) anos. Ultimamente
a cana-de-açúcar está
tomando conta da Paraíba. Em função
dessa nova produção, o grupo
proprietário das Casas Pernambucanas
comprou 550 hectares de terra, abrangendo
a referida fazenda. Em seguida, expulsaram
os posseiros: houve agressões, queima
de casas, destruição da escola,
3 vezes consecutivas, pela policia. Além
do mais, poluíram o rio local, onde
os posseiros praticam a pesca como meio
de subsistência. Em decorrência
dessas arbitrariedades, os posseiros
resolveram acampar na praça defronte
ao Palácio do Governador, em João
Pessoa, permanecendo ai 25 dias: de 14-12-81
a 14-1-82. O Governo local se pronunciou
afirmando que o problema era do Governo
Federal. Entretanto, garantiu segurança
aos posseiros, o que não foi
cumprido porque surgiram novas agressões
aos posseiros e a suas famílias.
No final do relato ficou clara a existência
de uma solução legal através
da aplicação do Estatuto
da Terra e desapropriação
por interesse social. Entretanto, essa só
virá pela resistência do povo
e pelo apoio da opinião pública.
Leste
1 (MG) — O relato não se deteve
em um caso especifico de violência,
mas foram lembradas algumas situações
significativas: o prefeito pergunta
a uma dona ameaçada de despejo:
—
«Não confia em Deus, minha
senhora?» —Esta responde convicta:
«Eu confio, sim senhor, no Deus de
Jesus Cristo e não no seu..
Outro
questionamento que partiu do povo foi o
seguinte: «Precisamos achar uma solução
para além da justiça, organizando
o povo, porque a justiça é
morosa e sujeita á corrupção».
Leste
2 (Ri) — Foi relatado o caso da Favela
da Viga, munic. de N. Iguaçu, onde
moram 86 famílias, há 20 anos,
com 70% de tuberculosos. O terreno
é um alagadiço que sobrou
de um loteamento. Quando o valão
enche, observa-se 1 metro e meio de água.
Um suposto proprietário incendiou
dois barracos. Foi quando dois moradores
procuraram a CJP. A Comissão visitou
o local no intuito de conhecer cada caso,
cada família, cada morador, e constatou-se
que não havia uma luta organizada
entre eles. Decidiram pela reconstrução
dos barracos destruídos, através
do mutirão. A partir desse mutirão,
o povo começou a se organizar. Mais
tarde, o dono propôs a venda do terreno.
Ai fizeram Assembléia para estudar
a proposta: durante 2 meses debateram a
possibilidade de compra; isso possibilitou
o crescimento da organização
e o inicio de um processo de conscientização.
Apesar de serem cristãos, os vizinhos
julgavam-se melhores que os favelados e
não os aceitavam. Com o passar
do tempo começaram a entender o problema,
se integraram na luta apoiando aquele povo.
Há dias atrás, a compra do
terreno foi efetuada pelo preço proposto
e no momento estão fazendo levantamento
e estabelecimento de critérios para
divisão dos lotes (2 para cada família).
Há um plano de urbanização
do local com apoio de estudantes de engenharia.
Foi observado que nessas lutas é
de suma importância um levantamento
sócio-econômico-cultural, pois
ele revelará os níveis de
saúde, trabalho, escolaridade dos
moradores. Através desse conhecimento
tem-se condições para uma
análise mais profunda da realidade
e consequentemente soluções
legais, baseadas, por exemplo, no Estatuto
da Terra, como a desapropriação
por interesse social. Além do mais
falou-se que algo pode ser realizado mediante
a confiança que o povo depositou
na CJP. Sem credibilidade por parte do povo
não se faz nenhum trabalho. Salientou-se
o apoio do Bispo, não somente neste
caso, mas em todo o trabalho assumido pelo
C)P. Lembrou-se que certas entidades do
Regional «não têm apoio
do seu Bispo, mas... têm o apoio de
Deus e do povo».
Leste
3 (ES) — Informou-se a criação
da Comissão do Direito á Moradia,
com apoio da Comissão Justiça
e Paz de Vitória, devi do aos conflitos
em Rosa da Penha, município de Canacica.
~ que, em 28-12-81, o povo ocupou uma área
neste lugarejo, sendo que cerca de 2.000
pessoas foram despejadas pela policia e
tiveram suas casas queimadas. Lutaram, mas
não conseguiram até o
presente momento a desapropriação
do terreno. Decidiu-se fortalecer o movimento
popular e tentar diálogo com o Governador
do Estado. Este caso já foi divulgado
pelo SIN no seu primeiro contato com as
entidades, após o 1 Encontro, sendo
tema do memorando ,~. 1.
Sul
1 (SP) — Um grupo de mães,
cujos filhos foram vítimas da violência
policial, dramatizaram o seu sofrimento.
Foi lembrado o caso de Osélas, metalúrgico
morto em março de 1982. Ele teve
sua casa assaltada e imediatamente fez queixa
á policia, mas esta recusou qualquer
apoio. Mais tarde, 200 policiais cercaram
sua casa, que foi perfurada com 200 balas.
O tema da dramatização foi:
«A sociedade sempre marginaliza
o pobre».
Sul
2 (PR, SC, RS) — Relatou o caso do
professor e jornalista Juvêncio Mazzarollo,
preso em Piraquara, por denunciar violência
policial, problemas de terra, e corrupção
na Foz do Iguaçu-ltaipí.
Há uma grande preocupação
em ligar a luta jurídica á
mobilização da opinião
pública no intuito de sensibilizar
toda a sociedade local para o problema.
Juvêncio Mazzarollo é autor
do livro «Taipa de Violência»,
que aborda a violência em ltaipu,
e por isso foi enquadrado na LSN. Neste
mesmo nún1ero segue relato detalhado
sobre o caso.
c)
Após apresentação de
cada Regional, a coordenação
do Encontro passou a palavra a Marina Bandeira,
presidente da Comissão Nacional
de Justiça e Paz, que fez algumas
considerações sobre seu trabalho,
elencamos a seguir os pontos mais importantes
de sua fala:
—
Num primeiro momento, Marina recordou que
há tempo está comprometida
com a luta pelos Direitos Humanos. Até
1971 integrou o MEB (Movimento de Educação
de Base).
—
Com referência á origem das
Comissões Justiça e Paz, observou
que a Gaudium (o. 90) solicita uma comissão
em favor dos Direitos Humanos.
—
Em 1976, criou-se oficialmente em Roma a
Comissão Pontifícia Justiça
e Paz, seção brasileira,
que possui características próprias:
é constituída por leigos,
ao contrário das demais existentes
em outros países, compostas por bispos.
Devia também ser integrada por advogados
que defendessem os presos políticos.
No
Brasil, a CNBB é a portadora da Comissão
Pontifícia de Justiça e Paz.
—
A grande extensão do território
brasileiro impôs a criação
de Comissões Regionais (ex.:
São
Paulo, São Luis, Paraná).
A Comissão Nacional é formada
por um membro de cada Regional.
Em
algumas regiões, porém, começaram
a atribuir o nome de Comissão Justiça
e Paz a entidades com objetivos e ideologias
entraditórias. Na Bahia, por exemplo,
para resolver os problemas de violência
existentes na área, uma dita «Comissão
Justiça e Paz» resolveu armar
melhor a policia. Em outro Estado, uma comissão
se propõe ajudar alguns latifundiários
na expulsão de posseiros.
