Projeto DHnet
Ponto de Cultura
Podcasts
 
 Direitos Humanos
 Desejos Humanos
 Educação EDH
 Cibercidadania
 Memória Histórica
 Arte e Cultura
 Central de Denúncias
 Banco de Dados
 MNDH Brasil
 ONGs Direitos Humanos
 ABC Militantes DH
 Rede Mercosul
 Rede Brasil DH
 Redes Estaduais
 Rede Estadual RN
 Mundo Comissões
 Brasil Nunca Mais
 Brasil Comissões
 Estados Comissões
 Comitês Verdade BR
 Comitê Verdade RN
 Rede Lusófona
 Rede Cabo Verde
 Rede Guiné-Bissau
 Rede Moçambique

  
Foto: R. Ripper

Reforma Agrária para a democratização do
acesso à terra

"São muitos os que estão cansados, dizem, de ouvir falar em opção pelos pobres. A isso eu respondo que certamente os pobres estão muito mais cansados de ser pobres..."

(Pedro Casaldáliga)

Por que a Reforma Agrária?

A concentração da propriedade da terra é a base material de um sistema econômico, social e político que responde pela situação de pobreza da população rural, pobreza esta conseqüência direta das políticas públicas que apenas privilegiam os poderosos.

Desde 1994 até hoje, mais de 450.000 famílias de produtores rurais familiares tiveram que abandonar a terra e migrarem para as cidades sem que nestas obtivessem, necessariamente, condições dignas de trabalho e de cidadania. Essa situação dos migrantes do campo para a cidade é agravada pelo crescente desemprego urbano, tanto no setor industrial como no de serviços.

Sem modificar esse sistema não há como eliminar a pobreza rural, e sem desconcentrar a propriedade da terra, concentração esta que permite aos grandes proprietários da terra o acesso privilegiado ao dinheiro público, não há como modificar esse sistema injusto e perverso.

Desse modo, quando uma sociedade comprova a existência, no seu mundo rural, de um sistema que causa a pobreza, ela encarrega o Estado de realizar um processo de desconcentração da propriedade da terra.

Por essa razão é que o artigo 184 da Constituição Federal determina ao Estado brasileiro a realização de uma reforma agrária, ou seja, que o Estado intervenha e promova a desconcentração da propriedade rural, mediante a desapropriação daquelas que não cumprem sua função social.

Este comando institucional significa o reconhecimento de que o mercado capitalista, por si só, não conduz a uma repartição mais eqüitativa da terra e que os outros instrumentos de que o Estado dispõe para desconcentrar a terra, como o imposto territorial rural progressivo, o banco hipotecário, o crédito subsidiado ao pequeno agricultor, a exclusão das grandes propriedades do programas governamentais de assistência técnica e comercialização, são insuficientes para desestimularem a concentração de terras.

Reconhecendo a necessidade da intervenção do Estado pela via da desapropriação, a Constituição reconheceu também que precisava dar-lhe meios efetivos para pode desapropriar as grandes propriedades que não cumprem a função social da terra.

Por isso, o texto constitucional abriu uma exceção no princípio de que toda desapropriação de bens particulares pelo Estado deve ser indenizada a vista e permitiu que, dado o interesse social da desconcentração da propriedade da terra, o pagamento das benfeitorias seja feito a vista e que a da indenização da terra seja feita a prazo, através das TDAs (Títulos da Dívida Agrária).

É essa possibilidade que viabiliza a Reforma Agrária, pois, só pagando a terra a prazo, o Estado tem condições financeiras de desapropriar uma quantidade suficientemente grande de terras e, desse modo, renovar a base material do sistema econômico, político e social que é a causa última da pobreza rural.

Existe hoje no Brasil uma demanda de terra para a produção familiar por cerca de 4 milhões de famílias de trabalhadores rurais sem terra ou com pouca terra, e de filhos de trabalhadores rurais que foram obrigados a trabalhar na cidade mas que desejam voltar a cultivar a terra.

Esta é a essência da Reforma Agrária e foi isto que a Constituição brasileira consagrou , em 1988, no seu artigo 184.

A partir dessa noção pode-se deduzir os requisitos de uma Reforma Agrária brasileira:

a existência de uma alta concentração da propriedade da terra;

a desapropriação de uma grande quantidade de terras, em um tempo razoavelmente curto, para incidir decisivamente sobre a concentração da propriedade privada da terra utilizada apenas para especulação. Na atualidade existe um estoque de 80 milhões de hectares de terras ociosas no Brasil em propriedades privadas que não cumprem com a função social da terra;

pagamento da indenização da terra a prazo para possibilitar a desapropriação massiva de terras e garantir a oferta de recursos financeiros para apoiar os assentamentos com crédito, assistência técnica e capacitação;

absoluto respeito pelos movimentos de trabalhadores rurais sem terra, sem os quais é impossível mobilizar a população rural para que ela se integre no processo de reforma agrária de modo autônomo sem temer ameaças nem se sujeitar a manipulações de qualquer ordem.

