História
dos Direitos Humanos no Brasil
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1982
I
Encontro Nacional de Direitos Humanos do
MNDH
1982, Petrópolis-RJ
ANEXO
Pastoral
dos Direitos Humanos e dos Marginalizados
Este
trabalho é da autoria de Frei Gilberto Gorgulho,
O.P. Constituindo-se como estudo básico
para entender a problemática dos DH à luz
da Sagrada Escritura, reproduzimos seu texto
integra! do “Boletim da Comissão Arquidiocesana
de São Paulo” Ano 77, N 01.
A
ALIANÇA E OS DIREITOS HUMANOS
INTRODUÇÃO
O
que o AT nos fala sobre os Direitos do Homem?
— Há vários caminhos para uma resposta.
Mas. devemos procurá-la à luz da originalidade
explícita da consciência cristã. O seu conteúdo
é apresentado pelo NT em dois pólos fundamentais:
— a fé em Jesus Cristo, e o mandamento novo
do amor.
Isso
nos leva á metodologia da exposição: procurar
como o Povo de Deus foi no decorrer de sua
história, explicitando a sua antropologia
e como foi organizando a convivência social
a partir de sua visão do homem em relação
com Deus.
Mas,
coloca-se ainda um problema de fundo. Pois,
os Direitos do Homem são um dado da colação,
ou são um dado da natureza humana. Pelo
fato de ser criatura de Deus o homem tem
direitos. Essa visão é fundamental, e serve
de base para a convivência universal com
vistas a um mundo mais justo e solidário.
Contudo,
isto ainda é o mínimo do respeito à dignidade
humana. Mas o que tem de novo na visão cristã
do homem, e como compreender os direitos
humanos numa visão da graça? Neste regime
do dom gratuito e do amor como falar ainda
destes direitos do homem: «onde está, então,
o motivo da glória», no sentido da teologia
Paulina (Rm 1,27)? O homem não conquista
a justiça, mas a recebe como um dom: e o
ato de fé, mais do que qualquer outro, exclui
tal auto-suficiência, porque através dele
o homem atesta sua insuficiência radical.
Assim,
julgamos que o caminho mais indicado para
respeitar a esses problemas, está em compreender
a vida das pessoas humanas, no dinamismo
e no contexto da Aliança, olhando para a
direção do que será em Cristo a revelação
do Homem Novo (01 3,28; Ef 2,11-18; Cl 3,5-13
e 14-15.
Devemos compreender o dado
natural à luz da novidade do mandamento
novo do amor, e por ai teremos a visão cristã
dos Direitos do Homem.
A
nossa segunda perspectiva será o dinamismo
da dignidade humana, compreendida como um
dom, uma tarefa e uma conquista. Os pobres
lutam e defendem a sua «Honra»; procuram
ver todas as dimensões dessa dignidade (EcI
17,1-14). A missão de Cristo, entendida
nesta linha, mostra que a sua finalidade
foi restaurar no homem a Imagem de Deus,
dando-lhe a possibilidade de realizar a
sua vocação já inserida na criação (Cl 3,9-10).
Agora os homens podem vivê-la nas exigências
e possibilidades da nova criação, ou na
realidade do Homem Novo, cuja dignidade
e perfeição está no vinculo do amor (Cl
3,14). Podem realizar a Imagem do Filho,
a qual é a meta final de sua vocação, segundo
a intenção de Deus, na criação e na nova
criação (Rm 8,29; Gn 1,26-27).
Essa
nossa exposição quer mostrar, como consequência
que, tanto uma visão cristã dos Direitos
do Homem quanto uma pastoral que queira
promovê-los, devem inserir este dado da
criação no conteúdo e no clima da Aliança
e do Homem Novo, fato aliás, que torna a
visão mais aguda e a promoção da dignidade
humana mais exigente ainda. Pois, para
a compreensão autêntica da natureza e da
vida do homem é preciso dizer que tudo é
graça.
1.
Num primeiro momento, veremos como o Povo
da Aliança foi explicitando a maneira e
o conteúdo da convivência no respeito á
dignidade do próximo; a história foi explicitando
as implicações e as dimensões do dado bruto
que vem da criação.
2.
Depois, veremos o dinamismo da dignidade
humana como o fundamento, o dinamismo e
o sentido da marcha da história: a dignidade
especial do homem, deste ser quase divino,
criado á Imagem de Deus, prepara o dom sublime
da Aliança (Ecl 17,11-12). Por isso, a «Honra»
dos pobres tem que ser defendida e a redenção
operada por Cristo foi um ato de vitória
e de conquista da verdadeira Imagem de Deus
para os homens (SI 8; Sb 2,10-20; Cl 2,15;
3,4; 3,9-11).
3.
Finalmente, veremos o sentido da missão
de Cristo como essa restauração da Imagem
de Deus no homem, e a criação do Homem Novo
como o contexto e o dinamismo para o respeito
e promoção da dignidade e direitos das pessoas
a partir do vinculo da perfeição que é a
caridade (CI 3,14).
^
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—
A ALIANÇA E A SOLIDARIEDADE
1.
