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Direitos do homem, direitos fundamentais 
e liberdades públicas*

* Texto preparado com base em um dos capítulos do livro: NOGUEIRA, Alberto. A Reconstrução dos Direitos Humanos da Tributação. Rio de Janeiro:Renovar, 1997. 457 p.

Alberto Nogueira

As expressões "direitos do homem", "direitos fundamentais" e "liberdades públicas" têm sido, equivocadamente, usadas indistintamente como sinônimos. Em verdade, guardam, entre si, de rigor, apenas um núcleo comum: a liberdade.

Neste estudo, tais distinções são consideradas importantes — pelo que somos levados a fazer as observações pertinentes à luz da doutrina especializada, que é abundante, variada e fértil, daí o grande número de "conexões" ou "ângulos de abordagens" apontados nas obras especializadas sobre o tema dos direitos humanos.

Há quem, como por exemplo Blanca Martínez de Vallejo Fuster, reserve a expressão "direitos humanos" para aqueles positivados em nível internacional (exigências básicas relacionadas com igualdade, liberdade da pessoa, que não tinham alcançado um estatuto jurídico-positivo) e "direitos fundamentais" para os direitos humanos positivados em nível interno, ou seja, garantidos pelos ordenamentos jurídico-positivos estatais1.

Tais conexões se articulam nas mais diversas cadeias de conceitos, nos contextos específicos em que os autores se fixam.

Vejamos algumas figurações dessa espécie, a partir do conceito-chave de "liberdade".

Em Mario de La Cueva, lê-se:

(...) donde se conclui que a soberania é o poder comum das liberdades — ou para dizê-lo com expressões que usamos em outro ensaio: no pensamento rousseauniano, a soberania não é atributo de um poder, que como tal não existe, nem o é de uma entidade, o Estado, que se impõe ao povo e aos homens, porque essa entidade nada mais é senão a fantasia criada por Hegel do Estado como um deus terrestre; a soberania, dissemos, é parte da essência da vontade geral, que, por ser livre, não aceita nenhuma outra superior, porque deixaria de ser livre, e sim, ao contrário, define o uso de sua liberdade, seu estilo de vida e seu destino na História2.

Bernard Bourgeois faz interessante e precisa reflexão:

Em sua obra Direito natural e dignidade humana, E. Bloch descreve a História ocidental por meio do diálogo ou do conflito da corrente do Direito natural — que afirma principalmente a dignidade que o homem deve à sua liberdade — e a corrente da utopia social — que quer promover a felicidade do homem pela e na edificação de uma comunidade pacífica. A primeira corrente culminou na Revolução de 1789; a segunda, na Revolução de 1917. Na realidade, segundo Bloch, a tarefa de um marxismo autêntico consiste justamente em reconciliar a liberdade do Direito natural com a venturosa solidariedade da utopia social, porque "não existe verdadeira instauração dos direitos do homem sem o fim da exploração; não existe verdadeiro fim da exploração sem a instauração dos direitos do homem"3.

O respeitado catedrático lusitano Soares Martínez, no plano da Filosofia do Direito, averbera:

Outra questão complexa respeitará à destrinça entre as liberdades teóricas, abstratas, apenas visionadas, ou apenas definidas pelo legislador; e as liberdades reais, efetivas. Estas implicam segurança. Isto é, a certeza, ou, ao menos, a elevada probabilidade, de que as liberdades definidas poderão exercer-se. A problemática da liberdade é, assim, por natureza, inseparável do respeito da autoridade, das estruturas da polícia e da administração da justiça, sem eficácia das quais não haverá liberdades reais4.

Na visão de Georges Vedel, os direitos do homem, as liberdades e os direitos fundamentais, qualquer que seja o nome pelo qual sejam chamados, provêm originariamente do Direito natural5.

A lição de Dominique Turpin é um colosso de clareza, precisão e objetividade:

Muitas vezes consideradas como sinônimos, as noções de "direitos do homem" e de "liberdades públicas" não se superpõem totalmente. A primeira é mais antiga, mais ampla, mais ambiciosa, mais imprecisa, porque mais filosófica ou política (ela está hoje em dia na moda, constituindo-se para muitos num sacerdócio e para alguns numa sinecura). A segunda é mais recente (seu ensino autônomo data apenas de 1954 e 1962), mais modesta, mas também mais jurídica, logo, mais precisa (e, por conseqüência, sem dúvida, mais protetora)6.

Na elegância de seu estilo didático e de extrema clareza, ensina Jean Rivero: as liberdades públicas são os poderes de autodeterminação consagradas pelo Direito positivo7.

E, em seguida, a perfeita distinção que o professor emérito da Universidade de Direito, Economia e Ciências Sociais de Paris faz com absoluta precisão, entre "liberdades públicas" e "direitos do homem": as duas noções de "direitos do homem" e de "liberdades públicas" são vizinhas, mas, no entanto, distintas: elas não se situam sobre o mesmo plano, de um lado, e não têm o mesmo conteúdo, de outro lado. Elas não se situam no mesmo plano — a noção de "direitos do homem", cujas origens históricas e filosóficas veremos mais adiante, surge da concepção do Direito natural8.

