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Seminário sobre os Direitos dos Homossexuais

SUMÁRIO

 

Apresentação

Introdução

Transcrições das exposições e debates do Seminário

Abertura

Aspectos jurídicos e legais da orientação homossexual

Políticas públicas e ações governamentais

Debates

Entidades

Carta de Brasília

Projeto de Lei sugerido pelos participantes do seminário

 

APRESENTAÇÃO

A questão da cidadania do homossexual é uma realidade a cada dia mais presente nos trabalhos da Comissão de Direitos Humanos. Em 1999, recebemos de diversas entidades denúncias sobre violações dos direitos dos homossexuais. Por outro lado, é um dos grupos vulneráveis que mais rapidamente vem se organizando no Brasil em prol de seus legítimos interesses.

Mas os dados sobre os crimes que se cometem contra os homossexuais são alarmantes. De acordo com a ABGLT - Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Travestis, a cada três dias, um homossexual é assassinato no país em decorrência de sua condição sexual. É crescente o número de crimes de torturas, agressões, ameaças e difamações, principalmente nas cidades de Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo, onde há um número maior de violações.

Os dados ainda são incompletos e parciais, tendo em vista que muitos crimes não são sequer registrados. É que, freqüentemente, ao tentar registrar agressões junto às delegacias, homossexuais acabam sendo vítimas de mais discriminação e preconceito por parte dos próprios policiais, passando de denunciantes a denunciados. As ocorrências são então modificadas ou desestimuladas.

Os estudiosos demonstram em suas pesquisas que somos uma sociedade homofóbica, ou seja, há uma especificidade na discriminação existente contra os homossexuais. Neste contexto, o que motiva o crime ou o preconceito, muitas vezes, é a rejeição pura e simples da pessoa em razão de sua orientação sexual. O homem que opta por ser gay, travesti, transexual ou a mulher que opta por ser lésbica, são vistos como desequilibrados, desajustados, doentes que precisam ser excluídos do convívio social. Tudo isso reforça uma cultura hermética e machista que desrespeita a pessoa humana e fere o direito e a liberdade de exercer livremente sua sexualidade.

Estamos certos que o nosso desafio é grandioso, já que não basta legislarmos para tornar cada vez mais eficaz o ordenamento jurídico na punição dos crimes praticados contra os homossexuais. Precisamos igualmente atuar no fomento de ações afirmativas, nas quais a especificidade da cidadania dos homossexuais esteja incorporada a políticas públicas. No combate à violência, é preciso desde educar nossas polícias para o respeito à orientação homossexual, até incentivar a criação de disque-denúncias e programas voltados ao combate à impunidade.

Esta publicação é um meio de contribuição a esse processo de conscientização dos direitos humanos dos homossexuais. Além de divulgar a íntegra dos debates do seminário realizado em setembro de 1991 pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, em conjunto com a Secretaria de Estado de Direitos Humanos (Ministério da Justiça) e com o apoio de várias organizações não-governamentais. Por ter sido rico e contado com presença de lideranças nacionais que refletem sobre o tema, decidimos transcrever o debate tal como ele ocorreu. Estes Anais também contém a Carta de Brasília, com as conclusões e recomendações do encontro, além de cópia do Projeto de Lei 1.904/99, que apresentamos em antendimento a uma sugestão consensual das entidades participantes do evento.

Desta forma, esperamos que cada vez mais os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, bem como do conjunto da sociedade, assumam iniciativas voltadas para o combate às discriminações, inclusive dos homossexuais. Se todos fizerem a sua parte, contribuiremos para construir uma sociedade pluralista, verdadeiramente democrática e humanista.

 

 

Deputado Nilmário Miranda

Presidente da Comissão de Direitos Humanos

 

INTRODUÇÃO

SEMINÁRIO CIDADANIA HOMOSSEXUAL E DIREITOS HUMANOS

O Seminário Direitos Humanos e Cidadania Homossexual foi realizado no dia 21 de setembro de 1999, no plenário 9 do Anexo II da Câmara dos Deputados, pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara, em conjunto com a Secretaria de Estado de Direitos Humanos, do Ministério da Justiça, contando ainda com o inestimável apoio de organizações não-governamentais representativas dos segmentos homossexuais da população homossexual, como a Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Travestis, Fórum Paulista da Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transgêneros, Grupo Corsa, Associação de Travestis e Liberados-RJ, Grupo Gay da Bahia e Núcleo de Gays e Lésbicas do PT.

Na ocasião foram debatidos os direitos dos homossexuais, ações afirmativas, aspectos jurídicos e legais da orientação homossexual, políticas públicas e ações governamentais. Foram apresentadas diversas denúncias de violações dos direitos humanos de cidadãos homossexuais no país.

Participam do seminário, entre outros expositores, a ex-deputada Marta Suplicy; o procurador da República Aurélio Virgílio Rios; o diretor do Departamento de Direitos Humanos, Ivair Augusto dos Santos; e o representante da Rede Nacional de Direitos Humanos, Raldo Bonifácio.

 

 

TRANSCRIÇÃO DAS EXPOSIÇÕES E DEBATES DO SEMINÁRIO

DIREITOS HUMANOS E CIDADANIA HOMOSSEXUAL

 

ABERTURA

 

O SR. COORDENADOR (Deputado Nilmário Miranda) - Declaro abertos os trabalhos da Comissão de Direitos Humanos, dando início ao seminário Direitos Humanos e Cidadania Homossexual.

Antes de explicar a dinâmica desse evento, quero dizer a todos os presentes que a Câmara dos Deputados acabou de votar, há exatamente dez minutos, projeto de lei de iniciativa popular que aqui chegou com 1 milhão de assinaturas. Esse projeto, que é uma novidade, pune a corrupção eleitoral antes das eleições. Qualquer eleitor corrompido por um candidato, com distribuição de bens de qualquer natureza em troca do voto, pode denunciar o político. O eleitor terá o perdão judicial, e o candidato pode ter a sua candidatura impugnada, cassada. Essa denúncia impede, lá no começo, a própria candidatura.

Esse projeto é oriundo de uma articulação que envolveu dezenas de entidades da sociedade civil e foi liderado por igrejas evangélicas e católicas, pela OAB, pelas Centrais Sindicais e por diversas ONGs que, durante um ano, coletaram um milhão de assinaturas com o devido título de eleitor, o que é uma atividade muito difícil. É o segundo projeto de iniciativa popular que chegou no Congresso Nacional em dez anos. Só dois conseguiram isso, o de moradia e esse.

Vamos iniciar este seminário sabendo que, devido à importância da referida votação, a sessão extraordinária da Câmara dos Deputados se estendeu além do tempo previsto, provocando atraso no início do nosso seminário.

Antes de mencionar a importância e o significado deste seminário, convido para compor a Mesa, em primeiro lugar, a ex-Deputada Marta Suplicy, uma das expositoras que, sendo autora de um projeto a respeito do assunto, deixou aqui seu rastro. Convido também os Srs. Aurélio Virgílio Rios, Procurador Federal; Ivair Augusto Alves dos Santos, militante dos Direitos Humanos que "emprestamos" ao Governo e que aqui está representando o Ministério da Justiça, na qualidade de chefe do Departamento de Direitos Humanos daquele ministério; e Cláudio Nascimento, representante da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Travestis. Naturalmente, não tenho como chamar para a Mesa todos os companheiros e companheiras que aqui usarão da palavra.

Vamos começar ouvindo os nossos convidados. Já estão inscritos para usar da palavra a Sra. Zora Yonara Iones, Diretora do Grupo de Lésbicas da Bahia e Secretária Adjunta de Direitos Humanos da ABGLT; o Sr. Marcelo Cerqueira; a Sra. Rosângela Castro; o Sr. Roberto de Oliveira; o Sr. Midori Amorim; o Sr. Derli Luiz; o Sr. Danne Roos e o Sr. Enilson Ferreira. Em seguida, passaremos a palavra aos expositores, o Sr. Cláudio Nascimento; o Dr. Aurélio Virgílio Rios; o Dr. Ivair Augusto Alves dos Santos; o Sr. Raldo Bonifácio, da Rede Nacional de Direitos Humanos, do Ministério da Saúde; e a Deputada Marta Suplicy, que estão compondo a Mesa.

Esta é a primeira vez que, no Congresso Nacional, os direitos humanos dos cidadãos homossexuais são debatidos em evento organizado exclusivamente para esse fim. O modesto número de pessoas presentes reflete as dificuldades naturais de iniciativas como esta, inclusive o preconceito da sociedade sobre o assunto.

Na realidade, os homossexuais constituem uma parcela significativa da população e são um dos setores mais vitimados pela violência. O número de casos de violação dos direitos humanos dos homossexuais é alto, se comparado ao de outros setores. Todos sabemos da intolerância e da discriminação que pesa sobre esses cidadãos e essas cidadãs. As agressões têm atingido proporções alarmantes. São numerosos os casos de ação de grupos de extermínio e de violência policial contra essa parcela de nossa população.

Cidades como o Rio de Janeiro, Salvador, São Paulo e Goiânia registram uma expressiva quantidade de homicídios, torturas e agressões físicas envolvendo gays, lésbicas, travestis e transexuais. Grande parte desses crimes tem ficado na impunidade por falta de empenho das instituições policiais e judiciárias, nas quais a discriminação persiste, a exemplo de outras instituições.

A Constituição Federal dispõe sobre o princípio da dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil. Há também dispositivos que asseguram direitos à intimidade, à vida privada, à proibição de qualquer discriminação etc. No entanto, o que se vê é o constante desrespeito desses direitos pela sociedade brasileira. Não haverá um verdadeiro Estado Democrático de Direito enquanto a liberdade e a privacidade das pessoas não forem efetivamente asseguradas, tanto pela Legislação quanto pelas instituições e entidades governamentais. Políticas públicas voltadas especificamente para os direitos dos homossexuais devem ser agilizadas, para que se crie uma cultura e uma educação de respeito à liberdade e à orientação sexual das pessoas.

O Programa Nacional dos Direitos Humanos não incorporou uma extensão adequada às demandas dos cidadãos homossexuais. A representação desses setores nos organismos colegiados do Estado não corresponde à amplitude de sua presença na sociedade. Esses são indicadores incontestáveis de que é preciso agirmos no sentido de garantir os valores democráticos em toda a extensão dos direitos humanos aos homossexuais.