As pessoas no povo
A
divisão sociológica do antigo povo de Israel
aparece em Js 7,16-18: — os elementos estruturais
são a casa, a tribo, e o povo. Nesses diversos
níveis de convivência as pessoas se relacionavam,
orientadas por uma consciência da unidade
e da solidariedade (cf. Jz 20,10-11).
É
nesta estrutura social que aparece a primeira
concepção da pessoa humana. Não se trata
de um indivíduo fechado em si mesmo, isolado
dos outros. Mas, pertencer ao povo de Deus
consiste em ser aberto para os outros com
os quais se deve conviver na casa, na tribo
e no conjunto do povo unido em Aliança (Js
24,lss).
^
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2.
As normas de convivência
É
neste contexto que aparece também as primeiras
manifestações da consciência e do respeito
às pessoas. Cada qual ê visto segundo o
seu papel, a sua função e a sua missão.
em cada um destes elementos estruturais.
Surge, então, a consciência do outro como
próximo que se deve respeitar, proteger
e promover.
A
primeira manifestação dessa realidade está,
certamente, em Lv 19,3-12. Este Decálogo
exarado no singular é como um catecismo»
do respeito ao próximo, no contexto da
casa patriarca!. É preciso respeitar o pai
e a mãe, venerar a Deus, ajudar o pobre
e o estrangeiro (vv. 9-10), e respeitar
o direito do próximo (v. 11).
A
explicitação se faz logo a seguir, em Lv
19,13-18. O relacionamento ético social
se fundamenta numa forma dinâmica capaz
de regular toda a convivência. E ai já aparece,
então, o binômio fundamental da «Justiça
e do Amor», como base da convivência e da
solidariedade social:
—
não explorar o próximo (v. 13);
—
respeitar a justiça (v. 15);
—
amar ao próximo como a si mesmo (v. 18).
^
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3.
As dimensões da convivência
As
exigências da Justiça e do Amor, na vida
cotidiana, explicitam-se mais ainda quando
se procura sintetizar de maneira normativa
as dimensões do relacionamento entre as
pessoas.
Assim
o Decálogo, na sua formulação mais antiga,
em Ex 20,1-17, vê no relacionamento com
Deus e com o próximo as dimensões fundamentais
da convivência, dentro da casa, da tribo
e de todo o povo unido em Aliança.
a)
O relacionamento com Deus:
1.
Não terás outros deuses;
2.
Não farás para ti imagem de escultura;
3.
Não tomarás o Nome de Iahweh em vão;
4.
Lembra-te do dia do sábado.
b)
O relacionamento com o próximo:
5.
Honra o teu pai e a tua mãe;
6.
Não matarás;
7.
Não adulterarás;
8.
Não furtarás;
9.
Não dirás falso testemunho contra o teu
próximo;
10.
Não cobiçarás a casa do teu próximo.
A
primeira dimensão está no relacionamento
com Deus. A estrutura pessoal deste relacionamento
aparece como aceitação do senhorio exclusivo
de Deus que não suporta rivais, e deve ser
venerado por uma atitude religiosa pelo
respeito á sua intimidade da qual o Nome
é a Manifestação.
No
relacionamento com o próximo o conteúdo
da convivência explicita-se nos dados imediatos
da criação: respeito à origem da vida (pai
e mãe), a vida em si mesma (matar), a geração
sexual (adultério), a subsistência da vida
(furto), a dignidade e a honra do outro
(falso testemunho), a alteridade e a função
no todo (cobiça).
N.B.:
— é interessante notar a explicitação que
se fez quanto ao respeito á mulher. Em Ex
20,17 é um elemento entre outros na casa.
Mas Dt 5,48 já lhe faz um destaque especial.
A
convivência e a subsistência do povo está
na união das casas. Por isso a cobiça de
casa de outrem seria a destruição da solidariedade,
e uma ameaça para a vida do próprio povo
(Mq 2,2): o bem é comum, e os bens estão
em função do bem de todos.
^
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4.
A convivência de um povo livre
O
Código da Aliança, em Ex 20,22-23,33 é mais
uma explicitação complexa das dimensões
da convivência com Deus e com o próximo.
São as palavras normativas da Aliança, o
laço fundamental entre as casas, as tribos
para constituírem o Povo de Deus.
a)
A explicitação das leis tem por base o espírito
de solidariedade; esta se exprime na idéia
de um laço e de um compromisso comum, na
defesa e na promoção dos irmãos, formando
uma unidade na qual uns são responsáveis
pelos outros (cf. Jz 20).
b)
Esta solidariedade e respeito pelo outro
manifesta-se, principalmente, na defesa
e promoção dos «sociologicamente fracos»
(a virgem, o escravo, o estrangeiro, o órfão
e a viúva).
c)
A idéia do respeito á pessoa do próximo
ilumina-se com uma claridade nova: em contraste
com o valor dado ás coisas, a vida do homem
culpado é tida incondicionalmente como mais
preciosa, tanto que não pode ser posta na
balança junto com o prejuízo material e
nem pode a comunidade sacrificá-la para
a proteção egoística da propriedade.
d)
Estas palavras exprimem a consciência de
um povo livre. Com efeito, estas normas
de convivência solidária são a expressão
da dignidade do povo marcado pela libertação
do Egito, e pela vocação á Aliança do Sinai
(Ex 20,2).