A noção de direitos humanos, diz Jean Rivero, transcende seu reconhecimento pelos textos legais, sendo esse reconhecimento, entretanto, possível: os direitos do homem, com efeito, apresentam características que permitem ver um direito no sentido próprio do termo, de uma possibilidade reconhecida ao homem: um titular, um objeto preciso, um sujeito contra o qual se pode opor. É então possível lhe conferir uma sanção que os faça entrar no Direito positivo. É o que se passou com o Direito Internacional: os direitos do homem, tal como proclamados pela Declaração Universal de 1948 e determinados pelos pactos de 1966, definem na sociedade internacional uma categoria jurídica à qual os textos atribuem um regime de proteção. Deu-se o mesmo no quadro europeu. O Direito interno francês não procedeu dessa forma. Não considerou os direitos humanos, no seu conjunto, uma categoria autônoma com seu estatuto próprio9.

Assim também Jean Morange que, ao mesmo tempo em que assinala aparecerem as expressões "direitos do homem" ou "liberdades públicas", em alguns manuais, segundo as preferências de cada autor, como sinônimos10, as liberdades públicas traduzem juridicamente, mais ou menos fielmente, uma filosofia dos direitos do homem11, acrescentando: é banal afirmar que nenhuma liberdade pode ser ilimitada. Mesmo aos olhos dos liberais mais extremistas, a liberdade de cada um deve terminar onde começa a liberdade do outro12.

A distinção entre "liberdades públicas" e "direitos do homem" também se faz por outro critério, aliás por todos reconhecido, como lembra o autor acima citado, ao frisar que nos países anglo-saxões os direitos do homem evocam o Direito Internacional, ao passo que as liberdades públicas correspondem mais aos civil rights13.

François Terré, Professor da Universidade Panthéon-Assas (Paris-II), é ainda mais didático, em duas passagens distintas. Na primeira, fazendo conexões: aos conceitos de liberdades públicas e de direitos do homem — sustentados pela noção de direito subjetivo —, deve-se acrescentar um outro, em nossa época, sob a influência crescente do Direito Constitucional. Trata-se daquilo que se tem convencionado chamar de direitos fundamentais14.

Na segunda, analisando tais conceitos à luz de critérios orgânicos:

Mais significativos são, em definitivo, os critérios de natureza orgânica, manifestando essencialmente uma superioridade da Constituição: os direitos e liberdades fundamentais são, em primeiro lugar, protegidos contra o Poder Executivo mas também contra o Poder Legislativo, enquanto que as liberdades públicas — no sentido do Direito francês clássico — são essencialmente protegidas contra o Poder Executivo... Em segundo lugar, os direitos fundamentais são garantidos em virtude não apenas da lei, mas sobretudo da Constituição ou dos textos internacionais ou supranacionais15.

As liberdades públicas — averba Jean Rivero — constituem precisamente uma dessas categorias, consagrada notadamente pelo art. 34 da Constituição. Elas correspondem aos direitos do homem inseridos no Direito positivo por meio de seu reconhecimento e ordenamento pelo Estado16.

E, em tom de alerta ou de advertência: é necessário frisar que se as liberdades públicas são sempre direitos do homem, nem todos os direitos do homem são liberdades públicas17.

Nessa linha e também na melhor didática francesa, Jacques Mourgeon: em resumo, os direitos do homem se definem como sendo prerrogativas disciplinadas por regras que a pessoa detém para si própria nas relações com os particulares e com o poder18.

São ainda do mestre da Universidade de Ciências Sociais de Toulouse: após uma reforma de 1954, os programas universitários incluíram o estudo das "liberdades públicas" — expressão que, desde então, a doutrina utiliza às vezes, que a jurisprudência aceita mal (ela prefere a outra, "liberdades fundamentais"), que o legislador menciona em alguma ocasião, mas que é consagrada na Constituição de 1958 (art. 34)19.

Finalmente, com a mesma preocupação de Jean Rivero, aponta: se, entretanto, as liberdades públicas são direitos do homem, esta última categoria é muito mais ampla e extensa que a anterior20.

Jacques Robert e Jean Duffar (colaborador), a respeito do tema, assim se posicionam: existe uma diferença entre as duas expressões: "direito do homem" e "direitos do cidadão". Os direitos do homem têm um caráter pré-social; os direitos do cidadão, ao contrário, estão ligados à existência da cidade21.

E, quanto à distinção entre "liberdades públicas" e "direitos do homem", lançam advertência semelhante: acrescentamos que todos os direitos do homem não têm necessariamente o caráter de "liberdades públicas". O direito ao trabalho ou à instrução são direitos do homem, mas não liberdades22.

Fora da França, o magistério de Antonio E. Pérez Luño não discrepa desses enunciados, a despeito de interessantes nuances de aportes. Assim, diz o mestre da Universidade de Sevilha: a definição de direitos humanos que sustento atende a três idéias-guia: 1) jusnaturalismo em seu fundamento; 2) historicismo em sua forma; e 3) axiologismo em seu conteúdo23.

A posição do Professor Peréz Luño está bem estruturada em sua lógica de situação, quando a explicita com invejável clareza: por fundamentação jusnaturalista dos direitos humanos entendo a que conjuga a sua raiz ética com sua vocação jurídica24.

E, em elegante síntese didática: a distinção germânica entre Menschenrechte e Grundrechte, a francesa entre droit de l'homme e libertés publiques ou a italiana entre diritti umani e diritti fundamentali atende à respectiva dualidade de planos (prescritivo e descritivo) e ao diferente nível de positividade de ambas as categorias25.