A votação do projeto de lei da união civil, apresentado pela Deputada Marta Suplicy, revelou as dificuldades que essa caminhada impõe. Mas foi um começo — um bom começo! Outras proposições que assegurem os interesses e direitos legítimos dessa parcela de nossa população serão apresentados e debatidos. A Parada Gay de São Paulo, com cerca de 30 mil participantes, revelou a força crescente da mobilização dos diferentes setores da população homossexual do País.

Ao realizar este evento, em conjunto com a Secretaria de Estado de Direitos Humanos, aqui representada pelo Dr. Ivair Augusto dos Santos, a Comissão de Direitos Humanos assume o compromisso de intensificar a luta pela garantia dos direitos fundamentais de todos os cidadãos homossexuais e se coloca à disposição para, juntos, apresentarmos alternativas nessa luta.

Está presente também o Deputado Nelson Pellegrino, Vice-Presidente da Comissão de Direitos Humanos e ex-Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa da Bahia durante oito anos. Após a votação em plenário, S.Exa. foi fazer um lanche, para agora vir presidir os trabalhos da Comissão, conforme combinamos.

Passo a Presidência ao Deputado Nelson Pellegrino.

O SR. COORDENADOR (Deputado Nelson Pellegrino) - Inicialmente, daremos a palavra ao Sr. Marcelo Cerqueira, Diretor do GGB, Grupo Gay da Bahia, e também Secretário de Saúde da ABLT. Ele é um velho conhecido da Bahia e, juntamente com outros companheiros, tem feito um importante trabalho em seu Estado.

Com a palavra o companheiro Marcelo.

O SR. MARCELO CERQUEIRA - Senhoras e senhores, boa-tarde. Sou Vice-Presidente do Grupo Gay da Bahia e estou aqui para trazer depoimento quanto à violação dos direitos humanos dos homossexuais, gays, lésbicas e travestis no Estado.

Ultimamente, estamos vivendo um regime de autoritarismo, de prisão e de violência em Salvador, pois a Secretária de Segurança Pública, Kátia Alves, autorizou prender todos os travestis que estiverem nas ruas da cidade a partir de determinado horário. É uma vergonha sermos obrigados a conviver com esse tipo de violência e de agressão em nossa cidade e num Estado como o nosso. Trago também o dossiê da violação dos direitos humanos de homossexuais no Brasil no ano de 1998, em que constatamos 116 assassinatos de homossexuais, sendo 73 gays, 36 travestis e 7 lésbicas.

Essa situação é alarmante. O ano de 1999 nem terminou, e já constatamos, através de pesquisas na imprensa, que 104 homossexuais foram assassinados no Brasil.

Bahia e São Paulo são os Estados onde mais se matam homossexuais. Existe uma cultura que determina que o homossexual é frágil, é um cidadão de segunda categoria; por isso, tem seus direitos desrespeitados constantemente nos Estados da Bahia e de São Paulo.

O SR. COORDENADOR (Deputado Nelson Pellegrino) - Passo a palavra à Sra. Rosângela Castro, diretora do Grupo Arco-Íris e Secretaria de Mulheres da ABGLT.

A SRA. ROSÂNGELA CASTRO - Senhoras e senhores, a Secretaria de Mulheres da ABGLT agradece o convite para este seminário, que, com certeza, é um marco para o movimento homossexual brasileiro e também um incentivo do Ministério da Justiça para que possamos estar aqui.

A discriminação em função da orientação sexual tem levado ao isolamento e à marginalização das lésbicas por parte da sociedade. Acreditamos que, se não lutarmos, se não colocarmos a nossa cara nas ruas para mudar a atual situação, seremos penalizadas mais uma vez com o esquecimento e continuaremos isoladas e invisíveis.

A violação de nossos direitos começa em nossas próprias casas. Quando descoberta a nossa orientação sexual, somos humilhadas, espancadas e expulsas, em alguns casos, como temos conhecimento, e até abusadas sexualmente para aprendermos a gostar de homens. Nós gostamos de homens, sim; apenas não os queremos para nossos companheiros, para construirmos e compartilharmos as nossas vidas. Às vezes temos de sair muito cedo das escolas, devido às pressões sofridas e à falta de preparo dos professores e das equipes pedagógicas para enfrentarem a questão da homossexualidade. Muitas vezes, são eles os grandes discriminadores.

O direito à religião também nos é vedado, quando somos colocadas como pecadoras e transgressoras da vontade de Deus, e nos falam que não herdaremos o reino dos Céus e não somos dignas de suas bênçãos. Também somos demitidas de nossos trabalhos. A mídia em pouco tem ajudado a dignificar a nossa imagem, pois continuamos como sapatões, mulher-macho, paraíba, caminhoneira, roceira, roçona, a que deu para ruim. Nas raras vezes em que aparecemos com uma situação financeira estável, bem-sucedidas profissionalmente e numa relação saudável de afeto e amor, somos mortas ou em acidente de carro ou queimadas em incêndio no shopping center.

Acreditamos que esta é a hora de nós, lésbicas, defendermos os nossos direitos, pois temos a força necessária para conseguir mudanças sociais e políticas fundamentais, para sermos cidadãs de plenos direitos na sociedade em que vivemos, de modo a acabar com a discriminação a que somos sujeitas.

Queremos acesso aos serviços de saúde, a barreiras para prática de sexo mais seguro, à partilha de bens, a colocarmos nossas companheiras como beneficiárias de nossos planos de saúde, de nossos clubes e de nossas colônias de férias. Queremos e temos direito a PCR, temos direitos à guarda de nossos filhos.

Dos crimes contra lésbicas, 60% estão caracterizados pela "lesbofobia" e apresentam requintes de crueldade, como objetos introduzidos nas genitálias e queimaduras no corpo. Devido à invisibilidade das lésbicas, de 1970 a 1999, segundo o Grupo Gay da Bahia e o Grupo Lésbica da Bahia, temos registrados apenas 60 casos de assassinatos — o que não corresponde à realidade, até porque nossos familiares prezam para que não seja divulgada a nossa orientação sexual.

Algumas coisas se modificaram. Temos acompanhado casos de sucesso de companheiras que tiveram seus direitos violados, como o de uma que recebeu indenização da fábrica Aymoré ao ter sido demitida por ser lésbica. Acompanhamos também, inclusive nesta Casa, o caso de duas companheiras que tiveram seus direitos violados, ficaram presas onze meses e ainda correm o risco de ser julgadas. Mas o movimento homossexual brasileiro acredita que justiça será feita. Já tivemos exemplos positivos, e já conseguimos também que gays e lésbicas conseguissem partilha de bens, na Justiça do Rio de Janeiro.

Safo, a quem em sua homenagem somos chamadas de lésbicas, há 640 anos antes de Cristo falou: "Alguém, creio, se lembrará de nós no futuro, e acreditamos que sem os homossexuais os direitos não são humanos".

Obrigada. (Palmas.)

O SR. COORDENADOR (Deputado Nelson Pellegrino) - Passo a palavra a Sra. Zora Yonara Iones, diretora do Grupo Lésbicas da Bahia e também secretária adjunta de Direitos Humanos da ABGLT.

A SRA. ZORA YONARA IONES COSTA - Sr. Presidente, senhoras e senhores, eu queria agradecer a presença de todos os grupos, de todas as pessoas que aqui estão, porque este é um grande passo para a conquista dos direitos dos homossexuais no Brasil.

Nós, homossexuais, temos pouco a comemorar nesses vinte anos da existência do movimento homossexual no Brasil. Cada vez mais nos temos concentrado para a realização e concretização de políticas públicas, que são ações plenas, grandes e únicas, mas decerto pequenas para o que temos ainda a fazer. Este é um processo que vem sendo conquistado com muita dificuldade em nosso País, e temo que entremos no novo milênio com mais registros negativos na nossa causa do que positivos. Se todos temos direitos iguais, então por que, quase na passagem do milênio, ainda não conseguimos políticas públicas efetivas e leis que nos protejam contra tanto ódio e intolerância?

Atualmente, no Brasil, temos 73 leis orgânicas municipais que, em sua constituição, rezam sobre a não-discriminação por orientação sexual. Aqui está um exemplo vivo de ação concreta e política pública. Mas queremos mais, Senhoras e Senhores: queremos que a nossa Carta Magna, a Constituição Federal, tenha escrito que é proibido discriminar por orientação sexual em âmbito nacional. E já existe um projeto de reformulação ou alteração do art. 5º da Constituição Federal, do Deputado Federal Marcos Rolim.

Precisamos que os nossos governantes tenham boa vontade e nos ajudem, política e socialmente, para que essa lei seja aprovada, pois nossa população de gays, lésbicas e travestis está carente de um regimento que nos proteja e de apoio oficial do Governo para que os nossos direitos humanos sejam garantidos por lei. Por isso, reforço meu pedido e digo que nós dependemos do apoio de toda a sociedade para que leis sejam concretizadas. Todos temos responsabilidade, neste instante, e essa população, que é constituída de 10% do total, aproximadamente, necessita dessas leis que nos protejam contra tamanha violência.

Somos homossexuais e somos brasileiros. Temos voz e nunca iremos silenciar. Afinal, o silêncio é igual a morte. E queremos agora gritar aos quatro cantos do Brasil que dentro de nós há uma alma viva e latente por direitos que nos são negados em todos os âmbitos sociais, no seio familiar, na escola, entre os vizinhos, e também na forma mais sublime, que é o amor por outra pessoa. Mas estamos aqui para mudar o curso desse caminho sombrio, instituído por aqueles que insistem em nos calar e nos matar socialmente.

Obrigada. (Palmas.)

VOLTA AO SUMÁRIO

O SR. COORDENADOR (Deputado Nelson Pellegrino) - Passo a palavra, em seguida, ao Sr. Roberto de Oliveira, Coordenador do Grupo de Gays e Lésbicas do Partido dos Trabalhadores.

