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História dos Direitos Humanos no Brasil
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1983
II Encontro Nacional de Direitos Humanos do MNDH
1983, Taboão da Serra-SP

 

RELATÓRIO GERAL DO II ENCONTRO

1. DANDO SEQUÊNCIA I ENCONTRO

Num primeiro momento cumpre-nos assinalar que o SIN (Serviço de lntercâmbio Nacional), procurando atender as determinações do 1º Encontro, exerceu papel preponderante na articulação entre as diversas entidades de Defesa dos Direitos Humanos. Essa articulação se deu mediante troca de correspondência com o objetivo de denunciar situações de injustiça, divulgar os trabalhos e lutas desenvolvidos em função do povo e de sua libertação, bem como incentivar a participação de novas entidades nesse projeto comum de defesa dos direitos dos empobrecidos. Essa comunicação assumiu três formas distintas de acordo com o assunto em questão:

a) Memorandos — Consiste no pedido de apoio e solidariedade através de pressão às autoridades competentes. Foram expedidos vinte e sete.

b) Circulares — Trata-se da divulgação de atividades que visam conscientizar o povo, tais como cursos, palestras, atos públicos, celebrações ou qualquer outra espécie de manifestação popular, bem como de material que sirva de subsídios para grupos de reflexão cartilhas, círculos bíblicos informativos e jornais.

c) Cartas de incentivo — Têm como objetivo: motivar o surgimento de novas entidades de Defesa dos Direitos dos mais fracos; motivar a participação de novas entidades nos Regionais constituídos no 1º Encontro: motivar as entidades que compõem os diversos Regionais a se encontrarem para estudo da realidade local e consequente definição das prioridades de trabalho, bem como aprofundamento acerca do papel do Regional para uma melhor agilização entre as diversas entidades.

Após o Encontro de Petrópolis notou-se entusiasmo e empenho por parte das entidades no sentido de levar em frente os propósitos ai assumidos, o que possibilitou um crescimento constante de novas adesões, reforçando assim, a caminhada iniciada. Se naquela época integravam o SIN trinta e três entidades, hoje a remessa de correspondência expedida por aquele Serviço atinge a casa de 140 unidades. 64 entidades participantes do II Encontro em São Paulo, outras impossibilitadas de comparecer e um numero cada vez maior de pessoas e autoridades eclesiásticas interessadas na criação de Centros de Defesa dos Direitos Humanos.

Num segundo momento faz-se oportuna uma breve apreciação acerca do trabalho desenvolvido pelos Regionais formados no 1º Encontro. Foram inúmeras as dificuldades enfrentadas ao longo dessa primeira etapa da caminhada (1982) inexperiência de um trabalho articulado ao nível nacional; impossibilidade de encontros regionais frequentes face às grandes distâncias entre as várias entidades; a concentração de forças em função das eleições diretas de 15 de novembro p.p. bem como a participação na política partidária de leigos ligados ao movimento popular; o acirramento dos conflitos sociais em todas as regiões do território nacional devido a uma política excludente exigiu das várias entidades presença atuante na defesa dos direitos dos aviltados, dificultando assim contatos sistemáticos entre os grupos.

Apesar das dificuldades acima mencionadas, alguns Regionais chegaram a realizar alguns encontros: Norte e Nordeste – um encontro cada um; o Setor Rio de Janeiro do Regional Leste – cinco encontros.

2. PREPARANDO O II ENCONTRO

Na fase preparatória houve vários contatos entre o SIN e os responsáveis de São Paulo pela organização de tal evento. Elencamos a seguir as decisões mais importantes:

a) Distribuição de atribuições — Comissão Arquidiocesana de Direitos Humanos e Marginalizados de São Paulo: local para o Encontro, hospedagem, recepção e infra-estrutura que possibilite um bom andamento para os trabalhos, incluindo a parte financeira.

— Institutos de Estudos Especiais da PUC de São Paulo: organização da proposta de pauta; convite para a participação do II Encontro e simultânea distribuição de proposta de pauta a todas as entidades e pessoas que fazem parte do serviço de intercâmbio; elaboração da pauta definitiva levando em conta as sugestões enviadas pelos participantes do SIN.

— Serviço de Intercâmbio Nacional: lista atualizada dos participantes do SIN para contatos prévios com entidades responsáveis pela articulação dos diversos regionais, lembrando a necessidade de se realizar encontros que discutissem o papel dos regionais nessa caminhada de defesa dos direitos humanos e sugerissem assuntos para a pauta do encontro nacional; projetos financeiros junto ás entidades competentes nesta área com o objetivo de ajudar as despesas de viagem dos representantes dos vários grupos; levantamento) junto ás entidades contratadas pelo SIN, uma vez asseguradas as verbas de auxilio, para colher quais as verdadeiras necessidades de cada uma nas despesas de locomoção.

b) Conteúdo — Das contribuições colhidas pelo SIN e dos estudos feitos sobre os direitos humanos dentro da atual realidade brasileira pelo prof. Queiroz (IE-PUC), foram tirados dois temas prioritários. Em primeiro lugar, e como tema central «Violência» acolhendo a proposta da CNBB para a CF/83 «Fraternidade Sim Violência Não». Seriam analisadas as situações de violência nas várias regiões do território brasileiro. Violência em muitos níveis e suas diferentes formas. Explícitas ou implícitas. Enfim, tentar-se-ia detectar suas causas mais profundas. E esse seria o trabalho mais demorado, sendo previsto dois a três dias de encontro. Um segundo tema seria uma avaliação das eleições de 15 de novembro p.p., tendo em vista o trabalho de conscientização popular já realizado para, a partir desse estudo crítico, delinear as principais diretrizes de continuidade e aprofundamento para uma crescente participação política.

c) Objetivos — Além do mais, decidiu-se que os objetivos mais prioritários seriam:

— Dar sequência ao I Encontro.

— Fazer uma reflexão sobre a prática.

— Sedimentar o SIN.

— Favorecer o surgimento de novos Centros e Grupos.

— Articulação mais orgânica ao nível nacional.

— Possíveis encaminhamentos para a conjuntura pós-eleitoral.

d) Dinâmica — Para uma participação ativa de todas as entidades decidiu-se:

— O Regional relataria uma experiência marcante em relação á violência, ou a práxis policial. Esta experiência deveria ter sido discutida pelo Regional com antecedência. Ademais, focalizaria 005 temas geradores, nascidos da prática dos grupos, que devem merecer encaminhamento a nível nacional.

— A fim de agilizar os trabalhos, foi pedido que os Regionais explorassem sua criatividade neste relato, utilizando jograis, dramatizações, etc, cuidando para não ultrapassar 15 minutos de apresentação.

— Dos relatos dos Regionais seria extraído um panorama dos temas geradores para os próximos passos.

— Deveria ser feita uma análise teológica dos fatos relatados.

Também seria oportuna e necessária uma análise sociológica.

— Por fim se buscaria encaminhamentos a nível nacional.

e) Financiamento — O apoio financeiro para o Encontro seria assim distribuído:

— A MISEREOR, através de projeto apresentado por São Paulo, contribuiria para todas as despesas de instalação e infra-estrutura do Encontro.

— A CESE e a AÇÃO QUARESMAL SUÍÇA, mediante projeto apresentado pelo SIN, colaboraria com as despesas de locomoção dos participantes.

3. O ENCONTRO ACONTECENDO

O II Encontro Ecumênico de Direitos Humanos realizou-se no Instituto Paulo VI, situado no município de Taboão da Serra-SP.

Durante quatro dias consecutivos representantes de Centros de Defesa dos Direitos Humanos, Comissões Justiça e Paz e outras entidades que de uma ou outra forma defendem os direitos dos pequenos, uniram seus esforços no intuito de aprofundar sua luta pela justiça. Veiculando informações, refletindo sua práxis, ouvindo assessores capacitados, celebrando a vida, cantando a libertação, tudo isso num espirito de fé e alegria na busca de uma articulação mais eficaz entre os diversos grupos.

3.1. Abertura (25-2-83):

a) O Encontro teve início com uma celebração litúrgica, inspirada no acontecimento.

ATO LITÚRGICO

I. Introdução

Há um ano nos reunimos para refletir, intercambiar experiências e buscar diante desse quadro da sociedade brasileira — que ameaça sistematicamente a vida da grande maioria do povo — assumir o compromisso de gravar, na bandeira dos Direitos Humanos, através de nossa ação concreta, as palavras: SERVIR À VIDA!

As experiências se multiplicaram, os organismos e centros de defesa se fortificaram, porém as dificuldades também cresceram, dai porque o desafio permanece e a luta continua!

II. Saudação e acolhida

Em nome do Pai, autor da vida; do Filho que morreu para que todos tenham vida; e do Espírito Santo que é a vida em nossas lutas por uma nova sociedade.

Todos Amém.

Of. — Irmãos, nossa luta pelos Direitos Humanos, o sangue derramado de nossos mártires juntamente com a prática e o sangue de Jesus Cristo fermenta a nossa união e o nosso compromisso de construir um mundo fraterno.

Todos Bendito seja Deus que nos reúne no amor de Cristo e na memória de nossos mártires que deram a sua vida em favor da justiça.

Of. Vós sois o Libertador dos oprimidos e o Defensor dos pobres.

Todos Vós amais a justiça e defendeis o direito!

III. Ato Penitencial

01. — Irmãos nossos, neste instante da história da América Latina, estão sendo presos e torturados em nome da Segurança Nacional. E nós frequentes vezes calamos e cruzamos os braços diante do massacre daqueles que assumem a defesa do oprimido.

Todos — Ai de mim se eu não disse a verdade que ouvi!

— Ai de mim se eu me calar quando Deus me mandar falar!

Of. Irmãos nossos, nas cidades e nos campos da América Latina estão vendendo sua força de trabalho em troca de um salário de tome, perseguidos pelo fantasma do desemprego, que os faz morrer a cada dia. E nós ás vezes nos acovardamos não participando da luta que é de todos.

Todos Ai de mim se eu não disser a verdade que ouvi!

Ai de mim se eu me calar quando Deus me mandar falar!

Of. — Deus, Pai e companheiro dos explorados, tenha compaixão de nossas omissões, perdoe os nossos comodismos e nos conduza á vida eterna, fraterna, histórica e solidária. Amém.

