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REDE BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS

 

A VIOLÊNCIA NA ESCOLA : A PERCEPÇÃO DOS ALUNOS E PROFESSORES

AIDA MARIA MONTEIRO SILVA

"A violência é a força bruta contra alguém
Quem pratica a violência é burro, covarde,
porque somos seres humanos e a única coisa
que nos diferencia dos animais é a capacidade
de pensar e de falar. Se nós temos a capacidade
de usar palavras, para que usar a força bruta?
É isso que as pessoas precisam entender."
Renata Aguirre - 8ª Série - Escola Municipal de São Paulo.

A PROBLEMÁTICA DA VIOLÊNCIA

A questão da violência e as violações dos direitos humanos no Brasil, especialmente as que atingem a vida e a integridade física dos indivíduos, têm sido amplamente divulgadas na sociedade em geral, aparecendo com bastante ênfase nos meios de comunicação de massa e, segundo as pesquisas de opinião pública, constituem-se em uma das maiores preocupações da população nas grandes cidades.

O interesse dos meios de comunicação por esta temática encontra sua maior justificativa em dados estatísticos bastante alarmantes. Nos últimos 15 anos, os homicídios triplicaram no Brasil e matam-se 50% mais jovens em São Paulo do que em Nova York, sendo esta uma das cidades mais violentas entre as cidades de países desenvolvidos. O assassinato tem sido a principal causa de morte de adolescentes do sexo masculino em São Paulo - em cada 100 mil adolescentes paulistanos, 88 foram assassinados no ano passado ( Folha de São Paulo, 11/11/96).

Somando-se a esses dados, entre 1979 e 1978, ocorreram 272 casos de linchamento no Brasil, sendo que 181 aconteceram no Estado de São Paulo. É esse Estado que também apresenta a maior taxa de mortalidade entre policiais e civis e a prática da tortura é sistematicamente empregada em interrogatórios nos distritos policiais (Sérgio Adorno, 1994).

Conforme coloca Maria Victória Benevides (1996), esta realidade serve para desmascarar a imagem tradicional de que o brasileiro é "um povo sentimental, ordeiro e pacífico". Hoje, a violência, estampada nos grandes centros do país, comprova que a sociedade brasileira é extremamente violenta, e esta se apresenta sob diferentes formas de manifestações. Por isto, para Vera Telles (1996), é mais fácil se falar de violências no plural, ou seja, a violência urbana, a policial, a familiar e a escolar.

Estas, no entanto, não são características apenas da sociedade brasileira. Outras sociedades da América Latina e da América Central também vivem experiências de elevadas taxas de violações dos direitos humanos, entre estas, a violação do direito à vida é muito freqüente, como é o caso do Peru, Colômbia, Bolívia, El Salvador e Guatemala (Sérgio Adorno, 1994).

Segundo Nancy Cardia (1995), apesar das violações dos direitos humanos constantes no Brasil e estarem amplamente divulgadas, não têm conseguido tornar-se um tema de debate social mais amplo, com maior clamor público. Os protestos e as manifestações têm sido muito localizadas e pontuais, a exemplo dos assassinatos mais recentes de jovens de classe média em bares e restaurantes de São Paulo, o que mobilizou parte da população desta cidade no movimento intitulado: "Reage São Paulo".

Neste quadro merece destacar que boa parte da população brasileira que sofreu alguma forma de agressão, parece desconhecer as formas, os mecanismos de reparação ou desacreditar nas instituições públicas. A maioria da população não procura a justiça para reclamar a violação dos seus direitos. Pesquisa recente, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, mostra que metade da população pesquisada que declarou ter-se envolvido em algum conflito, afirmou não ter ido à justiça e, mais de 50% dentre essas pessoas afirmaram fazer justiça "por conta própria", o que de certa forma, reforça a necessidade dessas pessoas resolverem seus problemas de modo individual e privado.

Esta forma de a população tentar resolver ou reparar violações, não contribui para o avanço da democracia, uma vez que não são priorizados os mecanismos de atendimentos públicos, mas aqueles que atendem parte da população.

