História
dos Direitos Humanos no Brasil
Encontros
Nacionais do MNDH
Movimento
Nacional de Direitos Humanos
1982
| 1983
| 1984
| 1986
| 1988
| 1990
| 1992
| 1994
| 1996
1998
| 2000
| 2002
| 2004
| 2006
| 2008
| 2010
| 2112
1982
I
Encontro Nacional de Direitos Humanos do
MNDH
1982, Petrópolis-RJ
RELATÓRIO
DO I ENCONTRO NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS
1.
O surgimento de uma idéia
A
atual situação do homem nos mais longínquos
pontos do território nacional é o mais forte
clamor de justiça, O número dos «sem vez
e sem voz» aumenta a cada dia: seus direitos
são profundamente violados naquilo que é
mais essencial à dignidade humana, O crescimento
galopante de um processo de desumanização
da sociedade exige uma resposta. «Não se
pode ficar indiferente: ou participamos
direta ou indiretamente na construção dessa
sociedade falida, ou nos posicionamos contra
ela, possibilitando o nascimento da civilização
do Amor’ (João Paulo II). Não há outra saída.
Foi
dentro desse quadro, fortemente motivados
pelas necessidades locais, que surgiram
os mais diversos grupos de defesa dos direitos
humanos. Surgiram desordenadamente sob diferentes
nomes e origens várias: Quanto á religião,
ou lugar social, os estatutos internos etc.
Guardadas
as peculiaridades de cada grupo, destacam-se
dois pontos onde todos se encontram. Em
primeiro lugar, o objetivo de suas lutas:
a defesa dos direitos humanos, sobretudo
daqueles mais empobrecidos e marginalizados.
Em segundo lugar, o «como» surgiram: nenhum
foi criado de cima para baixo, por autoridades
instituídas. Ao contrário, nasceram espontaneamente
e se fortaleceram pela prática, O agir conquistou-lhes
espaço, autonomia e respeitabilidade dentro
da sociedade. Atualmente são reconhecidos
(o que não quer dizer: apoiados) dentro
da estrutura civil e religiosa.
Vencido esse
primeiro momento, eis que aparece outro
obstáculo na caminhada de defesa dos fracos
e oprimidos: os grupos isolados uns dos
outros sentiam-se fracos diante da institucionalização
do desrespeito aos direitos do homem. Urge
unir a caminhada de todos, fortalecer a
luta. Os responsáveis por essa realidade
desumana aperfeiçoam a cada dia a sua organização
gerando situações de radical injustiça.
Tornava-se indispensável uma maior articulação
entre aqueles que se empenham pela justiça.
Assim é que nasceu a idéia do I Encontro
de Direitos Humanos.
2.
A preparação para o Encontro
Os
primeiros contatos pessoais foram bastante
proveitosos: todos sentiam a importância
do evento. Natal (RN), Juiz de Fora e Nova
Iguaçu foram a aderir. Logo outros grupos
foram convidados. Entretanto uma dificuldade
se apresentou impedindo um melhor andamento
dos trabalhos e fortalecendo a idéia da
necessidade de organização: não se tinha
conhecimento dos grupos existentes, nem
possibilidade de obter informação sobre
seus endereços.
Vinte
e quatro convites foram enviados aos poucos
grupos mais conhecidos. Alguns (10) foram
endereçados aos cuidados dos bispos locais.
Entidades dedicadas á defesa dos direitos
humanos em áreas específicas (como a CPT,
o CIMI, a CBA etc.) foram igualmente convidadas.
Enfim, um longo trabalho de contatos telefônicos
resultou na boa percentagem de representações
presentes nesse primeiro Encontro. Muitos
dos que estiveram ausentes por justa causa
não pouparam seu total apoio aos objetivos
apresentados, assegurando sua posterior
presença na caminhada que ora iniciávamos.
Autoridades
religiosas – católicos e luteranos empenhados
profundamente na construção do Reino de
Deus, Reino de Justiça e Paz, incentivaram
e apoiaram a tentativa de maior articulação
entre os grupos. Assim, D. Paulo Evaristo
Aros, Cardeal Arcebispo de São Paulo, impossibilitado
de comparecer, se fez representar pelo Dr.