Assim,
esta norma exprime a vocação de todo um
povo cuja dignidade agora é expressa de
maneira clara em termos de «consagração»
(cf. Ex 21,30). A dignidade do povo não
é apenas um dado da criação. É um dado que
vem da história. Deus o libertou e o reuniu.
Este ato marcou a sua consciência e lhe
deu uma dignidade que está na base e na
meta do seu comportamento.
Nesta
linha da explicitação da dignidade deste
povo da Aliança, o Deuteronômio mostrará
que a vocação deste povo está no amor gratuito
de Deus. Este se torna força e luz para
a convivência social e para o futuro da
nação (Dt 5,32—6,13). A sua vida, pois,
consiste em fazer o que é justo e bom para
ser plenamente feliz (Dt 6,18).
^
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5.
Solidariedade e Direitos do homem
Essa
primeira abordagem serve para mostrar como
a realidade e o contexto da Aliança manifesta
os vários aspectos e implicações do que
boje denominamos pela expressão direitos
do Homem.
A
Aliança implica numa noção de pessoa de
relacionamento mútuo. E é, principalmente,
a noção de próximo que melhor serve para
desenvolver a consciência face ao respeito
e a justiça face ao outro: o próximo tem
o direito de ser respeitado em sua honra,
em sua originalidade etc.
É
deste clima de relacionamento mútuo com
Deus e com o próximo que devemos nos encaminhar
para compreender a própria natureza dos
Direitos do Homem, os quais necessariamente
implicam na idéia e na prática da justiça
e do amor.
Mas,
quando a consciência da solidariedade e
o aprofundamento do respeito ao próximo
chegam ao seu ponto mais alto, aparece também
de maneira mais explicita no Deuteronômio,
a idéia da gratuidade da eleição: Israel
não tinha nenhum direito à Aliança, Deus
o escolheu gratuitamente (Dt 7,7-9; Dt
7,6).
Os
direitos do povo e das pessoas que o compõem
estão na sua obediência radical ao apelo
da Palavra de Deus, e ao dom que ele faz
de seu amor para dar a plena dignidade ao
seu povo (Dt 6,4-5; 7,6; 30,2 e 14). O novo
tem a capacidade de realizar a sua felicidade
porque Deus lhe deu esta força estabelecendo
com ele a sua Aliança (Dt 8,18).
^
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II
— A DINÂMICA DA ALIANÇA
1.
A consciência dinâmica
A
Aliança se realiza na história. A responsabilidade,
tanto na fidelidade quanto na infidelidade,
entra, então, nos seus componentes essenciais.
Ai a solidariedade é violentada, e aparece
a dissociação social (cf. Am 2,7ss; Is
5,8—23). Surgem os oprimidos, e rompe-se
o equilíbrio e a igualdade própria da Aliança.
É neste momento que surge também a consciência
critica e esclarecedora da voz profética.
Essa
consciência é uma torça nova na convivência
solidária (Mc 3,8). Procura-se evitar a
desagregação e destruição do povo refazendo
a solidariedade da Aliança. Mas, para tanto
é necessário firmar a vida numa norma básica.
Os
profetas procuram, então, transcender a
multiplicidade das normas (cf. Os 8,12s),
e mostrar que a dignidade do povo está
na sua atitude de conversão, e não na falsa
segurança (cf. Mq 3,11) que acoberta as
traições e a violação da solidariedade.
Essa
norma fundamental, apresentada como apelo
e diretriz para a renovação da convivência
social, exprime-se de diversos modos: —
«Fazer o bem e evitar o mal» (Am 5,14;
Is 1,16s); ~<Cessar de fazer o mal e
fazer o bem» (Is I,l6-17). E de maneira
mais sintética: — «Foi-te revelado, ó homem,
o que é bom e o que Deus te pede: amar a
solidariedade, fazer a justiça e andar humildemente
diante de Deus» (Mq 6,8).
Esta
consciência dinâmica se torna, pois, a pedagogia,
a correção da vida dos indivíduos, da nação
e até mesmo de todas as nações (cf. Jr 22,1-5;
25,ãss).
^
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2.O
dinamismo da justiça
A
consciência profética fundamenta-se na exigência
da justiça para restabelecer a igualdade
da Aliança, e vencer a dissociação social
causada pela dicotomia entre opressores
e oprimidos, entre ricos e pobres. A prática
da justiça e do direito é o conteúdo da
consciência dinâmica indispensável para
a convivência na Aliança, na qual as pessoas
se realizam plenamente na sua tarefa e missão
(cf. Am 5,23ss).
Os
profetas não aceitam a desigualdade implantada.
Pois, a Aliança exige a igualdade e partilha
entre todos. Protestam, então, contra uma
prática da justiça amparada agora pela classe
dominante que a perverte. Pois, neste caso
de desigualdade implantada, a justiça se
torna defesa das situações adquiridas. Os
tribunais funcionam para que os dominados
sejam mantidos na submissão. E assim, «justo»
é o que o rico quer. A «justiça» se torna
fachada de legalidade, de norma, para encobrir
uma Situação de exploração dos pobres pelos
ricos (cf. Amós e Miquéias).