Na opinião de Tereza Caldeira (1996), a privatização da segurança não é uma alternativa à segurança pública deficiente e, conseqüentemente, não é remédio para a violência. Ela pode oferecer aos que pagam a ilusão de proteção. Mas, "num país com o grau extremo de desigualdade social como o Brasil, a difusão da segurança privada tende a ser mais um sistema perverso de aprofundamento dessa desigualdade. A criminalidade violenta distribuí-se iniquamente: os moradores dos bairros pobres são sabidamente as maiores vítimas da violência das grandes cidades brasileiras, enquanto os mais ricos são os que vivem nos locais mais seguros".

E esta mesma autora chama a atenção para o fato de que o abandono do espaço público e a proliferação de espaços fortificados privados para uso coletivo também não resolvem a questão da violência, como é o exemplo dos condomínios fechados que desenvolvem práticas sistemáticas de revistas nos empregados, nas portarias dos prédios. Estas são medidas muito mais de controle e de exclusão social do que de segurança ao conjunto daquela população.

Na verdade, ao adrentrarmos na questão da violência, percebemos como coloca Maria Victória Benevides, que "inexiste vontade política" para enfrentar os diferentes tipos de violência, bem como "inexiste uma tomada de consciência da sociedade de que ela é responsável, ou seja, de que o problema da violência tem raízes econômicas, sociais e culturais; que diz respeito aos governos e aos políticos, mas também às famílias, às escolas, às igrejas, às empresas, aos sindicatos e associações de profissionais, aos meios de comunicação, à sociedade civil" (1996, p.76).

Esta posição vem ao encontro dos estudos realizados por Rodrigues Guerreiro (Colômbia) e João Yunes destacados em artigo de Gilberto Dimenstein (1996).A violência, para esses autores, é hoje uma questão mundial, pois afeta as grandes metrópoles, inclusive as dos países de Primeiro Mundo. É considerada "um problema de utilidade pública e usar apenas a repressão simplesmente não funciona. O germe da violência se propaga em proporções semelhantes às das doenças infecciosas". E o mais grave é que esta problemática não pode ser combatida com vacinas para que se possa obter resultados mais rápidos como nos casos dessas doenças.

Estes pesquisadores, ao investigarem as causas da violência, evidenciaram que são vários os fatores que a determinam: desemprego, renda, escolaridade, religião, cor e desestrutura familiar, entre outros.

Esta compreensão sobre as causas da violência é também refendada por Marília Spósito (1994), ao enfatizar que são várias as explicações que têm sido utilizadas sobre o fenômeno da violência. Uma delas é calcada nas determinações sociais e econômicas: "gran parte de las interpretaciones busca explicar el aumento de la violencia urbana y juvenil, solo con base en las determinaciones sociales; en el caso brasileno, la crises social y econômica" (p. 118-119).

Mas para esta autora, "la violência es, al miesmo tiempo, producto de condiciones estabelecidas y de um conjunto de experiencias y finalidades producidas por los actores, lo cual no está totalmente determinado a priori e la violencia social y de los jovens carenciados se inscriben también en el cuadro de la crises del accional cotectivo"(p.118-119).

Esta multiplicidade de fatores torna a problemática da violência muito mais difícil de ser combatida, uma vez que, pela sua complexidade, requer definição e implementação de políticas públicas sociais nas áreas básicas, destinadas ao atendimento de todos os cidadãos. Mas, no Brasil, o que se tem assistido, além da ausência de políticas nesta direção, é a vivência de práticas sistemáticas de violência e de violação de direitos praticadas pelo próprio Estado, quando, por exemplo, este não garante aos cidadãos os direitos que lhes são assegurados, constitucionalmente, há várias décadas, como é o caso do direito à educação, entre outros.

Em relação a educação especificamente, a problemática da repetência e da evasão vem permeando o sistema escolar, há várias décadas, numa demonstração de que o Estado, além de não ter garantido a universalização da escola pública para todos os cidadãos, também não tem conseguido garantir aos que nela ingressam a sua permanência com qualidade.

Segundo a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, "ano após ano, muitos dos repetentes deixam a escola, diminuindo o número dos que conseguem chegar até a 8ª série do Ensino Fundamental, enquanto outros continuam a freqüentá-la pela merenda, pela convivência e por um pouco de esperança de que alguma coisa melhor lhes possa acontecer" (1996, p.8). Embora saibamos que as origens do fracasso escolar encontra, explicação também, no interior da escola, este interior é resultante do conjunto de determinações político-sociais, onde as definições e a vontade políticas têm maior peso.