Segundo a tese sustentada por esse autor, nem todo direito humano é um direito fundamental, enquanto não for reconhecido por um ordenamento jurídico positivo: mas ao inverso, não é possivel admitir um direito fundamental que não consista na positivação de um direito humano26.

Seguindo uma rota semelhante e na trilha dos autores acima referidos, no presente estudo destacamos (a seguir) as expressões "direitos do homem", "direitos fundamentais" e "liberdades públicas" para um exame mais completo e aprofundado.

1 DIREITOS DO HOMEM (DIREITOS HUMANOS)

Para Jean-Marc Varaut, a tônica na expressão "direito do homem" (no singular) recai na preposição "do". Em suas palavras: na expressão direito do homem, o mais importante é a preposição do. Ela indica uma relação de posse e coloca a questão essencial da natureza do homem27.

Ignácio Ara Pinilla pode ser apontado como um dos autores que mergulharam profundamente nessa investigação, com destaque para a análise por ele dedicada à natureza jurídica dos direitos humanos, a começar pela busca de uma terminologia razoavelmente confiável.

Desse modo, em um primeiro momento, adverte para a necessidade de um "ponto de partida", a saber, que os direitos humanos tenham podido se caracterizar como uma realidade polivalente ou como o paradigma da equivocidade e que sofre ainda a carga adicional, pesada carga adicional, quando se trata de esclarecer, de pôr ordem e rigor na linguagem jurídica, de que sobre eles pesem diferentes definições tautológicas, metafísicas ou tautológicas- metafísicas28.

Seu "ponto de chegada" passa pela inserção dos direitos humanos nos "princípios gerais de Direito" para caracterizá-los como uma "nova categoria constitucional".

Assim justifica a posição adotada: creio que se pode dizer que existe um consenso, mais ou menos amplo, ao entendimento de que os direitos humanos desenvolvem uma função inspiradora do ordenamento jurídico tanto em seu aspecto de criação legislativa ou normativa, no sentido amplo, como em seu aspecto de criação judicial que poderia reduzir-se a alguma das diferentes acepções que admite a expressão princípios gerais de Direito29. E, pouco adiante, arremata que se chega, nesse contexto, a uma nova categoria constitucional30.

Nesse interessante trabalho, apresentado originariamente no concurso que o autor prestou para a conquista da cátedra perante a Universidade de La Laguna (Ilhas Baleares), a conclusão é no sentido de que os direitos humanos têm a estrutura (natureza jurídica, estatuto teórico, técnico-instrumental) dos direitos subjetivos entendidos no sentido por ele utilizado31, ou, por outra forma: outra coisa é reconhecer que os direitos humanos, os direitos subjetivos que denominamos direitos humanos, levam consigo uma importante carga axiológica, legitimamente inspiradora dos ordenamentos jurídicos positivos, e, nesse aspecto, apresenta uma substancial coincidência entre os direitos humanos e os princípios gerais de Direito32.

Ernesto J. Vidal Gil segue caminho parecido, ao examinar os direitos humanos como direitos subjetivos.

Respondendo ao ceticismo que Norberto Bobbio revelara sobre o tema perante o Instituto Internacional de Filosofia, em 1964, afirma: diante do que até há pouco tempo se considerava a tese dominante, parece que, atualmente, a fundamentação dos direitos humanos não é uma empresa desesperada33.

Apontando diversas fundamentações, assinala o que para nós é absolutamente tranqüilo: que o Direito positivo não esgota a fundamentação dos direitos humanos é algo que não merece maior discussão34, isso porque, também assim entendemos, de um lado, os direitos humanos são exigências éticas; de outro, são direitos na medida em que formam parte de um ordenamento jurídico-positivo35.

Nessa perspectiva dualista, os direitos humanos surgem como uma exigência ética e se integram, imperativamente, no ordenamento jurídico positivo. O "salto" do infra para o constitucional, ou mesmo supra, na Espanha, é descrito em cores vivas por Luis Prieto Sanchis:

Pois bem, durante mais de uma década os direitos humanos, o Estado de Direito, a democracia avançada e tantas outras noções afins converteram-se nas idéias dominantes para cujo estudo eram chamados não apenas os filósofos do Direito ou da política, mas inclusive os juristas "dogmáticos" que quiseram dar cabal conta do ordenamento positivo. Ao menos uma vez, o relógio acadêmico indicava a mesma hora que a de nossa história coletiva, pois efetivamente essa foi a ideologia que animou o processo constituinte e que acabou plasmada na Constituição de 1978, cuja maquete (reprodução) professoral, ademais, é clara em numerosos preceitos36.

Nessa matriz, averba o citado jurista espanhol, a "tábua de direitos" mais fundamentais inspirou-se na Declaração de 1789, no que saltam à vista algumas incorporações e também algumas omissões, encontrando-se, na seção 2ª do capítulo II, direitos e garantias de natureza econômica, tributária e laboral37.

Serge-Christophe Kolm, por seu turno, articula os "direitos do ser humano" (sem referir-se à expressão "direitos do homem" ou "direitos humanos") ao "princípio liberal", de que a construção ideológica mais precisa é a do proprietarismo38.

A visão de Jacques Mourgeon se volta para um plano mais transcendental ou material, na medida em que, para esse autor, os direitos do homem se definem como prerrogativas ditadas por regras que toda pessoa detém em seu próprio nome e que se aplicam nas relações com os particulares e com o poder39.