O SR. ROBERTO DE OLIVEIRA SILVA - Boa-tarde a todos. O que queremos ressaltar é que no Brasil o preconceito é cultural, é histórico — ou seja, ele foi socialmente construído. Entendemos que não será por decreto que vamos conseguir eliminar o preconceito da sociedade brasileira, mas isso não impede que o Estado, enquanto regulador das relações sociais, possa e deva criar políticas públicas e mecanismos de combate ao preconceito.

Na questão da educação, entendemos claramente que seria necessária a inserção da educação sexual sem preconceitos desde o ensino básico, e também o combate à violência social — a grande bandeira que temos hoje é a tipificação do crime de ódio — mais geral, à violência policial e à violência judiciária. Em particular, precisamos combater o crescimento do neonazismo no Brasil, que em São Paulo, pelo menos, tem crescido e exercido ações quase que cotidianas contra negros, nordestinos e homossexuais.

Gostaríamos que esta Casa garantisse — não sei como, porque a Deputada Marta Suplicy já saiu do Congresso — a aprovação do Projeto de Parceria Civil, que, com certeza, já eliminaria muitas situações esdrúxulas que gays e lésbicas vivem neste País.

Basicamente, seria isto. Mais tarde, no debate, teremos outras questões.

Obrigado. (Palmas.)

O SR. COORDENADOR (Deputado Nelson Pellegrino) - Passo a palavra ao Sr. Midori Amorim, secretário da Associação dos Travestis e também da ABGLT.

O SR. MIDORI AMORIM - Boa-tarde a todos. Estou aqui representando a frente de discriminação de toda a homossexualidade brasileira. Nós, travestis, somos alvos fáceis, porque muitas das vezes somos profissionais de sexo e nos tornamos alvos muito fáceis de serem abatidos por preconceituosos e discriminadores.

Em São Paulo, ultimamente, nós temos uma grande luta contra a FAC, que é a Frente Anticaos, um grupo neonazista que está tentando eliminar todos os homossexuais. E não só a FAC, também o Governo está tentando fazer isso, dizendo que vai moralizar São Paulo tirando os travestis da rua. Não sei como, porque a moralização não é por esse lado, discriminando pessoas e tirando seus direitos civis e humanos.

Quanto à questão de termos leis, eu peço por favor, encarecidamente, a todos aqui desta Casa que tentem fazer uma lei pela criminalização, não por orientação, não por crimes de ódio, porque crimes de ódio é uma lei que vai abranger muitas coisas; mas que comecem, pelo menos, com a criminalização das pessoas que nos discriminam. Nós queremos criminalizar essas pessoas que não nos deixam entrar, que nos batem, nos espancam e muitas das vezes nos matam.

Eu sofri muito porque fui presa injustamente, por conta de uma denúncia feita por um Promotor de São Paulo, dizendo que no Butantã, que é um bairro nobre de São Paulo, estava havendo tráfico de drogas por parte dos travestis. Não tinha isso. Só que eu fui pega para provar essa denúncia, porque eu sabia dos meus direitos e estava brigando por eles — não só pelos meus como pelos das outras travestis que estavam sendo presas naquele dia. E, para provar essa denúncia, eles me forjaram um tráfico de drogas.

Eu fiquei presa seis meses. Por uma questão judicial, eu não fui solta porque teve um excesso de prazo. As minhas audiências eram de dois em dois meses, o que é um absurdo. Depois, naturalmente, eu vou fazer a denúncia. Eu trouxe um outro relatório aqui para esta Comissão avaliar e me ajudar no que for possível.

Quanto à questão do travesti no Brasil, como eu já disse, nós somos a linha de frente de toda essa discriminação a homossexuais. Então, eu peço mais uma vez, encarecidamente, que seja feita uma lei de criminalização a esses crimes contra nós todos, gays, homossexuais, lésbicas, travestis e transexuais.

Obrigada. (Palmas.)

 

VOLTA AO SUMÁRIO

O SR. COORDENADOR (Deputado Nelson Pellegrino) - Então, esta denúncia a que V.Sa. se referiu, quer formular agora ou vai encaminhar diretamente à Comissão?

O SR. MIDORI AMORIM - Eu tenho o relatório pronto. Se V.Exas. quiserem, eu poderei ler e passarei depois aos senhores. No dia 10 de novembro de 1998, aproximadamente às 22h30min, encontrava-me trabalhando como voluntária do GRAPA (Grupo de Apoio e Prevenção à AIDS), de São Paulo, GIVI (Grupo de Incentivo à Vida), e CORSA (Cidadania, Orgulho, Respeito, Solidariedade e Amor), do qual faço parte da Coordenadoria de Travestis, junto aos trabalhadores do sexo, na região do hipódromo, que é o Jóquei Clube de São Paulo, no Butantã, pois também trabalhava como profissional do sexo.

Quando estava na Praça Hugo Sarmento, parou um carro do tipo Monza com dois ocupantes, que se apresentaram como possíveis clientes. Perguntaram o preço de um programa e eu informei. Eles aceitaram fazer. Entrei no carro e fomos em direção a um hotel ali na região. Só que, no caminho do hotel, eles começaram a perguntar: "Você vende droga?". Eu disse que não vendia. "Você usa?" Disse: "Não uso e nunca usei". "E você não conhece quem vende?" Eu disse que não conhecia porque nunca usei droga e não saberia dizer. Então eles entraram numa direção oposta ao hotel e falaram que iríamos tomar cerveja. Eu disse que a cerveja nós tomaríamos no hotel, porque seria mais cômodo, já que nós iríamos fazer sexo no hotel. Eles aceleraram o carro nesse momento, e um, o que estava no banco de trás, agarrou-me por trás, enforcando-me com os braços. Foi quando o outro me batia, o que estava dirigindo, com os cotovelos, e dando-me pontapés também. Então eu consegui morder o que estava me enforcando, para que ele não me enforcasse mais, e escapei dele. Eu puxei o freio de mão do carro.

O carro parou. Eu tentei descer, mas foi em vão. Eles pararam o carro — já estava parado — e começaram a me espancar mais ainda. Foi quando escapei deles e comecei a correr na rua. Eles correram atrás de mim e conseguiram me apanhar. Só que nós conseguimos brigar muito. Brigamos cerca de dez minutos. Eram dois contra eu só. Só que, por trás da rua onde eu estava, a duas quadras, tinha um caminhão-baú da Delegacia de Narcóticos de São Paulo com cerca de 45 travestis e 30 mulheres prostitutas já dentro do caminhão. Então, vieram correndo cerca de três policiais e conseguiram me agarrar. Aí, então, eu fui saber que os dois que estavam brigando comigo eram policiais dessa mesma instituição. Então, fui amarrada com cordas de sisal, algemada nos pés e nas mãos, e fui arrastada no chão. Eles me espancaram muito a ponto de eu desmaiar.

Eu acordei e já estava dentro da Delegacia do DENARC, no centro de São Paulo, não sei quanto tempo depois. Então, começaram mais uma outra sessão de torturas. E essa já foi com cabo de vassoura, com pedaços de cano de ferro, tacos de beisebol. Eu me lembro muito que num deles vinha escrito assim: "Direitos humanos". E eles diziam que era o que eu tinha muito porque eu havia brigado pelos meus direitos naquele momento, e me espancavam muito com aquele taco de beisebol, ao ponto de me quebrarem o nariz, a boca e algumas outras partes.

Daí, então, eu fui levada ao IML para nada, porque a minha guia de exame de corpo e delito veio em branco e a deles veio assinada de todas as outras formas de agressão que eu teria feito contra eles. Depois de eu ter voltado do IML, trancaram-me numa sala escura e jogaram-me um ácido no olho, do qual sofro da vista até hoje. Não consigo enxergar direito. Eu não conseguia enxergar quem estava me espancando. Espancaram-me até cerca das 7 horas da manhã. Eu acho que de tortura deve ter sido cerca de umas 6 horas. Paravam, eu pensava que eles iriam parar e diziam que não, que era só revezamento, que tinha mais policiais para me bater.

Aí, de manhã cedo, às 9 horas da manhã, eu assinei o Boletim de Ocorrência forçada, porque eu não sabia do que se tratava. Eles me disseram que era de drogas, que eles tinham me forjado um tráfico de drogas para eu aprender direito todos os meus direitos que eu tinha e para ver se eu saberia me livrar daquela situação. Eu fiquei presa por seis meses dentro da Delegacia. Nós sofríamos tortura por conta do GARRA e do GOE. O GOE é o Grupo de Operações Especiais e o GARRA é o Grupo de Ataque e Repressão à alguma coisa armada.

Então, eles sempre entravam de madrugada, cerca de 3 ou 4 horas da madrugada, encapuzados, me excluíam do meio dos outros presos — havia 180 presos ali comigo no Distrito do Ipiranga, no 17º — e me espancavam para um lado porque eu era travesti, e espancavam os outros juntos jogando água fria, deixando-nos nus e coisas desse tipo.

Além de eu não ter um acesso ao apoio jurídico, foram apontados dois advogados para me defender, os quais também tentaram me incriminar, porque eles diziam que os nomes dos advogados eram Adail Leone e Eula do Prado. Na primeira visita que a Dra. Eula me fez, ela disse que eu merecia castigo porque era muito rebelde. Na segunda visita foi o Dr. Adail que me fez. Ele batia no meu ombro e dizia: "Não se preocupe, porque o lugar para onde você vai, do que você gosta tem um monte". No entanto, seria o Carandiru, que tem sete mil homens. Ou seja, ele queria que eu fosse condenado para ir para o Carandiru. Condenado, sim, por uma coisa que eu não fiz, apenas por ser travesti e estar ali trabalhando para sobreviver.

E aí, então, eu fiquei seis meses preso, até que consegui outros advogados, e eles conseguiram fazer relaxamento de flagrante, não relaxaram de artigo. O artigo continua sendo o 12. Eu ainda respondo a processo. Mudou de processo para diligência. Eu posso ainda ser condenada.

Então, eu faço essa denúncia, pedindo apoio desta Casa para que me ajudem nesta luta. Eu nunca fui traficante, nunca usei drogas, tanto que nunca foi pedido exame nenhum de entorpecentes para que eu fizesse. Foi negado, aliás não foi nem lido pela Juíza um pedido de exame de corpo e delito no momento em que eu entrei na Delegacia, no dia seguinte ao meu espancamento pelos policiais e pela tortura.