A não garantia, pelo Estado do acesso à escola pública a todos, desencadeia novas modalidades de exclusão social pelos mecanismos de seleção que o sistema educativo aplica. Esta seletividade se estabelece entre quem tem acesso à instituição escolar e os que são excluídos, estratificando e segmentando os cidadãos; dentro os que sabem, os que têm cultura e fora, os que não têm (Spósito, 1994).

Além disso, este processo de exclusão faz com que a maioria da juventude não tenha participação nem política, nem na produção econômica, social e cultural, por não ter acesso à educação básica, e daí o caminho do crime, muitas vezes, apresenta-se como um sucedâneo para a frustração social (Vicente Barreto, 1996).

As manifestações de violência também aparecem nas relações entre as instituições públicas e os seus usuários. Geralmente estas instituições são estruturadas com base em modelos de organização privada, patrimonialista, com características de gerenciamento autoritário, de mando e desrespeito, cuja prevalência não tem sido do atendimento ao público, no sentido do bem coletivo, e a escola também reproduz este modelo.

O que nos parece bastante grave, além da violência em si, é o fato de que as várias formas de violência, produzidas no cotidiano da sociedade parecem não mais indignar a população brasileira. É como se a mesma fosse "aceita" por todos, a tal ponto que a população convive com esta realidade sem maiores traumas, ou seja, a própria vida parece não ter maior significado, chegando ao ponto de ser banalizada. Matar ou morrer não faz maior diferença.

Este quadro de violência e a falta de indignação da população em relação a esta problemática, especialmente em um Estado como São Paulo, que apresenta grandes contradições sócio-econômicas, uma vez que é responsável por 50% do Produto Nacional Bruto, PIB, mas detém elevadas taxas de criminalidade e de violação dos direitos humanos. Partindo da compreensão de que, as contradições que perpassam o conjunto da sociedade se manifestam e se refletem no interior da escola, resolvemos aprofundar e explicitar essas relações. Estes foram portanto, os principais motivos que nos levaram a realização deste trabalho.

Para tanto tomamos como campo de estudo seis escolas da Rede Municipal da Cidade de São Paulo, utilizando, como instrumento de coleta de informações, o questionário aberto, com questões semi-estruturadas que possibilitassem o posicionamento dos diretores, coordenadores pedagógicos, professores e alunos sobre a problemática estudada.

Inicialmente, foram distribuídos 80 questionários, no período de outubro a novembro de 1995, obtendo o retorno de 66 questionários, assim distribuídos: 34 questionários respondidos pelos alunos, 23 pelos professores, 6 pelos diretores e 6 pelos coordenadores pedagógicos.

Em cada escola, os questionários deveriam ter sido respondidos por 1 diretor, 1 coordenador pedagógico, 4 professores e 4 alunos da 5ª à 8ª série do 1º Grau, sendo um para cada série. Essa distribuição, de certa forma, foi respeitada pelas escolas, com exceção da distribuição aos alunos, pois, devido ao grande interesse pela temática, estes responderam em número maior do que o previsto. Este fato muito nos surpreendeu, pois fica claro que estas questões estão interessando os alunos, possivelmente, pela convivência muito próxima destes com diferentes formas de violência.

As perguntas foram divididas em dois blocos. Um primeiro, que procurava apreender o entendimento que os sujeitos da pesquisa tinham sobre a violência no contexto da realidade brasileira e, um segundo bloco, se esses sujeitos percebiam violência na escola e, em caso positivo, como a mesma era produzida nas relações sociais desta instituição.

A VIOLÊNCIA VISTA PELOS SUJEITOS DA ESCOLA

Para podermos entender melhor a problemática dos jovens e a relação destes com a violência no sentido mais amplo, procuramos analisar alguns estudos que tratam desta questão, destacando-se as pesquisas realizadas por Angelina Peralva (1995), e Marília Spósito (1994), que focalizam o jovem em determinadas práticas de violência, inclusive, com ele próprio, como é o caso dos surfistas ferroviários na Cidade do Rio de Janeiro, estudados por Peralva.