Os
profetas procuram portanto restabelecer
o dinamismo da Justiça e do Direito. A Justiça
é primeiro a defesa do direito dos pobres
(Am 2,7ss), do próximo (Ex 20,15-17), dos
assalariados (Dt 24,14), do devedor pobre
(Dt 24,12), da viúva e do órfão (Dt 24,17;
Ex 23,9; Is 10,1-3).
A
justiça não é formal: não se trata de defender
direitos definidos apenas em textos oficiais.
Ela procede de algo inalienável ao homem
rico ou pobre independentemente do seu poder,
ou da capacidade de defender o seu direito.
A
consciência profética ao exigir que a Justiça
corra um rio perene e uma fonte sem fim
(cf. Am 5,24), indica a medida da convivência,
baseada na igualdade e no respeito mútuo
das pessoas que reconhecem no próximo o
que deve ser respeitado e promovido (cf.
Jr 22,1-5). A consciência profética é uma
pedagogia para ir além da observância do
direito legal, e para se viver em clima
de Aliança que revela algo de inalienável
nos homens, principalmente nos pobres oprimidos
pelos ricos e pelos que detêm o poder.
~ a justiça que salva promovendo a igualdade,
a partilha e a união entre os participantes
da Aliança (cf. SI 72).
A
insistência no binômio «Justiça-Direito»
(cf. Am 5,7-24; Is 11,4; Jr 22,3.15; 23,5;
33,15; Ez 18,5-21; 33, 14, 12) quer mostrar
que a Justiça deve informar e vitalizar
todos os níveis da solidariedade assumida
numa troca comum e responsável.
A
justiça que assegura o bem comum e a salvação
do povo todo; os membros do povo estão subordinados
ao bem comum em todos os seus atos, por
isso a justiça deve informar a vida toda
(cf. Is 28,17-18), e nada é puramente individual
ou subtraído á justiça que é o diriamismo
da Aliança; a justiça modera a distribuição,
assegurando a participação de todos, dos
bens entre todos os membros do Povo da Aliança
(cf. Mq 2,1-3); a justiça relaciona os indivíduos
entre si dentro do bem comum, dando especial
responsabilidade nessa harmonia aos chefes
(cf. Is 9,6-7; 11,4s; Mq 3,1-12).
A
opressão dos pobres pelos ricos leva os
profetas a refazerem a consciência do povo
e essa situação denuncia a ruptura da fraternidade
solidária da Aliança.
A
defesa dos pobres tem por finalidade reconstruir
a solidariedade da Aliança. Relembram, então,
que o hesed (cf. Os 6,6) é a disposição
que mantém unidos os membros da casa, da
tribo e do povo. Mostram que a Aliança só
será mantida por este amor de fidelidade,
dedicação e promoção do bem comum a todos.
Enraizado
no hesed o Povo da Aliança constitui uma
comunhão de irmãos, ligados por uma solidariedade
superior a todas as divisões, tal que os
ricos se sentem responsáveis do bem comum
a todos.
Uma
das instituições que procedem dessa concepção
da Aliança e do hesed é o Jubileu: ou a
redistribuição dos bens depois de 50 anos,
para evitar que haja no povo da Aliança
uma divisão permanente entre ricos e pobres,
entre famílias dominadoras e famílias dominadas;
e também o Ano da Remissão cada sete anos
(cf. Dt 15,1-11; Lv 25,1-7).
A
consciência profética indica que na tensão
histérica, a Aliança é uma tarefa a ser
construída na liberdade, na igualdade, e
na fraternidade. Os profetas vêem na Aliança
o ideal de um povo vivendo na justiça e
na solidariedade de uma comunhão ativa de
pessoas unidas na fraternidade.
A
defesa dos pobres é um apelo dinâmico para
realizar aquela Justiça, a qual restitui
a Aliança solidária, que Deus quer implantar
no mundo (cf. Jr 23,1—7).
^
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III
— O POVO SOLIDÁRIO E JUSTO
1.
Oséias
Este
profeta procura indicar as exigências da
Aliança, e mostra as características da
missão do povo solidário. A violação da
solidariedade para com Deus desnorteia o
povo. A violação da norma divina (cf. Os
4,1-3) traz ao povo um espirito de desagregação
e de «prostituição» (Os 4,12; 5,4). A tarefa
histórica está em restabelecer a comunhão
solidária em todas as menções.
Assim,
Os 2,18-24 apresenta os elementos e dimensões
dessa solidariedade constituída por características
que fazem o povo segundo a intenção de
Deus:
A
Justiça: a busca continua da norma, da igualdade
e da união da Aliança; o Direito: o espirito
ativo que sempre aplica a justiça em todos
os níveis; a Solidariedade: a união ideal
do povo com Deus e entre si (cf. Ex 34,6s).
A Misericórdia: é o espirito ativo da solidariedade
vivida concretamente; a Fidelidade: perenidade
na tarefa de levar a Aliança para o futuro;
—
Conhecer a Deus: a vivência em Deus é o
sentido do dinamismo da Aliança.
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2.