—
Ao narrar tais fatos de conflito ideológico
cota a verdadeira (...) Comissão
Justiça e Paz, Mana quis justificar
tinia atitude cautelosa perante o surgimento
espontâneo de Comissões justiça
e Paz. Ao mesmo tempo afirmou ser objetivo
da Pontifícia Comissão o apoio
aos Centros de Defesa de Direitos Humanos
Ela tem como compromisso incentivar e apoiar
os grupos que surgem naturalmente na base
e sem as extorsões das lutas, cuidando
para preservar os diferentes níveis
de atuação. Finalizando, Marina
reforçou a idéia do apoio
mútuo, comparando missa ao trabalho
dos dedos da mão: todos são
necessários embora diferentes.
d)
A última atividade do dia foi uma
visita ao SESC-Pompéia, local onde
se dava o lançamento do livro
«Anistia>~, documentário
organizado por determinação
do Presidente da Comissão Mista
do Congresso, Senador Teotônio Vilela.
Este lançamento foi promovido pelo
Comitê Brasileiro pela Anistia
em conjunto com a colaboração
de outros organismos que muito lutaram pela
Anistia, ampla, geral e irrestrita. Foi
uma noite bastante significativa para todos
aqueles que lutam pelos direitos da pessoa
humana. Ai estiveram presentes várias
personalidades que muito já contribuíram
para essa causa, entre elas, o próprio
Senador Teotônio Vilela.
3.3.
ATIVIDADES DO 2’> DIA — 27-1-83
a)
Em cima dos relatórios dos Regionais,
apresentados no dia anterior, foram
extraídos os seguintes pontos,
apresentados em painel:
aa)
Constantes nos relatórios:
—
Problemas sobre terra urbana e rural;
—
Questão da violência do Estado;
—
Relacionamento com os poderes públicos;
—
Atuação da Igreja.
ab)
Questionamentos e desafios para aprofundamento:
—
Cooptação dos líderes
pelos políticos (interferência
do populismo);
—
As reuniões com o povo são
muito demoradas;
—
Como assegurar conquistas do povo ao longo
do trabalho?
—
Os títulos de posse devem ser feitos
em condomínios?
—
Problema da violência com presos comuns
e presos políticos (padres franceses,
Juvêncio Mazzarollo); euforia da vitória
da oposição nas eleições.
—
Existe alguma luta organizada contra o desemprego?
—
Existe trabalho defendendo a saúde
e o salário?
—
Questão da discriminação
racial;
—
Necessidade de conjugar movimento popular
com mobilização da opinião
pública.
ac)
Passos Metodológicos:
—
Criar espaço para o próprio
povo fazer: o agente deve apenas assessorar.
—
A importância de um levantamento socio-político-econômico
da situação.
—
Deve-se facilitar o surgimento de uma organização
popular, criando comissões que lutem,
que façam assembléias, que
reivindiquem.
—
Articular a Comissão de Justiça
e Paz.
—
Quando se resolve determinado problema a
organização não pode
se desfazer.
Importância
do SIN em termos de solidariedade e
pressão ás autoridades.
—
Priorizar os trabalhos. Não funcionar
como «Pronto Socorro» que resolve
os problemas sem nenhuma metodologia de
trabalho.
b)
Exposição sobre o Tema Violência
Em
seguida, o sociólogo Paulo Sérgio
Pinheiro, professor da UNICAMP, fez breve
exposição sobre a Violência
na AL. e especialmente no Brasil, no intuito
de fornecer informações que
ajudariam no encaminhamento das questões.
De inicio, ele destacou dois níveis
básicos do problema: Violência
aberta e Violência oculta.
Violência
aberta: nenhum regime foi capaz de aboli-la
nem mesmo com a democratização.
Nunca houve uma preocupação
conjunta por parte de intelectuais, políticos
e mesmo da Igreja acerca tia violência
tísica. Jamais se promoveu um debate
popular sobre o assunto. No Brasil nunca
se colocou essa questão: com a militarização
do Brasil a violência policial é
pacífica. E neste setor também
o Brasil se torna grande: do bloco capitolísta
é o pais onde a policia mais mata.
E num misto de humor, parodiando uma das
conclusões dos Bispos em Puebla,
Paulo Sérgio continua: «A opção
preferencial na polícia é
pelos pobres e pelos negros», e completando,
acrescentou: «Muitas vezes, essa opção
inclui a Igreja e os intelectuais. . .
Violência
oculta: ou, como bem a denominou o expositor,
«Violência Doce».
É
aquela, cujas causas se procura camuflar;
apenas seus efeitos são claramente
perceptíveis. Neste sentido, observa-se
um alto nível de controle da
classe operária: a abertura não
modifica esta situação. Desta
forma, um Ministro (Justiça
011 Trabalho) intervém arbitrariamente
nos sindicatos, e a livre negociação
está sujeita a tribunais militares.
Outros
fatores que agravam a situação
de violência são:
—
A coesão das classes médias
favorecendo a repressão policial,
pois o excesso de divulgação
de roubos e assaltos causa medo e insegurança.
Como reagir face a isso? Devemos olhar a
realidade com um olhar crítico: com
o processo de militarização
da policia percebemos um crescimento
constante e sistemático da violência
—
O efetivo estadual de polícia está
sujeito não ao Governo estadual,
mas ao Comando Militar Regional.
—
A Polícia Militar atrelada ao Governo
Federa 1.
—
Sofisticação do Serviço
Nacional de Investigação
(SNI) : não se extinguiu com a abertura,
mas pelo contrário, continua em processo
de formação de seus quadros
através de escolas competentes. Atualmente
trabalha de maneira discreta, mas eficiente,
acompanhando todos os movimentos populares
e de reivindicação.
—
Os Movimentos de Direitos Humanos não
podem contar com respaldo dos governos de
oposição.
Concluindo,
Paulo Sérgio apontou uma pista para
superação da violência
instituída: «politizar a problemática
na violência levando-a ã Tribuna
Política e transformando-a em questão
da sociedade». Nesse sentido, é
imprescindível perder o preconceito
contra as classes médias, pois nenhuma
mudança se faz apenas com as classes
operárias. Não há
valor no purismo classista. Além
do mais, faz-se necessária uma saudável
atitude de desconfiança frente às
vanguardas. O momento atual requer aprofundamento
e alargamento das lutas e movimentos populares.
c)
A seguir foram formados grupos para refletir
e aprofundar o que foi exposto no painel,
acima referido, à luz das palavras
de Paulo Sérgio.
d)
Plenário — Transcrevemos as
conclusões de cada um dos cinco grupos,
apresentadas em cartazes:
TERRA:
—
Trabalhar com a população
não só em momentos de
conflitos. Conscientização
permanente como medida preventiva. Promover
a organização e mobilização
popular. l~ importante o levantamento
de documentação e da realidade.
—
Assessoria jurídica não deve
resolver todos os problemas sozinha. Deve-se
mobilizar a opinião pública
e os políticos.
—
Fazer valer o «Estatuto da Terra»
— usucapião — através
de campanha ao nível nacional promovida
pelos CDDHs e CJP.
—
Deve-se questionar a especulação
imobiliária.
VlOLÊNClA:
—
Analisar a violência de maneira mais
profunda, procurando detectar suas
causas mais profundas. Dar-se conta
de que existe planejamento sistemático
da repressão.