Uma das características desses jovens surfistas, destacada com grande ênfase nestes estudos, é a emoção dos mesmos ao infligirem normas e a necessidade de enfrentarem o medo, principalmente o medo da morte que é uma realidade muito próxima da população de baixa renda, localizada nas grandes cidades, a exemplo do Rio de Janeiro e de São Paulo.

Assim, uma das razões apresentadas, pelos surfistas ferroviários para desenvolverem esta prática, é justificada pela emoção, e a mesma está relacionada a dois elementos: o medo, remobilizado através da prova e o prazer na superação do medo. O jovem, ao conviver com a realidade do risco e do medo, tenta superá-los, utilizando estratégias de vivências perigosas, como é o caso desses surfistas.

No nosso estudo, a convivência com a violência é confirmada pela maioria dos entrevistados. 90% dos pesquisados afirmaram já terem sido vítimas de alguma forma de violência, manifestada sob diferentes formas de agressão: física, moral e sexual, embora o significado da agressão moral não fique explícito nas respostas dos entrevistados.

Foi, a partir da análise da violência em um contexto mais amplo, que procuramos investigar neste trabalho quais representações os sujeitos que produzem a prática escolar, têm sobre a violência, como esta se reproduz no interior da escola, e quais as alternativas para tratar com este tipo de violência.

Assim, para os alunos, violência representa agressão física, simbolizada pelo estupro, brigas em família e também a falta de respeito entre as pessoas, conforme as falas: "violentar é romper a liberdade e os direitos do cidadão. É alguém que passa dos limites e invade a privacidade do outro. É a falta de solidariedade e o desrespeito aos direitos dos humanos. É a agressão física, psicológica, sexual e moral".

Enquanto que para os diretores, coordenadores pedagógicos e professores, a percepção que estes apresentam, com mais freqüência, é da violência, enquanto descumprimento das leis e da falta de condições materiais da população, associando a violência à miséria, à exclusão social e ao desrespeito ao cidadão: "violência é atingir o direito do outro, o direito de viver, de trabalhar. É o descumprimento das leis em todos os sentidos. É a fome, o preconceito, o autoritarismo e a perda da dignidade".

Nestas falas, foi importante observar que as condições precárias de trabalho e de salários foram destacadas pelos professores como atitudes de desrespeito e de violência por parte dos Governos.

É muito freqüente também a associação que os professores e alunos fazem entre as causas da violência e as condições sociais, tais como a desigualdade social, a falta de emprego, a falta de educação - esta bastante enfatizada -, os problemas familiares (traumas, motivos psicológicos) e a influência da mídia, ou seja, os filmes e os programas de televisão "que ensinam a praticar a violência" (fala dos alunos).

Um dado interessante a destacar com relação à explicação da violência é a ênfase que os alunos dão aos filmes e aos programas violentos da televisão. Inclusive, este foi um aspecto muito mais enfatizado pelos alunos do que pelos professores.

Com relação ainda à mídia, todos os entrevistados focalizaram a associação da violência à liberação da censura pela televisão. Estes acreditam que as pessoas "copiam" os programas, a ponto de determinadas atitudes virarem moda entre as crianças e os jovens. Portanto, defendem a necessidade de que haja um disciplinamento. Na visão da maioria dos entrevistados, a sociedade está corrompida nos seus valores éticos e morais e a escola também é afetada por este tipo de corrupção.

Esta ênfase na importância dos meios de comunicação nos parece merecer uma maior atenção por parte dos educadores, haja vista que a televisão é um veículo de comunicação  que está presente em quase todas as residências de diferentes camadas sociais. Esta é uma temática que necessita de maior investigação, até mesmo para investigar se existe relação, por exemplo, entre pessoas que praticaram violências com a assistência sistemática a programas que enfatizam estas práticas.

De certa forma, as várias explicações para as causas da violência, destacadas neste estudo, vêm ao encontro dos autores que têm estudado esta problemática, já refendados neste trabalho e no que Telles (1996) denomina de negação da sociabilidade, ou seja, a violência é o retrato negativo da civilidade. E "é neste terreno da sociabilidade negada que talvez se tenha uma chave para compreender as relações (em negativo) entre violência e cidadania" (p.108).