Isso tudo é muito revoltante porque eu sempre, vamos dizer assim, briguei pelas questões de discriminação, principalmente contra travestis, que é quem eu conheço mais. E, de repente, eu própria ser apunhalada pelos próprios policiais... Mas não tinha só eu. Há outras travestis também que foram incriminadas, várias por roubo, várias outras por tentativa de homicídio — quatro travestis foram incriminadas por isso — e outras por assalto. Por quê? Porque é a forma legal que eles têm de nos tirar da rua. Eles forjam esses crimes em nós e dizem: "Nós não podemos incriminá-la por você estar andando de mulher, nós não podemos incriminá-la por você fazer prostituição, nós a incriminamos por direitos. Vocês são assaltantes. Vocês são traficantes. Vocês são assassinas." Então, eles forjam isso e nos prendem. Então, esta eu acho que seja a forma que o Governo esteja usando para tirar os travestis da rua.

O SR. COORDENADOR (Deputado Nelson Pellegrino) - A denúncia precisa ser encaminhada por escrito, Sr. Midori Amorim, para que a Mesa, no âmbito da Comissão, possa dar-lhe seguimento.

Passo a palavra, em seguida, ao Sr. Derli Luiz, da Associação Goiana de Gays e Lésbicas e após ao Sr. Danne Roos, do Grupo Dignidade, do Rio Grande do Sul.

O SR. DERLI LUIZ CHAVES - Primeiramente, boa-tarde. Quero, mais uma vez, agradecer o convite para estar aqui. Nós, que vivemos na região Centro-Oeste, sabemos que a situação aqui não é diferente da que há no Sudeste ou no Nordeste. Sabemos que também aqui a homofobia é grande, e sofremos muito por isso. Se estamos aqui hoje, mais uma vez, reunidos para discutir os direitos humanos, é porque acreditamos na Justiça e sabemos que ainda podemos ter esperança de um dia não precisarmos mais estar reunidos para discutir direitos humanos, e sim direitos gerais, legais, como educação e outras coisas mais, e não por questão de homofobia, por estarmos mais preocupados em saber se iremos morrer ou não. Mas, se estamos aqui hoje, graças a Deus, é porque confiamos nisso, e, mais uma vez, esperamos que esta Comissão possa nos ajudar em alguma coisa.

Obrigado. (Palmas.)

O SR. DANNE ROOS - Boa-tarde a todos os amigos aqui presentes, aos representantes de várias entidades que cuidam dos direitos humanos dos homossexuais, iguais a mim, aos repórteres, a Marta Suplicy e aos Deputados.

Eu me sinto bem à vontade para estar falando com vocês porque, apesar de viver num País que se diz democrático, um País tido como a oitava economia do mundo, e apesar de ter 31 anos de idade, ainda assim a sociedade de meu País não consegue me compreender. A palavra "homossexual" tornou-se, no povoamento de meus pensamentos, uma tortura, a tal ponto de eu esquecer realmente que o meu País é um país para mim.

Ao estar aqui com vocês, eu me sinto privilegiada. Centenas de homossexuais gostariam de estar aqui, mas, por fazerem parte daquele grande grupo de excluídos da economia deste País, infelizmente não podem. E, como falou a minha amiga de São Paulo, o gay está na marginalidade não porque quer — porque é muito importante existir o respeito à prostituição, mas quando a prostituição é voluntária, quando a pessoa tem o direito de compreender a conceituação da palavra "voluntária".

As pessoas nos dizem que os homossexuais têm direito à opção, mas acredito que a palavra "opção", no meu caso e no de muitos homossexuais homens e mulheres não deveria ser usada. Ninguém faz uma opção dentro do Brasil em termos de direitos humanos. Somos jogados na marginalidade. Trabalhamos com o total falta de privilégio dos direitos a nós cabíveis. Neste Planeta, há centenas de anos se fala sobre o homossexualismo e, apesar de tanto conhecimento moderno, ainda assim, ninguém chegou a um consenso. Agora, crime, maldade humana, ódio, raiva, governos corruptos, policial bárbaro, isso aí é bem fácil compreendermos.

Seria muito difícil defendermos os direitos dos homossexuais sem compreendermos a cultura deste País, que, infelizmente, é muito mesquinha, em que muito poucos conseguem manter o seu corpo, a sua sobrevivência, com dignidade, e outros tantos mal conseguem isso. Ser homossexual no Brasil é muito sério. O que mais me deixa perplexo é saber que homens normais, iguais a mim — porque me considero normal, sei ler, sei escrever, respeito o alheio, respeito as leis deste meu País —, homens e mulheres tidos como normais, seres humanos, conseguem olhar para nós sempre com algum tipo de consciência para buscar algum adjetivo pejorativo. As pessoas não conseguem olhar para um homossexual e vê-lo como um cidadão, já não diria nem ser humano, não precisa falar em religião, mas um cidadão. Temos uma Constituição. Somos comuns neste País. Temos os mesmos direitos. E, se não os temos, temos que buscá-los.

Estamos aqui hoje para denunciar mesmo, seria a principal razão de a Comissão nos reservar este seminário, denunciar essa maldade que existe na sociedade. A questão não é ser cidadão brasileiro; a questão é ser um ser humano. Uma pessoa matar, odiar o outro porque ele é sensível, sem se colocar no lugar dele? Enquanto estou falando aqui, quantas crianças, no Brasil todo, filhos de mães e pais homofóbicos serão homossexuais no futuro? E, nesta reunião de hoje, 21 de setembro de 1999, o que podemos fazer por eles?

Fico pensando no que falar, enquanto centenas de homossexuais no Brasil — é reconhecido que são centenas, milhares de homossexuais — mal sabem dos seus direitos, seu direito de cidadão, de completar uma universidade. Mas aí ele parte para estudar o primeiro e o segundo graus. Se ele consegue freqüentar o ensino médio, como fica? O ser humano é um ser animal como qualquer outro, e o sexo é inerente a qualquer ser vivo. Agora, o homossexual não pode manifestar o seu sentimento. E, quando ele o faz, é podado diariamente. Não adianta eu, no meu caso, por exemplo, exigir que os policiais me respeitem, se a minha família não me respeita. E quantas famílias de gays os expulsam de casa? Não acredito que haja uma única solução para os problemas dos gays. Existem, sim, várias soluções, e várias entidades estão trabalhando para isso. Volto a dizer que é um privilégio estar aqui.

Para não me prolongar, eu gostaria de dizer que o Grupo Dignidade, do Rio Grande do Sul, começou atuando na área de prevenção à AIDS. Vemos como é importante a prevenção à AIDS no mundo dos homossexuais, porque, em termos gerais, quando o cidadão valoriza o seu corpo, ele começa a ser cidadão. E o Grupo Dignidade começou a atuar há mais de sete anos, na região da fronteira oeste do Rio Grande do Sul, onde a discriminação é muito maior do que se pode ouvir falar. Graças a Deus, conscientizamos as pessoas. Eu traria para esta Comissão a palavra "conscientização". Conscientizar o cidadão comum de que chamar um homossexual de adjetivos pejorativos é crime. Mas, quando um homossexual ou uma lésbica que foram vítimas da homofobia se dirigem a uma Delegacia de Polícia, sofrem ainda mais agressividade de policiais, muitas vezes extremamente desqualificados, que usam palavras como: "Você é "homossexual"? Um policial, no Brasil, no ano de 1999, usando palavras tão distorcidas.

Não se pode falar de homossexualismo no Brasil e não se falar de Igreja, principalmente da católica, do cristianismo. O Grupo Dignidade, do Rio Grande do Sul, mandou para todos vocês, através da minha pessoa, uma mensagem, que muito tem a dizer sobre os direitos dos gays.

É muito difícil para nós, homossexuais no geral, raciocinarmos a partir do ponto de vista católico-cristão e, ao mesmo tempo, aceitarmos a doutrina discriminatória imposta pelo Vaticano.

Quando o Papa ordena aos fiéis a discriminação às tendências homossexuais, ele está desobedecendo a ordem de Cristo, que diz: 'Não julgueis, para não serdes julgados; atire a primeira pedra quem não tem nenhum pecado.' E assim por diante.

É lógico que o Vaticano compreende que o Novo Testamento anulou o Velho. Cristo disse: 'Nem olho por olho e nem dente por dente.' E acrescentou: 'Dá tua face direita quando baterem na tua face esquerda.'

A Igreja é basicamente alicerçada nos princípios judaicos primitivos; e não é à toa que foram os judeus os carrascos de Cristo.

Apesar de sabermos das atrocidades patrocinadas em todos os séculos pelo catolicismo, permanecemos omissos perante o poderio doutrinário ditatorial dos dogmas apostólicos romanos sobre nossas leis constitucionais de Nação independente.

É óbvio que o materialismo que infringe o direito individual é contrastante com a espiritualidade cristã. Entretanto, a Igreja detona arbitrariamente regras abusivas, bem mais opressoras do todo respeitado livre arbítrio, intocável direito eterno das almas, do que propriamente as leis dos homens brasileiros.

No Brasil, temos nossas leis constitucionais e, nelas, a discriminação é condenada. No entanto, quando o Sr. Papa João Paulo II estipula determinações incontestáveis a serem seguidas pelos seus fiéis, do maior rebanho católico oficialmente reconhecido, que é o Brasil, o que eles, os fiéis católicos brasileiros, a TFP, Tradição, Família e Propriedade, a ultradireita, poderão fazer a não ser acatar tais ironicamente violações dos direitos humanos, quando milhares de homens e mulheres homossexuais são vítimas da homofobia, voluntariamente incentivada pela Igreja? Qual a diferença que a análise poderá reconhecer entre o Papa João Paulo II e Adolph Hitler, por exemplo, e, também, que validade têm as leis da Constituição da República Federativa do Brasil perante o império da Igreja do Vaticano?

Diante dessa incógnita, quais as conclusões que devemos avaliar quando formos diagnosticar as razões que levam uma sociedade em pleno início de uma nova era, que precisa e quer muito sepultar da lembrança uma horrível trajetória da história do Holocausto e do homem carrasco do próprio homem, a manter a permanente perseguição, com tamanha ferocidade, sobre membros minoritários, que bem poderiam ser seus próprios pais, irmãos, irmãs, tios, sobrinhos, amigas, por pura incapacitação lógica da assimilação do mandamento máximo da mesma espiritualidade em que se apegam a basearem-se, a fim de darem razão para a brutal prática de atrocidades a parcelas da sociedade que sempre foram minorias desprezadas? Onde está o amor ao próximo como a ti mesmo?