Amós
Amós
exige o restabelecimento da Justiça e do
Direito. Diante da dissociação social ele
protesta. Os ricos oprimem os pobres (cf.
Am 2,7ss). Caem na hipocrisia religiosa
(Am 5,l8ss) e na falsa segurança (Am 6,lss),
falsificam os julgamentos para manter os
seus privilégios e poder.
Amós
mostra que somente a Justiça poderá salvar
o povo, refazendo o equilíbrio da Aliança.
A Justiça perene (Am 5,24) restituirá o
respeito mútuo entre todos, e o povo reencontrará
a sua harmonia, e será salvo se se converter.
^
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3.
Isaias
Ele
aprofunda ainda mais a exigência da Justiça.
Mostra que a vocação do Povo de Deus é viver
na justiça (Is 5,1-7). Quando isso não acontece
é o caos. A falta de justiça corrompe a
cidade toda, uma vez que as responsabilidades
e as missões sociais não são realizadas
nesta exigência de igualdade, verdade e
fidelidade pelo bem da cidade.
Isaias
5,8-23 descreve esta situação caótica por
falta de justiça (v. 23). A sua exigência
e esperança estão na restauração da justiça
cuja observância terá por sinal a defesa
do órfão e da viúva (cf. Is 10,1-3; 1,17:
o órfão e a viúva são os «socialmente fracos»
que os Profetas e a Lei defendem: Ex 22,21-22;
Dt 10,18; 14,29; 27,19).
O
profeta vê ainda na justiça o único caminho
da salvação do povo. Ela deve penetrar em
todas as dimensões da cidade. Ela é a medida
de todos os seus projetos (Is 28,l4ss).
É a única capaz de restabelecer e de refazer
um sistema estabelecido no poder e na mentira:
a justiça destrói a «aliança com a mentira»
a qual leva o povo para a sua própria destruição
(Is 28,15.17.18). O binômio «Justiça-Direito»
(Is 28,17) e a esperança da salvação da
cidade (Is 1,26).
O
responsável pelo bem comum é o rei. Ora,
o seu trono deve estar erguido sobre a Justiça
e o Direito para salvar o povo e trazer-lhe
a paz (Is 9,6-7). Ele deverá exercer um
julgamento objetivo e defensor dos oprimidos
(Is 11,4-9). A justiça assim realizada leva
em si o germe do mundo novo.
Ela
é capaz de transformar as situações mais
adversas, e levar o mundo para a sua realização
harmônica: — a Justiça gera a Paz, e a Paz
é fruto da Justiça (cf. Is 32,1.17—18).
É
somente a justiça que pode fazer aparecer
este mundo novo de paz (cf. Os 2,20). Deus
virá habitar no meio do seu povo para lhe
dar a felicidade. Não haverá mais temor
de exploração de uns pelos outros, e a
paz estender-se-á a todos os povos (Is 24,
4,3; Is 11,6-8; 65,25), sob a égide do Messias
(Mq 4,4; Zc 9,10; Sl 72). A própria morte
desaparecerá, e a alegria tomará o lugar
do sofrimento e das lágrimas (Is 25,7-8;
Is 65,18-19; Jr 31,13).
A
Paz é fruto da Justiça capaz de transformar
as condições materiais e espirituais da
convivência dos homens na cidade.
^
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4.
O imperativo da justiça
O
ideal da restauração do povo resume-se no
imperativo da justiça:
«Realizai
o direito verdadeiro, praticai a solidariedade
e a misericórdia cada qual para com o seu
irmão; não oprimais a viúva e o órfão, o
estrangeiro e o pobre; não mediteis o mal
em vossos corações contra o vosso irmão»
(Zc 7,9-10).
^
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1.
A missão da justiça
Os
profetas exaltam os pobres. Eles são os
justos. São os oprimidos que não reconhecem
a injustiça, mas põem a sua confiança em
Deus. A sua atitude é a esperança capaz
de transformar a situação de injustiça.
Não pregam a revolta, mas crêem que Deus
restabelecerá a justiça. A proclamação e
a luta pela justiça pelos próprios pobres
é uma esperança que é força de transformação
para o futuro. A missão dos pobres para
realizar aquela justiça que Deus quer implantar
no mundo é o germe e o processo do aparecimento
do inundo novo: nos pobres que buscam a
justiça algo de novo há de germinar (Is
52,13).
^
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2.
O Servo Sofredor
Essa
figura, que é ao mesmo tempo o indivíduo
e o povo oprimido, indica o processo dessa
busca da justiça e do restabelecimento da
dignidade dos pobres humilhados e oprimidos:
a)
Essa busca se faz num ato livre capaz de
superar a humilhação sofrida: o Servo humilhado
assume livremente a sua situação para transformá-la.
Não se trata de assumir passiva e resignadamente
uma situação. Mas, trata-se de um despertar
da liberdade, que numa firmeza permanente
e solidária é capaz de vencer todos os julgamentos
e situações iníquas (Is 53,7.8.11).
b)
Essa busca de justiça é fecunda e transformadora,
pois a luta pela justiça é a manifestação
concreta da vontade de Deus, e o «justo
restabelecerá a Justiça para as multidões»
(Is 53,10-11).