IV. Liturgia da Palavra

Leitura do Antigo Testamento — O profeta Isaias denuncia situações sociais onde a morte prevalece sobre a vida. Estas situações continuam existindo em nossa sociedade dividida em classes, expressão máxima da violência contra o homem.

«Ai de vós, que ajuntais casa com casa e que acrescentais campo a campo, até que não haja mais lugar, e que sejais 05 únicos proprietários do pais. Os meus ouvidos ouviram ainda este juramento do Senhor dos exércitos: Grande número de casas, eu o juro, serão devastadas, grandes e magnificas herdades ficarão desabitadas>~. Palavra do Senhor!

Todos Graças a Deus!

Leitor — Quem, Senhor, pertencerá ao vosso povo?

Todos Somente aqueles que vivem na luta e que seguem a justiça!

Leitura do Boa-noticia aos empobrecidos —Dia a dia tiram a vida do pobre que vive em condições sub-humanas. Mas o Reino do Céu será dele. Aqui e agora, e também amanhã. Dele na medida em que se organiza, se une a seus companheiros e faz avançar a caminhada da Libertação.

«Então, Ele ergueu os olhos e disse aos seus discípulos

Bem-aventurados vós que sois pobres, porque vosso e o Reino de Deus.

Bem-aventurados vós que agora tendes fome, porque serão fartos.

Bem—aventurados vós que agora chorais, porque vos alegrareis.

Bem-aventurados sereis quando os homens vos odiarem, vos expulsarem, vos ultrajarem, e quando repelirem o vosso nome como infame por causa do Filho do Homem. Alegrai-vos naquele dia e exultai porque grande é o vosso galardão no céu. Era assim que os pais deles tratavam os profetas. Palavra do Senhor!»

Todos Glória a Vós, Senhor!

V. Credo

Homens Cremos em Deus Pai, Criador, que fez o mundo para que nele o homem trabalhasse; vivesse e construísse uma casa.

Mulheres — Cremos que, pelo seu trabalho, todo homem tem direito a um padrão de vida digno que lhe assegure, entre outras coisas, moradia, saúde, alimentação, emprego.

Homens — Cremos em Jesus Cristo Libertador de todo egoísmo e do ódio, que se faz presente na história do homem; para que vivamos como comunidade onde a partilha seja expressão do amor.

Todos — Cremos que a terra é um dom de Deus. Cremos que o pão produzido deve ser repartido. Cremos que a luta do povo é a expressão maior da presença do espirito de Deus na história do povo.

Homens Cremos que amar a justiça, promovendo os Direitos Humanos e organizarmos o povo em sua recuperação, é a semente de um novo homem e de uma nova sociedade, sem explorados nem exploradores.

Mulheres Cremos que a vez e a hora do povo está chegando, e que vamos vencer, pois a força de Jesus Ressuscitado, nosso Libertador, está presente em nosso meio.

Todos — Cremos na torça do Espirito Santo que nos ainda a cumprir nossa missão de fermento na transformação da América Latina.

Homens — Cremos que o sangue derramado por milhares de vitimas da classe trabalhadora será a semente de uma nova vida que nunca mais há de ter fim.

Mulheres — Cremos na união das pessoas que repartem o mesmo pão e partilham a mesma vida e assim formam a Igreja que Cristo inspirou para a concretização do Reino e felicidade dos homens.

Todos Eis a nossa fé, eis nosso compromisso, eis nossa esperança.

VI. Pedido final e oração comum

O que é da base e se organiza para o bem de todos é de Deus. Nasce pequenino como semente e cresce. Assim é a luta dos pequeninos. Assim esperamos seja este II Encontro. Que Deus nos alente e ilumine nestes dias de busca comum. Rezemos juntos a oração que Jesus nos ensinou:

«Pai-nosso...»

* * *

«No han muerto! Contra los nuestros nada pueden los disparos.

En eI corazón deI pueblo

ellos vivirán mil aóos.

Y abora naula de lágrimas!

Puíóos y pechos blindados!

Y a pelear como leones

porcíne ellus no han muerto en vano!»

(Luis Nielo — Peru)

b) Acolhida dos participantes

Dando prosseguimento á programação, foram proferidas palavras de boas-vindas aos participantes pelo advogado Firmino Fecchio, coordenador da Comissão de Pastoral de Direitos Humanos e Marginalizados de São Paulo. Eis na integra seu pronunciamento:

1) Saudação e agradecimentos

«Grande é minha satisfação em saudá-los em nome da CAPDH e M. e do Centro Santo Dias da Silva. Para mim é um privilégio e uma alegria muito grande transmitir-lhes as saudações da Comissão Organizadora deste encontro e de D. Paulo Evaristo Arns, Cardeal de São Paulo.

Não foi sem uma certa apreensão que recebemos, ainda no final daquele memorável encontro de Petrópolis, a indicação e o convite para sediar e organizar este II Encontro Nacional. Para a aceitação do convite, no entanto, muito nos animou o apoio e o incentivo do nosso Cardeal, que desde cedi) se empenhou em mobilizar recursos e meios necessários para que este encontro, afinal, se tornasse possível. É para D. Paulo, pois, nossa primeira palavra de agradecimento.

Nossos agradecimentos calorosos aos companheiros de Petrópolis organizadores do 1º Encontro — que muito nos auxiliaram durante toda a preparação deste evento, com sua experiência, suas sugestões e indicações. Na pessoa de sua coordenadora — Márcia Miranda quero apresentar a todo o Grupo Ação, Justiça e Paz os agradecimentos de todos nós.

Por razão de justiça devo nomear também o

INSTITUTO DE ESTUDOS ESPECIAIS da PUC, que se responsabilizou por toda a infra-estrutura administrativa deste Encontro. Ao Prof. Queiroz. ao Prof. Mauricio e a todos os amigos do IEE nosso muito obrigado!

Nossos agradecimentos ás entidades patrocinadoras MISEREOR, CESE e Ação Quaresmal da Suíça —, cuja generosa ajuda nos possibilitou enfrentar todos os gastos deste Encontro.

Agradecemos especialmente também aos nossos amigos peritos, que atenderam ao nosso convite e que estarão presentes. ouvindo pacientemente o relato de nossas experiências e nos auxiliando a descobrir pistas mais seguras para uma atuação mais eficaz.

Agradecer nominalmente implica sempre no risco de esquecer alguém. A todos aqueles que de uma forma ou de outra trabalharam para que esse encontro fosse possível e a todos vocês presentes o nosso muito obrigado!

2) Objetivos do Encontro

«Acompanhamos com simpatia e interesse o 1º Encontro Nacional de Petrópolis — do qual este pretende ser uma continuação —. O material e as conclusões daquele encontro muito nos auxiliaram na caminhada até aqui. Temos esperança que 05 trabalhos deste Encontro que se inicia possam trazer, igualmente, uma contribuição significativa para o fortalecimento e continuidade da luta pela defesa dos direitos daqueles que se encontram á margem dos canais de participação e decisão, na sociedade brasileira.

Nós sabemos que a defesa dos direitos humanos, antes de ser tema de congressos e conferencias, tem sido a luta comum, diuturna, das várias comissões aqui representadas. Este Encontro pretende ser um momento muito forte de REFLEXÃO sobre as práticas das nossas entidades. Todos são convidados a partilhar as experiências concretas de atuação de suas organizações, a questionar mútua e fraternalmente essas práticas umas das outras e a ajudar a explicitar melhor os pontos positivos e negativos dessa 7itiiacão a uivei de sociedade brasileira.

Quando afirmamos que o objetivo deste Encontro é uma reflexão sobre a prática, é óbvio que não estamos nos referindo, apenas, a uma mera descrição do que se está fazendo numa comissão ou num centro de defesa, mas objetivamos, isto sim, analisar a integração dessa luta concreta num processo histórico e numa luta muito mais ampla da sociedade maior. Temos bem presente a lição magistral de Luiz A. Gomes de Souza quando afirma que «é necessário, pois, que trabalhemos a nível das práticas e não somente a nível da narração de experiências. Estudar uma prática é mais do que descrever o que se faz, é dar-lhe um significado e uma posição num contexto mais amplo».

Como já foi informado em nossa circular n, 1, objetivamos, por outro lado, de alguma forma, dar sequência aos trabalhos e conclusões do nosso 1 Encontro de Petrópolis, sedimentando o serviço de intercâmbio que lá nasceu e favorecendo, de maneira mais efetiva, a intercomunicação mais orgânica, a nível nacional, dos diversos grupos de defesa dos Direitos Humanos.

Daqueles dias inesquecíveis de Petrópolis até hoje muita coisa aconteceu em termos de Brasil: a reafirmação do autoritarismo, em diversas ocasiões; alguns outros pacotinhos e pacotões; a condenação dos Padres e Posseiros do Araguaia; a ida ao FMI; a alteração da lei salarial, que é o assunto dos jornais de hoje... E houve as eleições. E apesar da interferência abusiva das autoridades políticas, o governo foi amplamente batido em quase todos os Estados mais importantes do Pais. Na Câmara Federal, por exemplo houve um superavit de 5,5 milhões de votos oposicionistas. É por tudo isso que a Comissão Organizadora, ouvindo sugestões de muita gente, destacou também como preocupação deste Encontro a análise do posicionamento das entidades de defesa dos Direitos Humanos face agora á nova conjuntura pós eleitoral, agravada por esse quadro() econômico-financeiro terrível por que passa o pais».

c) Em seguida houve apresentação das entidades presentes obedecendo o critério dos Regionais constituídos no 1 Encontro. Cabem aqui algumas considerações acerca da natureza dos diversos grupos:

— Alguns defendem os Direitos Humanos em áreas especificas Ex.: Movimento de Defesa do Favelado —. Outros canalizam seus esforços na defesa de determinada classe — Ex.: índios — ou sobre o enfoque de determinado problema — Ex.: terra.

Alguns constituem entidades civis devidamente registradas, sem nenhuma vinculação com instituições, e, por conseguinte, autônomas (normalmente é o caso dos CDDHs). Outros estão vinculados a Igrejas diversas, permanecendo sob suas orientações independente de serem ou não entidades civis registradas.

Elemento constitutivo da práxis de todas as entidades é a defesa dos direitos dos empobrecidos, dos oprimidos, dos marginalizados, o que revela uma nova compreensão de Direitos Humanos. Aqui os Direitos Humanos são olhados a partir do lugar dos «sem vez e sem voz» da História.