E continuando, esta mesma autora coloca que na nossa sociedade "os direitos não se generalizam e terminam por se transformar em privilégios de alguns" (p.108).

Esta negação dos direitos fundamentais à maioria da população, na sociedade brasileira, encontra explicação no modelo econômico e social excludente, que apresenta grandes disparidades quanto ao acesso da população aos bens sociais, caracterizando-se como um das sociedades que apresenta uma das piores distribuições de renda do mundo. A convivência dos indivíduos, em extrema desigualdade social, certamente, é um dos fatores que muito contribui para a degradação do comportamento humano.

Nesta questão houve um certo consenso entre os entrevistados, inclusive, o que nos surpreendeu foi a maturidade das respostas dos alunos, indo ao encontro das respostas dos professores e dos dirigentes das escolas.

Como podemos perceber, há uma diversidade de conceitos e de entendimentos sobre a violência no conjunto dos sujeitos da pesquisa e nos estudos destacados. Mas, segundo Peralva (1995), a definição de violência não é uma tarefa fácil, até porque, na própria teoria da violência, não se encontra resposta satisfatória, no sentido de contemplar todas as variáveis que contribuem ou interferem para a prática da violência.

Com relação à violência praticada no interior da escola, ou seja, a violência que se efetiva na prática cotidiana e no conjunto das relações sociais do aparelho escolar, no Brasil, ainda são poucos os estudos que têm focalizado esta problemática.

Muitas pesquisas que têm tratado da temática da violência na escola, como os estudos de Spósito (1994); Whiataher (1994); Fukui (1994); Combier (1989); Mangel (1989) e Perdriault (1989), procuram analisá-la a partir de questões mais relacionadas à violência simbólica, à segurança da escola e, principalmente, sobre depredação e deteorização do patrimônio escolar.

Embora, neste trabalho, não tenhamos a preocupação de aprofundar estas questões, alguns dados apresentados na pesquisa de Spósito (1994) sobre as relações entre violência coletiva, os jovens e a educação, nos chamaram a atenção e vêm referendar alguns aspectos que aparecem nas respostas dos entrevistados.

Spósito (1994) destaca que em 1982, cerca de 66% das escolas estaduais da Cidade de São Paulo sofreram depredações, invasões, roubos e destruições, cometidos geralmente nos finais de semana. E em 1990, no período de julho a novembro, ocorreram 1.732 casos de violência à escola, sendo que desse total 35% corresponderam a depredações sem furto ou roubo.

Um dado interessante desse estudo é que entre os prédios públicos que são alvos de depredações, as escolas são as mais escolhidas pela população, cujos autores são crianças, jovens e adolescentes moradores dos bairros. Vale destacar que boa parte desses depredações acontecem nos finais de semana e nem sempre são acompanhadas de furtos.

Acreditamos que a violência, praticada em relação ao patrimônio público, está muito relacionada à falta de conscientização da população sobre o significado do que é público, tendo em vista a forma como as instituições, geralmente, aparecem para os seus usuários.

Na maioria das vezes, a instituição pública tem muito mais uma feição de empresa privada, cujos administradores, os "donos", são os que estabelecem normas e regras de uso e dos direitos do que um patrimônio que pertence aos cidadãos, em que todos são usuários. Esta forma de privatização da instituição provoca, na maioria das vezes, reações agressivas da população, pois, ao agredir o patrimônio público, o usuário materializa a sua insatisfação em relação aos serviços prestados e aos seus administradores.

No caso da escola, é possível que este tipo de violência se manifeste como uma forma de protesto escolar e também como expressão de crítica da população aos serviços prestados, à impossibilidade do uso de suas dependências para recreação, - quando na maioria das vezes nas comunidades, a escola é um dos poucos espaços que se presta a este tipo de atividades -, ou  até mesmo, como forma de revide em relação às agressões vividas no cotidiano da escola (Spósito, 1994).

Esta posição de certa forma é confirmada nas respostas dos alunos. Ao perguntarmos se eles percebem violência no âmbito escolar e, em caso positivo, de que forma esta violência se manifesta, a resposta unânime foi: "a escola é um espaço de violência". E as razões apresentadas foram surpreendentes, uma vez que algumas atitudes, desenvolvidas entre professor/aluno e entre os alunos, não chegam a ser percebidas como atitudes violentas, como por exemplo: falta de diálogo entre os alunos, entre professores e alunos, falta de companheirismo, falta de educação doméstica, mas especialmente, pelo desrespeito dos professores para com os alunos, manifestado em suas falas: "este aluno está ferrado comigo (isto porque o aluno era indisciplinado). Este aluno não quer nada com a escola e por mim já está reprovado".

