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Ricardo Balestreri

Voltou, partiu, ficou

O domingo passado, na pior tradição de todos os domingos, foi um dia melancólico. Em casa, adaptava-me a uma folga, sob o impiedoso açoite da programação televisiva, quando uma matéria especial reavivou-me a dor pela morte de Betinho. Aumentei o volume e entreguei-me a uma sucessão de estados de espírito.

Primeiro, me embebi em forte mágoa. Contra a vida, tão amada, mas que alguém, com propriedade, já disse: é injusta. Sentimento de orfandade cidadã.

Todos sabíamos que ele estava doente, mas tinha que ir logo agora? Agora que, entre trevas e dores, começa a raiar a nação para a consciência da própria pujança? Agora, que o país ameaça descobrir, como ele afirmou tantas vezes, que "não é pobre, mas injusto"? Agora, que essa inquebrantável resistência espiritual, provada a fogo por séculos de opressão, ensaia os primeiros passos de uma arrancada construtiva? Tremenda impotência essa nossa, vermes do mundo arrogante da ciência, diante da morte! Mais da morte de alguém tão significativo!

Depois, a mágoa cedeu lugar à raiva.

Sistema bandido, que condenou Betinho, em meio a tantos outros, às pérfidas transfusões de sangue contaminado. País sórdido, esse que inoculou, pela incúria e pela impunidade, AIDS e hepatite em um dos seus filhos mais queridos. Que vergonha, o descaso pelo bem maior!

Por fim, amarguras remoídas, diante da expressão tranqüila que, volta e meia, retornava a tela, fui me entregando a uma sensação de paz. Afinal, apesar de todo o sofrimento, de toda a garra, de toda a luta, era principalmente isso o que Betinho nos passava: paz. Daquelas feitas à base da consciência moral ativa. A paz das mangas arregaçadas, da mobilidade, da esperança, da certeza. A paz dos que não aguardam.

Projetado para o futuro, talvez pela consciência da mobilidade da vida, assumiu a vanguarda do fazer, a pressa operativa, a decisão de autoria.

Betinho, como poucos, emblematizou o impulsionador enfado de esperar e pedir: por melhores condições, por justiça, pelos outros, pelos políticos, pelo Estado. Resolveu pedir e dar o melhor de si. Enfim, após quase 500 anos de expectativas paternalistas à esquerda e à direita, começam a surgir líderes impacientes, obreiros, catalisadores da única fonte de verdadeiro poder: a cidadania organizada. Há luz no fim do túnel, inteligência, afinal.

Um outro arauto da democracia participativa, o professor Robert Putnam, de Harvard, em cuidadosa pesquisa (Comunidade e Democracia, Editora Fundação Getúlio Vargas), revela-nos que a diferença mais substancial entre o desenvolvimento e o atraso de uma sociedade se pode explicar pelo grau de implementação de seu voluntariado social e de suas redes de engajamento cívico.

Em outras palavras: onde não há cidadania organizada, com forte autonomia perante o Estado, não pode haver real desenvolvimento, com elevação do patamar de qualidade de vida. Não é a riqueza de uma nação que gera civilidade, como rezamos, tradicionalmente, em nosso velho paradigma. É a civilidade que gera riqueza, em suas múltiplas, criativas e produtivas associações solidárias. Como chegar a isso, nas atuais condições culturais da nação brasileira? Deixando de ser etapistas, paternalistas, de reduzir a grandeza popular às condições conjunturais de sua miséria, de esperar que os bem-nascidos, os bem-nutridos, os bem-estudados, os bem-nomeados e os mal-eleitos (muitos, nem todos), façam o que jamais fizeram. Chega-se ao desenvolvimento através do exercício do poder latente em cada simples cidadão. Esse poder, no entanto, só brota na terra fértil da articulação, da solidariedade, do mutirão e da decisão de transformar em realidade e pelas próprias mãos os projetos dos sonhos. Não se pense, por isso, que devemos abdicar nossos direitos junto às elites. Apenas, diante do fracasso histórico da exclusividade dessa estratégia, tornou-se imperativo incluir um elemento novo: fazer primeiro, para que o Estado faça.

Em síntese, é isso o que creio que Betinho veio nos ensinar. Sem dúvida, cumpriu bem sua missão, e ela, em nós, continua.

Nesses dias de emoção, sentimo-nos tentados a render-lhe homenagens. Que assim seja. As palavras, os discursos, no entanto, são vãos diante de uma vida tão rica em ações. Não há, seguramente, qualquer forma sincera e coerente de fazê-lo, exceto dando continuidade à sua própria homenagem ao povo brasileiro.

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