Projeto DHnet
Ponto de Cultura
Podcasts
 
 Direitos Humanos
 Desejos Humanos
 Educação EDH
 Cibercidadania
 Memória Histórica
 Arte e Cultura
 Central de Denúncias
 Banco de Dados
 MNDH Brasil
 ONGs Direitos Humanos
 ABC Militantes DH
 Rede Mercosul
 Rede Brasil DH
 Redes Estaduais
 Rede Estadual RN
 Mundo Comissões
 Brasil Nunca Mais
 Brasil Comissões
 Estados Comissões
 Comitês Verdade BR
 Comitê Verdade RN
 Rede Lusófona
 Rede Cabo Verde
 Rede Guiné-Bissau
 Rede Moçambique

Prefácio

Carlos Alberto Barcellos*

 

Cotidiano e Escola, razões para fazer e para sonhar

 

" Tente, de alguma maneira, fazer alguém feliz. Aperte a mão, dê um abraço, um passo em sua direção. Aproxime-se, sem cerimônia. Dê um pouco de calor de seu coração. Assente-se bem perto e deixe-se ficar, muito tempo, ou pouco tempo. Não conte tempo de dar. Deixe o sorriso acontecer. E não se espante, se a pessoa mais feliz for você."

 ( Clara e Marcio Miranda)

 

Peço licença aos meus amigos da Associação de Educação Católica do Brasil (AEC) para adotar, neste prefácio, o mesmo título de seu Congresso Brasileiro ocorrido em julho de 2001, na cidade de Curitiba. Certamente as motivações da AEC em discutir o cotidiano da educação e a educação do cotidiano não são reflexões diferentes daquelas que hoje são promovidas em todos os cantos do Brasil.

A Secretaria de Estado dos Direitos Humanos, por exemplo, através, do programa PAZ NAS ESCOLAS, vem construindo com o conjunto dos educadores do Brasil uma experiência que permite ir além da mera repetição de uma educação domesticadora, castradora da criatividade, estática e bancária. Quando falo aqui em educadores, falo em todos os sujeitos que contribuem na formação de outros sujeitos, onde a educação do cotidiano torna-se, de fato, a condição e a compreensão que todo o educando adquire para o exercício de outros direitos, já que a educação é condição necessária para que isso aconteça.

Olhando esse cotidiano, salta aos olhos que vivemos uma grande crise de sentido. Crise marcada pela inexistência de valores que sejam bons fundamentos da estrutura da personalidade das crianças e adolescentes e da organização da sociedade onde eles transitam.

Falar que clamamos por uma sociedade ética, justa, tolerante e solidária é explicitar, aqui, aquele que é o sonho de cada ser humano. A crise de sentido de vida nasce da ausência e da incapacidade de enxergarmos experiências que reforcem a Utopia.

O cotidiano é domesticador, é estático. Ele amordaça a capacidade criadora e de participação das pessoas.

Vivemos, também, um cotidiano marcado por profunda crise de identidade. Não apenas uma crise de ordem pessoal mas crise de instituições que não tem clareza de sua identidade. Às vezes, quando conseguem definir alguma identidade em discursos e explicitações bem articuladas, acabam desmentindo-se em múltiplas formas de práticas implícitas que reforçam o modelo educativo autoritário e imobilizante.

A crise de identidade nasce da incapacidade das instituições e de seus sujeitos responderem às perguntas fundamentais que indicam o início de um Projeto. Perguntas como: Que escola queremos?, Em nome de quem educamos?, Qual a nossa Utopia?, Que tipo de relações humanas queremos gestar?... Sem dúvida, uma “educação” repetida mecanicamente no cotidiano não pode conseguir vislumbrar respostas a estes questionamentos, mergulhada que está na repetição das mesmas fórmulas passadas de geração a geração.

O conteúdo pré estabelecido, o professor falando todo o tempo e sozinho, a avaliação excludente e  classificatória, a neurose do vestibular, são características de uma escola morta, acomodada, incapaz de sonhar e, por isso, incapaz de gerar encanto. De fato, a crise de sentido existente no macro-sistema é reproduzida nesse micro-sistema chamado Escola.

Tenho me perguntado sobre quem paga essa conta. Creio que ela é paga por todos nós, na medida em que nos imobilizamos, deixamos de ousar e garantir que a Escola seja um lugar propício para a experiência vital do protagonismo, em especial do protagonismo juvenil.