Estas expressões vêm ratificar que a cultura da reprovação, na escola, tem raízes muito fortes e tem contribuído muito mais para desmotivar e excluir o aluno do aparelho escolar do que como fonte de diagnóstico para a melhoria da sua aprendizagem e do trabalho do professor. Assim, "sem desconsiderar as questões estruturais mais amplas, pode-se afirmar que a produção do fracasso escolar também tem origem no interior da escola, e um dos seus focos é a não adequação da proposta de ensino à clientela" (Secretaria de Educação de São Paulo, 1996, p.8), que no nosso entendimento é um das formas simbólicas de violação dos direitos do aluno quanto ao seu direito de aprender.

É preciso que trabalhemos um novo formato de prática pedagógica, em que a escola passe a ser, de fato, local de aprendizagem, de uma nova cultura, a da aprovação e da formação da cidadania, sendo a mesma entendida, como a materialização dos direitos sociais a todos os cidadãos.

Quando nos aproximamos das questões que permeiam mais diretamente as relações na escola, os resultados desse estudo mostram que existe uma diferença significativa entre a forma como os professores, coordenadores pedagógicos e diretores percebem a violência e a percepção dos alunos.

Para os educadores, a violência se evidencia, de forma mais clara, na relação entre os alunos. Estes é que são violentos e geralmente os educadores não se percebem promovendo atitudes de violência para com os alunos. É como se os professores, diretores e coordenadores pedagógicos fossem isentos de práticas violentas.

Na visão dos professores, a direção das escolas, em geral, é promotora de violência, que se manifesta sob a forma de comportamentos autoritários, de poder e de superioridade. É a predominância da cultura da privatização do espaço público, ainda muito arraigada, onde os dirigentes se colocam muitas vezes como os "donos" das instituições e, conseqüentemente, os detentores do poder e das tomadas de decisões.

Em relação ao grupo de professores, é visível a existência de uma relação mais amistosa, mais cooperativa e também corporativista, com melhor entrosamento entre eles.

No entanto, os alunos destacam que a relação entre professor e aluno nem sempre é boa, por falta de compreensão e respeito entre os mesmos: "há professores que não se dão respeito na classe. Em geral, não há muito respeito, por falta de respeito à idéia do outro".

Esta questão, levantada pelos alunos, demonstra que o conceito de autoridade está passando por profundas transformações, devido, principalmente, ao crescente processo de democratização vivenciado na sociedade brasileira, onde a "idéia clássica de autoridade, originária da relação de pai para filho, de professor com o aluno, como modelo para explicação e o entendimento da autoridade política sofreu profundas alterações nas últimas décadas" (Barreto, 1996).

Esta crise de autoridade, cujas bases está na relação familiar, vem perpassando o conjunto das relações nas diferentes instituições da sociedade, repercutindo de forma direta na escola, a ponto de alguns professores por não saberem enfrentar este desafio decidirem abandonar a profissão.

Muitas vezes, ao tentar fugir dos padrões autoritários, a família não consegue estabelecer novos padrões e limites na educação dos filhos. Na fase da adolescência, a ausência de clareza, a desorientação, enfim, torna-se um complicador para os jovens. A total liberdade, que a família assegura aos seus filhos, acaba levando-os à perda de referências significativas, o que lhes complica o desenvolvimento e o amadurecimento psicológicos.

Esta problemática, de certa forma, se reproduz na escola. A Revista Veja (maio de 1996), em reportagem sobre problemas de disciplina na escola, mostra que uma das principais explicações para a indisciplina na escola é a falta de educação em casa. Quem não assimilou regras básicas de convivência social, acha que tudo é permitido. Assim, alunos indisciplinados e mal educados atormentam professores, e estes não apresentam condições para "controlar a bagunça que come solta dentro da sala de aula. E o que é pior: não bastassem as conversinhas, os risinhos, as guerrinhas de papel, o respeito pela figura do professor passou a ser tão raro como um nota 10 em redação" (p.54).