Nós, gays, poderíamos dar vários palpites a respeito desse delírio coletivo. Porém, como sempre, nossas bocas estarão amordaçadas, nossas vozes inaudíveis, nossos gemidos não-lamentáveis, e a vida a que temos direito não é vida, é mera aberração da natureza. Não é que somos incompreensíveis, apenas não querem compreender-nos.

Os mantenedores da nossa condição marginal vão à igreja, oram, choram e dão esmola, lêem a Bíblia Sagrada, texto por texto, versículo por versículo, declaram aos quatro ventos que são servos de Deus e que respeitam vossos mandamentos, revelam que querem viver felizes consigo mesmos e com seus semelhantes. Gritam, em altos brados, que querem e precisam ser santos, que não são maus nem ambiciosos, mas sim grandes seguidores da palavra, e que seu labutar diário é a serviço da paz do mundo.

Infelizmente, porém, o resultado de seus esforços são os referenciais da ganância, da ambição desenfreada, da perseguição aos mais fracos e, ao mesmo tempo, submissão aos poderosos, do amor ao orgulho e a vaidade pelo conquistado. Suas colheitas, que são feitas por métodos muitos sofisticados, garantem-lhes cada vez mais abundância de lucros exorbitantes. Seus poderios estão cada vez mais além de fronteiras e, profeticamente, contabilizam ainda ganhos maiores além-mundo e vão, com toda a certeza, angariar mais e mais fortunas. E até que Deus os duvide, ninguém os fará parar ou mudar de idéia. Estufam o peito e amaldiçoam à destruição qualquer um que os faça refletir, mesmo que sem vontade alguma, naquela remota possibilidade de existirem riquezas maiores do que as fortunas a que detêm apego neste mundo em alguma outra dimensão e, nesse estado de espírito enlouquecido, antecipadamente já decidiram que, se um poderá ser contra todos, portanto, todos poderão ser contra um gay, um negro, um menino de rua, um velho, um aleijado, um louco, um estrangeiro, um discriminado, um marginalizado, um humilhado, um índio, um brasileiro, um ser humano."

Obrigada. (Palmas.)

O SR. COORDENADOR (Deputado Nelson Pellegrino) - Esse seu documento poderia ser encaminhado para a Mesa, Danne Roos, para que fosse incluído no arquivo da Comissão. Passo a palavra, em seguida, a Enilson Ferreira, Presidente do Grupo Estruturação, de Brasília.

O SR. ENILSON FERREIRA BASTOS - Boa-tarde e bem-vindos a todos os colegas do Brasil. Estou surpreso até por estar falando aqui, agora, mas, enfim. Quando fui convidado para o seminário, fiquei muito contente, porque não tinha conhecimento, como funcionário desta Casa, de iniciativa anterior. Mas a minha alegria se dissipou um pouco com essas estatísticas, com isso tudo que ouvi aqui, não porque eu desconhecesse que isso acontecia, lógico que não, mas porque, aqui em Brasília, felizmente, nossos dados não são assim tão pesados.

Se, de um lado, não existe, digamos assim, tanta violência física, eu só gostaria de dizer que um dos primeiros atos do atual Governador de Brasília foi tirar do ar o único programa de rádio que existia no Brasil dedicado a gays e lésbicas. Assim que tomou posse, o programa saiu do ar, sem nenhuma justificativa, o que se traduz, realmente, em uma grande violência.

Não sei mais em que posso contribuir, mas estamos aqui. Espero que o resultado desta Comissão seja realmente alguma contribuição, porque estou acostumado a acompanhar os projetos desta Casa, acompanhei com ansiedade o projeto da Deputada Marta Suplicy, e vemos que, além de demorar muito, no final, acaba acontecendo o que aconteceu. Espero que realmente saia uma iniciativa que tenha algum resultado prático. Até se citou aqui o Brasil como potência econômica e tudo, e não podemos continuar nesse atraso, porque vemos que a Colômbia já aprovou um projeto de parceria civil há pouco tempo, e o México também. Será que vamos continuar sendo uma cidadezinha, uma republicazinha de bananas sempre, sem uma lei para proteger os nossos direitos? Não é possível. É inadmissível. É inaceitável. Não podemos continuar aceitando isso.

Obrigado. (Palmas.)

 

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O SR. COORDENADOR (Deputado Nelson Pellegrino) - Por fim, nessa fase de depoimento das entidades, passamos a palavra a Cláudio Nascimento, Secretário-Geral da ABGLT e, também, Presidente do Grupo Arco-Íris.

Com a palavra o companheiro Cláudio.

O SR. CLÁUDIO NASCIMENTO - Boa-tarde a todos, boa-tarde aos membros da Mesa. É um prazer estar aqui com vocês, uma enorme satisfação. Estou muito feliz também com a participação dos grupos aqui presentes. Já verifiquei que há grupos das Regiões Sudeste, Sul, Nordeste e Centro-Oeste. Não estão aqui membros da Região Norte, mas isso, de certa forma, aponta para as dificuldades econômicas e financeiras que os grupos homossexuais no Brasil têm para estar presentes em eventos tão distantes de suas cidades. Mas também demonstra a força e a capacidade de organização desses grupos para estarem aqui. Também é importante destacar e agradecer a presença maciça hoje do Grupo Estruturação.

Bem, essa iniciativa da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados é muito importante. Eu gostaria de parabenizar o Presidente desta Comissão, Deputado Nilmário Miranda e todos os membros da sua equipe, Secretária Nacional de Direitos Humanos, Dr. Ivair Augusto Alves dos Santos, do Departamento de Direitos Humanos do Ministério da Justiça, que, na verdade, foi a pessoa que conseguiu garantir esforços para que representantes de outros Estados estivessem aqui, como o Roberto de Oliveira, do GGL-PT, de São Paulo, a Rosângela Castro, do Rio de Janeiro, a Zora Yonara, da Bahia, o Marcelo Cerqueira, da Bahia, várias outras pessoas que estão aqui participando e eu.

Quero agradecer muito, porque, sem esse apoio prático, sem essa parceria, seria, de fato, impossível estarmos hoje neste seminário.

Em nome da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Travestis, considero importante este momento para apontar suas afirmativas concretas para a promoção dos Direitos Humanos e civis de gays, lésbicas, travestis, transexuais e bissexuais em nosso País, nos três Poderes.

Em 4 de dezembro de 1998, Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Travestis recebeu em audiência o Celso de Melo, que declarou ser preciso que os três Poderes tomem consciência e tenham percepção de que é necessário enfrentar essa situação de grande adversidade por que passam os integrantes desse grupo extremamente vulnerável. Seguindo esse caminho, é importante ressaltar que a violação aos Direitos Humanos de gays, lésbicas, travestis e bissexuais é preocupante e atinge todas as esferas da sociedade. Nós, gays, lésbicas, travestis, transexuais e bissexuais, sofremos com o preconceito e a discriminação na família, na escola, no trabalho, nos meios de comunicação, nos aparatos de segurança pública e privada, na religião e na sociedade em geral.

Na família, somos alvos de perseguição de parentes, somos mantidos em situação de cárcere privado, somos forçados a tratamentos psiquiátricos e psicológicos forçados, quando não, em muitos casos, somos expulsos de casa, sofrendo agressões morais e físicas.

Na escola, muitos homossexuais percebem um ambiente hostil e incapaz de conviver com a diferença. A pedagogia escolar não estabelece espaços para uma abordagem positiva e respeitosa dos direitos sexuais. Temos inúmeros exemplos de gays, lésbicas e travestis expulsos da escola sem motivo aparente.

No trabalho, a discriminação ainda acontece. Sofremos com o a preterição na hora da seleção. Muitos homossexuais não têm ascensão profissional e outros são demitidos por causa da sua orientação sexual.

Os meios de comunicação ainda fazem uma abordagem da homossexualidade baseada em estereótipos, calcada quase sempre em buscas sensacionalistas, apesar de vários órgãos da imprensa já terem avançado neste sentido. No geral, ainda permanece a piada e as palavras jocosas, que, em boa parte delas, alimentam o preconceito e arraigam a noção de que é mais do que natural a violência contra os homossexuais. A novela Suave Veneno deu um exemplo de que isso pode ser diferente.

Quanto aos aparatos de segurança pública, Polícia Militar, Civil e Guarda Municipal, o Dr. José Gregori, recentemente, em congresso na OAB, afirmou: a maior dificuldade para colocar em prática uma política atuante de direitos humanos no País é a tradição da impunidade, da desigualdade, do desrespeito aos semelhantes e de violência das instituições policiais, problemas estes que fazem parte da história do Brasil. Pois é este ainda um problema crônico. A violência e o abuso de autoridade policial contra os homossexuais é alarmante e precisa de dois tratamentos. O primeiro é punir severamente policiais que estejam envolvidos em violência contra os homossexuais. Outro é educar os policias para a noção e filosofia dos Direitos Humanos.

No Rio de Janeiro, o Grupo Arco-Íris está coordenando um programa pioneiro de sensibilização das Polícias Civil e Militar em Direitos Humanos e homossexualidade. Já atingimos até agora quase três mil policiais militares em quatro meses, mais de oitenta delegados e detetives em dois meses e, agora, oitenta instrutores da Guarda Municipal foram capacitados e sensibilizados para a questão dos direitos humanos e homossexualidade.

É fundamental marcar a denúncia e que hoje estejamos todos aqui falando da violação dos direitos humanos dessa população. De fato, só nós podemos avaliar nosso sofrimento e como isso nos vitima, provocando-nos baixa auto-estima, que, muitas vezes, nos faz perder a força e a capacidade de luta. Mas é fundamental também que não fiquemos apenas na denúncia, mas que partamos para ações concretas, no campo da sociedade civil organizada e, também, no âmbito dos Três Poderes.

