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REDE BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS

EDUCAÇÃO, DEMOCRACIA E DIREITOS HUMANOS

Maria Victoria Benevides

“A pátria não subsiste sem liberdade, nem a liberdade sem a virtude, nem a virtude sem os cidadãos (...) Ora, formar cidadãos não é questão de dias; e para tê-los adultos é preciso educá-los desde crianças”.

(Rousseau)

         Está na moda falar em democracia e direitos do cidadão. Ótimo. Depois da ditadura militar e da aventura collorida, parece que chegamos, enfim, a um consenso: todos, da direita à esquerda, em seus vários matizes, exibem arroubos de fé democrática e cidadã. Mas basta olharmos em volta para vermos como essa unanimidade só pode ser ilusória: as raízes autoritárias e elitistas de nossa formação social permanecem sólidas. O que não deve ser, é claro, motivo para desânimo estéril mas, pelo contrário, incentivo à luta. Afinal, de que democracia estamos falando? Quem é mesmo cidadão do Brasil?

            É bem provável que os leitores jamais tenham ouvido algo sobre uma certa “democracia da gravata lavada” . No entanto, essa expressão já sintetizou, em dado período de nossa história, o sonho da construção de uma “sociedade ordeira e feliz”. Há mais de um século, o liberal mineiro Teófilo Otoni, por exemplo, proclamava a causa da “democracia da gravata lavada, a democracia pacífica da classe média, letrada e asseada, a única merecedora do gozo dos direitos políticos da cidadania” (Campanha do lenço branco, 1860).

            Podemos sorrir dessa lembrança antiga, embora ela não reflita apenas uma curiosidade histórica: ainda hoje convivemos com a discriminação contra todos aqueles que não se encaixam no padrão excludente de “letrados e asseados” e, portanto, não são considerados cidadãos com plenos direitos. Recentemente ouvimos de autoridade paulistana que “a prefeitura só pode atender aqueles que pagam impostos” e, assim, se justificaria o abandono de importante parcela do povo vítima de enchentes e desabamentos. São também freqüentes as ocasiões em que se propõe a mutilação da cidadania por vários motivos – desde a cor da pele até o grau de instrução (ainda há tanta gente que condena o voto do analfabeto!), passando pelo não-direito dos jovens aos cursos supletivos, pois a “educação de adultos” deixou de ser responsabilidade governamental (vide a emenda 14 à Constituição).

            Ora, é bem sabido que sem educação para todos não há cidadania. “Democracia é, literalmente, educação”. O exagero é de Anísio Teixeira, escrevendo em 1947, movido pela fervorosa crença nos horizontes democratizantes do país e do mundo que surgia após a segunda guerra mundial. E explicava Anísio, na apresentação de seu projeto para a Bahia: “Educação é a base, o fundamento, a condição mesma para a democracia. A justiça social, por excelência, da democracia, consiste nessa conquista da igualdade de oportunidades pela educação. Nascemos desiguais, nascemos ignorantes e, portanto, nascemos escravos. É a educação que pode mudar”.

            Essa brevíssima lembrança histórica é útil para a compreensão do caso brasileiro. Pois persiste o trágico abismo entre os valores dominantes na sociedade -–os quais propiciam a exclusão – e aqueles proclamados para a política educacional que, em tese, levariam à igualdade de oportunidades. Esse abismo que propicia aquela situação bem resumida, entre outros, pelos saudosos mestres Florestan Fernandes e Darcy Ribeiro: no Brasil a educação escolar é um privilégio, e não um direito de todos. Ora, manutenção de privilégios e aspiração à cidadania democrática, definitivamente, não combinam.

            É evidente que, nesse contexto, são remotas as possibilidades de se construir uma cidadania democrática. Por isso avulta a importância da educação para a cidadania e para os Direitos Humanos. Fala-se tanto no tema, sob orientações tão diversas, que torna-se necessário esclarecer o que, na perspectiva aqui adotada, se entende por essa educação.

            O primeiro ponto consiste na necessidade da tomada de consciência dos direitos e dos deveres do cidadão. O artigo 13 do Pacto Internacional das Nações Unidas de 1966 reconhece não apenas o direito de todas as pessoas à educação, mas que esta deve visar o pleno desenvolvimento da personalidade humana, na sua dignidade; deve fortalecer o respeito pelos Direitos Humanos e as liberdades fundamentais; deve capacitar todas as pessoas a participar efetivamente de uma sociedade livre. Essa participação efetiva significa organização e participação pela base, rompendo-se a verticalidade absoluta dos poderes autoritários. Significa, também, o reconhecimento (e a constante reivindicação) de que os cidadãos ativos são mais do que titulares de direitos, são criadores de novos direitos e novos espaços para expressão de tais direitos.