Parece que precisamos enfrentar com coragem as armadilhas que o cotidiano nos traz. Para isso, é importante que as identifiquemos- pelo menos algumas delas- com clareza. Para fazê-lo, busco inspiração no tema do Congresso que citava acima.

A primeira armadilha do cotidiano é acharmos que podemos transformar a escola sem transformarmos a nós mesmos e ao nosso modo de pensar sobre ela. É preciso coragem para percebermos que muito da transformação passa pela revisão de nossa forma de pensar, sentir e fazer educação.

A segunda armadilha é pensarmos que o maior projeto que podemos construir consiste na elaboração do documento central e final da escola, seu Marco Referencial, certamente muito bem escrito, certamente com uma belíssima capa, guardado em alguma gaveta qualquer para quem quiser ler de vez em quando.

A terceira armadilha é acharmos que o Projeto Pedagógico definido e assumido não trará fortes conseqüências para o dia a dia da instituição. Conseqüências aqui chamadas de metodologia, de span style='mso-bidi-font-style:italic'>novo jeito de avaliação, de nova forma de inserção na comunidade, enfim, de Projeto que mexe nas relações humanas.

A quarta armadilha é aquela que nos propõe como indiferente o modelo de planejamento que escolhemos, como se fosse possível coadunarmos uma forma de planejamento que só avalia produto (índices de aprovação em vestibular) com outra que brota das perguntas que aqui nos fazemos.

A quinta armadilha é aquela que nasce da nossa ânsia imediatista, quando concluímos que basta apenas planejarmos a curto prazo.

Parecida com esta é acharmos que o projeto político-pedagógico da escola é um documento como qualquer outro, para se ler como quem lê a ata da formatura. Esta é a sexta armadilha.

A sétima é muito importante: julgar que o currículo oculto e a linguagem não verbal são irrelevantes. Se assim procedermos, estaremos passando um atestado de incompetência. Tudo na instituição fala (os cartazes colocados nas paredes, as festas, as normas...) e reafirma os postulados da violência ou constrói a paz.

Enfim, a primeira parte deste prefácio, em consonância com o restante do livro, quis, desde já, começar a levantar discussão a respeito do cotidiano da educação que fazemos. Se antes falávamos em crise de sentido, agora devemos afirmar que a escola deve ser local gerador da ética, da cidadania, da saúde e da paz.

Terezinha Rios, em seu livro Ética e Competência, afirma que esta tal competência precisa ser traduzida em um saber fazer bem. Saber fazer bem do ponto de vista ético. Logo, é mister que tenhamos clareza e convicção dos fundamentos que sustentam nossa prática. Saber fazer bem traduzido no compromisso, nosso, no dia-a-dia da prática da cidadania participativa e saber fazer bem tecnicamente, traduzido na forma segura, generosa, competente e comprometida com a dignidade humana. Esse saber técnico, humanamente orientado, deve acontecer todos os dias no exercício de nossa profissão.

Saber fazer bem, igualmente, é perceber que vivemos o tempo da descoberta das múltiplas inteligências. Paz também é respeitar e promover as diferenças no plano das características individuais. Não é mais possível pensarmos a educação centrada apenas na inteligência lógico-matemática e na inteligência lingüística. Quem desconhece e não ousa aproximar-se da cinestesia, da música, da dança, do teatro, tende a parar na história. A educação do cotidiano exige a presença da emoção, da sensibilidade, da corporeidade, da afetividade e da garantia de um mergulho profundo naquilo que de fato é essencial na construção de um ser humano dotado de autonomia moral e intelectual, capaz de edificar relações de reciprocidade e de assumir responsavelmente seu protagonismo.

Uma educação do cotidiano capaz de promover Redes de Engajamento Cívico. Educação, de fato, comprometida com a comunidade. A escola voltada para a comunidade e aberta a intercambiar com essa comunidade. Educadores realmente engajados na melhoria e na transformação das condições de vida de seus lugares. Educadores formais ou não formais. Educadores policiais, professores, educadores que lidam com drogaditos, educadores ambientais, educadores que trabalham com deficientes, enfim todos aqueles que, de múltiplas maneiras, lançam-se a melhorar a sociedade. Uma educação do cotidiano que construa o sentido de vida, que realize concretamente experiências de engajamento social, gerando, gradativamente, uma expressiva cidadania organizada.