A nota em destaque para a conceituação dos direitos do homem parece ser, para Jacques Robert e Jean Duffar, o "mundialismo", no sentido de que extravasam os limites dos cidadãos de cada país para atingir um valor universal40.

Pela vertente marxista e ao menos no contexto dos eventos ocorridos após 1789, a visão a respeito dos direitos do homem assume uma feição completamente diferente de tudo que se viu até aqui.

Como bem assinala Bernard Bourgeois, aos olhos de Marx, os direitos do homem se tornam a negação conjunta do direito e do homem41.

Ou seja, os direitos do homem são o "não-direito" e o "não-homem"42, porque são direitos dos burgueses43.

O marxismo, em sua concepção original, deixou, sem dúvida, um grande vazio na temática dos direitos humanos, porque se deteve na mera análise e conseqüente diagnóstico do Estado burguês.

Não rompeu o impasse na superação desse estágio para a reformulação de uma teoria dos direitos humanos de toda e qualquer pessoa, e não apenas do cidadão burguês.

No particular, parece ter ignorado até mesmo a proposta de Hegel, que via no Estado o papel de conduzir o processo de afirmação dos direitos humanos em todos os segmentos da nova sociedade (sem classes?).

Bem oportunas as palavras de Miguel Baptista Pereira no seu aprofundado livro sobre modernidade e secularização: Hegel concebeu o Estado de Direito como a condição de possibilidade da validade da liberdade concreta, isto é, toda a ordem jurídica, com os direitos humanos e as liberdades do cidadão, pressupõe o Estado como garantia de realização. A libertação de bellum omnium contra omnes da condição pré-civil da natureza é a constituição de uma ordem jurídica assegurada pelo poder estatal e só nessa ordem é possível a liberdade moral e responsável44.

A experiência do século que se ultima trouxe à reflexão dos observadores mais atentos novas idéias e fórmulas que vêm impulsionando cada dia com mais vigor a marcha libertária do homem em direção ao terceiro milênio45.

Essa formidável marcha se faz basicamente em três colunas de ataque: a) passagem dos direitos do nível infra para o super (concretização dos direitos constitucionais — tônica de nosso O devido processo legal tributário), na linha dos direitos fundamentais46; b) no campo da cidadania, na dupla perspectiva ex parte populi e ex parte principis, com a integração dos excluídos, de tal modo que a Constituição se faça efetiva a partir de uma Justiça independente e afinada com tal projeto (aspecto que abordamos no Limites da Legalidade Tributária no Estado Democrático de Direito), temática que se articula com as liberdades públicas (na qual o Estado passa a ter um papel totalmente diverso do que desempenhou em fases anteriores); e, por fim, c) a 3ª, que é a dos direitos humanos agora aqui considerados.

Eis que aí também se insere uma de nossas teses mais importantes, qual seja, a de que a teoria e a prática dos direitos humanos, dos direitos fundamentais e das liberdades públicas, longe de se excluírem, se complementam.

São as três rotas da confluência para o autêntico Estado democrático de Direito.

2 DIREITOS FUNDAMENTAIS

A melhor exposição que conhecemos sobre as origens dos modernos "direitos fundamentais" é a de Hans Peter Schneider. Esse jurista alemão abre seu trabalho sobre as origens da Lei Fundamental de Bonn de forma magistral:

Raramente coincidiram na História mundial tantas comemorações e aniversários de Constituições como em 1988/1989. É quase inevitável estabelecer comparações: os franceses celebram o bicentenário de sua Revolução; os ingleses o 300º aniversário da Glorious Revolution (da qual, por certo, pouco se tem escutado); os americanos a "reentrada" em vigor de sua Constituição e a eleição de seu primeiro presidente; os italianos o 40º aniversário de sua República; e os espanhóis celebram os dez anos de existência de sua nova Constituição. Os alemães, nós poderíamos congratular, não sem certa amargura, de poder recordar algo mais que haver provocado, faz agora 50 anos, a Segunda Guerra Mundial: o 40º aniversário de nossa Lei Fundamental. Com independência da alegria e orgulho justificados que desperta o fato de nos encontrarmos diante da Constituição "mais liberal" de nossa História, não há de esquecer que tampouco a Lei Fundamental caiu do céu, surgiu sem nada mais, se conseguiu sem luta. É necessário recordar que a Lei Fundamental surgiu em meio a constantes enfrentamentos com as forças restauradoras, por uma parte, e com os aliados, por outra, e teve de ser literalmente conquistada47.

Não cabe, aqui, fazer o comentário dessa luta, descrita de forma exaustiva nesse trabalho, mas apenas, após a transcrição dessa linda abertura, completar a citação com duas passagens que tudo sintetizam a respeito do tema nele abordado. Na primeira, esclarece-se que o grande feito dos alemães foi o de afastar a antiga e arraigada tese segundo a qual eram sempre considerados como manifestações marginais extra-estatais da Constituição, com um caráter meramente programático. A Lei Fundamental tentou primeiro evitar essa marginalização, essencialmente antepondo os direitos fundamentais em bloco aos demais artigos e dotando-os sem exceção de vinculação jurídica obrigatória em face de todos os poderes estatais. Vista assim, a Lei Fundamental pode ser considerada como a "Constituição dos direitos fundamentais", interpretada e desenvolvida sempre em função dos ditos direitos fundamentais48.