—
Fazer trabalho constante com as bases, bem
como com as grandes massas através
dos meios de comunicação.
—
Elaborar caderninhos populares sobre os
direitos humanos e distribuí-los
ao povo.
—
Denunciar a violência oculta, presente
em nossa sociedade.
Questionamentos
e desafios: ATUAÇÃO DA IGREJA:
Há
dificuldades nas relações
povo/hierarquia, devido a um trabalho feito
de cima para baixo por parte desta.
—
Os leigos não têm acesso a
projetos financeiros: a Igreja recebe
verbas, mas nem sempre as coloca á
disposição das comunidades,
o que causa várias dificuldades.
—
Há conflitos entre setores da Igreja,
preocupados com a questão dos
direitos humanos, com os setores mais tradicionais.
Passos
Metodológicos:
—
Lembrou-se que a Igreja é o Povo
de Deus:
todos
somos Igreja.
O
leigo deve conquistar seu espaço.
Lutar pela liberdade de expressão
e ação.
—
Fazer revisões constantes sobre a
prática que está se levantando.
—
Fazer avançar os trabalhos já
existentes, como por exemplo: novenas, via-sacra,
reivindicações, etc.
—
Desenvolver novas lideranças nas
CEBs.
GRUPO
II
Constantes
nos relatórios:
TERRA:
Capitalismo
no Campo (agroindústria);
—
Propriedade privada?
—
Não-concretização da
Reforma Agrária;
—
Exploração do trabalho.
—
Violência contra os mais marginalizados
(bóias-frias).
ATUAÇÃO
DA IGREJA:
—
Realiza serviço de suplência
por causa da impossibilidade ou omissão
dos vários sindicatos.
Questionamentos
e desafios:
—
Defasagem entre a teoria dos documentos
da Igreja (Doutrina Social da Igreja) e
a sua prática.
—
A violência deve ser combatida com
a não-violência. Como?
Pontos
que necessitam ser esclarecidos: o conflito
interno na Igreja; a questão da propriedade
privada; Reforma Agrária: como efetuá-la?
O que é prática libertadora
e prática paternalista?
—
Os desafios do mundo do trabalho.
—
O relacionamento dos CDDHs com a Hierarquia
e com as Bases.
—
A questão dos sindicatos assistencialistas.
—
Alguns políticos manipulam as bases.
—
A opção preferencial pelos
pobres por parte da Igreja é uma
retórica?
Passos
Metodológicos:
—
Pontos negativos: quando se toma soluções
individuais; o trabalho paternalista (pronto
socorro) e purista; falta de continuidade
e reflexão acerca das práticas.
—
Algumas pistas: a necessidade de assessoria;
o trabalho da cidade deve procurar se ligar
ao do campo e vice-versa; deve-se aprender
a conviver com os conflitos; procurar
envolver pessoas da classe média;
sensibilizar as demais organizações
populares existentes; socializar os bens
da Igreja.
GRUPO
III
Constantes
nos relatórios:
TERRA:
A
terra é considerada um instrumento
de lucro e não um fim social.
—
Possibilidade do surgimento de uma propriedade
comunitária.
—
Os poderes público e judiciário
estão atrelados á defesa
da propriedade particular.
VIOLÊNCIA:
—
Formação do policial através
de uma filosofia que beneficia e sustenta
o poder dominante.
—
Falta de participação do povo
no poder.
Passos
Metodológicos:
—
Permanência e lufa pela posse da terra.
—
Usar as contradições do sistema
legal inclusive a desobediência
civil.
—
Partir dos fatos para atingir um sentido
mais amplo e profundo da violência.
—
Aperfeiçoar o entrosamento e solidariedade
das entidades a nível nacional —
SIN.
—
Divulgação pela imprensa.
—
União das Igrejas.
—
Promover um dia nacional de repúdio
à violência policial.
—
Buscar formas de apoio junto aos poderes
políticos, jurídicos e outras
entidades específicas, para fortalecer
a luta.
—
Cobrar dos órgãos públicos
as atribuições de sua competência.
GRUPO
IV
Questionamentos
e desafios: cobrança das leis existentes;
definir o papel dos CDDHs; definir o papel
da Igreja; como articular as lutas? Como
concretizar o trabalho de educação
popular?
Passos
Metodológicos: Criação
de CPTs Urbanas? Fortalecimento das
lutas populares.
GRUPO
V
Este
grupo, refletindo sobre as constantes nos
relatórios, questionamentos e desafios
e passos metodológicos para fortalecimento
do movimento popular, se deteve na formulação
das propostas abaixo mencionadas:
LEI
DE SEGURANÇA NACIONAL (LSN):
—
Denunciar objetivos e estratégias
da LSN em reuniões dos CDDHs.
—
Divulgar manifesto do II Encontro pró-revogação
da LSN.
—
Participação dos parlamentares
na luta contra a LSN.
—
Que a Campanha da Fraternidade/83 denuncie
tal lei.
—
Fazer campanha nacional contra esta lei.
—
Promover resistência do trabalhador
ã LSN.
—
Elaborar e divulgar cartilha popular sobre
as consequências práticas desta
lei hoje.
DESEMPREGO
E SALÁRIO:
—
Luta pela manutenção do nível
de emprego. (O ônus da recessão
compete ás empresas).
—
Levantamento estatístico por Estado
do nível de desemprego.
—
Modificação das leis trabalhistas,
visando inclusive a estabilidade no emprego.
—
Campanha de esclarecimento sobre os direitos
do trabalhador: greve, seguro em caso de
desemprego, etc.
—
Campanha pró-efetivação
do salário do desempregado.
VIOLÊNCIA
POLICIAL:
—
Criação de associações
de familiares e amigos de presos, assassinados
e desaparecidos.
—
Pressão junto à procuradoria
da Justiça (promotores públicos).
—
Jornada nacional de reflexão sobre
a violência policial.
—
Reproduzir e multiplicar o folheto «Como
combater a violência policial».
—
Elaborar e divulgar modelos de ~<Habeas
Corpos» populares.
MEIOS
DE COMUNICAÇÃO SOCIAL (MCS):
—
A UCBC deve criar folhetos populares denunciando
programas que incentivam a violência
policial.
—
Publicação e divulgação
intensa de Edições Especiais
de pequenos jornais (Imprensa Alternativa)
que denunciem fatos distorcidos pela grande
Imprensa (do Sistema).
TERRA:
—
Promover união entre as organizações
do campo e da cidade.
—
Fazer publicações apontando
os motivos da cobiça á terra.
—
Denunciar e fazer pressão sobre os
poderes públicos para efetuarem desapropriação
pelo valor venal.
—
Formação de: Associações
de bairro; Comissões de direito
á moradia; Grupos unidos para invasões.
Organizar
encontros conjuntos entre os grupos
do campo com os da cidade.
MULHER:
—
Lutar para que as creches sejam coordenadas
por mães.
—
Fomentar o movimento feminino na cidade
e no campo.
Organizar
trabalho junto às prostitutas. Elaborar
e divulgar cartilhas sobre o tema
«A
mulher e o trabalho», que aborde os
direitos trabalhistas da mesma.
—
Criar condições para uma maior
participação da mulher
na Igreja.