            A educação como mudança de mentalidades consiste na formação através do desenvolvimento de virtudes republicanas e das virtudes democráticas. Por virtudes republicanas entendem-se: a) O respeito às leis acima da vontade dos homens; as leis vistas como “educadoras”. O desprestígio das leis já se tornou uma banalidade: ou a lei é instrumentalizada (“para os amigos, tudo; para os inimigos, a lei”) ou a lei só é respeitada porque temida pela severidade da sanção. b) O respeito ao bem público, acima do interesse privado. O desrespeito pela coisa pública (res publica, República) ou bem comum, é tradicional entre nós, quando o interesse particular é tido como superior ao interesse coletivo. A escravidão e o clã patriarcal moldaram nossos costumes durante séculos. c) ) sentido da responsabilidade no exercício do poder, inclusive o poder implícito na ação dos educadores, sejam professores, sejam gestores do ensino. Em nosso país, temos vários exemplos do “reino da responsabilidade”, pela inconsciência dos males coletivos que resultam do descumprimento dos deveres próprios de cada um, nas diferentes esferas de atuação do cidadão.

            Por virtudes democráticas entendem-se: a) O amor à igualdade e o conseqüente horror aos privilégios. Predomina, entre nós, o culto à desigualdade cívica, quando aceitamos a realidade de vários “tipos” de cidadão em relação ao acesso à justiça, à saúde, à educação etc. b) A aceitação da vontade da maioria,  porém com constante respeito aos direitos das minorias. Lembre-se, aqui, o falseamento de “maiorias”, em função dos vícios nos processos eleitorais, com manipulação da informação, abuso do poder econômico e predomínio do fisiologismo e do caciquismo. Além disso, a grande maioria do povo é tratada como “minoria política”, pois permanece alijada da participação política, apesar de cortejada para votar. O desafio democrático é, justamente, a transformação dessa maioria social em maioria política. c) O respeito integral aos Direitos Humanos. A violação sistemática de direitos fundamentais em nosso país é incompatível com qualquer projeto de cidadania democrática. Direitos Humanos são aqueles direitos comuns a todos, sem distinção de “cor”, nacionalidade, sexo, classe social, religião, etnia, instrução, ou julgamento moral. Decorrem do reconhecimento da dignidade intrínseca a todo ser humano.

            Adotar o compromisso pedagógico com o desenvolvimento dessas virtudes significa trabalhar com a perspectiva de mudar mentalidades, o que é, sem dúvida, tarefas das mais difíceis. O educador em Direitos Humanos sabe que não deve contar com resultados imediatos. E o trabalho inicial, de formação dos próprios educadores tem as seguintes orientações metodológicas:

-         a interdisciplinariedade: não se pretende “uma nova disciplina”, mas uma formação abrangente;

-         a compreensão da íntima relação entre direitos humanos e formas de participação no trabalho da escola: colaboração, respeito, pluralismo, responsabilidade, prestação de contas;

-         a constatação da presença ou ausência, de defesa ou de violação de quaisquer direitos no cotidiano escolar;

-         a realidade social econômica, política e cultural do meio, como referencial básico;

-         a compreensão efetiva sobre a integralidade e a indivisibilidade dos direitos fundamentais, seu contexto histórico, seu caráter público e reclamável.

A educação para a cidadania em Direitos Humanos, uma vez que decorre de uma opção radical pelos valores republicanos e democráticos, tem como premissa a superação da antiga visão liberal – e “neoliberal”- sobre educação e cidadania. Isto é, aquela concepção do cidadão como indivíduo livre perante o Estado (o que é essencial), mas visto de forma fragmentada, como só o contribuinte, ou só o consumidor definido pelas regras do mercado, o eleitor, o trabalhador qualificado, a elite dirigente etc. Tal superação significa reconhecer sim o cidadão livre perante o Estado e perante o arbítrio de outras forças, mas sobretudo o cidadão como membro de grupos e classes sociais diferenciados, eventualmente em conflito. Reconhecer que o cidadão é sujeito de direitos e deveres, mas também sujeito criador de direitos.

 

Maria Victoria Benevides é Professora Titular da Faculdade de Educação da USP, Diretora da Escola de Governo e vice-coordenadora da Rede Brasileira de Educação em Direitos Humanos

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