^
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3.
A “honra” do pobre
A
figura de Jó mostra-nos o que é a «honra»
do homem. Mesmo humilhado e acusado Jó não
abre mão de sua «honra», ou de sua dignidade
que vem de Deus. A sua experiência diante
de Deus revela que ele tem uma dignidade,
uma “honra” inalienável (Jó 29,20). O autor
do livro procura mostrar as dimensões dessa
dignidade em Jó 29:
a)
Ela está fundamentalmente na união e na
amizade com Deus: vv. 1-6 (cf. v. 4);
b)
Ela é uma presença que influencia a convivência
social: vv. 7-11.
c)
A sua significação é fecunda e criadora
de comunicação: vv. 22-25.
d)
Ela é força de libertação que vem da justiça
em prol dos oprimidos, agindo como o próprio
Deus age (Sl 146,7-10) : vv. 12-17.
e)
A Honra é algo de inalienável e que deve
crescer continuamente: vv. 18-21.
A
partir dessa defesa da «Honra» feita pelos
pobres que poderemos, juntamente com o Salino
8,5 (“Deus lhe deu a glória e a honra”)
compreender o sentido da dignidade humana,
o fundamento) e a meta da convivência em
Aliança.
^
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V
— A DIGNIDADE DO HOMEM, IMAGEM DE DEUS
1.
O lugar do homem no mundo
O
SI 8 é um hino, oriundo do mesmo ambiente
de (lo 1, cujo tema principal é a grandeza
e a dignidade do homem, o centro do universo
criado (vv. 5-7a), pois que as criaturas
são á sua volta (vv. 43,7b-9) como uma coroa
gloriosa.
O
homem, este ser perecível, e pesada lama,
foi feito à imagem e semelhança de Deus.
Eis a sua dignidade, e a sua grandeza. É
pouco inferior a Elohim, isto é, feito
à sua semelhança (Gn I,27s).
Criar
o homem à semelhança de Deus é fazer dele
um rei, O homem está associado á soberania
de Deus como um rei da criação (SI 20,2;
54,3; Is 63,17).
O
Homem não apenas utiliza a natureza, colocada
providencialmente à sua disposição, mas
a domina: Deus tudo colocou sob seus pés.
Rei
da natureza, o Homem não deve considerá-la
simplesmente sob o prisma da matéria a vencer
e dos animais a serem domesticados.
O
Homem está em ligação com a vitalidade do
mundo animal (vv. 8-9), e percebendo a beleza
do céu estrelado deve se abrir para o sentido
religioso do cosmos e descobrir o próprio
Deus (v. 4a). Ser animado por uma centelha
divina (v. 6a) o homem é parte integrante
do cosmos, esta gloriosa coroa que o rodeia
(v. 6b).
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2.
A natureza da dignidade
Gn
1,26s afirma que o homem foi feito “a imagem
e semelhança” de Deus. A tradução poderia
ser: «segundo uma representação mais ou
menos parecida». Nessa fórmula, todo o sentido
extensivo e religioso da analogia do ser
se encontra presente, O homem é imagem,
mas permanece sempre à distância do Deus
Vivo, o Perfeito e o inteiramente outro.
Mas, a imagem mostra que o homem no seu
ser é semelhante ao próprio ser divino.
Esta
semelhança é dinâmica, no sentido de que
o homem, no seu relacionamento pessoal com
as outras criaturas, torna-se o representante
de Deus: «Deus formou o homem para dominar
as criaturas, para governar o mundo em santidade
e justiça (Sb 9,2). Assim, nesta concepção
funcional da imagem de Deus, o homem aparece
como o rei da criação (cf. SI 8,5ss).
Depois
dessa afirmação central mostra-se o outro
aspecto dessa dignidade, chamando a atenção
para o casal, no qual ambos se completam.
A união do homem e da mulher constituem
o caminho normal pelo qual o homem se aproxima
de Deus e realiza a sua vontade, O ser humano
é intrinsecamente uni ser social, um ser
para a comunhão. «O homem é por íntima natureza,
um ser social, e não pode viver sem desenvolver
as suas qualidades, e sem relacionar-se
com os outros» (Gaudium et Spes, nº 12).
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3.
As dimensões da dignidade humana
Finalmente
em Eclo 17,1-14, o cântico da dignidade
humana, temos uma explicação de suas dimensões.
A grandeza da dignidade humana que o texto
coloca em evidência é a obra mais admirável
do Criador.
Lahweh
tirou o homem da terra, para depois enviá-lo
de novo para lá. Destinou-lhe um número
preciso de dias e um tempo determinado.