Grupos presentes e representados

Região Norte

— Centro de Defesa dos Direitos Humanos do Acre.

— Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos.

Região Nordeste

— Centro de Defesa dos Direitos Humanos/Assessoria e Educação Popular – PB.

Centro de Defesa dos DHs da Arquidiocese da Paraíba.

— Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de Olinda e Recife.

— Centro de Defesa e Promoção dos DHs da Arquidiocese de Fortaleza CE.

— Comissão Pontifícia Justiça e Paz — Arquidiocese de Natal — RN.

— CESE: Coordenadoria Ecumênica de Serviço Salvador.

— Centro de Orientação dos DHs Guarabira, PB.

Região Leste 1 (Minas Gerais)

— Comissão de Defesa dos DHs de Betim — MG.

— Comissão de Defesa dos DHs de Santos Dumont — MG.

— Comissão Diocesana de «Justiça e Paz» —Teófilo Otoni — MG.

— Centro de Defesa dos DHs — Diocese de Itabira MG.

— Comissão dos DHs — Poté — MG.

— Comissão Arquidiocesana de DHs — Belo Horizonte — MG.

Região Leste 2 (Rio de Janeiro — Juiz de Fora)

— Comissão Diocessana de Justiça e Paz de Nova lguaçu — RJ.

— Centro de Defesa dos DHs de Duque de Caxias RJ.

— Centro de Defesa dos DHs — GAJP de Petrópolis/RJ.

— Centro de Defesa dos DHs da Arquidiocese de Juiz de Fora.

— Secretariado Pró-Justiça do Movimento Familiar Cristão.

— OAB — Seccional do Rio de Janeiro.

— Anistia Internacional — Grupo 3.

— Movimento de Reintegração do Hanseniano.

— Grupo Movimento Popular de Base de S. João de Meriti.

Região Leste 3 (Espírito Santo)

— Comissão Justiça e Paz de Vitória.

— Comissão de Defesa dos DHs de Vitória.

— Comissão de Direito ã Moradia — Vitória.

— Comissão de Defesa dos DHs — Linhares.

Região Sul 1 (S. Paulo)

— Centro de Defesa dos DHs de Campinas.

— Centro de Defesa dos DHs-Núcleo Boqueirão — Santos.

— Centro de Defesa dos DHs da Diocese de Santo André.

— Centro de Defesa dos DHs de Lins.

— Centro de Defesa dos DHs de Itapecerica da Serra.

— Centro de Defesa dos DHs de Osasco.

— Centro de Defesa dos DHs de 5. Miguel Paulista.

— Centro de Defesa dos DHs do Setor de Interlagos.

— Centro de Defesa dos DHs de Sapopemba.

— Centro de Defesa dos DHs do Imirim.

— Centro de Defesa dos DHs «Carlos Alberto Pasini».

— Comitê DHs de Vila Remo.

— Comissão de Defesa dos DHs de Campo Lindo.

— Comissão Regional dos DHs da Lapa.

— Equipe Regional de DHs de Itaim Paulista.

— Comitê Cristão de Solidariedade D. Oscar Romero — J. Minam.

— Centro Santo Dias de DHs.

— Centro D. Oscar Romero — Ipiranga.

— Comissão Arquidiocesana de Pastoral dos DHs e Marginalizados.

— Comissão Pastoral de DHs e Marginalizados da Região Santana.

— Comissão Justiça e Paz de S. Paulo.

— Secretariado Nacional Justiça e Não-Violência.

— Movimento de Defesa dos Favelados.

— Grupo União e Consciência Negra.

— Centro de Pastoral Vergueiro.

— Universidade Metodista de Piracicaba.

— União Cristã Brasileira de Comunicação Social (UCBC).

— Pastoral de DHs de Osasco.

— Centro de Defesa dos DHs de Purus.

Região Sul 2 (PR — SC — RS)

— Centro de Defesa dos DHs de Joinville.

— Comissão Justiça e Paz do Paraná.

— Movimento de Justiça e DHs de Porto Alegre.

— Comissão de DHs da Assembléia Legislativa — Porto Alegre.

— Comissão Justiça e Paz de Florianópolis.

Região Centro-Oeste

— Comissão Arquidiocesana Justiça e Paz de Goiânia.

Comitê de Defesa dos DHs de Cuiabá.

— CPT Nacional — Goiânia.

— CIMI Nacional — Brasília.

3.2. ATIVIDADES DO 1º DIA — 26-1-83

a) Reunião dos Regionais — Como já foi observado acima, os Regionais enfrentaram muitas dificuldades para se reunirem. Face a isto, foi proposto ao plenário que cada Regional tivesse um tempo para decidir sobre os seguintes pontos:

— Escolher um elemento para integrar a coordenação do Encontro.

— Escolher um representante para contatos com a imprensa durante o Encontro.

— Discutir qual seria a função dos assessores no Encontro.

— Avaliar a caminhada dos Direitos Humanos em 1982.

Refletir sobre os casos de violência enfrentados por cada grupo e optar pelo mais significativo para ser apresentado em plenário.

b) Plenário — A coordenação geral do Encontro e a Comissão para Imprensa foram formadas a partir dos nomes designados por cada Regional presente.

— Acerca da função dos Assessores houve consenso de que estes deveriam integrar a Coordenação Geral do Encontro e acompanhar os trabalhos da Comissão de Redação. Em plenário e nos grupos, eles deveriam acompanhar as discussões, intervindo quando se fizesse necessário, sistematizando e orientando para o futuro, sobre os temas relevantes. Oportunamente poderiam também fazer exposições teóricas sobre as colocações feitas, possibilitando a todos maiores informações. Enfim, deveriam estar disponíveis para serem consultados, ajudando a esclarecer dúvidas. Concluiu-se que, durante o Encontro, todo trabalho seria de conjunto, pois cada participante é «perito» na sua função e no contexto de sua realidade.

— No que diz respeito á caminhada de 1982, foram feitas as seguintes considerações:

— Nordeste — Houve, após o Encontro de Petrópolis, maior integração das entidades que lutam pelos Direitos Humanos, O SIN foi reconhecido como órgão importante no apoio ás denúncias. Por causa dessa caminhada aconteceu o 1 Encontro Regional.

— Leste 1 (MG) — Não houve possibilidade de articulação do Regional nem infra-estrutura para responder a todas as solicitações do SIN. Apesar disso, várias entidades se integraram a caminhada graças ao trabalho de divulgação de alguns grupos e do SIN.

— Leste 2 (RJ) — Realizou quatro encontros regionais, discutindo sobre uma ação conjunta mais eficaz das entidades participantes. Questionou-se a ausência nas reuniões regionais de algumas entidades que estiveram presentes no 1 Encontro e que também participavam deste II Encontro.

Leste 3 (ES) — Observou-se que o SIN foi bastante positivo, ajudando na divulgação das diversas lutas. Falou-se do surgimento da Comissão de Direitos Humanos de Linhares e de Subcomissões especificas na Comissão Justiça e Paz de Vitória.

— Sul 1 (SP) A articulação regional não se deu por dificuldades de infra-estrutura do grupo responsável. Foi realizado um encontro apenas entre as entidades da Região Metropolitana da capital. Reconheceu-se também a importância do SIN.

Sol 2 (PR — SC — RS) Valorizou o SIN. Chegou a realizar um encontro regional.

Em seguida foram apresentados os casos ou situações significativas de violência das diversas regiões:

O Norte/Centro-Oeste (AC, PA, GO, MT, MS)

— Foi salientado o processo de extermínio dos índios causado pelo desrespeito ás suas reservas, com a construção de estradas e de hidroelétricas. Essas informações foram fornecidas pelo representante do CIMI nacional.

Nordeste — Caso de Camucim, — Camucim é uma fazenda, onde posseiros vivem há mais de 51) anos. Ultimamente a cana-de-açúcar está tomando conta da Paraíba. Em função dessa nova produção, o grupo proprietário das Casas Pernambucanas comprou 550 hectares de terra, abrangendo a referida fazenda. Em seguida, expulsaram os posseiros: houve agressões, queima de casas, destruição da escola, 3 vezes consecutivas, pela policia. Além do mais, poluíram o rio local, onde os posseiros praticam a pesca como meio de subsistência. Em decorrência dessas arbitrariedades, os posseiros resolveram acampar na praça defronte ao Palácio do Governador, em João Pessoa, permanecendo ai 25 dias: de 14-12-81 a 14-1-82. O Governo local se pronunciou afirmando que o problema era do Governo Federal. Entretanto, garantiu segurança aos posseiros, o que não foi cumprido porque surgiram novas agressões aos posseiros e a suas famílias. No final do relato ficou clara a existência de uma solução legal através da aplicação do Estatuto da Terra e desapropriação por interesse social. Entretanto, essa só virá pela resistência do povo e pelo apoio da opinião pública.

Leste 1 (MG) — O relato não se deteve em um caso especifico de violência, mas foram lembradas algumas situações significativas: o prefeito pergunta a uma dona ameaçada de despejo:

— «Não confia em Deus, minha senhora?» —Esta responde convicta: «Eu confio, sim senhor, no Deus de Jesus Cristo e não no seu..

Outro questionamento que partiu do povo foi o seguinte: «Precisamos achar uma solução para além da justiça, organizando o povo, porque a justiça é morosa e sujeita á corrupção».

Leste 2 (Ri) — Foi relatado o caso da Favela da Viga, munic. de N. Iguaçu, onde moram 86 famílias, há 20 anos, com 70% de tuberculosos. O terreno é um alagadiço que sobrou de um loteamento. Quando o valão enche, observa-se 1 metro e meio de água. Um suposto proprietário incendiou dois barracos. Foi quando dois moradores procuraram a CJP. A Comissão visitou o local no intuito de conhecer cada caso, cada família, cada morador, e constatou-se que não havia uma luta organizada entre eles. Decidiram pela reconstrução dos barracos destruídos, através do mutirão. A partir desse mutirão, o povo começou a se organizar. Mais tarde, o dono propôs a venda do terreno. Ai fizeram Assembléia para estudar a proposta: durante 2 meses debateram a possibilidade de compra; isso possibilitou o crescimento da organização e o inicio de um processo de conscientização. Apesar de serem cristãos, os vizinhos julgavam-se melhores que os favelados e não os aceitavam. Com o passar do tempo começaram a entender o problema, se integraram na luta apoiando aquele povo. Há dias atrás, a compra do terreno foi efetuada pelo preço proposto e no momento estão fazendo levantamento e estabelecimento de critérios para divisão dos lotes (2 para cada família). Há um plano de urbanização do local com apoio de estudantes de engenharia. Foi observado que nessas lutas é de suma importância um levantamento sócio-econômico-cultural, pois ele revelará os níveis de saúde, trabalho, escolaridade dos moradores. Através desse conhecimento tem-se condições para uma análise mais profunda da realidade e consequentemente soluções legais, baseadas, por exemplo, no Estatuto da Terra, como a desapropriação por interesse social. Além do mais falou-se que algo pode ser realizado mediante a confiança que o povo depositou na CJP. Sem credibilidade por parte do povo não se faz nenhum trabalho. Salientou-se o apoio do Bispo, não somente neste caso, mas em todo o trabalho assumido pelo C)P. Lembrou-se que certas entidades do Regional «não têm apoio do seu Bispo, mas... têm o apoio de Deus e do povo».