Por fim, em fecho preciso: (...) a Lei Fundamental pode ser em geral definida como a Constituição dos direitos humanos e civis49.

Na segunda passagem, explica como se deu a mudança do sistema anterior para o atual: afastando-se claramente do mero caráter programático dos direitos fundamentais da Consituição de Weimar, a Lei Fundamental, pela primeira vez, prescreveu expressamente sua vinculação geral e, com isso, ao mesmo tempo, não apenas reforçou a vinculação do Poder Público à Constituição (art. 20, ap. 3, LF) quanto aos direitos humanos e dos cidadãos, como também os acentuou, especialmente no texto normativo50.

E, concluindo: à diferença da anterior tradição constitucional alemã do século XIX e começos do século XX, os direitos fundamentais têm validade não mais pelas próprias leis, mas, ao contrário, as leis têm força pelos direitos fundamentais51.

Reforçando esse entendimento e expondo outros argumentos de inegável pertinência, averba Michel Pédamon, Professor da Universidade de Direito, Economia e Ciências Sociais de Paris (Paris II), em livro dedicado ao Direito alemão: é fato que toda Constituição se elabora em oposição ao regime político que se pretende abolir. Mas para os redatores da Lei Fundamental de 1949 (Grundgesetz), não se tratava somente de romper com um passado recente e doloroso, tratava-se de exorcizar este período do III Reich que durante doze anos profanou o rosto da Alemanha e ao mesmo tempo seu Direito52.

Fizeram-no com tamanho empenho que levaram o princípio da rigidez constitucional ao máximo possível, instituindo o sistema, também adotado na nossa Constituição de 1988, das "cláusulas pétreas", em relação a matérias consideradas de absoluta importância para a sociedade e, por essa razão, insuscetíveis de alteração, ainda que mediante regular revisão.

A superioridade dessas normas e sua imutabilidade — esclarece o citado autor com propriedade — impedem que mesmo a maioria do Parlamento possa submetê-las a qualquer revisão, enfim e sobretudo para a consagração dos direitos fundamentais (Grundrechte) de toda pessoa humana53.

Essa nova categoria de direitos, como acertadamente anota José Carlos Vieira de Andrade, não são, em si, direitos contra o Estado (contra a lógica estadual), mas sim direitos por intermédio do Estado54. Esse tipo de direitos — as palavras são ainda do jurista lusitano — cumpre-se pela ação estadual que, mediante leis e atos da Administração, deve definir e executar, conforme as circunstâncias, políticas (de trabalho, habitação, saúde e assistência, ambiente, ensino etc) que facultem e garantam o gozo efetivo dos bens constitucionalmente protegidos55. Não se bastam, segundo o autor citado, já com a sua proclamação formal56. Sobretudo por influência dos céticos socialistas, tende a abandonar o conceito de liberdades abstratas em favor do de liberdades concretas57.

Comentando tais direitos fundamentais na Constituição portuguesa (já levando em conta a revisão de 1989), J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira esclarecem: nela se consagra um extenso catálogo de direitos fundamentais, que abrange as suas sucessivas sedimentações históricas ao longo do tempo: os tradicionais direitos negativos, conquista da Revolução Liberal; os direitos de participação política, emergentes da superação democrática do Estado liberal; os direitos positivos de natureza econômica, social e cultural (usualmente designados de forma abreviada por direitos sociais), constituintes da concepção social do Estado; finalmente, os chamados direitos da quarta geração, como o direito ao ambiente e à qualidade de vida. A par disso, aparece um escasso número de deveres, que apontam para a responsabilidade política e social dos cidadãos num Estado democrático58.

No tocante à questão dos limites, bem se posiciona o magistério de Agostinho Eiras, ao averbar: é de afastar a teoria dos limites imanentes: se é certo que não há direitos ilimitados, em matéria de direitos fundamentais, de nada nos serve falar de limites imanentes — para os distinguir de outras espécies de restrições — uma vez que só em face das circunstâncias concretas se conhecerão os verdadeiros limites59.

"Concretização" é a palavra-chave para a melhor compreensão da natureza dos direitos fundamentais: o homem concreto, socialmente localizado.

Sobre esse homem concreto, assim se refere Juan Ferrando Badía:

A época contemporânea, que está presenciando a conversão ou transformação da democracia política em social, constata também que esta última reconhece os direitos do homem, mas, à diferença da democracia liberal-burguesa, os considera como exigências, quer dizer, adquirem uma dimensão imperativa. O homem concreto tem direitos que correspondem a necessidades que, se não satisfeitas, o impedem de alcançar sua plenitude humana. O homem é plenamente livre quando está liberado de condicionamentos materiais e espirituais. E para isso necessita, esse "homem concreto", da intervenção do Estado60.

Nessa linha, e como sempre magistralmente, Norberto Bobbio, ao asseverar com profundidade e pertinência: o próprio homem não é mais considerado como ente genérico, ou homem abstrato, mas é visto na especificidade ou na concreticidade de suas diversas maneiras de ser em sociedade, como criança, velho, doente etc. Em substância: mais bens, mais sujeitos, mais status de indivíduo61.