No campo do Poder Legislativo, é imperioso destacar, em primeiro lugar, a atuação que a ex-Deputada Marta Suplicy teve em seu mandato, pois conseguiu incluir na pauta política nacional as questões dos diretos humanos de gays, lésbicas e travestis, a partir de dois projetos importantíssimos para a comunidade homossexual.

O primeiro projeto estabelece a não-discriminação por orientação sexual, em relação aos arts. 3º e 7º da Constituição Federal, justamente para garantir proteção a casos de homossexuais discriminados no trabalho, na escola e em outras esferas; o segundo, o projeto da parceria civil registrada, trata de importante lei para assegurar direitos de casais homossexuais, o qual a Igreja, por muito tempo, tentou apresentar como se fosse projeto de casamento, de matrimônio.

No Brasil, não existe nenhuma lei que proíba um casal homossexual, seja de lésbica, de gays ou de travesti — como seu companheiro —, de se casar em cerimônia religiosa e tudo o mais. Essa lei não existe. Mas queremos, de fato, que a partilha de bens e os direitos aos benefícios na relação com o companheiro sejam garantidos. São questões legais, patrimoniais.

Por muito tempo, tivemos que brigar com a Igreja — por sinal, uma briga muito feia —, que ainda tenta disfarçar seu preconceito e discriminação contra homossexuais com argumentos de que isso seria uma afronta aos valores familiares, de matrimônio — e nada tem a ver uma coisa com outra.

Ainda em relação à legislação, tivemos várias audiências com o Dr. José Gregori, da Secretaria de Direitos Humanos, e com o Dr. José Carlos Dias, do Ministério da Justiça — fomos recebidos no dia 24 de agosto deste ano — e enfatizamos, já que está sendo elaborado anteprojeto do Código Penal, a reivindicação da comunidade homossexual de que nele estejam tipificados os crimes por orientação sexual. E desde já queremos o compromisso desta Casa, já que o anteprojeto será avaliado por ela. Essa é uma reivindicação importante para a comunidade.

Outro projeto que está tramitando na Casa, reapresentado pelo Deputado Marcos Rolim, é o da ex-Deputada Marta Suplicy, que foi ampliado pela inclusão da não-discriminação por credo. Também é um projeto muito importante, motivo pelo qual faremos esforços para que seja aprovado. Pedimos apoio não só dos Deputados, mas da comunidade e das autoridades aqui presentes, no sentido de envidarmos esforços para aprovação desse projeto que será muito importante para estabelecer uma referência positiva no campo da legislação brasileira.

De fato, não há nenhuma lei que criminaliza a homossexualidade no Brasil. A homossexualidade não é crime no País. Por outro lado, não temos nenhuma legislação que, de fato, estabeleça direitos concretos e que proteja os direitos dos homossexuais. Então, vivemos uma contradição.

No campo do Executivo, temos outro trabalho a fazer. É fundamental que o Executivo, pela Secretaria Nacional de Direitos Humanos, pelo Departamento de Direitos Humanos e por outras áreas, como os Ministérios da Educação e da Saúde, cada vez mais amplie ações de promoção dos direitos humanos. Nesse caso, posso destacar algumas ações importantes que já vêm acontecendo, principalmente realizadas pelo Ministério da Saúde, que há vários anos apóia o movimento homossexual em relação à prevenção da AIDS e à defesa dos direitos humanos.

Há um ano estabelecemos parceria com a Secretaria Nacional dos Direitos Humanos, na pessoa do Dr. José Gregori, e com o Departamento de Direitos Humanos, na pessoa do Dr. Ivair Augusto da Silva. É fundamental que essa parceria seja ampliada, não só pela retórica, mas também por projetos e ações, para que, de fato, todas essas propostas aqui apresentadas possam ser executadas e efetivadas. Já estamos estabelecendo parceria com o Departamento de Direitos Humanos e esta participação aqui já é fruto dessa parceria. Ainda não nos sentimos contemplados com o Plano Nacional de Direitos Humanos, conforme já nos pronunciamos publicamente e em audiências com o Dr. José Gregori e com o Ministro José Carlos Dias, pois sentimos que ainda não há propostas concretas de implementação de ações dos direitos humanos de homossexuais.

Buscamos implementar essas ações por intermédio do Dr. Ivair Augusto, mas, em relação ao Plano Nacional de Direitos Humanos, ainda não foi feita essa reformulação. Para nós, essa é uma questão fundamental, para que justamente possa servir como referência aos Estados e Municípios que estão estabelecendo seus planos estaduais e municipais de direitos humanos.

No campo da sociedade civil organizada, é fundamental pensarmos e trabalharmos com uma visão pontual de direitos humanos. Sabemos que, em um primeiro momento, não alcançaremos tudo o que reivindicamos e apontamos como importante. Precisamos eleger prioridades. Então, a partir delas, poderemos estabelecer ações pontuais de cobrança e de pressão aos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Principalmente ao Poder Judiciário, porque, nos últimos anos, vem estabelecendo relação de total exclusão de defesa dos direitos dos homossexuais, haja vista que, por exemplo, o processo do Vereador Renildo José dos Santos, assassinado em 1993, em Coqueiro Seco, Alagoas, continua às moscas. Ele está no Supremo Tribunal de Justiça desde 1995, mas até hoje não houve nenhum tipo de julgamento: nem absolvição dos culpados, nem condenação. Isso é fruto de total displicência e homofobia da Justiça.

Outro caso a destacar é o de um travesti assassinado em São Paulo, em 1994, em que a Justiça Militar acabou absolvendo o soldado, mesmo com todas as provas. Isso mostra a política de dois pesos e duas medidas à qual a Justiça e esses Poderes estabelecem na relação com os cidadãos.

É muito importante pontuar que a questão do preconceito contra gays, lésbicas e travestis é fruto, conforme já foi dito pelos nobres colegas, de cultura e valores arraigados, principalmente, a partir de visão religiosa. Mas não podemos ficar reféns desse tipo de visão. A política dos diretos humanos é muito clara e não seleciona o grupo "x" ou "y", mas deve ser administrada para negros e brancos, mulheres e homens, homossexuais e heterossexuais, mocinhas e prostitutas, pessoas saudáveis e doentes, homens ricos e pobres, pessoas com teto e sem teto, pessoas sem casa e com casa. A política dos direitos humanos é radical e deixa muito claro seu princípio de respeito a todos, independentemente de orientação sexual, de gênero, de raça, de etnia e de vários outros aspectos.

Nesse sentido, solicito que, ao final deste evento, aprovemos pelo menos uma carta sintética com os pontos principais, apontados neste seminário, a respeito das necessidades da comunidade homossexual. Também esperamos que as autoridades aqui presentes apóiem esse empreendimento.

De fato, é necessário que partamos para ações positivas. Com relação a ações positivas, estamos conseguindo estabelecer, no Rio de Janeiro, o programa de treinamento da Polícia Militar. Trata-se de treinamento pioneiro, realizado desde março, que tem sido muito rico para nossa comunidade no Rio de Janeiro. Já fizemos palestras para a Polícia Civil e, em cinco aulas, atingimos 80 delegados e detetives, que estão sendo direcionados para delegacias onde existe o maior foco de apresentação de denúncias de violência contra homossexuais. A Polícia Militar está sendo sensibilizada no contexto de direitos humanos e homossexualidade, em programa conjunto com a comunidade homossexual do Rio de Janeiro e a UERJ. A Polícia Militar fez o convite direto à comunidade homossexual do Rio de Janeiro, por intermédio do Grupo Arco-Íris, para, juntos, coordenarmos esse programa. A partir dessas ações positivas é que podemos começar a mudar esse contexto.

Outra questão importante a dizer é que lançamos, no Rio de Janeiro, o Disque Defesa Homossexual, um serviço telefônico que orienta gays, lésbicas, travestis e bissexuais em situação de violência. Esse serviço foi inaugurado em 1º de julho e, nos dois primeiros meses de serviço, já recebeu quase 500 ligações. Dessas, quase 200 tornaram-se casos registrados, ou seja, viraram denúncias, o que demonstra que a comunidade homossexual vive um potencial reprimido de denúncia. Na medida em que se tem um espaço para estabelecer a denúncia, a comunidade o aproveita e o efetiva de fato.

Para finalizar, ainda me referindo à experiência do Rio de Janeiro, criamos o Centro de Referência de Acompanhamento de Crimes e Violência contra Homossexuais. Trata-se de fórum formado pela Secretaria de Segurança Pública, pela Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Travestis, e pelos oito grupos de homossexuais do Rio de Janeiro. Temos uma executiva de quatro pessoas — uma da Secretaria e mais três ativistas do movimento — que se encontram e, de dois em dois meses, há um encontro geral dos grupos e da Secretaria, que monitoram as políticas nessa área. De fato, já estamos estabelecendo essa parceria com o Governo Anthony Garotinho, o que tem sido muito positivo. Espero que essas ações que ocorrem no Rio de Janeiro possam servir de referência para todo o Brasil. O Ministério da Justiça, o Congresso Nacional e os Deputados aqui presentes podem ajudar, e muito, para que essa idéia possa ser estendida a todo o País.

Obrigado. (Palmas.)

 

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O SR. COORDENADOR (Deputado Nelson Pellegrino) - Registro a presença do Deputado José Genoíno, de São Paulo, Líder do Partido dos Trabalhadores nesta Casa, a quem, pela ordem, concedo a palavra.

O SR. DEPUTADO JOSÉ GENOÍNO - Sr. Presidente, em um minuto farei meu registro.

Em primeiro lugar, quero expressar meu compromisso militante com a causa apresentada neste Seminário de Direitos Humanos e Cidadania Homossexual. Entendo que esse é um problema do modelo de visão democrática de sociedade pluralista, humanista e, realmente, democrática; não se trata de problema em que se discuta apenas um setor da sociedade. Na verdade, estamos discutindo a feição, o tipo, a visão que temos de sociedade realmente pluralista em toda a sua radicalidade.

Devido as minhas obrigações como Líder, tenho que ir ao plenário para cuidar da pauta e uma série de outros problemas, mas deixo aqui meu apoio à Comissão, às entidades aqui presentes e a todas as pessoas, além de prestigiar minha colega de partido e de bancada, que teve e continua tendo papel de vanguarda na Câmara dos Deputados no tratamento dessa questão de cidadania. Afinal, não existe cidadania pela metade, relativa ou em termos. A cidadania é a coisa mais radical que a sociedade humana pode construir, enquanto utopia viável, possível, tanto dos pontos de vista das condições materiais de vida como das condições humanas, subjetivas, etc.