Leste 3 (ES) — Informou-se a criação da Comissão do Direito á Moradia, com apoio da Comissão Justiça e Paz de Vitória, devi do aos conflitos em Rosa da Penha, município de Canacica. ~ que, em 28-12-81, o povo ocupou uma área neste lugarejo, sendo que cerca de 2.000 pessoas foram despejadas pela policia e tiveram suas casas queimadas. Lutaram, mas não conseguiram até o presente momento a desapropriação do terreno. Decidiu-se fortalecer o movimento popular e tentar diálogo com o Governador do Estado. Este caso já foi divulgado pelo SIN no seu primeiro contato com as entidades, após o 1 Encontro, sendo tema do memorando ,~. 1.

Sul 1 (SP) — Um grupo de mães, cujos filhos foram vítimas da violência policial, dramatizaram o seu sofrimento. Foi lembrado o caso de Osélas, metalúrgico morto em março de 1982. Ele teve sua casa assaltada e imediatamente fez queixa á policia, mas esta recusou qualquer apoio. Mais tarde, 200 policiais cercaram sua casa, que foi perfurada com 200 balas. O tema da dramatização foi: «A sociedade sempre marginaliza o pobre».

Sul 2 (PR, SC, RS) — Relatou o caso do professor e jornalista Juvêncio Mazzarollo, preso em Piraquara, por denunciar violência policial, problemas de terra, e corrupção na Foz do Iguaçu-ltaipí. Há uma grande preocupação em ligar a luta jurídica á mobilização da opinião pública no intuito de sensibilizar toda a sociedade local para o problema. Juvêncio Mazzarollo é autor do livro «Taipa de Violência», que aborda a violência em ltaipu, e por isso foi enquadrado na LSN. Neste mesmo nún1ero segue relato detalhado sobre o caso.

c) Após apresentação de cada Regional, a coordenação do Encontro passou a palavra a Marina Bandeira, presidente da Comissão Nacional de Justiça e Paz, que fez algumas considerações sobre seu trabalho, elencamos a seguir os pontos mais importantes de sua fala:

— Num primeiro momento, Marina recordou que há tempo está comprometida com a luta pelos Direitos Humanos. Até 1971 integrou o MEB (Movimento de Educação de Base).

— Com referência á origem das Comissões Justiça e Paz, observou que a Gaudium (o. 90) solicita uma comissão em favor dos Direitos Humanos.

— Em 1976, criou-se oficialmente em Roma a Comissão Pontifícia Justiça e Paz, seção brasileira, que possui características próprias: é constituída por leigos, ao contrário das demais existentes em outros países, compostas por bispos. Devia também ser integrada por advogados que defendessem os presos políticos.

No Brasil, a CNBB é a portadora da Comissão Pontifícia de Justiça e Paz.

— A grande extensão do território brasileiro impôs a criação de Comissões Regionais (ex.:

São Paulo, São Luis, Paraná). A Comissão Nacional é formada por um membro de cada Regional.

Em algumas regiões, porém, começaram a atribuir o nome de Comissão Justiça e Paz a entidades com objetivos e ideologias entraditórias. Na Bahia, por exemplo, para resolver os problemas de violência existentes na área, uma dita «Comissão Justiça e Paz» resolveu armar melhor a policia. Em outro Estado, uma comissão se propõe ajudar alguns latifundiários na expulsão de posseiros.

— Ao narrar tais fatos de conflito ideológico cota a verdadeira (...) Comissão Justiça e Paz, Mana quis justificar tinia atitude cautelosa perante o surgimento espontâneo de Comissões justiça e Paz. Ao mesmo tempo afirmou ser objetivo da Pontifícia Comissão o apoio aos Centros de Defesa de Direitos Humanos Ela tem como compromisso incentivar e apoiar os grupos que surgem naturalmente na base e sem as extorsões das lutas, cuidando para preservar os diferentes níveis de atuação. Finalizando, Marina reforçou a idéia do apoio mútuo, comparando missa ao trabalho dos dedos da mão: todos são necessários embora diferentes.

d) A última atividade do dia foi uma visita ao SESC-Pompéia, local onde se dava o lançamento do livro «Anistia>~, documentário organizado por determinação do Presidente da Comissão Mista do Congresso, Senador Teotônio Vilela. Este lançamento foi promovido pelo Comitê Brasileiro pela Anistia em conjunto com a colaboração de outros organismos que muito lutaram pela Anistia, ampla, geral e irrestrita. Foi uma noite bastante significativa para todos aqueles que lutam pelos direitos da pessoa humana. Ai estiveram presentes várias personalidades que muito já contribuíram para essa causa, entre elas, o próprio Senador Teotônio Vilela.

3.3. ATIVIDADES DO 2’> DIA — 27-1-83

a) Em cima dos relatórios dos Regionais, apresentados no dia anterior, foram extraídos os seguintes pontos, apresentados em painel:

aa) Constantes nos relatórios:

— Problemas sobre terra urbana e rural;

— Questão da violência do Estado;

— Relacionamento com os poderes públicos;

— Atuação da Igreja.

ab) Questionamentos e desafios para aprofundamento:

— Cooptação dos líderes pelos políticos (interferência do populismo);

— As reuniões com o povo são muito demoradas;

— Como assegurar conquistas do povo ao longo do trabalho?

— Os títulos de posse devem ser feitos em condomínios?

— Problema da violência com presos comuns e presos políticos (padres franceses, Juvêncio Mazzarollo); euforia da vitória da oposição nas eleições.

— Existe alguma luta organizada contra o desemprego?

— Existe trabalho defendendo a saúde e o salário?

— Questão da discriminação racial;

— Necessidade de conjugar movimento popular com mobilização da opinião pública.

ac) Passos Metodológicos:

— Criar espaço para o próprio povo fazer: o agente deve apenas assessorar.

— A importância de um levantamento socio-político-econômico da situação.

— Deve-se facilitar o surgimento de uma organização popular, criando comissões que lutem, que façam assembléias, que reivindiquem.

— Articular a Comissão de Justiça e Paz.

— Quando se resolve determinado problema a organização não pode se desfazer.

Importância do SIN em termos de solidariedade e pressão ás autoridades.

— Priorizar os trabalhos. Não funcionar como «Pronto Socorro» que resolve os problemas sem nenhuma metodologia de trabalho.

b) Exposição sobre o Tema Violência

Em seguida, o sociólogo Paulo Sérgio Pinheiro, professor da UNICAMP, fez breve exposição sobre a Violência na AL. e especialmente no Brasil, no intuito de fornecer informações que ajudariam no encaminhamento das questões. De inicio, ele destacou dois níveis básicos do problema: Violência aberta e Violência oculta.

Violência aberta: nenhum regime foi capaz de aboli-la nem mesmo com a democratização. Nunca houve uma preocupação conjunta por parte de intelectuais, políticos e mesmo da Igreja acerca tia violência tísica. Jamais se promoveu um debate popular sobre o assunto. No Brasil nunca se colocou essa questão: com a militarização do Brasil a violência policial é pacífica. E neste setor também o Brasil se torna grande: do bloco capitolísta é o pais onde a policia mais mata. E num misto de humor, parodiando uma das conclusões dos Bispos em Puebla, Paulo Sérgio continua: «A opção preferencial na polícia é pelos pobres e pelos negros», e completando, acrescentou: «Muitas vezes, essa opção inclui a Igreja e os intelectuais. . .

Violência oculta: ou, como bem a denominou o expositor, «Violência Doce».

É aquela, cujas causas se procura camuflar; apenas seus efeitos são claramente perceptíveis. Neste sentido, observa-se um alto nível de controle da classe operária: a abertura não modifica esta situação. Desta forma, um Ministro (Justiça 011 Trabalho) intervém arbitrariamente nos sindicatos, e a livre negociação está sujeita a tribunais militares.

Outros fatores que agravam a situação de violência são:

— A coesão das classes médias favorecendo a repressão policial, pois o excesso de divulgação de roubos e assaltos causa medo e insegurança. Como reagir face a isso? Devemos olhar a realidade com um olhar crítico: com o processo de militarização da policia percebemos um crescimento constante e sistemático da violência

— O efetivo estadual de polícia está sujeito não ao Governo estadual, mas ao Comando Militar Regional.

— A Polícia Militar atrelada ao Governo Federa 1.

— Sofisticação do Serviço Nacional de Investigação (SNI) : não se extinguiu com a abertura, mas pelo contrário, continua em processo de formação de seus quadros através de escolas competentes. Atualmente trabalha de maneira discreta, mas eficiente, acompanhando todos os movimentos populares e de reivindicação.

— Os Movimentos de Direitos Humanos não podem contar com respaldo dos governos de oposição.

Concluindo, Paulo Sérgio apontou uma pista para superação da violência instituída: «politizar a problemática na violência levando-a ã Tribuna Política e transformando-a em questão da sociedade». Nesse sentido, é imprescindível perder o preconceito contra as classes médias, pois nenhuma mudança se faz apenas com as classes operárias. Não há valor no purismo classista. Além do mais, faz-se necessária uma saudável atitude de desconfiança frente às vanguardas. O momento atual requer aprofundamento e alargamento das lutas e movimentos populares.

c) A seguir foram formados grupos para refletir e aprofundar o que foi exposto no painel, acima referido, à luz das palavras de Paulo Sérgio.

d) Plenário — Transcrevemos as conclusões de cada um dos cinco grupos, apresentadas em cartazes:

TERRA:

— Trabalhar com a população não só em momentos de conflitos. Conscientização permanente como medida preventiva. Promover a organização e mobilização popular. l~ importante o levantamento de documentação e da realidade.