Hélio Pereira Bicudo. Também a Igreja Evangélica
de Confissão Luterana do Brasil esteve presente
na pessoa da Pastora Rosa Marga Rothe, representando
o Rev. Alberico Baeske, Pastor Regional.
Convidado para
proferir a palestra inicial do Encontro,
embasamento teológico para todo o trabalho
de reflexão, o teólogo franciscano Pe. Frei
Leonardo Boff mostrou-se entusiasmado pelas
possibilidades que surgiriam a partir desse
primeiro passo. A certeza de seu apoio e
presença como assessor de teologia durante
todo o Encontro trouxe nova força aos preparativos.
Muitos obstáculos
se sucederam, mas todos foram superados
pois «nenhuma força tem mais condições de
extirpar a semente da justiça do nosso chão»
(CIC).
3. O ENCONTRO
– Grupos presentes e representados
Trinta
e três grupos estiveram presentes participando
ativamente dos trabalhos do 1 Encontro de
Direitos Humanos, realizado de 20 a 24 de
janeiro de 1982, no Centro de Estudos Franciscanos
e Pastorais para a América Latina (CEFEPAL),
Petrópolis, Ri. Os organismos representados,
oriundos de onze Estados brasileiros das
regiões Norte, Nordeste, Sudeste e Sul,
são os seguintes:
—
Centro de Defesa dos Direitos Humanos do
Acre.
—
Comissão Pastoral Arquidiocesana de Direitos
Humanos de Belo Horizonte/MG.
—
Comissão de Defesa dos Direitos Humanos
de Betim/MG.
—
Centro de Defesa dos Direitos Humanos de
Juiz de Fora/MG.
—
Comissão «Justiça e Paz» Equipe de Serviço
às CEBs – Teófilo Otoni/MG.
— Comissão
Diocesana Justiça e Paz de Teófilo Otoni/MG.
— Pastoral
Operária da Diocese de Uberlândia/MG.
— Comissão
Justiça e Paz da Diocese de Uberlândia/MG.
—
Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos
Humanos de Belém/PA.
—
Centro de defesa dos Direitos Humanos/ Assessoria
e Educação Popular de João Pessoa/PB.
—
Centro de Defesa dos Direitos Humanos de
João Pessoa/PB.
—
Comissão Pontifícia Justiça e Paz
da Arquidiocese de Natal/RN.
—
Movimento de Justiça e Direitos Humanos
de Porto Alegre/RS.
—
Comissão de Direitos Humanos Segurança Social
e Defesa do Consumidor da Assembléia do
Rio Grande do Sul.
—
Comissão Diocesana de Justiça e Paz de Nova
lguaçu/RJ.
—
Comissão Diocesana de Justiça e Paz de Friburgo/RJ.
—
Grupo Ação, Justiça e Paz de Petrópolis/RJ.
—
Secretariado Pró-Justiça/Movimento Familiar
Cristão do Rio de Janeiro/RJ.
—
Centro de Defesa dos Direitos Humanos de
Joinville/SC.
—
Comissão de Justiça e Paz de Florianópolis/SC.
—
Centro «Santo Dias» de Defesa dos Direitos
Humanos da Arquidiocese de S. Paulo.
—
Comissão Arquidiocesana de Direitos Humanos
e Marginalizados de S. Paulo/SP.
—
Centro de Pastoral Vergueiro de S. Paulo/SP.
—
Comitê de Direitos Humanos de Vila Remo/SP.
—
Centro de Defesa dos Direitos Humanos de
Osasco/SP.
—
Comissão de Justiça e Paz de Lins/SP.
—
Comissão de Direitos Humanos da Diocese
de Lins/SP.
—
Centro de Defesa dos Direitos Humanos/Núcleo
Boqueirão de Santos/SP.
—
Comitê Brasileiro pela Anistia.