Portanto, expresso meu compromisso de luta por essa causa e prestigio, na condição de Líder, este importante debate, mesmo considerando que não há, aqui, grande número de Deputados. O enfoque desse tema tira, dos escaninhos do preconceito, questão nova, pluralista.

Realmente, não poderia deixar de fazer esse registro. (Palmas.)

 

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ASPECTOS JURÍDICOS E LEGAIS DA ORIENTAÇÃO HOMOSSEXUAL

 O SR. COORDENADOR (Deputado Nelson Pellegrino) - Passando a outra fase desta audiência pública, anuncio dois temas para os quais haverá quatro expositores, isto é, dois para cada tema.

O primeiro tema são os aspectos jurídicos e legais da orientação homossexual. Para esse tema, teremos como palestrantes a ex-Deputada Federal, do PT de São Paulo, Marta Suplicy, e o Dr. Aurélio Virgílio Rios, Procurador da República do Distrito Federal; o segundo tema é sobre as Políticas Públicas e Ações Governamentais, cujos expositores serão o Dr. Ivair Augusto dos Santos, do Departamento de Direitos Humanos do Ministério da Justiça, que também trabalha na Secretaria Nacional de Direitos Humanos, e o Dr. Raldo Bonifácio, da Rede Nacional de Direitos Humanos do Ministério da Saúde.

Passo a palavra à ex-Deputada Marta Suplicy, que não necessita de apresentação, pois teve participação destacada nesta Casa em defesa da mulher e das minorias, concorrendo, nas eleições de 1998, ao Governo do Estado de São Paulo, privando-nos da sua valiosa presença nesta Casa.

A SRA. MARTA SUPLICY - É um prazer retornar a esta Casa em defesa do projeto de parceria civil, que está pronto para ser votado pelo Plenário quando o Presidente da Casa assim o desejar.

Agora, estamos vivendo o final deste século, que foi caracterizado pela conquista dos direitos humanos. Mesmo que muitas delas ainda estejam no papel, não podemos deixar de reconhecer que a situação da mulher neste século teve uma melhora muito grande, assim como a situação do negro, do índio e das minorias sexuais também começou a ser discutida. Muito há para ser conquistado. Mas, nas Constituições da grande maioria dos países, já há o reconhecimento de que todas as pessoas têm direito à cidadania. E até naqueles que não conseguiram concretizar no papel esse reconhecimento, vive-se esse pensamento.

No nosso País, temos realizado avanços em relação à questão da homossexualidade. Até esta semana, o tema da homossexualidade estava meio adormecido e não o estavam discutindo muito, mas, para minha surpresa, a revista Época o trouxe na capa, talvez pela novela em que tivemos um casal homossexual. No artigo, a abordagem de que os gays ou lésbicas só são aceitos nas novelas quando estereotipados foi muito boa. No caso, eram duas mulheres — que poderiam ser duas mulheres quaisquer —, e elas foram explodidas num shopping center. Mas quando colocam-se dois gays com trejeitos, estereotipados, aí, sim, a sociedade aceita.

Então, é um longo caminho. Digo que fizemos progresso porque não podia aparecer de jeito nenhum. E agora, pelo menos, já pode aparecer, ser discutido e, como disse Cláudio Nascimento, às vezes, até aparece de forma mais simpática. E essas conquistas são gotas d'água, mas só podemos ultrapassar esse preconceito se for mesmo tijolinho por tijolinho. Vivemos numa sociedade que nos educa para a heterossexualidade. E não é só para a heterossexualidade. A pessoa é mais cidadão quando heterossexual, homem, branco e rico. Essa é a realidade da sociedade em que vivemos. E essa visão normatizadora, cristalizada da sexualidade impede que se veja o outro como pessoa singular, que se foi desenvolvendo como ser único e, a partir dessa consciência, foi tendo seu comportamento, sua orientação sexual para um lado ou para outro. Agora, quando se normatiza, cria-se comportamentos antagônicos: é o comportamento do homem, é o comportamento da mulher, do outro lado. E passa-se a não perceber que a sociedade não é feita dessa forma. São muitas as formas de ser e não existe a naturalização do jeito de ser. Nós estereotipamos, mas as pessoas não se portam dessa forma.

De acordo com o comportamento da sociedade, a exclusão começa a ocorrer. Muitos aqui abordaram a dificuldade em poder apresentar-se até no próprio seio familiar; em poder dizer para a mãe que é homossexual; em poder levar a parceira ou o parceiro em casa; em poder andar de mãos dadas na rua; em poder dar uma festa na firma onde trabalha e apresentar o parceiro que é gay.

Então, tudo isso é muito difícil e faz com que as pessoas acabem vivendo pela metade. E esse viver pela metade significa viver na exclusão, na clandestinidade e sem a possibilidade de ser feliz e aceito na sociedade, que é um direito de todos nós.

Temos que conceituar um pouco o que é a homossexualidade. A homossexualidade é a atração, o desejo, o encantamento, o amor por pessoa do mesmo sexo. E a homossexualidade sempre existiu; ela não é novidade de agora. E ela nunca foi aceita de forma homogênea. Tivemos séculos em que ela foi mais aceita; séculos em que foi bem aceita; séculos em que foi mais perseguida do que agora e neste século, dos direitos humanos, as minorias estão organizadas, pela primeira vez, e os homossexuais organizados pela primeira vez. Ainda não fazemos passeatas com 1 milhão de pessoas, mas foi um êxito fazermos uma passeata em São Paulo com 20 mil pessoas. E sabem o que me emocionou mais na passeata? Foi olhar para os lados e ver famílias: via-se o pai, a mãe e o irmãozinho pequeno. E eles olhavam para seu familiar que estava ali desfilando. Nunca tinha visto isso antes aqui no Brasil. E fiquei muito orgulhosa de ver como as famílias, aos poucos, estão podendo apreciar a pessoa da família que tem orientação diferente, para que essa não precise, então, ficar escondida.

Vou reiterar o conceito de homossexual, porque as pessoas utilizam as palavras homossexualismo, homossexualidade. O termo homossexualismo foi criado no século passado por um médico húngaro, Dr. Becker Benked, que, na época, escreveu ao Ministro da Justiça da Alemanha do norte que homens homossexuais estavam sendo perseguidos por motivos políticos. E o §175 do Código Penal do 2º Reich punia com pena de morte os homossexuais. E esse médico defendia que o homossexualismo — como chamava-se na época — era um comportamento anormal que se diferenciava do comportamento heterossexual, tido como normal; mas era também um comportamento inato e não adquirido. Portanto, não era transmissível nem poderia ser considerado perigoso e, sendo assim, não deveria ser tratado pela Justiça e sim pela medicina.

Foi daí que passou da Justiça para a medicina a questão do chamado homossexualismo na época. E o homossexualismo fazia parte da CID, que é a Classificação Internacional de Doenças, e foi classificado como distúrbio mental. Isso dava muito poder aos médicos, que podiam diagnosticar doença mental em qualquer um, a partir dessa classificação. Só em 1975, o homossexualismo, que aparecia então como diagnóstico psiquiátrico, no capítulo das doenças mentais, conseguiu ser revisto. E após dez anos, em 1985 somente, a Organização Mundial de Saúde publicou circular em que esclarecia que o homossexualismo deixava de ser considerado uma doença por si só. Com isso, estava mudando o capítulo em que se inseria o homossexualismo, que saiu das doenças mentais para o capítulo dos sintomas decorrentes de circunstâncias psicossociais. Isto é, com essa alteração, passou a ser considerado um desajuste social decorrente de discriminação política, religiosa ou sexual. Se em algum momento fosse encarado como distúrbio, não seria porque a pessoa é homossexual, mas em conseqüência do tratamento que se tivesse dando a essa pessoa.

Daí a importância de não se usar mais a palavra homossexualismo. O sufixo "ismo" significa doença e o sufixo "dade", da homossexualidade, significa forma de ser. Então, temos que ser muito cuidadosos, porque foi uma conquista muito importante, principalmente quando sabemos que, pelo menos, 10% da humanidade é homossexual.

Hoje, já existem pesquisas que apontam numa direção genética e, pelo menos, uma boa parcela — uma das pessoas presentes, Danne Roos, abordou muito claramente — de homossexuais, não sei se metade desses 10%, não se enquadraria na palavra opção. Para grande número de homossexuais, não se trata de opção, mas de um jeito de ser que não poderia ser diferente.

Também temos muito claro de que há uma parcela que pode escolher, que pode apaixonar-se por um homem ou por uma mulher, e não temos a mais leve idéia do que faz uma pessoa ser bissexual. Agora, sabemos que as pessoas homossexuais são uma parcela da população que têm orientação sexual diferente e que, portanto, deve ter um tratamento de cidadania plena, de acordo com essas diferenças que têm em relação à maioria das pessoas.

Independente de explicação científica, que não é o caso, devemos ter claro que as pessoas homossexuais sempre existiram; vão continuar a existir; são cidadãos; pagam impostos e devem ter direitos. É isso que vemos com maior clareza e não há disputa a respeito dessa frase. Aí, entra o projeto da parceria civil registrada entre pessoas do mesmo sexo. É um projeto que tramitou nesta Casa, com bastante dificuldade e com bastante êxito, porque foi aprovado na Comissão Especial por dez votos contra cinco. Temos aqui um membro original daquela época, o Deputado Fernando Gabeira, que muito ajudou a defender o projeto nesta Casa.

E o que o projeto assegura? É muito pouco. Não é o que gostaríamos, mas foi o possível. O substitutivo do Deputado Roberto Jefferson foi aprovado pela Comissão Especial e está em votação. O projeto assegura direito à herança, à Previdência Social e ao Imposto de Renda e seguro saúde conjuntos. Ele não muda o estado civil da pessoa, que permanecerá solteira, casada ou viúva, nem permite às duas pessoas que assinam o contrato — trata-se de contrato, não de matrimônio — a guarda e a tutela de crianças. Permanece o direito constitucional de todo o cidadão brasileiro poder adotar uma criança, independente da sua orientação sexual. Mas, nesse contrato, como não é considerado casal, não se permite a adoção de criança.