— Assessoria jurídica não deve resolver todos os problemas sozinha. Deve-se mobilizar a opinião pública e os políticos.

— Fazer valer o «Estatuto da Terra» — usucapião — através de campanha ao nível nacional promovida pelos CDDHs e CJP.

— Deve-se questionar a especulação imobiliária.

VlOLÊNClA:

— Analisar a violência de maneira mais profunda, procurando detectar suas causas mais profundas. Dar-se conta de que existe planejamento sistemático da repressão.

— Fazer trabalho constante com as bases, bem como com as grandes massas através dos meios de comunicação.

— Elaborar caderninhos populares sobre os direitos humanos e distribuí-los ao povo.

— Denunciar a violência oculta, presente em nossa sociedade.

Questionamentos e desafios: ATUAÇÃO DA IGREJA:

Há dificuldades nas relações povo/hierarquia, devido a um trabalho feito de cima para baixo por parte desta.

— Os leigos não têm acesso a projetos financeiros: a Igreja recebe verbas, mas nem sempre as coloca á disposição das comunidades, o que causa várias dificuldades.

— Há conflitos entre setores da Igreja, preocupados com a questão dos direitos humanos, com os setores mais tradicionais.

Passos Metodológicos:

— Lembrou-se que a Igreja é o Povo de Deus:

todos somos Igreja.

O leigo deve conquistar seu espaço. Lutar pela liberdade de expressão e ação.

— Fazer revisões constantes sobre a prática que está se levantando.

— Fazer avançar os trabalhos já existentes, como por exemplo: novenas, via-sacra, reivindicações, etc.

— Desenvolver novas lideranças nas CEBs.

GRUPO II

Constantes nos relatórios:

TERRA:

Capitalismo no Campo (agroindústria);

— Propriedade privada?

— Não-concretização da Reforma Agrária;

— Exploração do trabalho.

— Violência contra os mais marginalizados (bóias-frias).

ATUAÇÃO DA IGREJA:

— Realiza serviço de suplência por causa da impossibilidade ou omissão dos vários sindicatos.

Questionamentos e desafios:

— Defasagem entre a teoria dos documentos da Igreja (Doutrina Social da Igreja) e a sua prática.

— A violência deve ser combatida com a não-violência. Como?

Pontos que necessitam ser esclarecidos: o conflito interno na Igreja; a questão da propriedade privada; Reforma Agrária: como efetuá-la? O que é prática libertadora e prática paternalista?

— Os desafios do mundo do trabalho.

— O relacionamento dos CDDHs com a Hierarquia e com as Bases.

— A questão dos sindicatos assistencialistas.

— Alguns políticos manipulam as bases.

— A opção preferencial pelos pobres por parte da Igreja é uma retórica?

Passos Metodológicos:

— Pontos negativos: quando se toma soluções individuais; o trabalho paternalista (pronto socorro) e purista; falta de continuidade e reflexão acerca das práticas.

— Algumas pistas: a necessidade de assessoria; o trabalho da cidade deve procurar se ligar ao do campo e vice-versa; deve-se aprender a conviver com os conflitos; procurar envolver pessoas da classe média; sensibilizar as demais organizações populares existentes; socializar os bens da Igreja.

GRUPO III

Constantes nos relatórios:

TERRA:

A terra é considerada um instrumento de lucro e não um fim social.

— Possibilidade do surgimento de uma propriedade comunitária.

— Os poderes público e judiciário estão atrelados á defesa da propriedade particular.

VIOLÊNCIA:

— Formação do policial através de uma filosofia que beneficia e sustenta o poder dominante.

— Falta de participação do povo no poder.

Passos Metodológicos:

— Permanência e lufa pela posse da terra.

— Usar as contradições do sistema legal inclusive a desobediência civil.

— Partir dos fatos para atingir um sentido mais amplo e profundo da violência.

— Aperfeiçoar o entrosamento e solidariedade das entidades a nível nacional — SIN.

— Divulgação pela imprensa.

— União das Igrejas.

— Promover um dia nacional de repúdio à violência policial.

— Buscar formas de apoio junto aos poderes políticos, jurídicos e outras entidades específicas, para fortalecer a luta.

— Cobrar dos órgãos públicos as atribuições de sua competência.

GRUPO IV

Questionamentos e desafios: cobrança das leis existentes; definir o papel dos CDDHs; definir o papel da Igreja; como articular as lutas? Como concretizar o trabalho de educação popular?

Passos Metodológicos: Criação de CPTs Urbanas? Fortalecimento das lutas populares.

GRUPO V

Este grupo, refletindo sobre as constantes nos relatórios, questionamentos e desafios e passos metodológicos para fortalecimento do movimento popular, se deteve na formulação das propostas abaixo mencionadas:

LEI DE SEGURANÇA NACIONAL (LSN):

— Denunciar objetivos e estratégias da LSN em reuniões dos CDDHs.

— Divulgar manifesto do II Encontro pró-revogação da LSN.

— Participação dos parlamentares na luta contra a LSN.

— Que a Campanha da Fraternidade/83 denuncie tal lei.

— Fazer campanha nacional contra esta lei.

— Promover resistência do trabalhador ã LSN.

— Elaborar e divulgar cartilha popular sobre as consequências práticas desta lei hoje.

DESEMPREGO E SALÁRIO:

— Luta pela manutenção do nível de emprego. (O ônus da recessão compete ás empresas).

— Levantamento estatístico por Estado do nível de desemprego.

— Modificação das leis trabalhistas, visando inclusive a estabilidade no emprego.

— Campanha de esclarecimento sobre os direitos do trabalhador: greve, seguro em caso de desemprego, etc.

— Campanha pró-efetivação do salário do desempregado.

VIOLÊNCIA POLICIAL:

— Criação de associações de familiares e amigos de presos, assassinados e desaparecidos.

— Pressão junto à procuradoria da Justiça (promotores públicos).

— Jornada nacional de reflexão sobre a violência policial.

— Reproduzir e multiplicar o folheto «Como combater a violência policial».

— Elaborar e divulgar modelos de ~<Habeas Corpos» populares.

MEIOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL (MCS):

— A UCBC deve criar folhetos populares denunciando programas que incentivam a violência policial.

— Publicação e divulgação intensa de Edições Especiais de pequenos jornais (Imprensa Alternativa) que denunciem fatos distorcidos pela grande Imprensa (do Sistema).

TERRA:

— Promover união entre as organizações do campo e da cidade.

— Fazer publicações apontando os motivos da cobiça á terra.

— Denunciar e fazer pressão sobre os poderes públicos para efetuarem desapropriação pelo valor venal.

— Formação de: Associações de bairro; Comissões de direito á moradia; Grupos unidos para invasões.

Organizar encontros conjuntos entre os grupos do campo com os da cidade.

MULHER:

— Lutar para que as creches sejam coordenadas por mães.

— Fomentar o movimento feminino na cidade e no campo.

Organizar trabalho junto às prostitutas. Elaborar e divulgar cartilhas sobre o tema

«A mulher e o trabalho», que aborde os direitos trabalhistas da mesma.

— Criar condições para uma maior participação da mulher na Igreja.

NEGRO:

— Que se crie espaço para os Movimentos de União e Consciência Negra se reunirem e organizarem.

Procurar desmistificar a discriminação e os preconceitos raciais.

— Apoiar e ajudar na articulação do Movimento de União e Consciência Negra.

IGREJA:

— Promover o Ecumenismo: união das Igrejas em torno da problemática dos Direitos Humanos.

Formar comissões que exijam pronunciamento das autoridades eclesiásticas frente a casos de desrespeitos aos Direitos Humanos, mesmo contra elementos ligados à religião.

Elaborar moção de solidariedade a Frei Leonardo Boff devido ás perseguições sofridas por ele.

— Conduzir bispos e pastores às áreas de conflito para um contato direto com os problemas.

— É importante ser político e tático nas lutas. Caso contrário, pode-se provocar um suicídio dos grupos.

— Promover e fortificar organizações populares.

— Cooptação do trabalho da Igreja por entidades ou agremiações políticas.

Após o plenário, o teólogo Frei Leonardo Boff, prof. no Instituto Filosófico-Teológico Franciscano de Petrópolis, teceu algumas considerações sobre a articulação Fé e Igreja, com o objetivo de elucidar os questionamentos trazidos ao plenário pelos grupos. Suas palavras possibilitaram um aprofundamento teórico que ajuda na definição das linhas de trabalho além de fornecer pistas para uma práxis eficaz. Ele dividiu sua reflexão em três momentos distintos, a saber: 1) Momento de espiritualidade; 2) Momento teológico; 3) Momento pastoral.

Momento de Espiritualidade: refere-se ao encontro do homem com Deus. Mas é importante ressaltar: espiritualidade não se identifica com elevações espirituais. Espiritualidade antes de mais nada, está ligada ao Espírito Santo como a força de Deus na história, O lugar privilegiado e infalível para encontrar Deus é o empobrecido e o marginalizado, O próprio Deus se fez Servo Sofredor. Deste modo, não é só a Eucaristia o lugar primordial de Deus: os sacramentos são simbólicos. A realidade é que deve nos falar em primeiro lugar, pois ela tem a ver diretamente com Deus, O pobre é, pois, o grande sacramento da Igreja; é o único sacramento que traz a salvação, segundo MT 25. Além do mais, a prática de Jesus se ordena para o encontro com o pobre. Não com o pobre numa forma contemplativa, aquele que vive numa pobreza meramente «espiritual», mas com o pobre que grita por pão. Deus está do lado do pobre. Muito mais: Deus está no pobre. Ademais, é importante assinalar que atrás de cada grupo humano há uma inspiração, algo que move e que dá força ao grupo para continuar caminhando, apesar das dificuldades e riscos.