Banco da Terra: o banco dos donos das terras

O que o governo federal deseja ocultar da opinião pública brasileira e internacional é a grande ofensiva popular pela democratização da terra rural desencadeada, principalmente a partir do final da década de 80, pelos movimentos sociais e sindicais de luta pela terra.

Em função dessa luta pela terra o governo federal foi constrangido, de baixo para cima, a efetivar as desapropriações decorrentes do processo de ocupação daquelas terras que não cumpriam a sua função social, conforme dispõe a Constituição Federal.

Nessa conjuntura histórica a correlação de forças políticas e sociais, na luta pela Reforma Agrária, tornou-se desfavorável política e ideologicamente para o Governo Federal. E, isso, por quê?

porque o governo federal teve que atuar à reboque da iniciativa popular no campo, contrariando a tendência histórica autoritária (de cima para baixo) dos governos no Brasil;

ideologicamente a expressão sem, de sem terra, tornou-se referência cotidiana, nacional e internacional, para os desprovidos de terra, de moradia, de emprego, de alimentos, de reconhecimento civil étnico, ou seja, para todos aqueles que as classes dominantes no país denominam falaciosamente de socialmente excluídos;

O governo federal, acostumado historicamente a cooptar os movimentos sociais e sindicais, no campo e na cidade, encontrou pela frente uma muralha democrática popular, a muralha dos trabalhadores rurais sem-terra organizados sejam em movimentos sociais sejam em sindicatos de trabalhadores rurais, que não aceitaram qualquer tipo de insinuação de cooptação, de agrado político ou de conivência com a ideologia dominante, sempre favorável aos interesses dos latifundiários e do grande capital.

Desorientado pela impossibilidade de cooptar os trabalhadores rurais sem terra e de dissuadir suas ações pela repressão político-militar, o governo federal, com o apoio dos setores estrategistas civil-militares e do Banco Mundial, desenvolveu uma nova estratégia para desmobilizar os movimentos sociais e sindicais no campo, não mais dando ênfase às iniciativas no campo político-administrativo e ideológico, mas sim no econômico, com o programa Cédula da Terra e a criação do Banco da Terra, ambos formas institucionais da proposta de Reforma Agrária pelo mercado.

Qual o objetivo estratégico da Reforma Agrária pelo mercado, ou seja, das propostas em execução pelo programa Cédula da Terra e aquelas a serem executadas pelo Banco da Terra? A tentativa de cooptar os trabalhadores rurais sem terra desorganizados pela oferta de dinheiro para comprarem, a vista, terra dos latifundiários, dinheiro esse que terão que pagar com juros altos e condições desfavoráveis, principalmente na fase histórica da vida brasileira em que as políticas macroeconômicas do governo federal desmantelam toda a base produtiva na agricultura do país.

Nesse processo geral da Reforma Agrária pelo mercado a iniciativa de venda ou não da terra ociosa (em geral da pior qualidade) passaria para o controle dos latifundiários, tradicionais especuladores com a terra, sem a mediação do Estado, e sem qualquer restrição por não cumprirem a função social da terra como dispõe o artigo 184 da Constituição Federal.

Para que essa nova estratégia civil-militar do governo federal para desmantelar os movimentos sociais no campo possa ocorrer tem sido fundamental o apoio financeiro e ideológico do Banco Mundial: financeiro ao aprovar o pedido de empréstimo do governo federal no valor de um bilhão de dólares (com contrapartida do governo federal de mais um bilhão de dólares) para o Banco da Terra e ideológico porque incorpora as idéias neoliberais do livre mercado no processo de Reforma Agrária, reforçando mais uma vez os interesses dos latifundiários contra as necessidades do povo no campo.

O Banco da Terra estará sendo implantado efetivamente em 1999. Porém, em cinco Estados do país, o programa Cédula da Terra (programa piloto) já foi implantado e demonstrou, à evidência, que os preços pagos aos latifundiários foram sempre supervalorizados, que foram adquiridas as piores terras e que os trabalhadores rurais, obrigados a criarem associações de cima para baixo, passaram a depender, mais uma vez, das oligarquias locais.

Compete aos trabalhadores rurais sem terra e àqueles já nos acampamentos e nos assentamentos aprofundar o conhecimento sobre esse assunto e tomar as decisões que lhes convier para que suas organizações populares de massa não sejam desbaratadas pelo dinheiro fácil do Banco da Terra e do discurso governamental de cooptação, todos eles com um único objetivo: acabar com os movimentos sociais e sindicais autônomos de luta pela terra no campo e subordinar a luta popular aos interesses dos latifundiários.