A escola que assume como mandato a transformação do cotidiano é aquela que tem clareza de que é lugar por excelência da construção da cidadania e da paz. É ali, também, que se plasma a edificação da identidade dos sujeitos em formação, de maneira pessoal e coletiva. Na escola, crianças, adolescentes e jovens não apenas podem conhecer instrumentos de participação política mas igualmente vivencia-los real e efetivamente.

Por fim, a escola que opta pela transformação do cotidiano assume um compromisso social em educação pois reconhece que o mesmo é valor humano e direito fundamental.

 "Muitas coisas de que temos necessidade podem esperar, a criança não pode esperar. Agora mesmo ela cresce, consolida seus ossos, cria seu sangue e ensaia seus sentidos.Não se lhe pode responder amanhã: ela se chama agora." (Gabriela Mistral)

 A educação do cotidiano requer um educador que conheça sua tarefa e faça o que deve ser feito. Um educador capaz de viver pessoal e comunitariamente sua experiência educativa, apaixonado pelo que faz porque é alguém desacomodado. Sua metodologia de trabalho provoca revisão de vida e constante convite para uma interação de grupo. Tem convicção e conduz de forma afetiva as questões centrais que envolvem as vidas das crianças, adolescentes e jovens com quem trabalha. Possui liderança sem tolher a liberdade de participação. Sua grande gratificação é  perceber o despertar de sujeitos dotados de autonomia moral e intelectual. O educador do cotidiano conhece as causas de suas lutas. É alguém que usa o espaço do seu fazer técnico para deixar-se perpassar pelas grandes questões da vida humana que chegam na chamada transversalidade. Enfim, é alguém que revisa sempre sua vida e sua prática social. Pergunta sempre pelos valores e pelas causas que norteiam seu fazer educativo. Assume o seu projeto político pedagógico como testemunho da palavra empenhada.

Paulo Freire, entre tantas coisas marcantes que nos legou, deixou-nos uma provocação que nasceu de uma das muitas falas suas, cujo título sugestivo foi traduzido numa pergunta "COMO COMEÇAR SEGUNDA FEIRA"?

Não pare de sonhar. Persiga a Utopia.

"Ela está no horizonte. Aproximo-me dois passos, caminho dez passos e o horizonte fica dez passos mais longe. Por muito que eu caminhe, nunca o alcançarei.  Para que serve a UTOPIA? Serve para isso: para caminhar." (Eduardo Galeano)

 Este é o convite que faço a todos nós. A você que me lê e que lerá o conjunto desta obra convido a, corajosamente, revisar a forma como anda acontecendo o seu cotidiano educativo e, nele, como se inserem as vivências de construção da paz. Peço mais: discuta isso na sua escola. Problematize. Pergunte. Inquiete. Desacomode. Questione certezas. Trabalhe em grupo. Saia para conhecer sua comunidade.

É preciso ser permanentemente um aprendiz.

 



 * Orientador Educacional, psicomotricista, assessor da Associação de Educação Católica do Rio Grande do Sul, Consultor do CAPEC, agraciado com o “Prêmio Parceiros Voluntários 2.000”, autor de diversos artigos e livros sobre Educação e Cidadania, entre eles Ensinantes e Aprendentes, Construtores Necessários da Paz, Vec Editores, Porto Alegre, 2.001.

< Voltar

Desde 1995 © www.dhnet.org.br Copyleft - Telefones: 055 84 3211.5428 e 9977.8702 WhatsApp
Skype:direitoshumanos Email: enviardados@gmail.com Facebook: DHnetDh
Busca DHnet Google
Notícias de Direitos Humanos
Loja DHnet
DHnet 18 anos - 1995-2013
Linha do Tempo
Sistemas Internacionais de Direitos Humanos
Sistema Nacional de Direitos Humanos
Sistemas Estaduais de Direitos Humanos
Sistemas Municipais de Direitos Humanos
História dos Direitos Humanos no Brasil - Projeto DHnet
MNDH
Militantes Brasileiros de Direitos Humanos
Projeto Brasil Nunca Mais
Direito a Memória e a Verdade
Banco de Dados  Base de Dados Direitos Humanos
Tecido Cultural Ponto de Cultura Rio Grande do Norte
1935 Multimídia Memória Histórica Potiguar