Momento teológico: refere-se á missão da representante de Deus no mundo: a Igreja. Sua missão não é exclusivamente religiosa, mas evangelizadora. Isto significa dizer que a missão da Igreja extrapola o espaço religioso e atinge o campo social. Evangelização não se reduz à dimensão do culto, mas atinge o mundo do trabalho, a infra-estrutura da vida humana no que se refere ás suas necessidades básicas. Evangelização tem a ver com o que produz o sentido da vida e não só o seu desfrute. Nos Evangelhos, Jesus fala da infra-estrutura da vida e em seguida promete libertação. Neste sentido é que o seu discurso aponta para a prática e não para a teoria. A Boa-Nova que Ele anuncia não é um discurso, mas é algo que produz a boa realidade, que recupera a vida e que salva. Assim, podemos falar de amor ao outro e a Deus sempre quando procuramos resolver os problemas de infra-estrutura. Por isso, a missão dos CDDHs e Comissões Justiça e Paz é defender os direitos dos empobrecidos, criando condições básicas para a vida humana. Trata-se de lutar, em primeiro lugar, pela sobrevivência dos mais fracos e não tanto pela liberdade de expressão ou outros direitos dessa natureza identificados como direitos burgueses. Os direitos dos empobrecidos é elemento essencial na missão da Igreja porque Jesus colocou os pobres no centro de sua missão evangelizadora. Devemos perguntar, portanto, qual o Deus que está servindo e pregando? Que rosto de Deus veneramos? O pobre. o marginalizado, ou o ídolo, um falso deus? Já Paulo VI afirmava que se destruímos e violamos o rosto humano não temos acesso ao rosto de Deus.

Momento pastoral: está relacionado ao serviço da Igreja. Seu papel é servir o homem, independentemente da religião ou raça. A Igreja não existe para servir a si mesma ou a seus interesses corporativos. Na defesa dos direitos dos empobrecidos, a lgreja serve a todos, ao ser humano sem se importar com seus conhecimentos. Ela não deve visar unicamente seus membros, mas todo homem e o homem todo, Isto pertence a missão cristã de serviço ao mundo conforme a prática de Jesus. Nunca na história a instituição hierárquica assumiu o caráter profético de sua missa() de maneira tão radical como vem assumindo na América Latina e no Brasil. Não se pode desconhecer que a instituição tende a ser por si mesma conservadora. Apesar disso e de suas contradições, percebemos que a Igreja assome cada vez mais gestos proféticos em nosso continente sofrido e explorado, deslocando-se mais e mais do centro para a periferia.

Em seguida, o cientista político Ivo Lesbaupia, também convidado para assessorar os trabalhos, dirigiu algumas palavras aos presentes, procurando reforçar alguns pontos já acenados em plenário. Ei-los:

— O Sistema Capitalista acentua os direitos humanos c mo direitos individuais; ele favorece a centralização dos bens de produção nas mãos de uma minoria. Por isso, na propriedade privada está a raiz de todos os problemas sociais: dela decorrem todos os outros desequilíbrios sociais. O sistema defende o indivíduo e não o coletivo. Apesar disso, na América Latina tem-se criado um novo conceito de Direitos Humanos: estes significam direitos dos empobrecidos. Os grupos e comissões (levem se preocupar em defender os direitos dos mais fracos e explorados: aqueles com a sociedade abandonou. O nosso papel é criar conduções para que o povo se conscientize e se organize na luta pelos seus direitos. As lutas por terra, emprego, salário e muitas outras dessa natureza é que definem os Direitos Humanos.

f) Filme sobre “El Salvador”

Antes que se dessem por encerradas as atividades do dia, a coordenação do Encontro, no intuito de enriquecer as reflexões feitas, projetou filme sobre a situação de El Salvador. Todos tiveram oportunidade de perceber a que ponto chegou a violência naquele pais: torturas, perseguições, crimes, formam hoje o grande retrato da nação. O povo sofre na pele as consequências de uma ditadura absurda, inimaginável, iníqua na sua raiz. Neste filme está também documentado o martírio do nosso profeta-mor, D. Oscar Romero, que tanto soube defender os pequenos. Um filme de violência, de sofrimento, de sangue; um filme da luta, mas sobretudo da esperança de um povo.

3.4. ATIVIDADES DO 39 DIA — 28-1-83

a) Iniciando o dia, Frei Leonardo Boff fez breve exposição sobre a Igreja dentro do mundo capitalista, abordando os seguintes pontos:

— Justiça dentro da sociedade.

De inicio, o expositor comparou a sociedade capitalista a uma árvore: as raízes, responsáveis pelo sustento e alimentação da mesma, equiva1cm as trabalhadores, sustentáculo da economia capitalista; o tronco, veiculador da seiva vital,

foi comparado à classe capitalista, elemento constitutivo, imprescindível na existência do referido sistema; por fim, os galhos e as folhas, gerados pela força das raízes e do tronco, simbolizam os intelectuais, cientistas e técnicos. ~ neste contexto que se situa a Igreja. Ela perpassa todos os estratos da sociedade, o que foi confirmado pelo Vaticano II quando declarou que a Igreja se encontra dentro do mundo, uma Igreja no mundo e não vice-versa. Assim, as práticas da Igreja só poderão ser entendidas desde que articuladas com as práticas do mundo que a envolve. Não é de estranhar se nos próximos anos menos e menos se venha a ouvir, a nível oficial da Igreja, o discurso dos direitos humanos. Isso como reflexo da atitude dos governos que vão se fechando cada vez mais.

A Igreja participa da «convulsão» social. Unidade, pois, no sentido de discurso e de prática deve atravessar essa ruptura. O conflito é inerente ao social e a Igreja, que participa desse social, não pode estar imune a ele.

Como se posicionam os modelos de Igreja face ao poder.

Deparamos com duas atitudes. A partir do Vat. II, a Igreja se harmonizou com a sociedade, modernizando seus hábitos. Em decorrência disto ela se aproximou daqueles que detêm o saber e o poder. Entretanto, em relação aos pobres manteve sua atitude paternalista.

Com Medellin e Puebla surge uma nova postura da Igreja em relação aos pobres: uma atitude libertadora que consiste em reconhecer a força histórica dos oprimidos.

Quando a Igreja na América Latina faz opção pelos pobres, isto significa que ela não só está disposta, mas se compromete a devolver ao pobre a força de ele se libertar, o que implica participação nas decisões.

Conjuntura de Igreja.

Existe uma versão oficial que supõe a volta á grande disciplina. Aqui a referência básica é

o Vaticano II. Há dois modos de se ler os documentos. O primeiro é o dos que têm o Vaticano II à frente dos olhos e o vêem como ponto de chegada. Esta postura esconde a realidade porque só vê o texto. O segundo modo é o de quem digeriu o texto e já o tem na cabeça. Este olha para a realidade e se deixa iluminar pelo Vaticano II. Para este, o Vaticano II é um ponto de partida.

Quanto às grandes preocupações de João Paulo II, notam-se quatro diretrizes: 1) Consolidação do corpo sacerdotal: necessidade de mais padres; ele não se orienta, apesar de não atacar diretamente, a partir das novas perspectivas nascidas da fé do povo. 2) Doutrina segura: baseando-a no Vaticano II (não mais em Santo Tomás) para conseguir maior coesão do corpo sacerdotal. 3) Forte disciplina no aparelho eclesial: uso do hábito religioso, separação entre Igreja e mundo, necessidade de sinais cristãos visíveis fisicamente. Como polonês, assume o hábito como elemento subversivo frente ao governo comunista; mas não se dá conta de que aqui o hábito pode significar outra coisa, e até provocar riso. 4) Apóia-se no conservadorismo secular do nosso povo que não teve condição de assimilar o Vaticano II, e até sentiu-se agredido porque lhe tiraram seus símbolos, os seus santos. .

Quanto a este quarto ponto é preciso ter em mente que esse ideário também pode ganhar nova perspectiva: os santos estão vivos, conosco, e a exemplo deles, temos de lutar para transformar este mundo, para fazer vingarem as sementes do Reino nesta terra dos homens.

Em Medellin e Puebla, a Igreja na América Latina redescobre o submundo dos oprimidos. E aqui se dá conta de que não basta unir fé e vida, mas é preciso também unir mística e política. Au buscar ver o mundo a partir do oprimido, a Igreja percebe que tem de se compor com o movimento popular, porque o movimento popular tem o sentido profético do futuro.

b) Dando seqüência aos trabalhos do Encontro, o plenário aprovou a proposta da coordenação de se refletir em grupos os seguintes assuntos:

— Objetivos e prioridades dos CDDHS e CJP.

— Em que questões atuam e como?

— Como estão estruturados?

— Relacionamento com a Igreja local e outras entidades.

c) Plenário — Após longo debate nos pequenos grupos, foram expostas em plenário as conclusões referentes aos assuntos acima citados. Transcrevemos abaixo as contribuições de cada grupo:

Objetivos das entidades:

— Opção pelos pobres e marginalizados; pressão para a transformação social; assessoramento a outras entidades, como por exemplo Grupos de Uniún e Consciência Negra; evangelização dos índios procurando respeitar sua cultura; engajamento no trabalho junto ás bases para organização e luta popular; ação contra a violência policial (torturas); pressionar os setores tradicionais da Igreja sensibilizando-os para a situação de miséria do povo brasileiro; denunciar todas as situações de injustiça no intuito de provocar a sua superação e criar condições para que o povo se conscientize; politizar as questões sociais; buscar um socialismo que resolva os problemas básicos do povo e possibilite maior fraternidade entre os homens.

Prioridade de ação:

— Lota pelo solo tírl9ano, saúde, transporte, trabalho, etc.; luta contra a discriminação racial; lota em favor dos trabalhadores nas cansas trabalhistas; promover intercâmbio entre as entidades; pressionar órgãos públicos inoperantes para que cumpram soas funções em beneficio do povo chiando este sofrer violação dos seus direitos; criar novos CDDHs e apoiar os já existentes sobretudo nas áreas de grandes conflitos sociais; dar preferência aos casos mais urgentes de violação dos direitos; buscar ação conjunta com a Igreja, auxiliando-a quando necessário for; educação popular, assessoramento jurídico e demais praticas que favoreçam a conscientização das sociedades envolventes.

Em que questões atuar:

— Nas violações dos direitos humanos, sobretudo dos mais fracos, dos oprimidos, dos marginalizados, daqueles que não têm voz nem vez; nos casos ou situações de injustiça; nos casos de violência policial.