NEGRO:
—
Que se crie espaço para os Movimentos
de União e Consciência Negra
se reunirem e organizarem.
Procurar
desmistificar a discriminação
e os preconceitos raciais.
—
Apoiar e ajudar na articulação
do Movimento de União e Consciência
Negra.
IGREJA:
—
Promover o Ecumenismo: união das
Igrejas em torno da problemática
dos Direitos Humanos.
Formar
comissões que exijam pronunciamento
das autoridades eclesiásticas frente
a casos de desrespeitos aos Direitos Humanos,
mesmo contra elementos ligados à
religião.
Elaborar
moção de solidariedade a Frei
Leonardo Boff devido ás perseguições
sofridas por ele.
—
Conduzir bispos e pastores às áreas
de conflito para um contato direto
com os problemas.
—
É importante ser político
e tático nas lutas. Caso contrário,
pode-se provocar um suicídio dos
grupos.
—
Promover e fortificar organizações
populares.
—
Cooptação do trabalho da Igreja
por entidades ou agremiações
políticas.
Após
o plenário, o teólogo Frei
Leonardo Boff, prof. no Instituto Filosófico-Teológico
Franciscano de Petrópolis, teceu
algumas considerações sobre
a articulação Fé e
Igreja, com o objetivo de elucidar os questionamentos
trazidos ao plenário pelos grupos.
Suas palavras possibilitaram um aprofundamento
teórico que ajuda na definição
das linhas de trabalho além de fornecer
pistas para uma práxis eficaz.
Ele dividiu sua reflexão em
três momentos distintos, a saber:
1) Momento de espiritualidade; 2) Momento
teológico; 3) Momento pastoral.
Momento
de Espiritualidade: refere-se ao encontro
do homem com Deus. Mas é importante
ressaltar: espiritualidade não se
identifica com elevações espirituais.
Espiritualidade antes de mais nada, está
ligada ao Espírito Santo como a força
de Deus na história, O lugar privilegiado
e infalível para encontrar Deus é
o empobrecido e o marginalizado, O próprio
Deus se fez Servo Sofredor. Deste modo,
não é só a Eucaristia
o lugar primordial de Deus: os sacramentos
são simbólicos. A realidade
é que deve nos falar em primeiro
lugar, pois ela tem a ver diretamente com
Deus, O pobre é, pois, o grande sacramento
da Igreja; é o único sacramento
que traz a salvação,
segundo MT 25. Além do mais, a prática
de Jesus se ordena para o encontro com o
pobre. Não com o pobre numa forma
contemplativa, aquele que vive numa pobreza
meramente «espiritual»,
mas com o pobre que grita por pão.
Deus está do lado do pobre. Muito
mais: Deus está no pobre. Ademais,
é importante assinalar que atrás
de cada grupo humano há uma inspiração,
algo que move e que dá força
ao grupo para continuar caminhando, apesar
das dificuldades e riscos.
Momento
teológico: refere-se á missão
da representante de Deus no mundo:
a Igreja. Sua missão não é
exclusivamente religiosa, mas evangelizadora.
Isto significa dizer que a missão
da Igreja extrapola o espaço religioso
e atinge o campo social. Evangelização
não se reduz à dimensão
do culto, mas atinge o mundo do trabalho,
a infra-estrutura da vida humana no que
se refere ás suas necessidades básicas.
Evangelização tem a ver
com o que produz o sentido da vida e não
só o seu desfrute. Nos Evangelhos,
Jesus fala da infra-estrutura da vida e
em seguida promete libertação.
Neste sentido é que o seu discurso
aponta para a prática e não
para a teoria. A Boa-Nova que Ele anuncia
não é um discurso, mas é
algo que produz a boa realidade, que
recupera a vida e que salva. Assim, podemos
falar de amor ao outro e a Deus sempre
quando procuramos resolver os problemas
de infra-estrutura. Por isso, a missão
dos CDDHs e Comissões Justiça
e Paz é defender os direitos dos
empobrecidos, criando condições
básicas para a vida humana. Trata-se
de lutar, em primeiro lugar, pela sobrevivência
dos mais fracos e não tanto pela
liberdade de expressão ou outros
direitos dessa natureza identificados como
direitos burgueses. Os direitos dos empobrecidos
é elemento essencial na missão
da Igreja porque Jesus colocou os pobres
no centro de sua missão evangelizadora.
Devemos perguntar, portanto, qual o Deus
que está servindo e pregando? Que
rosto de Deus veneramos? O pobre. o marginalizado,
ou o ídolo, um falso deus? Já
Paulo VI afirmava que se destruímos
e violamos o rosto humano não temos
acesso ao rosto de Deus.
Momento
pastoral: está relacionado ao serviço
da Igreja. Seu papel é servir o homem,
independentemente da religião
ou raça. A Igreja não existe
para servir a si mesma ou a seus interesses
corporativos. Na defesa dos direitos dos
empobrecidos, a lgreja serve a todos, ao
ser humano sem se importar com seus conhecimentos.
Ela não deve visar unicamente seus
membros, mas todo homem e o homem todo,
Isto pertence a missão cristã
de serviço ao mundo conforme a prática
de Jesus. Nunca na história a instituição
hierárquica assumiu o caráter
profético de sua missa() de maneira
tão radical como vem assumindo na
América Latina e no Brasil. Não
se pode desconhecer que a instituição
tende a ser por si mesma conservadora. Apesar
disso e de suas contradições,
percebemos que a Igreja assome cada vez
mais gestos proféticos em nosso continente
sofrido e explorado, deslocando-se mais
e mais do centro para a periferia.
Em
seguida, o cientista político Ivo
Lesbaupia, também convidado para
assessorar os trabalhos, dirigiu algumas
palavras aos presentes, procurando
reforçar alguns pontos já
acenados em plenário. Ei-los:
—
O Sistema Capitalista acentua os direitos
humanos c mo direitos individuais; ele favorece
a centralização dos bens de
produção nas mãos de
uma minoria. Por isso, na propriedade privada
está a raiz de todos os problemas
sociais: dela decorrem todos os outros desequilíbrios
sociais. O sistema defende o indivíduo
e não o coletivo. Apesar disso, na
América Latina tem-se criado um novo
conceito de Direitos Humanos: estes significam
direitos dos empobrecidos. Os grupos e comissões
(levem se preocupar em defender os direitos
dos mais fracos e explorados: aqueles com
a sociedade abandonou. O nosso papel é
criar conduções para que o
povo se conscientize e se organize na luta
pelos seus direitos. As lutas por terra,
emprego, salário e muitas outras
dessa natureza é que definem os Direitos
Humanos.
f)
Filme sobre “El Salvador”
Antes
que se dessem por encerradas as atividades
do dia, a coordenação do Encontro,
no intuito de enriquecer as reflexões
feitas, projetou filme sobre a situação
de El Salvador. Todos tiveram oportunidade
de perceber a que ponto chegou a violência
naquele pais: torturas, perseguições,
crimes, formam hoje o grande retrato da
nação. O povo sofre na pele
as consequências de uma ditadura absurda,
inimaginável, iníqua na sua
raiz. Neste filme está também
documentado o martírio do nosso profeta-mor,
D. Oscar Romero, que tanto soube defender
os pequenos. Um filme de violência,
de sofrimento, de sangue; um filme da luta,
mas sobretudo da esperança de um
povo.
3.4.