Nas palavras de Miguel de Unamuno, deve ser considerado o homem em sua dimensão de "carne e osso" el que nace, sufre y muere — sobre todo muere —, el que come, y bebe, y juega, y duerme, y piensa, y quiere; el hombre que se va y a quien se oye, el hermano, el verdadero hermano62.

De qualquer sorte, como afirma Pérez Luño, o termo "direitos fundamentais" (droits fondamentaux) aparece na França em 1770 no movimento político e cultural que levou à Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789. A expressão alcançou logo especial relevo na Alemanha, onde, sob o título de Grundrechte, se articulou ao sistema de relações entre o indivíduo e o Estado, enquanto fundamento de toda a ordem jurídico-política. Esse é seu sentido na Grundgesetz de Boon de 1949. Decorre daí que grande parte da doutrina entenda que os direitos fundamentais são aqueles direitos humanos positivados nas Constituições estatais63.

3 AS LIBERDADES PÚBLICAS

As origens da expressão são longínquas, como assinala M. Waline, ao comentar o tópico referente à 5ª regra para a definição de competência judicante: a autoridade judiciária é a guardiã das liberdade públicas. Mas, dessa antiga prevenção, ficou um costume jurisprudencial que faz da autoridade judicial — para retomar a expressão tradicional "a guardiã das liberdades públicas" — quer dizer, a protetora natural do cidadão contra os atentados da Administração ou do governo, contra seus mais garantidos direitos, porque presumidos como os mais importantes64.

A liberdade humana — disse com acerto Georges Gurvitch — não é uma contingência pura nem uma criação pura (ex nihilo). Toda liberdade implica um elemento importante de contingência e de descontinuidade, mas nem toda contingência e descontinuidade, mesmo que fortemente acentuadas, decorrem obrigatoriamente da liberdade65.

Não é definível nem passível de conceituação a liberdade humana. Na bela percepção desse notável sociólogo francês:

Não se pode deduzir nem explicar a liberdade humana, nem tampouco tirá-la de uma construção qualquer. Pode-se tão-somente prová-la, vivê-la, experimentá-la e, após, descrevê-la. Ela é uma propriedade, uma qualidade primordial, irredutível da existência humana, tanto coletiva quanto individual, flama subjacente a toda obra, ação, reação, conduta, realização. Ela pressupõe obstáculos a superar, resistências a vencer, barreiras a derrubar, realizações a ultrapassar, situações a transformar. Ela é uma liberdade situada, liberdade incrustada no real. Ela é uma liberdade sob condição, liberdade relativa66.

E, nessa belíssima imagem: os degraus da liberdade humana são escalonados até o infinito67 — aquilo que, em primoroso trabalho, Ricardo Lobo Torres, referindo-se às três expressões aqui examinadas, em linguagem elegante e refinada, atribui ao gosto nacional dos países cultos68.

Embora, como visto, não tenham o mesmo significado, já que assentam em conteúdos diversos, representam elas, a nosso ver, a experiência de culturas e realidades próprias de determinados povos, na incessante marcha de libertação do homem.

NOTAS

1 VALLEJO FUSTER in: BALLESTEROS, 1992. p. 44-45.

2 CUEVA, 1994. p. 111.

3 BOURGEOIS in: PLANTY-BONJOUR, 1986. p. 5-6. No original: dans son ouvrage Droit naturel et dignité humaine, E. Bloch retrace l'histoire occidentale à travers le dialogue ou le conflit du courant du Droit naturel — qui affirme principalement la dignité que l'homme doit à sa liberté — et le courant de l'utopie sociale — qui veut promouvoir le bonheur de l'homme par et dans l'édification d'une communauté pacifique. Le premier courant culminerait dans la Révolution de 1789, le second dans la Révolution de 1917. En réalité, selon Bloch, la tâche d'un marxisme authentique consiste justement à réconcilier la liberté du Droit naturel et l'heureuse solidarité de l'utopie sociale, car "pas de véritable instauration des droits de l'homme sans fin de l'exploitation, pas de véritable fin de l'exploitation sans instauration des droits de l'homme".

4 MARTÍNEZ, 1995. p. 41.

5 VEDEL in: TROPER, 1994. p. 205. No original: les droits de l'homme, les libertés et droits fondamentaux, de quelque nom qu'on les appelle, relèvent originairement du Droit naturel.

6 TURPIN, 1993. p. 7. No original: parfois considérées comme synonymes, les notions de "droits de l'homme" et de "libertés publiques" ne se recouvrent pas totalement. La première est plus ancienne, plus large, plus ambitieuse, mais moins précise, car plus philosophique ou politique (elle est aujourd'hui à la mode, constituant pour beaucoup un sacerdoce et pour quelques-uns un fromage). La deuxième est plus récente (son enseignement autonome ne date que de 1954 et 1962), plus modeste, mais aussi plus juridique donc plus précise (et par conséquent sans doute plus protectrice).

7 RIVERO, 1974. p. 21. No original: les libertés publiques sont des pouvoirs d'autodétermination consacrés par le Droit positif.

8 Idem. No original: les deux notions de "droits de l'homme" et de "libertés publiques" sont voisines, mais pourtant distinctes: elles ne se situent pas sur le même plan, d'une part, elles n'ont pas le même contenu, d'autre part. Elles ne se situent pas au même plan — La notion de "droits de l'homme", dont on verra plus loin les origines historiques et philosophiques, relève de la conception du Droit naturel.