— Denunciando; incentivando as lideranças populares; aprofundando o relacionamento e o aprendizado mútuo com o povo oprimido; participando de atos públicos; organizando debates e cursos; apoiando reivindicações populares; criando condições para um trabalho de educação política; organizando a documentação das lutas do povo: a memória popular; fiscalizando leis discriminatórias; posicionando-se contra torturas abertas ou veladas; elaborando cartilhas que recuperem a verdadeira história; criando plantões de atendimento; formando comissões especificas para os diversos níveis de luta; oferecendo assessoramento; recolhendo e elaborando subsídios para reflexão dos grupos.

Como está estruturado?

Constatou-se que cada grupo possui características próprias de acordo com a realidade social e eclesial em que estão inseridos:

— Grupos ligados ao Regional da CNBB e referendados ao Bispo competente; grupos diocesanos ligados ao Bispo local; grupos ligados á Pastoral de uma paróquia; grupos registrados em cartório como entidades civis gozando de autonomia, mas com um certo relacionamento com a Igreja local; grupos desvinculados de qualquer credo religioso; grupos pertencentes a organizações de caráter internacional; grupos ecumênicos ou ligados apenas a uma Igreja; grupos formados por técnicos (advogados> ou por voluntários (leigos e religiosos); grupos que remuneram ou não seus participantes; grupos que possuem ou não sede própria; grupos que recebem ou não apoio financeiro do estrangeiro; grupos formados por núcleos de base, núcleos regionais, e núcleo nacional.

Relacionamento com a Igreja local e outras entidades

Pelo fato desta questão ter sido acenada nos pontos anteriores, o plenário não viu sentido em abordá-la novamente.

d) Na sexta-feira à tarde, o plenário teve ocasião de manifestar-se sobre a conjuntura atual, sendo levantadas as seguintes considerações:

A nível de Igreja: á Igreja caberá continuar pronunciando-se profeticamente a partir do povo;

— manifestar-se com relação ao nível de desemprego, para que não aumente.

Crise econômica: as soluções á vista continuam sendo a serviço do capital; — as conseqüências sobre as classes populares são arrocho salarial, desemprego, controle e repressão maior.

Situação política: os governos de oposição vão ter dificuldades: a linha de ação do governo federal já foi desencadeada: mudança dos comandantes do exército nos Estados de oposição, tentativa de controlar e reduzir os movimentos populares, êxito do governo federal na política de informação, investindo maciçamente na imprensa do interior e utilizando a Rede Globo para obter um consenso nacional. Serve-se também das agências tradicionais (jornal do Brasil, Globo, Estado de São Paulo e Eolha de São Paulo) que fornecem notícias para os jornais do interior, e de outras particulares como a da TFP, e do Grupo Convívio e ainda a Agência Brasileira de Notícias.

Em termos de Rio de Janeiro, o principal obstáculo é o governo federal: retirou do Banerj todo o dinheiro das estatais. Além disso, Brizola é paulista, auto-suficiente: orientou seus partidários não eleitos a formarem associações de bairro. Estarão eles dispostos a somar com as associações de moradores em vez de voltar-se contra elas?

— Nenhum movimento popular, até agora, foi além de reivindicações imediatas.

— Está havendo cooptação de pessoas engajadas no trabalho de base para integrar os quadros dos governos de oposição ou colaborar com eles: isso não acabará esvaziando a organização de base?

— O Brasil é um grande projeto dos EUA; a queda do Brasil tem peso internacional; assim, talvez o Brasil não chegue a quebrar, mas certamente sofrerá uma interferência mais direta.

Possivelmente entre março e junho, o governo reconhecerá sua incapacidade de pegar a divida: isso acarretará represálias no plano econômico, determinando uma redução nas importações e exportações, desembocando em aumento do desemprego.

O operário, perdendo o emprego e recuando, vai-se desmobilizando; isso poderá desencadear o protesto do desespero, até violento —diante dessa perspectiva o governo poderá estar se preparando para maior repressão.

— Diante de reivindicações populares desencontradas, a opinião publica poderá ver-se sem alternativas; isso acrescido da corrupção a nível de governo pode estar preparando o terreno para um golpe de direita, porque provavelmente os governos de oposição não terão condições de saírem-se melhor que os da situação.

Diante desse quadro, com o povo se mantendo apenas a nível de sobrevivência, qual a estratégia para as lutas desse povo, apesar de tudo, avançarem?

e) Exposição e debate sobre o SERVIÇO DE INTERCÂMBIO NACIONAL — SIN

— Entidade responsável pelo SIN e suas atribuições

De acordo com sugestão aprovada durante o 1 Encontro (ct. Documento referente ao SIN, no final deste relatório), segundo a qual os organizadores do Encontro se incumbiriam do SIN até o Encontro seguinte; com a organização do

II Encontro, a Comissão Arquidiocesana de Pastoral dos Direitos Humanos e Marginalizados, por conseguinte, ficaria com o encargo do SIN. São Paulo, entretanto, não aceitou essa tarefa, justificando falta de infra-estrutura. Aliás, foi também essa a justificativa de todas as entidades convidadas. Apesar de se levar em consideração as dificuldades expostas por Petrópolis, o pIenário sugeriu que o GAJP continuasse por mais um ano á frente do SIN. Até porque seria mais fácil para esse grupo em vista de toda uma experiência adquirida. Petrópolis aceitou a sugestão estabelecendo duas condições, aprovadas por todos os presentes. Em primeiro lugar, estavam descartadas quaisquer propostas de continuação desse serviço após o III Encontro — o prazo máximo estabelecido para uma mesma entidade foi de 2 anos. Em segundo lugar que os Regionais assumissem de maneira mais radical as suas responsabilidades apoiando de modo mais efetivo o SIN.

Quanto ás atribuições, além da responsabilidade administrativa do serviço de intercâmbio, enquanto troca de informações, foi também aprovado em plenário o poder de representatividade do SIN. Dessa forma, o GAJP enquanto responsável pelo SIN, passa a ter função representativa em alguns casos e ocasiões de maior repercussão e urgência (ex.: no julgamento dos padres franceses, etc. . .), podendo delegar essa presença a uma outra entidade do SIN mais próxima do local em questão.

Provisoriamente, para efeito de representar todos os participantes do intercâmbio, em eventos de significação nacional, convencionou-se denominar este movimento de «Conselho Ecumênico de Entidades de Defesa dos Direitos Humanos».

Regionais: Função e critério de divisão

Quanto á função, ficou estabelecido que, em suas respectivas regiões, a entidade responsável pelo regional teria as mesmas responsabilidades do SIN. No que se refere à divisão, manteve-se o critério geo-econômico já em vigor. Segue abaixo a relação da nova distribuição dos regionais e seus responsáveis:

NORTE (AC, PA, MA, RO): Centro de Defesa dos Direitos Humanos do Acre;

NORDESTE (CE, RN. PB, PE, BA): CNBB/ NE-Il — Centro de Defesa dos DHs;

LESTE 1 (MG): Comissão Arquidiocesana de Direitos Humanos;

LESTE 11 (ES): Comissão Justiça e Paz de Vitória;

LESTE III (RJ): Comissão Diocesana de Justiça e Paz de Nova Iguaçu;

SUL 1 (SP): Centro de Defesa dos Direitos Humanos de Osasco;

SUL II (PR, SC, RS): Centro de Defesa dos Direitos Humanos de Joinville;

CENTRO-OESTE (GO, MS): Comissão Justiça e Paz de Goiânia.

Metodologia de trabalho

Todo o processo de comunicação desenvolvido pelo SIN durante o período de 1982 foi mantido por ser o mais viável e mais rápido. Entretanto, pequenas modificações foram introduzidas com o objetivo de agilizar as informações e diminuir a sobrecarga da entidade central. Assim, por exemplo, nos casos de muita urgência, foi sugerido que o grupo solicitante de apoio enviasse a correspondência diretamente aos participantes do SIN e que este fosse apenas notificado por causa da documentação. Também em casos de divulgação de material ficou a possibilidade de contato direto entre as entidades ou através dos regionais.

Para melhor avaliação da participação dos grupos nas respostas aos apelos recebidos, os participantes do li Encontros se comprometeram a enviar para o SIN cópias ou avisos das medidas tomadas.

Com o objetivo de facilitar a luta na defesa dos direitos dos oprimidos, o representante da CESE (Coordenadoria Ecumênica de Serviço) assumi o compromisso de apoiar financeiramente, mediante um projeto, o SIN. Na medida de suas necessidades, os regionais poderiam contar com essa ajuda para organizarem seus encontros, e o SIN para as despesas de comunicação e para a fase de organização do III Encontro.

Articulação com, outros movimentos e organizações que defendem os Direitos Humanos em áreas especificas.

No intuito de se discutir esse problema foi feita uma reunião com representantes do SIN-GAJP e dos movimentos que atuam em área especifica presentes no II Encontro (dM1, CPT, Movimento de Defesa dos Favelados, Secretariado de Justiça e Não-Violência, MORHAN, Grupo União e Consciência Negra, UCBC e Anistia Internacional). Acreditamos que os questionamentos e as questões ai levantados são de grande importância para o avanço das lutas pelos Direitos Humanos no Brasil. Todos viam a necessidade de maior união e apoio nas lutas para maior força e divulgação. Em conseqüência das considerações feitas, resolveu-se o seguinte:

— que para os Encontros Nacionais de cada um dos movimentos ai representados seriam convidados um ou dois representantes dos demais movimentos na qualidade de observadores;

— que para os Encontros Regionais dos respectivos movimentos seria possível convidar representantes dos Regionais dos demais grupos;

— que no caso de correspondência, o grupo remetente a enviaria não para todas as entidades dos demais movimentos mas apenas para os judeus nacional e regionais desses movimentos;

— que para obter soluções de acordo com as necessidades de cada movimento o SIN elaboraria um questionário e o enviaria aos seus núcleos centrais;

— que cada um dos movimentos de área especifica dentro de suas caminhadas procuraria aprofundar a luta mais ampla pelos Direitos Humanos de todos os oprimidos e marginalizados.

f) Deliberações sobre O III Encontro

Ainda lembrando as sugestões do II ENCONTRO, Vitória foi escolhida para sediar o III ENCONTRO. Os representantes daquela Comissão Justiça e Paz aceitaram a proposta com a possibilidade de serem os próximos responsáveis pelo SIN. A data provável escolhida foi janeiro ou fevereiro de 1984. O plenário debateu um pouco o assunto contribuindo com várias sugestões para Vitória com vistas ao III Encontro a realizar—se em 1984.

g) Finalizando os cansativos trabalhos do dia, e do próprio Encontro, fez-se uma alegre confraternização de todos os participantes. Na alegria da música, festejamos os trabalhos e as crises desses três dias onde tudo foi superado graças á fé profunda na luta pelos direitos de todos os homens, sobretudo daqueles mais fracos e pequenos. Dançando o forró do povo, cantando a seresta e a música popular ao som de violão, sanfona e outras improvisações, aprofundamos os laços da luta e renovamos nossas opções.