—
Grupo de União e Consciência Negra.
—
União Cristã Brasileira de Comunicação Social.
—
Coordenadoria Ecumênica de Serviço – Salvador/BA.
Os
trabalhos foram iniciados ás vinte horas
do dia 20 de janeiro com a apresentação
individual de todos os presentes. Esclarecidos
os objetivos do Encontro, formaram-se espontaneamente
as diversas comissões de trabalho, que se
reuniram para preparar o dia seguinte: —
Comissão de Secretaria, de Liturgia de Murais,
de Serviços de Copa, de Coordenação da Dinâmica.
A cada dia designou-se três representantes
como porta-vozes do Encontro para a Imprensa.
O critério
escolhido na distribuição das equipes foi
a representatividade das várias camadas
sociais presentes, isto é: profissionais
e operários, leigos e religiosos, negros
e brancos, homens e mulheres. Todos tiveram
voz e igual peso de voto em plenário. Ninguém
foi privilegiado ou marginalizado, em função
de sua maior ou menor experiência. Porque
na defesa dos direitos humanos «é caminhando
que se aprende a caminhar».
4. O ENCONTRO
– Base teológica para as reflexões
No
dia 21 os trabalhos começaram com a palavra
do teólogo Frei Leonardo Boff sobre «Os
direitos dos pobres como direitos de Deus».
Em aproximadamente
60 minutos o conhecido franciscano fez clara
exposição sobre a História da luta pelos
direitos humanos desde o século XVI. Analisou
as raízes das várias declarações, e a partir
de que interesses foram elaboradas. Dentro
desse quadro histórico esclareceu a ausência
da Igreja-instituição nos primeiros tempos
da luta e sua progressiva inserção na defesa
dos fracos e oprimidos. Finalmente, á luz
da Palavra de Deus na Bíblia, fundamentou
os direitos das maiorias empobrecidas e
o compromisso das Igrejas na nobre luta
pela justiça. Tendo como base os últimos
documentos da Igreja concluiu o teólogo
afirmando que evangelizar e servir a Deus
e promover e defender os direitos dos homens
5. O ENCONTRO
– Apresentação dos relatos
A
partir das nove horas e trinta minutos do
dia 21 até as treze horas do dia 22, os
organismos presentes relataram sua experiência
de trabalho, Foram enfocados os seguintes
pontos:
01.
Nome do organismo;
02.
Origem, como e quando nasceu;
03.
Relações com a hierarquia eclesiástica local;
04.
Manutenção: formas do organismo;
05.
Atividades: uma sucinta radiografia da realidade
local, o que foi feito sobre essa realidade,
metas a atingir;
06.
Obstáculos principais.
Feita
a exposição de cada entidade e obedecendo
á ordem acima estabelecida, pode-se concluir:
Origem
— A grande maioria surgiu a partir da metade
da década de 70. Entre os presentes, apenas
os CDDHs de São Paulo e a CDJP de Nova lguaçu
tinham origem mais remota. Como já foi aludido
no inicio do presente relatório, todos
iniciaram suas atividades pressionados pelo
desrespeito aos direitos humanos, por fatos
concretos onde o homem foi injustiçado
e violentado na sua dignidade. Na área rural
esses fatos se reduzem a problemas de posse
de terra e da falta de condições de sobrevivência
das grandes maiorias. Na área urbana são
o crescimento das favelas, a marginalização
dos empobrecidos, a violência policial legalizada.
Mais precisamente, os dois grupos acima
citados surgiram como reação aos atos arbitrários
do DOI-CODI paulista e ao sequestro de D.
Adriano Hipólito.
Item
3 — A quase totalidade dos grupos presentes
mantém boas relações com os seus respectivos
bispos. Apesar de serem organismos autônomos
(no caso dos CDDHs) são apoiados em suas
lutas com grande liberdade de atuação. As
CJP estão profundamente ligadas à cúria
local tendo estas a participação mais definida
dos bispos. O mesmo acontece com a IECLB.
Infelizmente existem ainda exceções.