Entregou em seu poder o que existe sobre
a terra. E o revestiu de força como a Si
mesmo à sua imagem o criou. Em toda criatura
infundiu o temor ao homem para que as domine
— animais selvagens e pássaros. Ele lhe
deu uma ajuda semelhante a ele, tirada de
sua substância. Formou-lhe uma boca, uma
língua, olhos, orelhas, e lhe deu uni coração
para pensar. Encheu-o de ciência e de inteligência,
e fê-lo conhecer o bem e o mal. Colocou
o seu olho no coração dele para fazê-lo
contemplar a grandeza de suas obras. Ele
louvará o Seu Santo Nome, narrando a magnificência
de suas obras. Ele instituiu para ele uma
Aliança. E o gratificou com a lei de vida,
como com Sua herança. Concluiu com ele uma
Aliança Eterna, e lhe fez conhecer os seus
julgamentos. Seus olhos contemplaram a grandeza
de Sua majestade, suas orelhas ouviram a
magnificência de Sua voz. Ele lhe disse:
Guarda-te de todo mal; Ele lhe deu mandamentos,
cada qual em relação ao próximo (Eclo 17,1-14).
—
O Homem é um ser terrestre e mortal, mas
lhe é atribuída uma dignidade quase divina
(vv. 1-2; cf. SI 8,5-6);
—
Esta aliança não é só para este tempo, mas
a sua duração é perene, e ela é guiada pela
manifestação da vontade de Deus, a qual
sempre se concretiza no encontro com o próximo
(vv. 11-14).
—
O sentido da vida humana se encontra na
conversão que é busca da Justiça (Eclo 17,25-26)
para poder encontrar-se com o Supremo Juiz
(Eclo 17,15-24).
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4.
A defesa da dignidade humana
Sb
2,10-24 enriquece ainda mais a nossa visão
da dignidade humana. Essa não é uma realidade
estática. Ela é uma tarefa a ser conquistada
e defendida contra os ataques dos ímpios.
A verdadeira dignidade do homem aparece
na sua defesa e na sua conquista.
A
maneira de viver dos ímpios é característica:
a sua justiça é a lei da força e da violência;
—
violam a justiça e não respeitam o pobre,
a viúva, o ancião;
—
perseguem os justos porque estes incomodam
a sua maneira de viver;
—
atacam o justo desprezando e zombando de
sua esperança em Deus que o salva.
Nesta
situação, o justo se manifesta como filho
de Deus (v. 18): dignidade está na participação
da própria natureza divina e no chamado
a incorruptibilidade (Sb 2,23; 1,13; 3,4).
O autor retoma aqui de maneira original
o tema do homem criado á imagem de Deus,
Gn 1,26, com uma expressão que insiste
na eternidade divina. Por isso a existência
humana é orientada e sustentada por uma
esperança imortal (3,4). É nesta força que
o justo é capaz de vencer os ataques contra
a sua dignidade, e é nessa firmeza que conquista
a sua verdadeira dignidade. Nesta firmeza
da esperança ativa os justos «julgarão as
nações e dominarão sobre os povos, e o Senhor
reinará sobre eles para sempre» (Sb 3,8).
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VI
— A MISSÃO DE CRISTO E A IMAGEM DE DEUS
1.
Cristo a Imagem de Deus
É
em Cristo que se dá a plenitude da Aliança:
o
encontro definitivo de Deus
com os Homens. A Aliança de Deus com Jesus
acontece de maneira original e singular
na sua realidade pessoal de Imagem de Deus
(Cl 1,15). Pois «Ele a Imagem do Deus invisível»
como homem criado por Deus (Gn 1,26), mas
também como a Sabedoria e como tal é a Imagem
de Deus (Sb 7,28) que preexiste a toda criatura,
toma parte ativa na criação, e conduz os
homens a Deus.
Ele
é o principio da criação e da nova criação.
De maneira que a finalidade da sua missão
foi uma nova criação. Ele renova a Imagem
de Deus no Homem (Cl 3,10) levando o homem
a realizar a sua humanidade verdadeira segundo
a intenção de Deus: o homem foi criado na
intenção de Deus para a justiça e santidade
(Ef 4,24).
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2.
O Homem novo em Cristo
A
expressão Homem Novo (Ef 2,15; 4,24) significa
a transformação radical da existência humana
sinalizada pelo Batismo. Este Homem Novo
constitui a humanidade nova para além das
velhas dimensões de raça, de religião,
de cultura, de classe social (Gl 3,28; Cl
3,11). Ele possui ao mesmo tempo uma dimensão
coletiva (a Igreja-comunhão), e pessoal
(o batizado cuja existência é radicalmente
transformada).
Estes
dois aspectos, porém, não são isolados.
Um não pode ser compreendido sem o outro.
Um se compreende pelo outro, e um existe
para o outro. Pois, a renovação da Imagem
é o dom do discernimento e da liberdade
nova que possibilita viver em comunhão.
E por ai se realiza a originalidade do cristianismo:
a fé em Cristo possibilita a vivência concreta
do mandamento novo do amor fraterno na medida
do amor de Cristo.
A
fé em Cristo, a qual renova a Imagem não
é apenas uma orientação interna, mas uma
atitude existencial que se externa e se
atualiza pelo amor, sob forma de uni empenho
social preciso, pela submissão ao rito do
Batismo o qual insere o fiel numa nova comunhão,
no Corpo de Cristo, na realidade do Homem
Novo. A fé e o Batismo são dois momentos
do único ato da «nova criação»; nenhum
dos dois é completo sem o outro. A fé em
Cristo é vocação e escolha de um modo de
ser essencialmente social, ou a aceitação
de orientar e de viver na dimensão do amor
que Cristo viveu e comunicou (cf. ijo 3,12-16).