3.5. ENCERRAMENTO — 29-1-83

a) Avaliação final do II Encontro

Preparação

— A pauta para o Encontro foi ao mesmo tempo aberta e abrangente, objetivando respeitar o andamento do próprio Encontro; supunha. no entanto, um entrosamento mais significativo, que

não houve, entre as entidades no âmbito dos regionais durante o ano de 1982.

— Não se esteve atento para estabelecer previamente o nível de participação das entidades de campo especifico de ação (CIMI, Consciência Negra, Favelados, OAB, Hanseníanos, UCBC, Anistia Internacional, CPT, MFC, Justiça e Não Violência. .

— Faltou maior intercâmbio de consultas-sugestões entre a Comissão organizadora e os Regionais durante o ano de 1982.

Local

Escolha positiva. Alojamento, refeições, espaço para reuniões, excelentes.

— Sendo em lugar retirado, facilitou a participação, impedindo «fugas» para a cidade.

Organização

— Boa. Cuidou bem da infra-estrutura, providenciou todo o material necessário; preocupou-se com programação intermediária: filmes, ato público com Teotônio Vilela, feira de subsídios para o trabalho com as bases.

— O esquema de chegada e sadia dos participantes ao local, de difícil acesso, não deixou nada a desejar.

Disposição dos participantes

— Criou-se um ambiente livre e descontraído.

— Grande boa vontade por parte de todos, apesar do cansaço e expectativa em certos momentos.

Andamento do Encontro

— A preocupação com manter o ambiente democrático do Encontro gerou certa desorientação, que acarretou certa indisciplina por parte do plenário.

— Faltou definição mais clara sobre os passos a serem dados dentro do próprio Encontro, talvez por insegurança da própria equipe de coordenação indicada pelo próprio plenário.

— O revezamento do pessoal da equipe de coordenação para o encaminhamento dos trabalhos prejudicou o andamento do Encontro por indefinição da dinâmica a ser seguida.

— Não se levou em conta a pedagogia do ver-julgar-agir, querendo-se fazer tudo ao mesmo tempo, acarretando dispersão.

— Falta de disciplina intelectual: colocações soltas, sem objetividade, extensas. Temos muito a aprender com o povo simples neste particular. Não soubemos evitar o cerebralismo em certas ocasiões.

— Faltou síntese no inicio de cada sessão para sintetizar o caminho andado e definir os passos seguintes, retificando ou confirmando rumos.

— O enfoque foi mais urbano que rural.

Maior preocupação com a perfeição formal de definições e documentos que com os passos concretos para o trabalho posterior.

— Não se superou o nível das denúncias públicas.

— A vontade de ser libertador falou mais alto que a busca da pedagogia de libertação. Estivemos mais preocupados com «como podemos libertar o povo» que com «como nos pormos a serviço da libertação do povo».

Apesar da dispersão, houve riqueza de informações durante o Encontro.

— Houve quem destacasse a imaturidade do plenário, pois não soube «virar a mesa» para imprimir um andamento mais dinâmico ao Encontro.

Participação

Certa passividade por parte de alguns, no plenário e nos grupos. Outros tiveram participação marcadamente individualista.

— A organização dos grupos falhou no sentido de melhor poder aproveitar a heterogeneidade dos participantes do Encontro.

— As reflexões poderiam ter sido em grupos menores e mais freqüentes.

— As entidades de atuação em campo especifico dos direitos humanos não tiveram espaço para uma participação mais concreta e efetiva.

— Faltou maior representatividade das bases.

— Houve pessoas da base que se retiraram por se sentirem marginalizadas dentro do próprio encontro de direitos humanos.

A participação do assessor precisa ser melhor pensada, no sentido de melhor auxiliar o andamento do Encontro.

SÓ se recorreu aos assessores quando as coisas se confundiam. A contribuição que eles têm a dar poderia ter sido bem melhor aproveitada.

— Louva-se a permanência dos assessores durante todo o caminhar do Encontro, sua capacidade de ouvir e sua disponibilidade.

A comissão de redação escolhida para o Encontro.

O Serviço de Intercâmbio, apesar de não ser um trabalho realizado diretamente no li Encontro, foi tido como muito bom. Destacou-se que o número de entidades participantes do II Encontro praticamente duplicou com relação ao I Encontro, fruto positivo do SIN.

Quanto ao documento final houve quem o julgasse muito abrangente, com propostas demais, o que acaba criando perplexidade e sentimento de impotência diante de tanto o que fazer.

b) Dom Paulo Evaristo Card. Arns visita o Plenário

Dia 29. às 10 horas, recebemos a visita de D. Paulo Evaristo Arns, Cardeal Arcebispo de São Paulo, juntamente com um seu companheiro de muitas lutas, o jurista Hélio Bicudo.

Foi-lhes lido o Documento final do Encontro.

D. Paulo, em conversa com o plenário, destacou: "Não é a minha presença aqui, mas e a presença de vocês cicie levanta tanta esperança. No meio da poluição, tantas estrelas para iluminar a noite". Referindo-se á leitura do Documento, disse terem-lhe ocorrido duas passagens bíblicas: a do livro de Neemias, onde Esdras lê diante do povo o projeto de Deus, e no NT o livro cio Apocalipse.

«Vocês falaram a verdade, comentou o Cardeal, do fundo da experiência e da fé. Terem vindo até aqui e realizarem o que realizaram é um ato de coragem e ao mesmo tempo fruto da inspiração divina». Esse Documento, frisou, vai ter repercussão junto ao povo, mas também junto á classe média e classe dominante, interessada em saber o que se pensa e o que se planeja por ai.

Passou em seguida ás mãos da coordenação do encontro um envelope com dinheiro mandado pela Alemanha. «Há pouco tempo, quando estive lá, explicou D. Paulo, falei deste encontro, O pessoal está interessado no que acontece por aqui. A titulo de apoio ao trabalho de vocês, deram-me este envelope, que nem abri».

Chamou também a atenção para o papel da grande imprensa. Há muitos jornalistas interessados e atentos às lutas do povo, mas nem sempre suas matérias conseguem passar pelo crivo dos selecionadores. Também os jornalistas sofrem o peso da censura ideológica interna por parte dos periódicos onde trabalham. É importante, por isso mesmo, que se aproveitem os espaços disponíveis, por menores que sejam.

A informação, continuou, «não está simplesmente em dizer alguma coisa, mas em dizer de tal modo que envolva outro. A informação é geradora de consciência e de ação». E não é fora de propósito lembrar que «se eu não me posiciono hoje, amanhã acabo sendo vitima», insistiu o Cardeal, comentando o caso da Argentina com relação aos desaparecidos, O problema só não ficou no esquecimento porque as Igrejas dos diversos países e a imprensa internacional não se omitiram diante do problema da repressão, divulgando-o e retornando freqüentemente ao tema.

Os direitos humanos, sentenciou, «brotam do Evangelho, pertencem ao próprio ser humano como tal, não são mero fruto da cultura». t interessante notar, conforme considerou D. Paulo, que a luta da anistia, por exemplo quebrou as fronteiras entre Igrejas e entre países. A prática e mais importante que as conceituações porque é a prática que constrói o novo. ~ a união entre os homens que faz a união com Deus. Somos todos co-responsáveis pelos problemas que andam por aí. O que acontece em El Salvador. Nicarágua, Honduras, Guatemala, nada disso é indiferença para nós. E quando um chileno, expulso, se refugia no Brasil, em busca de sobrevivência, isso nos faz lembrar também quantos brasileiros andam pelo Chile e por outros lugares em busca da mesma sobrevivência Todos estamos envolvidos, conscientes disso ou não, com os problemas internos e externos. A solidariedade é a arma dos fracos. E aqui não haveria como esquecer a grande luta que estremeceu o nosso pais, as greves do ABC paulista: quanta gente se colocou ao lado dos trabalhadores!... Tudo isso, toda essa efervescência, toda essa tomada de posição “é preparação para o que está chegando”, acrescentou D. Paulo.

«Fica a minha solidariedade total a vocês. Levem para suas localidades a nossa animação», concluiu D. Paulo, recomendando ainda que se promovesse a máxima divulgação possível do Documento do Encontro insistindo: ~E preciso lutar com o pessoal de imprensa para que o Documento seja divulgado com a força que ele tem». Recomendou também que sejam preparadas versões populares enfocando as diversas realidades; cada grupo faça a sua versão, comunicando-a aos demais, para troca de experiências.

Antes de passar a palavra para o jurista Hélio Bicudo, o Cardeal Arns apresentou-o com este significativo testemunho: “Hélio Bicudo foi dos primeiros que se apresentaram para a luta dos direitos humanos na Arquidiocese. Já antes ele havia enfrentado sozinho a luta contra o ‘esquadrão da morte’, sabendo que sempre estavam na mira sua esposa e seus cinco filhos. Hélio Bicudo sempre esteve pronto, durante estes 20 anos nunca disse não quando foi convocado. E essa dedicação é assumida com toda a simplicidade, pois, como ele mesmo costuma dizer: ‘o que fizemos é sempre muito pouco, é agora que vamos começar”.

Com a palavra, Hélio Bicudo:

«Os pontos que vocês fixaram no Documento são esses mesmo: terra, violência policial, inexistência da justiça, que é instrumento da opressão, luta contra a Lei de Segurança Nacional, que ainda não encontrou a repercussão que deveria ter encontrado. Um pais democrático não precisa dessa lei, que não é de segurança nacional mas de segurança do Estado de dominação». E com breves considerações concluiu Hélio Bicudo: «A policia militar pode ser agora, a qualquer momento, colocada a serviço do comando do Exército, pode ser convocada para o serviço da repressão, que se afigura agigantada, para impedir que os pobres, os humildes, os trabalhadores possam conviver com a paz. Por isso mesmo nossa luta é uma luta pelo homem, pelo pobre, que é o querido de Deus».

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