Item
4 — Alguns grupos recebem ajuda da Igreja
local (secretário, advogado). Outros se
mantêm através de contribuições dos membros
do grupo e de associados e recebendo uma
ajuda de fora. Em geral, a manutenção é
mista: o próprio grupo complementado por
outra instituição.
Item
5 — Todos atuam na denúncia das várias
violações dos direitos humanos através dos
meios de comunicação (imprensa, rádio e
TV). Possuem uma linha de atuação ao nível
de conscientização promovendo cursos e palestras.
Estas têm como principal objetivo o esclarecimento
sobre os direitos da pessoa, leis trabalhistas,
fé e política. Finalmente, desenvolvem uma
prática de apoio e solidariedade em relação
às questões locais (problemas de posse da
terra e de ocupação do solo urbano; violência
policial, torturas e libertação de presos;
problemas com estrangeiros e refugiados
políticos; questões trabalhistas e apoio
à greve por justa causa; assessoria popular
e assistência jurídica; incentivo e apoio
para uma verdadeira mobilização popular
através de sindicatos associações de bairros,
etc.; estudo e aprofundamento da Palavra
de Deus através de grupos de reflexão da
Bíblia e de CEBs.
Item 6 — Falta
de advogados conscientes e dispostos a uma
verdadeira defesa dos direitos humanos;
falta de agentes qualificados; desatualização,
oposição e indiferença de boa parte de autoridades
eclesiais nos mais diversos níveis — bispos,
padres e religiosos; acomodação do povo
e má formação política.
6. O ENCONTRO
– Grupos e plenários
A
partir das 15 horas do dia 22 até o final
do Encontro na noite do dia 23 todos os
trabalhos seguiram a dinâmica de estudo
e propostas em grupos pequenos para posterior
apresentação e aprovação em plenário. Pontos
refletidos e aprovados:
—
E necessária e indispensável a articulação
dos organismos de todo o território nacional
para melhor organização e fortalecimento
da luta pela justiça e paz.
—
A realização do 11 Encontro de Direitos
Humanos em janeiro de 1983. Local ainda
não confirmado — São Paulo ou Vitória.
—
O grupo Ação, Justiça e Paz de Petrópolis
ficou responsável pelo serviço de intercâmbio
entre os diversos grupos, até o próximo
Encontro.
—
As entidades presentes foram divididas em
quatro regionais com uma responsável pela
articulação e mobilização a nível regional.
NORTE: Acre e Pará; NORDESTE: Paraíba e
Rio Grande do Norte; SUDESTE: Rio de Janeiro,
Espírito Santo e Minas Gerais; SUL: 5. Paulo,
5. Catarina e Rio Grande do Sul.
—
Prioridades para 1982: debates sobre Fé
e Política, apoio à luta pela Reforma Agrária,
questão do Solo Urbano, a violência policial
e adesão ao debate sobre educação e direitos
humanos, no quadro da Campanha da Fraternidade
82.
—
Um Documento Final do Encontro para as autoridades
civis e religiosas, entidades competentes
e imprensa.
—
Moções de solidariedade com os padres Camio
e Gouriou e posseiros, apoio à Assembléia
da CNBB sobre Solo Urbano, aos posseiros
de Camocim/PB, repúdio aos pacotes previdenciário
e eleitoral, apoio aos trabalhadores da
Polônia, apoio aos posseiros de Ronda Alta,
apoio aos familiares dos mortos e desaparecidos
políticos do Brasil, apoio aos desabrigados
de Petrópolis, apoio ao Cardeal Paulo Evaristo
Arns que denunciou a corrida armamentista
no Brasil, em favor da publicação dos nomes
dos mortos e desaparecidos políticos, apoio
aos trabalhadores rurais de Santarém PA,
repúdio á vigente Doutrina de Segurança
Nacional.
^
Subir
1982
| 1983
| 1984
| 1986
| 1988
| 1990
| 1992
| 1994
| 1996
1998
| 2000
| 2002
| 2004
| 2006
| 2008
| 2010
| 2112 |