ATIVIDADES DO 39 DIA — 28-1-83
a)
Iniciando o dia, Frei Leonardo Boff fez
breve exposição sobre a Igreja
dentro do mundo capitalista, abordando os
seguintes pontos:
—
Justiça dentro da sociedade.
De
inicio, o expositor comparou a sociedade
capitalista a uma árvore: as raízes,
responsáveis pelo sustento e alimentação
da mesma, equiva1cm as trabalhadores,
sustentáculo da economia capitalista;
o tronco, veiculador da seiva vital,
foi
comparado à classe capitalista, elemento
constitutivo, imprescindível
na existência do referido sistema;
por fim, os galhos e as folhas, gerados
pela força das raízes e do
tronco, simbolizam os intelectuais, cientistas
e técnicos. ~ neste contexto
que se situa a Igreja. Ela perpassa todos
os estratos da sociedade, o que foi confirmado
pelo Vaticano II quando declarou que a Igreja
se encontra dentro do mundo, uma Igreja
no mundo e não vice-versa. Assim,
as práticas da Igreja só poderão
ser entendidas desde que articuladas
com as práticas do mundo que a envolve.
Não é de estranhar se nos
próximos anos menos e menos se venha
a ouvir, a nível oficial da Igreja,
o discurso dos direitos humanos. Isso como
reflexo da atitude dos governos que vão
se fechando cada vez mais.
A
Igreja participa da «convulsão»
social. Unidade, pois, no sentido de
discurso e de prática deve atravessar
essa ruptura. O conflito é inerente
ao social e a Igreja, que participa desse
social, não pode estar imune a ele.
Como
se posicionam os modelos de Igreja face
ao poder.
Deparamos
com duas atitudes. A partir do Vat. II,
a Igreja se harmonizou com a sociedade,
modernizando seus hábitos. Em decorrência
disto ela se aproximou daqueles que detêm
o saber e o poder. Entretanto, em relação
aos pobres manteve sua atitude paternalista.
Com
Medellin e Puebla surge uma nova postura
da Igreja em relação aos pobres:
uma atitude libertadora que consiste
em reconhecer a força histórica
dos oprimidos.
Quando
a Igreja na América Latina faz opção
pelos pobres, isto significa que ela não
só está disposta, mas se compromete
a devolver ao pobre a força de ele
se libertar, o que implica participação
nas decisões.
Conjuntura
de Igreja.
Existe
uma versão oficial que supõe
a volta á grande disciplina. Aqui
a referência básica é
o
Vaticano II. Há dois modos de se
ler os documentos. O primeiro é
o dos que têm o Vaticano II à
frente dos olhos e o vêem como ponto
de chegada. Esta postura esconde a realidade
porque só vê o texto. O segundo
modo é o de quem digeriu o texto
e já o tem na cabeça. Este
olha para a realidade e se deixa iluminar
pelo Vaticano II. Para este, o Vaticano
II é um ponto de partida.
Quanto
às grandes preocupações
de João Paulo II, notam-se quatro
diretrizes: 1) Consolidação
do corpo sacerdotal: necessidade de mais
padres; ele não se orienta, apesar
de não atacar diretamente, a
partir das novas perspectivas nascidas da
fé do povo. 2) Doutrina segura: baseando-a
no Vaticano II (não mais em Santo
Tomás) para conseguir maior coesão
do corpo sacerdotal. 3) Forte disciplina
no aparelho eclesial: uso do hábito
religioso, separação entre
Igreja e mundo, necessidade de sinais
cristãos visíveis fisicamente.
Como polonês, assume o hábito
como elemento subversivo frente ao
governo comunista; mas não se dá
conta de que aqui o hábito pode significar
outra coisa, e até provocar riso.
4) Apóia-se no conservadorismo secular
do nosso povo que não teve condição
de assimilar o Vaticano II, e até
sentiu-se agredido porque lhe tiraram
seus símbolos, os seus santos. .
Quanto
a este quarto ponto é preciso ter
em mente que esse ideário também
pode ganhar nova perspectiva: os santos
estão vivos, conosco, e a exemplo
deles, temos de lutar para transformar este
mundo, para fazer vingarem as sementes
do Reino nesta terra dos homens.
Em
Medellin e Puebla, a Igreja na América
Latina redescobre o submundo dos oprimidos.
E aqui se dá conta de que não
basta unir fé e vida, mas é
preciso também unir mística
e política. Au buscar ver o mundo
a partir do oprimido, a Igreja percebe que
tem de se compor com o movimento popular,
porque o movimento popular tem o sentido
profético do futuro.
b)
Dando seqüência aos trabalhos
do Encontro, o plenário aprovou
a proposta da coordenação
de se refletir em grupos os seguintes assuntos:
—
Objetivos e prioridades dos CDDHS e CJP.
—
Em que questões atuam e como?
—
Como estão estruturados?
—
Relacionamento com a Igreja local e outras
entidades.
c)
Plenário — Após longo
debate nos pequenos grupos, foram expostas
em plenário as conclusões
referentes aos assuntos acima citados. Transcrevemos
abaixo as contribuições de
cada grupo:
Objetivos
das entidades:
—
Opção pelos pobres e marginalizados;
pressão para a transformação
social; assessoramento a outras entidades,
como por exemplo Grupos de Uniún
e Consciência Negra; evangelização
dos índios procurando respeitar sua
cultura; engajamento no trabalho junto
ás bases para organização
e luta popular; ação contra
a violência policial (torturas); pressionar
os setores tradicionais da Igreja sensibilizando-os
para a situação de miséria
do povo brasileiro; denunciar todas as situações
de injustiça no intuito de provocar
a sua superação e criar condições
para que o povo se conscientize; politizar
as questões sociais; buscar um socialismo
que resolva os problemas básicos
do povo e possibilite maior fraternidade
entre os homens.
Prioridade
de ação:
—
Lota pelo solo tírl9ano, saúde,
transporte, trabalho, etc.; luta contra
a discriminação racial; lota
em favor dos trabalhadores nas cansas trabalhistas;
promover intercâmbio entre as entidades;
pressionar órgãos públicos
inoperantes para que cumpram soas funções
em beneficio do povo chiando este sofrer
violação dos seus direitos;
criar novos CDDHs e apoiar os já
existentes sobretudo nas áreas de
grandes conflitos sociais; dar preferência
aos casos mais urgentes de violação
dos direitos; buscar ação
conjunta com a Igreja, auxiliando-a quando
necessário for; educação
popular, assessoramento jurídico
e demais praticas que favoreçam a
conscientização das sociedades
envolventes.
Em
que questões atuar:
—
Nas violações dos direitos
humanos, sobretudo dos mais fracos,
dos oprimidos, dos marginalizados,
daqueles que não têm voz nem
vez; nos casos ou situações
de injustiça; nos casos de violência
policial.
—
Denunciando; incentivando as lideranças
populares; aprofundando o relacionamento
e o aprendizado mútuo com o povo
oprimido; participando de atos públicos;
organizando debates e cursos; apoiando reivindicações
populares; criando condições
para um trabalho de educação
política; organizando a documentação
das lutas do povo: a memória popular;
fiscalizando leis discriminatórias;
posicionando-se contra torturas abertas
ou veladas; elaborando cartilhas que recuperem
a verdadeira história; criando plantões
de atendimento; formando comissões
especificas para os diversos níveis
de luta; oferecendo assessoramento;
recolhendo e elaborando subsídios
para reflexão dos grupos.
