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REDE BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS

AS PERSPECTIVAS DA EDUCAÇÃO NA AMÉRICA LATINA

Juan Carlos Tedesco *

A resposta a essa interrogação não é um mero exercício acadêmico. Se trata, ao contrário, de um exercício político-social, onde esta em jogo uma pane importante do destino dos países da América Latina. A história recente mostra que uma das características mais notáveis de nossa região tem sido sua incapacidade para compatibilizar o crescimento econômico com a igualdade social. A experiência de outras regiões, em mudança, confirma que essa articulação não somente é possível, mas necessária. O crescimento sem igualdade ou as políticas de justiça social sem cresci­mento não logram consolidar-se, e seus frutos não conseguem superar a conjuntura a curto prazo. A crise aumenta ainda mais as dificuldades para enfrentar este duplo desafio, mas - ao mesmo tempo - cria condições para que os esforços e as transformações profundas sejam exigidas por todos os setores. Analisando no contexto deste tipo, os problemas e perspectivas futuras da educação adqui­rem um significado concreto. Para maior clareza, neste texto trataremos de responder a duas interrogações centrais: a) qual tem sido o impacto da crise e das políticas de ajuste sobre o setor educati­vo? b) quais são as principais opções que se apresentam para o futuro?

O impacto da crise sobre a educação

É um dado bastante conhecido que uma das principais conseqüências da crise tem sido a diminuição dos gastos públicos em geral e do gasto na educação em particular. E ata deterioração está acompanhada de uma sensível diminuição da capacidade das famílias para garantir condições materiais de vida que permitam aproveitar a oferta educacional existente. Como resultado desses fatores, cinco fenômenos principais podem ser identificados como os principais efeitos da crise no setor educativo.

1.  O aumento dos índices de repetição e fracasso escolar, principalmente na escola básica. Em termos percentuais, a América Latina tem, segundo dados da UNESCO, as taxas de repetição mais altas no mundo, e todos os estudos indicam que o fenômeno do fracasso escolar na escola pri­mária não é um fenômeno meramente pedagógico, mas o produto da acumulação de carências tanto das condições de vida quanto das dificuldades de acesso à escola.

2.  A interrupção do processo de incorporação das crianças de famílias de setores popula­res ao sistema educativo. Deste ponto de vista, os dados estatísticos mostram um visível estanca­mento no processo de expansão do ensino médio e superior. A partir da década de 80 as taxas de crescimento dos níveis médios e superior são cada vez mais baixas em um número crescente de países. Este estancamento mostra que, por um lado, se esgotou o processo de expansão do siste­ma vigente entre 1950 e 1980 e, por outro lado, que para permitir o acesso de novos setores sociais ao ensino médio e superior serão necessárias mudanças profundas nas condições sociais deste setores.

3.            Aumento da responsabilidade do Estado e da segmentação interna do sistema educativo. A crise econômica afetou não somente os setores que viviam em condições de pobreza antes da crise, mas, também, importantes grupos que no passado gozavam o acesso a determinados bens e serviços. Na educação o indicador mais eloqüente desse fenômeno é o aumento de matriculas em escolas públicas, tanto no nível pré-escolar como no ensino médio e superior. Este aumento reflete que os setores médios tem perdido a capacidade para assumir privadamente os custos da educação e estão se orientando para o setor público. Embora não haja estudos específicos, os dados existentes permitem postular que se estaria produzindo uma maior diferenciação interna no setor educativo, onde o setor público adota características cada vez mais massivas e o setor privado características cada vez mais elitistas.

4. Deterioração da qualidade da educação. Os efeitos quantitativos assinalados nos pontos anteriores são concomitantes com uma visível deterioração da qualidade do serviço educativo. O tema da qualidade da educação é ambíguo e complexo. Entretanto, é evidente que para além de qualquer discussão teórica sobre o conceito de qualidade e sobre as metodologias utilizadas na ava­liação de resultados, há dados que avaliam a hipótese do impacto da crise sobre esta variável.