Isto se evidencia, ao indagarmos, junto aos sujeitos da pesquisa, sobre a forma como a violência se manifesta na escola. As respostas são as mais diferentes: na discriminação masculina em relação à mulher, na agressão física e moral entre os alunos, no desrespeito entre o professor e aluno e entre aluno, professor e direção da escola, e na falta de diálogo entre professor e aluno.

Outra causa apontada nos estudos que têm investigado a questão da indisciplina, é que a escola parou no tempo e não incorporou no seu cotidiano tecnologias e conteúdos a que os alunos têm tido acesso. Os alunos reivindicam aulas mais dinâmicas, mais criativas e com mais novidades, mas a prática desenvolvida na maioria das escolas está calcada na aula expositiva e o uso do giz-e-lousa.

Estas percepções vêm confirmar um certo indício de insatisfação dos alunos pelo trabalho que escola tem desenvolvido: "a escola é coercitiva, desinteressante e não resolve os problemas imediatos. A escola não consegue cumprir seus objetivos básicos, pela própria desvalorização em que se encontra".

Esses aspectos vêm também ao encontro dos estudos de Spósito (1994), quando estes mostram que uma das causas de depredações, invasões, roubos e agressões à escola, podem simbolizar a insatisfação que a comunidade tem com o trabalho da escola.

Embora saibamos que as causas não se limitam aí, esses dados são muito importantes para se repensar o papel e a função da escola, especialmente, no atendimento à população de baixa renda.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Este trabalho nos possibilitou elaborar algumas reflexões sobre a escola que temos e a escola que queremos, em termos do atendimento à maioria da população brasileira.

Fica evidente, nas respostas dos entrevistados, que a escola não está satisfazendo aos seus usuários, não apenas em relação aos aspectos pedagógicos, diante das elevadas taxas de evasão e repetência, mas, também na gestão do aparelho escolar. Há de fato uma insatisfação da população em relação à instituição escolar e como os mecanismos legais nem sempre chegam ao conhecimento das camadas menos favorecidas, a justiça passa a ser feita por "conta própria".

Em um país onde as leis existem, mas não são cumpridas, e quando o próprio Estado viola os direitos dos seus cidadãos, a população fica sem direção para reivindicar seus direitos.

E podemos pensar em alguma saída?

Quando perguntamos aos entrevistados: que sugestões poderemos ter para diminuir a violência na escola? Foram várias as sugestões que apareceram, por sinal muito ricas e criativas no conjunto das respostas:

  • Tratar todos os indivíduos com respeito e dignidade, valorizando o que cada um tem de bom.
  • Fazer com que a escola se torne mais atualizada para que os alunos gostem mais dela.
  • Trabalhar a problemática da violência e dos direitos dos cidadão no currículo escolar, através do conjunto de disciplinas, na perspectiva da interdisciplinaridade.
  • Promover um processo de conscientização constante, através de palestras, cursos com especialistas, sobre a temática da violência, sobretudo em um trabalho conjunto com a família e a comunidade.
  • Respeitar as opiniões divergentes.
  • A família assumir o papel de formadora dos seus filhos.
  • Desenvolver dinâmicas para melhorar o entrosamento entre os alunos e entre estes e os professores.

Incentivar comportamentos de trocas, diálogos, estimulando a análise crítica dos alunos sobre situações variadas.

É, neste sentido, que concordamos com Renata Aguirre "se nós temos a capacidade de usar as palavras, para que usar a força bruta? É isso que as pessoas precisam entender".

E para chegarmos a este nível de entendimento, de usarmos a palavra no lugar da força bruta, é imprescindível a realização de trabalhos de conscientização dos indivíduos, enquanto sujeitos de direitos, calcados em uma formação voltada para a cidadania onde a educação tem papel preponderante, conforme advoga Benevides (1994):"a educação para a cidadania  deve ser entendida como preparo para a participação na vida pública, com dois registros: o político e o social. O registro político significa organização e participação pela base e o registro social significa reconhecer e reivindicar os direitos e a existência, a criação e a consolidação de novos sujeitos políticos, de novos indivíduos ou grupos com a consciência de seus direitos e deveres" (p.15).

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