Como
está estruturado?
Constatou-se
que cada grupo possui características
próprias de acordo com a realidade
social e eclesial em que estão inseridos:
—
Grupos ligados ao Regional da CNBB e referendados
ao Bispo competente; grupos diocesanos
ligados ao Bispo local; grupos ligados á
Pastoral de uma paróquia; grupos
registrados em cartório como entidades
civis gozando de autonomia, mas com um certo
relacionamento com a Igreja local; grupos
desvinculados de qualquer credo religioso;
grupos pertencentes a organizações
de caráter internacional; grupos
ecumênicos ou ligados apenas a uma
Igreja; grupos formados por técnicos
(advogados> ou por voluntários
(leigos e religiosos); grupos que remuneram
ou não seus participantes; grupos
que possuem ou não sede própria;
grupos que recebem ou não apoio
financeiro do estrangeiro; grupos formados
por núcleos de base, núcleos
regionais, e núcleo nacional.
Relacionamento
com a Igreja local e outras entidades
Pelo
fato desta questão ter sido acenada
nos pontos anteriores, o plenário
não viu sentido em abordá-la
novamente.
d)
Na sexta-feira à tarde, o plenário
teve ocasião de manifestar-se
sobre a conjuntura atual, sendo levantadas
as seguintes considerações:
A
nível de Igreja: á Igreja
caberá continuar pronunciando-se
profeticamente a partir do povo;
—
manifestar-se com relação
ao nível de desemprego, para
que não aumente.
Crise
econômica: as soluções
á vista continuam sendo a serviço
do capital; — as conseqüências
sobre as classes populares são arrocho
salarial, desemprego, controle e repressão
maior.
Situação
política: os governos de oposição
vão ter dificuldades: a linha de
ação do governo federal
já foi desencadeada: mudança
dos comandantes do exército
nos Estados de oposição, tentativa
de controlar e reduzir os movimentos populares,
êxito do governo federal na política
de informação, investindo
maciçamente na imprensa do interior
e utilizando a Rede Globo para obter um
consenso nacional. Serve-se também
das agências tradicionais (jornal
do Brasil, Globo, Estado de São Paulo
e Eolha de São Paulo) que fornecem
notícias para os jornais do interior,
e de outras particulares como a da TFP,
e do Grupo Convívio e ainda a Agência
Brasileira de Notícias.
Em
termos de Rio de Janeiro, o principal obstáculo
é o governo federal: retirou do Banerj
todo o dinheiro das estatais. Além
disso, Brizola é paulista, auto-suficiente:
orientou seus partidários não
eleitos a formarem associações
de bairro. Estarão eles dispostos
a somar com as associações
de moradores em vez de voltar-se contra
elas?
—
Nenhum movimento popular, até agora,
foi além de reivindicações
imediatas.
—
Está havendo cooptação
de pessoas engajadas no trabalho de
base para integrar os quadros dos governos
de oposição ou colaborar com
eles: isso não acabará esvaziando
a organização de base?
—
O Brasil é um grande projeto dos
EUA; a queda do Brasil tem peso internacional;
assim, talvez o Brasil não chegue
a quebrar, mas certamente sofrerá
uma interferência mais direta.
Possivelmente
entre março e junho, o governo
reconhecerá sua incapacidade de pegar
a divida: isso acarretará represálias
no plano econômico, determinando
uma redução nas importações
e exportações, desembocando
em aumento do desemprego.
O
operário, perdendo o emprego e recuando,
vai-se desmobilizando; isso poderá
desencadear o protesto do desespero,
até violento —diante dessa
perspectiva o governo poderá estar
se preparando para maior repressão.
—
Diante de reivindicações populares
desencontradas, a opinião publica
poderá ver-se sem alternativas; isso
acrescido da corrupção a nível
de governo pode estar preparando o terreno
para um golpe de direita, porque provavelmente
os governos de oposição não
terão condições de
saírem-se melhor que os da situação.
Diante
desse quadro, com o povo se mantendo
apenas a nível de sobrevivência,
qual a estratégia para as lutas desse
povo, apesar de tudo, avançarem?
e)
Exposição e debate sobre o
SERVIÇO DE INTERCÂMBIO NACIONAL
— SIN
—
Entidade responsável pelo SIN e suas
atribuições
De
acordo com sugestão aprovada durante
o 1 Encontro (ct. Documento referente ao
SIN, no final deste relatório), segundo
a qual os organizadores do Encontro
se incumbiriam do SIN até o Encontro
seguinte; com a organização
do
II
Encontro, a Comissão Arquidiocesana
de Pastoral dos Direitos Humanos e Marginalizados,
por conseguinte, ficaria com o encargo do
SIN. São Paulo, entretanto, não
aceitou essa tarefa, justificando falta
de infra-estrutura. Aliás, foi também
essa a justificativa de todas as entidades
convidadas. Apesar de se levar em consideração
as dificuldades expostas por Petrópolis,
o pIenário sugeriu que o GAJP continuasse
por mais um ano á frente do SIN.
Até porque seria mais fácil
para esse grupo em vista de toda uma experiência
adquirida. Petrópolis aceitou a sugestão
estabelecendo duas condições,
aprovadas por todos os presentes. Em primeiro
lugar, estavam descartadas quaisquer
propostas de continuação
desse serviço após o III Encontro
— o prazo máximo estabelecido
para uma mesma entidade foi de 2 anos. Em
segundo lugar que os Regionais assumissem
de maneira mais radical as suas responsabilidades
apoiando de modo mais efetivo o SIN.
Quanto
ás atribuições, além
da responsabilidade administrativa do serviço
de intercâmbio, enquanto troca
de informações, foi também
aprovado em plenário o poder de representatividade
do SIN. Dessa forma, o GAJP enquanto responsável
pelo SIN, passa a ter função
representativa em alguns casos e ocasiões
de maior repercussão e urgência
(ex.: no julgamento dos padres franceses,
etc. . .), podendo delegar essa presença
a uma outra entidade do SIN mais próxima
do local em questão.
Provisoriamente,
para efeito de representar todos os participantes
do intercâmbio, em eventos de significação
nacional, convencionou-se denominar
este movimento de «Conselho Ecumênico
de Entidades de Defesa dos Direitos Humanos».
Regionais:
Função e critério de
divisão
Quanto
á função, ficou estabelecido
que, em suas respectivas regiões,
a entidade responsável pelo regional
teria as mesmas responsabilidades do SIN.
No que se refere à divisão,
manteve-se o critério geo-econômico
já em vigor. Segue abaixo a relação
da nova distribuição dos regionais
e seus responsáveis:
NORTE
(AC, PA, MA, RO): Centro de Defesa dos Direitos
Humanos do Acre;
NORDESTE
(CE, RN. PB, PE, BA): CNBB/ NE-Il —
Centro de Defesa dos DHs;
LESTE
1 (MG): Comissão Arquidiocesana de
Direitos Humanos;
LESTE
11 (ES): Comissão Justiça
e Paz de Vitória;
LESTE
III (RJ): Comissão Diocesana de Justiça
e Paz de Nova Iguaçu;
SUL
1 (SP): Centro de Defesa dos Direitos Humanos
de Osasco;
SUL
II (PR, SC, RS): Centro de Defesa dos Direitos
Humanos de Joinville;
CENTRO-OESTE
(GO, MS): Comissão Justiça
e Paz de Goiânia.