A redução do poder aquisitivo do salário docente é um fenômeno generalizado na América Latina. Seus efeitos mais visíveis são o abandono da profissão por parte dos docentes mais qualifi­cados, o absenteísmo e a desmoralização crescente dos educadores.

5. Concentração de energias e recursos em ações imediatas e abandono de ações de médio prazo. Um efeito menos visível, embora não menos importante, é o impacto da crise sobre a dinâ­mica do processo de tomada de decisões. As situações de emergência na qual vivem os países da região são de tal envergadura que obrigam a concentração de todas as energias e os recursos para solucionar problemas imediatos. Isto impede a reflexão sobre aspectos cujas conseqüências serão apreciadas no futuro, pois as decisões devem ser tomadas para ações imediatas e urgentes.

Deste ponto de vista e como marco geral da discussão de alternativas que se efetua no ponto seguinte, nos parece necessário postular a urgência do médio e do longo prazo, como requisito pré­vio para qualquer análise do papel da educação nas estratégias de desenvolvimento.

Perspectivas para o futuro

Parece que é útil apresentar dois eixos de discussão sobre alternativas de política educacio­nal. A primeira refere-se a prioridade entre optar pelo sistema educativo e a cúpula. A segunda refe­re-se a organização interna, onde se apresenta a opção entre um sistema homogêneo e centralmente administrado e um sistema diferenciado e descentralizado.

a) Prioridade entre a base e a cúpula

Os diagnósticos existentes sobre a estrutura dos sistemas educativos na América Latina tem coincidido em assinalar que a peculiaridade da região consiste no relativamente alto grau de polari­zação na distribuição da matrícula. Diferentemente dos países avançados (onde a cúpula se expan­diu depois de ter sido cumprido o processo de incorporação do conjunto da sociedade ao ciclo bási­co universal) e dos países mais atrasados (onde existe uma grande massa de excluídos e a cúpula mantém seu caráter elitista) , na América Latina coexistem grandes massas de excluídos com gran­des massas de indivíduos que chegam ao nível superior de ensino.

A dificuldade para romper esta dinâmica radica-se no fato de que a lógica das exigências sociais fortalece a polarização já que os setores médios e altos estão em melhores condições para expressar e canalizar suas demandas e se vem submetidos ao processo de desvalorização das cre­denciais educativas, que estimula a posse de uma quantidade cada vez maior de anos de estudos para manter-se em competência pêlos postos de cúpula no mercado.

Entretanto, para além da lógica das exigências sociais, existem argumentos a favor de cada uma destas opções que devem ser consideradas.

A opção de continuar expandindo a cúpula do sistema se apoia fundamentalmente em argu­mentos derivados das conseqüências do processo acelerado de mudanças científicas e tecnológicas. De acordo com essa opção, os países da América Latina devem fortalecer sua capacidade científica endógena através dos fortalecimento das instituições de ensino superior e de pós-graduação, se que­rem ser algo mais que meros consumidores acríticos dos frutos do conhecimento técnico-científico gerado pêlos países centrais.

A visão alternativa - frear a expansão da cúpula a fim de que se possa cumprir os objetivos de universalização da escola básica - se apoia em considerações distintas. Em primeiro lugar resulta impossível pensar na igualdade social, quando subsiste uma porcentagem significativa da popula­ção que não maneja os códigos culturais básicos. Em segundo lugar, qualquer processo técnico-científico que pretenda ter características dinâmicas e permanentes deverá cimentar-se em uma população massivamente socializada nos marcos do método científico. Não há exemplos históricos de sociedades que tenham produzido processos significativos e duráveis de criatividade tecnológica e científica associado a altos níveis de marginalidade e exclusão social.

O desafio de enfrentar simultaneamente os problemas da base e da cúpula obriga conseqüentemente a definir critérios globais. Dito de outra forma, a legitimidade de uma determinada política com respeito a um setor do sistema só pode ser apreciada por seus efeitos sobre o conjunto. Nesse sentido, é possível sustentar que a legitimidade de políticas seletivas no acesso à cúpula do sistema está em função da existência de sistemática e eficientes opções políticas de expansão da base.