9 Ibidem. p. 21-22. No original: (...) les droits de l'homme, en effet, présentent les caractères qui permettent de voir un droit, au sens propre du terme, dans une possibilité reconnue à l'homme: un titulaire, un objet précis, un sujet auquel l'opposer. Il est donc possible de leur attacher la sanction qui les fait entrer dans le Droit positif. C'est ce qui s'est passé en Droit International; les droits de l'homme, tels qu'ils ont été proclamés par la Déclaration universelle de 1948 et aménagés par les pactes de 1966, définissent, dans la société internationale, une catégorie juridique à laquelle les textes attachent un régime protecteur. Il en est de même dans le cadre européen. Le Droit interne français n'a pas procédé de la même façon. Il n'a pas fait, des droit de l'homme pris dans leur ensemble, une catégorie autonome ayant son statut propre.

10 MORANGE, 1995. p. 11.

11 Ibidem. p. 16-17. No original: les libertés publiques traduisent juridiquement, plus ou moins fidèlement, une philosophie des droits de l'homme.

12 Ibidem. p. 17-18. No original: il est banal d'affirmer qu'aucune liberté ne peut être illimitée. Même aux yeux des libéraux les plus extrémistes, la liberté de chacun doit s'arrêter là où commence la liberté d'autrui.

13 Ibidem. p. 125. No original: (...) dans les pays anglo-saxons, elle évoque le Droit International des droits de l'homme, tandis que les libertés publiques correspondraient plutôt aux civil rights.

14 TERRÉ in: CABRILLAC, 1996. p. 10. No original: aux concepts de libertés publiques et de droits de l'homme - ceux-ci étant sous-tendus par la notion de droit subjectif -, s'en est ajouté un autre, à notre époque, sous l'influence grandissante du Droit Constitutionnel. Il s'agit de ce qu'il est convenu d'appeler les droits fondamentaux.

15 Idem. No original: plus significatifs sont, en définitive, des critères de nature organique, manifestant essentiellement une supériorité de la Constitution: les droits et libertés fondamentaux sont, en premier lieu, protégés contre le Pouvoir Exécutif mais aussi contre le Pouvoir Législatif; alors que les libertés publiques — au sens du Droit français classique — sont essentiellement protégées contre le Pouvoir Exécutif... En deuxième lieu, les droits fondamentaux sont garantis en vertu non seulement de la loi mais surtout de la Constitution ou des textes internationaux ou supranationaux.

16 RIVERO, 1974. p. 22. No original: (...) constituent précisément l'une de ces catégories, consacrée notamment par l'article 34 de la Constitution. Elles correpondent à des droits de l'homme que leur reconnaissence et leur aménagement par l'Etat ont insérés dans le Droit positif.

17 Ibidem. p. 22-23. No original: il faut retenir que si les libertés publiques sont bien des droits de l'homme, tous les droits de l'homme ne sont pas de libertés publiques.

18 MOURGEON, 1990. p. 8. No original: en résumé, les droits de l'homme se définissent comme étant les prérogatives, gouvernées par des règles, que la personne détient en propre dans ses relations avec les particuliers et avec le Pouvoir.

19 Idem. No original: depuis une réforme de 1954, les programmes universitaires incluent l'étude des "libertés publiques", expression que, jusqu'alors, la doctrine utilisait parfois; que la jurisprudence accepte mal (elle lui préfère celle de "libertés fondamentales"); que le législateur mentionne à l'occasion; mais qui est consacrée dans la Constitution de 1958 (art. 34).

20 Idem. No original: si donc les libertés publiques sont des droits de l'homme, cette dernière catégorie est beaucoup plus étendue et extensible que la précédente.

21 ROBERT, 1994. p. 40. No original: il existe une différence entre les deux expressions: "droits de l'homme" et "droits du citoyen". Les droits de l'homme ont un caractère présocial; les droits du citoyen, au contraire, sont liés à l'existence de la Cité.

22 Idem. No original: ajoutons que tous les droits de l'homme n'ont pas forcément le caractère de "libertés publiques". Le droit au travail ou à l'instruction sont des droits de l'homme, non point des libertés.

23 PÉREZ LUÑO, 1995. p. 514.

24 Ibidem. p. 515.

25 Idem.

26 Ibidem. p. 521.

27 VARAUT, 1986. p. 239. No original: dans cette expression "droit de l'homme", le plus important est la préposition "de". Elle indique un rapport d'appartenance, et pose la question essentielle de la nature de l'homme.

28 ARA PINILLA, 1994. p. 32.

29 Ibidem. p. 35-36.

30 Ibidem. p. 36.

31 Ibidem. p. 53.

32 Ibidem. p. 54.

33 VIDAL GIL in: BALLESTEROS, 1992. p. 22.

34 Ibidem. p. 23.

35 Ibidem. p. 24.

36 PRIETO SANCHIS, 1990. p. 12.

37 Ibidem. p. 107.

38 KOLM, 1984. p. 42.

39 MOURGEON, 1990. p. 8. No original: en résumé, les droits de l'homme se définissent comme étant les prérogatives, gouvernées par des règles, que la personne détient en propre dans ses relations avec les particuliers et avec le Pouvoir.