Metodologia
de trabalho
Todo
o processo de comunicação
desenvolvido pelo SIN durante o período
de 1982 foi mantido por ser o mais viável
e mais rápido. Entretanto, pequenas
modificações foram introduzidas
com o objetivo de agilizar as informações
e diminuir a sobrecarga da entidade central.
Assim, por exemplo, nos casos de muita urgência,
foi sugerido que o grupo solicitante de
apoio enviasse a correspondência diretamente
aos participantes do SIN e que este fosse
apenas notificado por causa da documentação.
Também em casos de divulgação
de material ficou a possibilidade de contato
direto entre as entidades ou através
dos regionais.
Para
melhor avaliação da participação
dos grupos nas respostas aos apelos
recebidos, os participantes do li Encontros
se comprometeram a enviar para o SIN cópias
ou avisos das medidas tomadas.
Com
o objetivo de facilitar a luta na defesa
dos direitos dos oprimidos, o representante
da CESE (Coordenadoria Ecumênica de
Serviço) assumi o compromisso de
apoiar financeiramente, mediante um
projeto, o SIN. Na medida de suas necessidades,
os regionais poderiam contar com essa ajuda
para organizarem seus encontros, e
o SIN para as despesas de comunicação
e para a fase de organização
do III Encontro.
Articulação
com, outros movimentos e organizações
que defendem os Direitos Humanos em áreas
especificas.
No
intuito de se discutir esse problema foi
feita uma reunião com representantes
do SIN-GAJP e dos movimentos que atuam em
área especifica presentes no II Encontro
(dM1, CPT, Movimento de Defesa dos Favelados,
Secretariado de Justiça e Não-Violência,
MORHAN, Grupo União e Consciência
Negra, UCBC e Anistia Internacional).
Acreditamos que os questionamentos e as
questões ai levantados são
de grande importância para o avanço
das lutas pelos Direitos Humanos no Brasil.
Todos viam a necessidade de maior união
e apoio nas lutas para maior força
e divulgação. Em conseqüência
das considerações feitas,
resolveu-se o seguinte:
—
que para os Encontros Nacionais de cada
um dos movimentos ai representados seriam
convidados um ou dois representantes
dos demais movimentos na qualidade de observadores;
—
que para os Encontros Regionais dos respectivos
movimentos seria possível convidar
representantes dos Regionais dos demais
grupos;
—
que no caso de correspondência, o
grupo remetente a enviaria não para
todas as entidades dos demais movimentos
mas apenas para os judeus nacional e regionais
desses movimentos;
—
que para obter soluções de
acordo com as necessidades de cada movimento
o SIN elaboraria um questionário
e o enviaria aos seus núcleos centrais;
—
que cada um dos movimentos de área
especifica dentro de suas caminhadas
procuraria aprofundar a luta mais ampla
pelos Direitos Humanos de todos os
oprimidos e marginalizados.
f)
Deliberações sobre O III Encontro
Ainda
lembrando as sugestões do II ENCONTRO,
Vitória foi escolhida para sediar
o III ENCONTRO. Os representantes daquela
Comissão Justiça e Paz
aceitaram a proposta com a possibilidade
de serem os próximos responsáveis
pelo SIN. A data provável escolhida
foi janeiro ou fevereiro de 1984. O plenário
debateu um pouco o assunto contribuindo
com várias sugestões para
Vitória com vistas ao III Encontro
a realizar—se em 1984.
g)
Finalizando os cansativos trabalhos do dia,
e do próprio Encontro, fez-se uma
alegre confraternização
de todos os participantes. Na alegria
da música, festejamos os trabalhos
e as crises desses três dias onde
tudo foi superado graças á
fé profunda na luta pelos direitos
de todos os homens, sobretudo daqueles mais
fracos e pequenos. Dançando o forró
do povo, cantando a seresta e a música
popular ao som de violão, sanfona
e outras improvisações, aprofundamos
os laços da luta e renovamos nossas
opções.
3.5.
ENCERRAMENTO — 29-1-83
a)
Avaliação final do II Encontro
Preparação
—
A pauta para o Encontro foi ao mesmo tempo
aberta e abrangente, objetivando respeitar
o andamento do próprio Encontro;
supunha. no entanto, um entrosamento
mais significativo, que
não
houve, entre as entidades no âmbito
dos regionais durante o ano de 1982.
—
Não se esteve atento para estabelecer
previamente o nível de participação
das entidades de campo especifico de ação
(CIMI, Consciência Negra, Favelados,
OAB, Hanseníanos, UCBC, Anistia Internacional,
CPT, MFC, Justiça e Não Violência.
.
—
Faltou maior intercâmbio de consultas-sugestões
entre a Comissão organizadora e os
Regionais durante o ano de 1982.
Local
Escolha
positiva. Alojamento, refeições,
espaço para reuniões,
excelentes.
—
Sendo em lugar retirado, facilitou a participação,
impedindo «fugas» para a cidade.
Organização
—
Boa. Cuidou bem da infra-estrutura, providenciou
todo o material necessário; preocupou-se
com programação intermediária:
filmes, ato público com Teotônio
Vilela, feira de subsídios para o
trabalho com as bases.
—
O esquema de chegada e sadia dos participantes
ao local, de difícil acesso, não
deixou nada a desejar.
Disposição
dos participantes
—
Criou-se um ambiente livre e descontraído.
—
Grande boa vontade por parte de todos, apesar
do cansaço e expectativa em certos
momentos.
Andamento
do Encontro
—
A preocupação com manter o
ambiente democrático do Encontro
gerou certa desorientação,
que acarretou certa indisciplina por parte
do plenário.
—
Faltou definição mais clara
sobre os passos a serem dados dentro do
próprio Encontro, talvez por
insegurança da própria equipe
de coordenação indicada
pelo próprio plenário.
—
O revezamento do pessoal da equipe de coordenação
para o encaminhamento dos trabalhos
prejudicou o andamento do Encontro por indefinição
da dinâmica a ser seguida.
—
Não se levou em conta a pedagogia
do ver-julgar-agir, querendo-se fazer tudo
ao mesmo tempo, acarretando dispersão.
—
Falta de disciplina intelectual: colocações
soltas, sem objetividade, extensas. Temos
muito a aprender com o povo simples neste
particular. Não soubemos evitar o
cerebralismo em certas ocasiões.
—
Faltou síntese no inicio de cada
sessão para sintetizar o caminho
andado e definir os passos seguintes, retificando
ou confirmando rumos.
—
O enfoque foi mais urbano que rural.
Maior
preocupação com a perfeição
formal de definições e documentos
que com os passos concretos para o trabalho
posterior.
—
Não se superou o nível das
denúncias públicas.
—
A vontade de ser libertador falou mais alto
que a busca da pedagogia de libertação.
Estivemos mais preocupados com «como
podemos libertar o povo» que com «como
nos pormos a serviço da libertação
do povo».
Apesar
da dispersão, houve riqueza de informações
durante o Encontro.
—
Houve quem destacasse a imaturidade do plenário,
pois não soube «virar a mesa»
para imprimir um andamento mais dinâmico
ao Encontro.
Participação
Certa
passividade por parte de alguns, no plenário
e nos grupos. Outros tiveram participação
marcadamente individualista.