Não se trata, então, de optar em forma excludente por algumas das opções. Resolver os pro­blemas da base do sistema é vital para garantir o caráter democrático do desenvolvimento social. Fortalecer a capacidade científica, promovendo a formação de recursos altamente qualificados e a produção de conhecimentos que permitam resolver os problemas sociais e produtivos, é vital para garantir o crescimento e a disponibilidade de recursos. Isto implica aceitar que, não obstante o crité­rio para definir políticas dirigidas à base do sistema esteja sob o impacto da eliminação do fracasso escolar, da evasão escolar, etc., o critério para definir políticas dirigidas à cúpula está sob o impacto da excelência de seus produtos (sejam conhecimentos ou recursos humanos).

Homogeneidade ou diferenciação

O segundo eixo de discussão das políticas educativas no futuro gira ao redor da estrutura organizativa do sistema. Nesse sentido, os modelos extremos são o de um sistema homogêneo e centralmente administrado para toda a população, ou um sistema diferenciado, sujeito a administra­ções locais ou privadas.

O paradigma dos sistemas diferenciados é, como se sabe, o modelo norte-americano. Seus defensores sustentam que a garantia do dinamismo através da competência por captar recursos, gera altos índices de identificação institucional e favorece a vigência de pautas internas de avaliação e renovação constantes. Em definitivo, este modelo asseguraria um alto nível de responsabilidade institucional para os resultados.

Os sistemas homogêneos, cujo paradigma é o modelo dos sistemas socialistas, permitem planificar racionalmente a oferta educativa de acordo com os requerimentos do aparato produtivo a alcançar altos níveis de democratização, já que a distribuição educativa não está sujeita à capacida­de de cada setor social para ascender a instituições de prestigio e qualidade

Os países da América Latina parecem ter assumido, apesar de suas diferenças, a necessidade de introduzir reformas profundas na administração educacional. Todas essas reformas giram em torno da descentralização e da regionalização. Ainda que não haja avaliações exaustivas de seus resultados, as experiências parecem confirmar a idéia segundo a qual para alcançar que a descentra­lização cumpra com seus objetivos democráticos e dinamizadores é necessário uma administração central fone.

A idéia básica desta orientação é que em um sistema descentralizado e com altos níveis de autonomia institucional para as decisões nos pontos de partida pode diferenciar tudo o que seja necessário. Para tanto, o sistema deverá dispor de uma forte capacidade para avaliar os resultados das ações executadas por instancias locais e, igualmente, uma forte capacidade compensatória para apoiar as unidades locais que careçam de recursos próprios para alcançar os objetivos definidos como metas nacionais.

Estas atividades (avaliação de resultados e compensação de diferenças) supõem a existência, no nível administrativo, de uma estrutura ágil de medida de qualidade, por um lado, e de um fundo de compensações que permita tomar decis5es frente aos resultados, por outro. A definição precisa destes mecanismos está sujeita às peculiaridades nacionais; o que aqui interessa destacar é a neces­sidade de estabelecer estas funções como tarefa prioritária da administração educativa central.

O eficaz cumprimento destas funções supõe dotar o Estado de um componente fundamen­tal: a capacidade de informação. O valor da informação não se reduz, entretanto, às funções inter­nas, ao aparato estatal. A informação constitui um elemento básico para uma política de fortaleci­mento das tomadas de decisões educativas e do controle de sua execução.

Estas alternativas não esgotam o debate sobre as perspectivas da educação na América Latina. Constituem somente um ponto de partida necessário para abrir a discussão sobre estratégias de políticas educativas destinadas a satisfazer o duplo desafio da eficiência e da igualdade. O desa­fio esta colocado e a experiência mostra que o sucesso é possível.

* Diretor da Oficina Regional de Educação da América Latina e Caribe da UNESCO

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