40 ROBERT, 1994. p. 42.

41 BOURGEOIS in: PLANTY-BONJOUR, 1986. p. 13.

42 Idem.

43 Ibidem. p. 19.

44 PEREIRA, 1990. p. 113-114.

45 Veja-se, no particular, a antológica passagem de Otto Von Gierke a respeito dos direitos humanos: nesse sentido, a doutrina medieval já estava, de uma parte, imbuída da idéia dos direitos humanos inatos e indestrutíveis correspondentes ao indivíduo. Se bem que a formulação independente e a classificação de tais direitos pertencem a um estágio posterior da teoria jusnaturalista, contudo, seu reconhecimento como princípio já deriva, na filosofia medieval do Direito, diretamente da validade objetiva e absoluta que se reivindica para os princípios supremos do Direito natural e divino. E basta uma rápida olhada na doutrina medieval para perceber como por meio desta, em contraste com o modelo da Antigüidade, frutifica a idéia revelada ao mundo pelo cristianismo e captada em toda sua profundidade pelo espírito germânico, do valor absoluto e imperecível do indivíduo. Não apenas se sugere, mas também se expressa, com maior ou menor claridade, que todo indivíduo, em virtude de seu destino eterno, é em essência sagrado e inviolável, inclusive para o poder supremo; que ainda a menor parte tem um valor não apenas como parte do todo, mas também em si mesma; que o homem individual não há de ser considerado nunca pela comunidade como um mero instrumento, mas também como fim. (VON GIERKE, 1995. p. 228-229).

46 A conclusão nº 22 desse trabalho está assim redigida: o juiz moderno (a partir do século XIX) cumpriu o papel de assegurar as liberdades tradicionais. O juiz moderno atual é, antes de tudo, o aplicador dos direitos fundamentais inscritos nas modernas Constituições. Antes aplicava os Códigos. Agora, além dos Códigos (e acima dos Códigos), aplica a Constituição. (NOGUEIRA, 1995. p. 167). É nessa direção que marcha o Direito moderno, como se vê, por exemplo, da Convenção Européia dos Direitos do Homem, subscrita em 4 de novembro de 1950, a respeito da qual observa com propriedade Jean-Marc Varaut: a originalidade e a importância dessa Convenção estão em adequar as instituições judiciárias de tal modo que lhe assegurem o efetivo respeito: a Comissão e a Corte Européia dos Direitos do Homem que têm sua sede em Estrasburgo. (VARAUT, 1986. p. 240). No original: l'originalité et l'importance de cette Convention sont d'être assorties des institutions judiciaires qui en assurent le respect effectif: la Commission et la Cour européenne des Droits de l'Homme qui ont leur siège à Strasbourg.

47 SCHNEIDER, 1991. p. 15.

48 Ibidem. p. 16-17.

49 Ibidem. p. 17.

50 Ibidem. p. 79.

51 Idem.

52 PÉDAMOM, 1985. p. 55. No original: c'est un fait que toute Constitution s'élabore par opposition au régime politique qu'elle entend abolir. Mais pour les rédacteurs de la Loi fondamentale de 1949 (Grundgesetz), il ne s'agissait pas seulement de rompre avec un passé récent et douloureux, il s'agissait aussi d'exorciser cette période du III Reich qui pendant douze ans avait profané le visage de l'Allemagne en même temps que son Droit.

53 Ibidem. p. 57. No original: (...) d'aucune révision, enfin et surtout par la consécration des droits fondamentaux (Grundrechte) de toute personne humaine.

54 ANDRADE, 1987. p. 50.

55 Idem.

56 Ibidem. p. 53.

57 Idem.

58 CANOTILHO, 1991. p. 93.

59 EIRAS, 1992. p. 104.

60 FERRANDO BADÍA, 1989. p. 106.

61 BOBBIO, 1992. p. 68.

62 UNAMUNO, l992. p. 284.

63 PÉREZ LUÑO,1995. p. 30-31.

64 WALINE, 1957. p. 83. No original: mais, de cette ancienne prévention, est restée une coutume jurisprudentielle qui fait de l'autorité judiciaire, pour reprendre l'expression traditionnelle "la gardienne des libertés publiques", c'est-à-dire la protectrice naturelle du citoyen contre les atteintes de l'administration ou du gouvernement, contre ses droits les mieux garantis, parce que présumés les plus importants.

65 GURVITCH, 1963. p. 77. No original: la liberté humaine n'est ni contingence pure, ni création pure (ex nihilo). Toute liberté implique un élément important de contingence et de discontinuité, mais toute contingence et toute discontinuité, même très fortement accentuées, ne relèvent pas obligatoirement de la liberté.

66 Ibidem. p. 90-91. No original: on ne peut ni déduire, ni expliquer la liberté humaine, ni la tirer d'une quelconque construction. On ne peut que l'éprouver, la vivre, l'expérimenter et la décrire ensuite. Elle est une propriété, une qualité primordiale, irréductible de l'existence humaine, aussi bien collective qu'individuelle, flamme sous-jacente à toute oeuvre, action, réaction, conduite, réalisation. Elle présuppose des obstacles à surmonter, des résistances à vaincre, des barrières à renverser, des réalisations à dépasser, des situations à transformer. Elle est une liberté située, liberté encastrée dans le réel, liberté sous condition, liberté relative.

67 Ibidem. p. 93.

68 TORRES, 1995. p. 8.

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Alberto Nogueira é Vice-Presidente e Corregedor do Tribunal Regional Federal da 2ª Região

 

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