—
A organização dos grupos falhou
no sentido de melhor poder aproveitar
a heterogeneidade dos participantes
do Encontro.
—
As reflexões poderiam ter sido em
grupos menores e mais freqüentes.
—
As entidades de atuação em
campo especifico dos direitos humanos
não tiveram espaço para uma
participação mais concreta
e efetiva.
—
Faltou maior representatividade das bases.
—
Houve pessoas da base que se retiraram por
se sentirem marginalizadas dentro do próprio
encontro de direitos humanos.
A
participação do assessor precisa
ser melhor pensada, no sentido de melhor
auxiliar o andamento do Encontro.
SÓ
se recorreu aos assessores quando as coisas
se confundiam. A contribuição
que eles têm a dar poderia ter sido
bem melhor aproveitada.
—
Louva-se a permanência dos assessores
durante todo o caminhar do Encontro, sua
capacidade de ouvir e sua disponibilidade.
A
comissão de redação
escolhida para o Encontro.
O
Serviço de Intercâmbio, apesar
de não ser um trabalho realizado
diretamente no li Encontro, foi tido
como muito bom. Destacou-se que o número
de entidades participantes do II Encontro
praticamente duplicou com relação
ao I Encontro, fruto positivo do SIN.
Quanto
ao documento final houve quem o julgasse
muito abrangente, com propostas demais,
o que acaba criando perplexidade e sentimento
de impotência diante de tanto o que
fazer.
b)
Dom Paulo Evaristo Card. Arns visita o Plenário
Dia
29. às 10 horas, recebemos a visita
de D. Paulo Evaristo Arns, Cardeal Arcebispo
de São Paulo, juntamente com um seu
companheiro de muitas lutas, o jurista Hélio
Bicudo.
Foi-lhes
lido o Documento final do Encontro.
D.
Paulo, em conversa com o plenário,
destacou: "Não é a minha
presença aqui, mas e a presença
de vocês cicie levanta tanta esperança.
No meio da poluição, tantas
estrelas para iluminar a noite". Referindo-se
á leitura do Documento, disse terem-lhe
ocorrido duas passagens bíblicas:
a do livro de Neemias, onde Esdras lê
diante do povo o projeto de Deus, e no NT
o livro cio Apocalipse.
«Vocês
falaram a verdade, comentou o Cardeal,
do fundo da experiência e da fé.
Terem vindo até aqui e realizarem
o que realizaram é um ato de coragem
e ao mesmo tempo fruto da inspiração
divina». Esse Documento, frisou, vai
ter repercussão junto ao povo, mas
também junto á classe média
e classe dominante, interessada em saber
o que se pensa e o que se planeja por ai.
Passou
em seguida ás mãos da coordenação
do encontro um envelope com dinheiro mandado
pela Alemanha. «Há pouco tempo,
quando estive lá, explicou D. Paulo,
falei deste encontro, O pessoal está
interessado no que acontece por aqui. A
titulo de apoio ao trabalho de vocês,
deram-me este envelope, que nem abri».
Chamou
também a atenção para
o papel da grande imprensa. Há muitos
jornalistas interessados e atentos
às lutas do povo, mas nem sempre
suas matérias conseguem passar pelo
crivo dos selecionadores. Também
os jornalistas sofrem o peso da censura
ideológica interna por parte dos
periódicos onde trabalham. É
importante, por isso mesmo, que se aproveitem
os espaços disponíveis, por
menores que sejam.
A
informação, continuou, «não
está simplesmente em dizer alguma
coisa, mas em dizer de tal modo que envolva
outro. A informação é
geradora de consciência e de ação».
E não é fora de propósito
lembrar que «se eu não me posiciono
hoje, amanhã acabo sendo vitima»,
insistiu o Cardeal, comentando o caso da
Argentina com relação
aos desaparecidos, O problema só
não ficou no esquecimento porque
as Igrejas dos diversos países e
a imprensa internacional não se omitiram
diante do problema da repressão,
divulgando-o e retornando freqüentemente
ao tema.
Os
direitos humanos, sentenciou, «brotam
do Evangelho, pertencem ao próprio
ser humano como tal, não são
mero fruto da cultura». t interessante
notar, conforme considerou D. Paulo, que
a luta da anistia, por exemplo quebrou as
fronteiras entre Igrejas e entre países.
A prática e mais importante que as
conceituações porque é
a prática que constrói o novo.
~ a união entre os homens que faz
a união com Deus. Somos todos co-responsáveis
pelos problemas que andam por aí.
O que acontece em El Salvador. Nicarágua,
Honduras, Guatemala, nada disso é
indiferença para nós. E quando
um chileno, expulso, se refugia no
Brasil, em busca de sobrevivência,
isso nos faz lembrar também quantos
brasileiros andam pelo Chile e por outros
lugares em busca da mesma sobrevivência
Todos estamos envolvidos, conscientes
disso ou não, com os problemas internos
e externos. A solidariedade é
a arma dos fracos. E aqui não haveria
como esquecer a grande luta que estremeceu
o nosso pais, as greves do ABC paulista:
quanta gente se colocou ao lado dos trabalhadores!...
Tudo isso, toda essa efervescência,
toda essa tomada de posição
“é preparação
para o que está chegando”,
acrescentou D. Paulo.
«Fica
a minha solidariedade total a vocês.
Levem para suas localidades a nossa animação»,
concluiu D. Paulo, recomendando ainda que
se promovesse a máxima divulgação
possível do Documento do Encontro
insistindo: ~E preciso lutar com o pessoal
de imprensa para que o Documento seja divulgado
com a força que ele tem». Recomendou
também que sejam preparadas
versões populares enfocando as diversas
realidades; cada grupo faça a sua
versão, comunicando-a aos demais,
para troca de experiências.
Antes
de passar a palavra para o jurista Hélio
Bicudo, o Cardeal Arns apresentou-o com
este significativo testemunho: “Hélio
Bicudo foi dos primeiros que se apresentaram
para a luta dos direitos humanos na Arquidiocese.
Já antes ele havia enfrentado sozinho
a luta contra o ‘esquadrão
da morte’, sabendo que sempre estavam
na mira sua esposa e seus cinco filhos.
Hélio Bicudo sempre esteve pronto,
durante estes 20 anos nunca disse não
quando foi convocado. E essa dedicação
é assumida com toda a simplicidade,
pois, como ele mesmo costuma dizer: ‘o
que fizemos é sempre muito pouco,
é agora que vamos começar”.
Com
a palavra, Hélio Bicudo:
«Os
pontos que vocês fixaram no Documento
são esses mesmo: terra, violência
policial, inexistência da justiça,
que é instrumento da opressão,
luta contra a Lei de Segurança Nacional,
que ainda não encontrou a repercussão
que deveria ter encontrado. Um pais
democrático não precisa dessa
lei, que não é de segurança
nacional mas de segurança do
Estado de dominação».
E com breves considerações
concluiu Hélio Bicudo: «A
policia militar pode ser agora, a qualquer
momento, colocada a serviço do comando
do Exército, pode ser convocada para
o serviço da repressão, que
se afigura agigantada, para impedir que
os pobres, os humildes, os trabalhadores
possam conviver com a paz. Por isso mesmo
nossa luta é uma luta pelo homem,
pelo pobre, que é o querido de Deus».
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