A fé em Cristo é inserção na vida do Homem
Novo.
A
verdadeira imagem renovada (Cl 3,9-10: liberdade,
consciência, responsabilidade, participação,
comunhão) representa pois a nova dimensão
da dignidade humana. Essa dignidade compreende-se
numa participação e numa partilha à qual
os outros são essenciais. O dado fundamental
e a base é Cristo e o seu Corpo os membros
unidos ã cabeça. Paulo leva-nos a inverter
a nossa perspectiva individualista ao considerar
a dignidade e o sentido da vida humana;
estamos acostumados a imaginar os indivíduos
a reunirem-se para constituir uma comunidade
ao passo que Paulo crê que a Comunidade,
o Homem Novo, constitui o indivíduo na sua
autenticidade. E é neste contexto que todos
os participantes do Corpo podem agora realizar
a sua tarefa de vir a ser sempre mais a
Imagem do Filho (Rm 8,29).
Assim,
Cristo, a Imagem perfeita do Pai é o centro
da unidade da criação e da nova criação.
O
Pai reproduz a imagem de seu Filho em todos
os que participam da sua filiação (Rm 8,16-17).
Essa conformidade à imagem do Filho se faz
por uma transformação progressiva e interior
(2Cor 3,18) que será plena e total na Parusia.
^
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3.
A nova dimensão da dignidade humana
Em
Cristo, principio da criação e da nova criação
(Cl 1,16-22), a dignidade humana não pode
ser mais considerada apenas como um dado
da criação. Ela recebe uma dimensão nova
tanto para os batizados como para os não
batizados. Pois, Cristo renovou a criação
e colocou a humanidade numa situação nova,
salvando a história inteira da humanidade
(cf. Gaudium et Spes, n9 22).
Por isso, uma conseqüência importante está
na maneira de encarar a própria natureza
dos Direitos do Homem, expressão da sua
dignidade e de sua vocação segundo a intenção
de Deus. Eles não são mais e simplesmente
um dado da criação. Eles se envolvem e se
dinamizam num sentido cristológico! Cristo
revela o homem ao homem e lhe dá a verdadeira
dimensão de sua dignidade e de seus direitos
(GS 40-41).
Em
Cristo, pois, o que é simples dado da criação
torna-se o dom gratuito de Deus. Os direitos
tornam-se dom e apelo, a lei torna-se Espirito,
a auto-suficiência (Kauchêma, Rm 4) torna-se
pobreza confiante na força de Deus. E o
processo de realização da dignidade humana,
com os seus direitos que são dom e graça,
se faz no dinamismo descrito por Colossenses
2,20-3,17: morte com Cristo á existência
isolada, egoísta (2,20), ressurreição com
Cristo para a vida no amor fraterno (3,1);
morte ao que é terreno (3,5) e o despir-se
de tudo o que provém do egoísmo e do desrespeito
ao outro (3,8); despojamento do homem velho
(3,9) e revestimento do Novo (3,10) e de
tudo o que o caracteriza (3,12 e 14 «acima
de tudo revesti-vos do amor; é o laço perfeito»).
A
vida neste amor é que constitui o conteúdo
da liberdade que Cristo concede aos homens.
De maneira que a dignidade humana, agora
compreende-se no dinamismo dessa liberdade
nova: libertação da pressão egoísta do pecado,
em si e na comunidade, e libertação para
viver a união na medida do amor fraterno
manifestado em Cristo (01 5,1.14-18). Essa
é a vida nova no Espírito (01 5,2Oss).
A
Palavra de Deus anunciada pela evangelização
promove a dignidade dos homens. É uma palavra
criadora de liberdade. Não é um discurso
neutro que fala sobre a liberdade e dignidade
dos homens. Fala à liberdade para desenvolver
a dignidade humana em Cristo, o Homem Novo.
É um apelo que desperta a liberdade. Faz
com que o homem realize em si mesmo uma
transformação radical possibilitando a
passagem de um ser-não-livre para a condição
da liberdade própria à imagem de Deus.
Sem
esse despertar da liberdade, toda a prática
da Igreja ficaria na superfície do ser humano,
e não levaria nenhuma salvação real a homens
reais. A evangelização contribui para a
formação do Homem Novo ou então, se não
o fizer ela fracassará.
A
missão da Igreja é, pois, como a de Cristo,
renovar a Imagem de Deus no Homem e reunir
O
Homem Novo. A Igreja é o instrumento de
Cristo para fazer dos homens um Povo, uma
Aliança na qual a dignidade e os direitos
(agora, dons em plenitude) encontram a possibilidade
de sua plena realização.
A
pastoral dos Direitos Humanos, pois, consiste
em despertar os homens do seu estado de
inércia egoísta de submissão medrosa e conivente,
para viverem a liberdade no amor que é o
laço perfeito das pessoas livres, as quais
formarão o Povo de Deus.
O
Despertar de um povo não é algo de marginal
para a Igreja. Pois só um povo pode ter
fé, esperança e amor. Somente um povo pode
seguir a Jesus Cristo: o povo livre conduzido
pelo Espirito que é solidariedade de amor
sem medidas.
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