O único instrumentos legal válido para que se efetive uma reforma agrária massiva de interesse popular é o processo de desapropriação da terra por interesse social.

As políticas agrícolas contra os trabalhadores rurais

O acordo realizado pelo governo federal com o FMI (Fundo Monetário Internacional), instituição que representa os interesses dos grandes capitalistas internacionais, está exigindo do povo brasileiro mais sacrifícios, estes expressos no arrocho salarial, na volta da inflação, no desemprego crescente, na perda da terra pelos agricultores familiares e na ausência de desenvolvimento econômico no país.

No campo a situação se agrava ainda mais com a liberalização das importações de produtos de consumo alimentar que tradicionalmente os agricultores brasileiros já produziam.

A maioria dos agricultores familiares não teve condições concretas de pagar o crédito rural do Pronaf, não porque seja da índole dos agricultores não honrar seus compromissos, ao contrário, mas pela indiscriminada importação de produtos da agricultura para manter os preços dos alimentos muito baixos tendo em vista não aumentar os salários mínimos. Centenas de milhares de pequenos produtores rurais tiveram que renegociar as suas dívidas com os bancos para não perderem suas terras. Nesse sentido, endividaram-se mais ainda, sem qualquer perspectivas de saírem dessa crise financeira.

Por outro lado, os trabalhadores rurais sem terra que, pela suas lutas, conseguiram obter um lote de terra eram beneficiados por um crédito rural especial para a Reforma Agrária, o Procera, cujos juros e condições de pagamento eram menores do que aqueles do Pronaf. E, isso tinha uma razão: eram famílias que iriam iniciar suas vidas no novo lote a partir do nada, sem quaisquer condições mínimas de trabalho como as ferramentas, sementes, animais, moradia, etc. Iriam sair da pobreza e miséria em que estavam submetidos para um começo de produção na sua própria terra.

No Procera o agricultor familiar assentado pagaria 6,5% de juros ao ano, mas na hora do pagamento dessa dívida teria um desconto (rebate) de 50%. Já no Pronaf o pequeno agricultor teria que pagar, nos valores atuais, aproximadamente 9,42 % de juros ao ano e sem qualquer desconto.

Ora, o que o Governo Federal está propondo atualmente é que os agricultores familiares assentados paguem o mesmo juros, e com as mesmas condições, que aqueles pequenos agricultores já consolidados, ou seja, praticamente extingue o Procera.

A idéia que os movimentos sociais e sindicais no campo defendem é exatamente o inverso: que todos os agricultores familiares tenham acesso ao crédito rural especial no padrão do Procera, e não do Pronaf. Ou seja, que o crédito rural para os pequenos produtores rurais seja não apenas barateado mas que tenha o desconto, na hora do pagamento da dívida, de 50% do saldo devedor.

E, por que isso, porque esse crédito especial para o pequeno produtor rural? Para que seja possível enfrentar as deslealdades na concorrência estabelecidas pelas indiscriminadas importações de alimentos, na maioria deles com subsídios nos seus países de origem, e pelo controle no preço de compra dos produtos rurais estabelecidas pelos grandes grupos econômicos atacadistas. Esse crédito rural teria um caráter social de garantir a permanência das famílias de produtores rurais no campo.

Mas as idéias do governo federal são diferentes. Insensíveis à crise econômica e social eles consideram que só devem permanecer como pequenos produtores rurais aqueles mais fortes, os mais viáveis, mesmo que isso custe a perda da terra por um elevado número de agricultores familiares, o êxodo dessas famílias para as cidades e o desemprego de milhares e milhares de pessoas.

E aonde irá parar a terra daqueles pequenos produtores rurais que não tiveram condições de produzir, por que são explorados na venda de seus produtos, na compra dos insumos e no pagamento de juros do crédito rural incompatível com a crise econômica e social na agricultura? Nas mãos dos grandes fazendeiros, favorecendo, assim, a concentração da terra.  

Desde 1995 © www.dhnet.org.br Copyleft - Telefones: 055 84 3211.5428 e 9977.8702 WhatsApp
Skype:direitoshumanos Email: enviardados@gmail.com Facebook: DHnetDh
Busca DHnet Google
Notícias de Direitos Humanos
Loja DHnet
DHnet 18 anos - 1995-2013
Linha do Tempo
Sistemas Internacionais de Direitos Humanos
Sistema Nacional de Direitos Humanos
Sistemas Estaduais de Direitos Humanos
Sistemas Municipais de Direitos Humanos
História dos Direitos Humanos no Brasil - Projeto DHnet
MNDH
Militantes Brasileiros de Direitos Humanos
Projeto Brasil Nunca Mais
Direito a Memória e a Verdade
Banco de Dados  Base de Dados Direitos Humanos
Tecido Cultural Ponto de Cultura Rio Grande do Norte
1935 Multimídia Memória Histórica Potiguar