Esse é o projeto que está em votação, e sobre o qual se faz tanta discussão e erguem-se tantas oposições. São direitos tão pequenos ainda e tão difíceis de serem conquistados por essa população.

Em países como Dinamarca, Noruega, Suécia isso já está regulamentado; na Groenlândia, Hungria, Islândia, Bélgica, Espanha e Canadá também se reconhecem a união civil; na França, temos 234 prefeituras e, nos Estados Unidos, 26 cidades que reconhecem o contrato da união civil; e a maioria desses países, incluindo também a Noruega, Alemanha, Áustria e Holanda, concedem asilo político por motivos de discriminação. Eu mesma, como Deputada, fiz vários pareceres a brasileiros que pediram asilo político nos Estados Unidos, em virtude de perseguição e de assassinatos de homossexuais. Os senhores militantes já abordaram muito bem a dimensão do problema hoje, que está bastante acirrado, principalmente na minha cidade de São Paulo, onde picham-se postes com palavras ofensivas aos homossexuais, em que se pede a limpeza da cidade em relação a eles. Não duvido, como Midori Amorim disse, que provas forjadas sejam a forma encontrada para tirar os travestis das ruas de São Paulo.

Queria terminar com algumas cartas que recebi de uma escola de classe média, em São Paulo, que resolveu fazer uma discussão em sala de aula. É interessante como os adolescentes pensam nessa questão. Os adolescentes costumam ser muito preconceituosos, ao contrário do que imaginamos, porque eles absorvem o que a televisão e as famílias transmitem.

Mas escutem o que dizem: "Este projeto nada mais é do que uma autorização para que os homossexuais possam viver uma vida normal, sem preconceitos e sem medo!" Outro: "Sou a favor do projeto, apesar de não simpatizar muito com a idéia de duas pessoas do mesmo sexo se amarem. Mas se elas se amam e estão dispostas a enfrentar preconceitos da sociedade inteira, a lei deve estar aí para ajudar as pessoas e não para discriminar as pessoas".

Houve muitos depoimentos discordantes, que achavam que não devia existir esse tipo de relacionamento, que era feio, mas o que resgata uma esperança é que todos dizem: "Bom, posso não concordar, mas, se é assim, que tenham os direitos". O que mostra uma aceitação, pelo menos, da diferença. Quando se vê o preconceito e o racismo, o que está por trás disso é exatamente a pessoa não aceitar nada que seja diferente do que acredito, do que sou ou do que acho bom para mim e para minha família.

Finalizo com a palavra do Jurista Edson Faquim(?), que participou da formulação do projeto e deu contribuição importante à Comissão, que diz o seguinte: "O direito e a orientação sexual como direito personalíssimo, atributo inerente e inegável da pessoa humana e, como direito fundamental, surge o prolongamento dos direitos da personalidade, imprescindíveis para a construção de uma sociedade que se quer livre, justa e igualitária".

Também, de outro colaborador, o advogado Rui Fragoso: "As leis devem ser criadas para assegurar direitos e possibilitar uma vida digna para todos os cidadãos. Os movimentos e as transformações sociais exigem hoje do Direito um posicionamento frente a situações já existentes, rompendo com o silêncio e a omissão tão comuns nesta área".

Fiquei muito satisfeita quando li a posição do atual Ministro da Justiça, Sr. José Carlos Dias, em defesa do projeto da parceria civil. É a primeira vez que um Ministro da Justiça se pronuncia a esse respeito.

Terminando com as palavras do Sr. Ricardo Balestrere, Presidente da Anistia Internacional no Brasil, que diz o seguinte: "Esse projeto coloca o Brasil em outro patamar na discussão dos direitos humanos e nos coloca na vanguarda dessa questão na América Latina".

Muito obrigada. (Palmas.)

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O SR. COORDENADOR (Deputado Nelson Pellegrino) - Em seguida, passamos a palavra ao Dr. Aurélio Virgílio Rios, Procurador da República, do Distrito Federal.

 

DR. AURÉLIO VIRGÍLIO RIOS - (Texto revisado pelo autor)

 

Aspectos jurídicos e legais da orientação homossexual

Em primeiro lugar, eu gostaria de agradecer a presença de todos os que estão aqui, independente de sua orientação política ou sexual, e dizer da minha satisfação de estar ao lado da ex-deputada e sexóloga Marta Suplicy , pessoa por quem tenho imensa estima e respeito, lamentando a sua sentida ausência, ainda que momentânea, desta casa. Não seria justo ocultar de todos que este seminário somente realiza-se pelo esforço e sensibilidade da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, na pessoa do Deputado Nilmário Miranda, a quem igualmente presto as minhas homenagens, juntamente com os demais integrantes da Comissão e seus abnegados assessores e funcionários.

Em 1948 foi firmada a Declaração Universal dos Direitos Humanos que reconhecia a dignidade, a igualdade e os direitos inalienáveis a vida e a liberdade de todos os membros da família (ou raça) humana. O art. 1º da declaração cinqüentenária dizia que todos os seres humanos nascem iguais em dignidade e direitos. É interessante que a tradução da expressão human beings foi traduzida para o português como homens, de forma genérica, o que tem levado alguns a dar uma interpretação restritiva e sexista do termo que não tem nenhuma sustentação na Resolução nº 217 da Assembléia Geral das Nações Unidas que aprovou a mencionada Declaração.

O art. 2º da Declaração apregoa que todos os seres humanos estão aptos a exercer os seus direitos sem distinção de nenhum tipo ou gênero, seja por raça, cor, cor, sexo, língua, orientação política, origem social ou o que seja. O art. 3º declara que todos tem direito à vida, a liberdade e a segurança pessoal.

Em 1966 foi adotado pela Assembléia Geral da ONU o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos que veio a conferir força vinculante aos direitos individuais e coletivos já declarados em 1948. Dentre eles destaco, por interessar diretamente ao nosso tema, o art. 6º que proclama que todos os seres humanos têm direito à vida e que esse direito inalienável deve ser protegido eficazmente pelas leis de cada país e ninguém dele poderá ser privado arbitrariamente .

O art. 7º apregoa que ninguém será submetido a tortura, castigo cruel ou tratamento desumano por qualquer que seja o ato ou fato cometido, incluindo evidentemente os atos abjetos de discriminação em razão de orientação política, sexual ou religiosa ou de outra natureza. O art. 9º do Pacto Civil e Político declara que todos têm direito a liberdade e a segurança pessoal e ninguém será preso ou detido sem observância do devido processo legal.

Desse modo tem-se como parte indissociável dos direitos inerentes a toda e qualquer pessoa humana, o direito à vida, à liberdade e o de não ser arbitrariamente punido pela sua origem, raça, credo, cor, orientação política e sexual.

Se no plano internacional a proteção a todos os seres humanos parece incontroversa, não é menos verdade que cada país tem dado às Convenções e documentos internacionais as mais diversas interpretações de modo a tornar alguns desses direitos inalienáveis mera retórica política sem nenhuma consistência pratica . É certamente o caso dos países que adotam a pena de morte para crimes comuns e os que admitem como lícita a prática de tortura e tratamento cruéis e desumanos como punição pela prática de delitos comuns, como, inclusive, o de relacionar-se com parceiros do mesmo sexo.

Em relação às mulheres e aos homossexuais de qualquer gênero a relação entre eficácia desses direitos inalienáveis à liberdade e à segurança pessoal são diariamente postos à prova pelas mais diversas organizações sociais, instituições públicas e policias em todo o planeta. Pode se dizer que, com mais ou menos intensidade, dependendo de cada país e alguns, de cada Estado ou província, o direito ao exercício pleno da liberdade sexual ou do direito à privacidade tem sido restringido, quando não punido e vastamente reprimido.

Sobre a ótica dos conflitos valorativos numa perspectiva de gênero, Flávia Piovesan esclarece que, "se de um lado a Constituição Brasileira e os tratados internacionais de proteção aos direitos da mulher consagram a igualdade entre homens e mulheres, o dever de promover essa igualdade e proibir discriminações, os diplomas infra-constitucionais adotam uma perspectiva androcêntrica (segundo a qual a perspectiva masculina é a central e o homem é o paradigma da humanidade) e discriminatória com relação à mulher" .

Se há ainda um longo caminho a percorrer quanto à inserção da mulher no mercado de trabalho, nas relações familiares, sociais, de modo a afastar a intensa discriminação sofrida durante séculos, em relação aos homossexuais, em particular os travestis ou transexuais, a sua situação hoje é imensamente mais grave do que a das mulheres, sob qualquer ângulo que se veja posta a questão .

Daí a tendência de se fazer incluir no art. 3º da Constituição Federal, a proibição contra todas as formas de discriminação por orientação sexual . A razão para tanto estaria no fato de que a expressão orientação sexual designa atração sexual, quanto ao gênero, de uma pessoa por outra. A sua incorporação alargaria as hipóteses de proibição à discriminação, deixando sem argumento os que defendem a idéia de que a atual Constituição somente proíbe a discriminação contra pessoas do sexo masculino e o feminino .

É necessário igualmente afastar a idéia, hoje ultrapassada, de que as pessoas escolhem, como livre opção, a sua sexualidade. A Exposição de Motivos do referido Projeto de Emenda Constitucional lembra "que a Organização Mundial da Saúde não considera homossexualidade doença. É consenso para os estudiosos da sexualidade que a orientação sexual não é meramente uma opção, mas questão complexa, com fortes possibilidade da existência de predisposição genética, que seria concretizada ou não, a partir das relações familiares. As pessoas não escolhem, portanto, sua orientação sexual".

Ainda que se discorde do enfoque genético da condição homossexual, como menciona a referida Exposição de Motivos e, na contrapartida, admita-se razões comportamentais para que este ou aquele indivíduo exerça esta ou aquela opção sexual, o fato é que, independentemente das razões que possam levar alguém a opção ou a condição homossexual, a Constituição Federal, em seu art. 3º, proíbe a discriminação contra as pessoas que exerçam esta opção ou estejam nesta condição.

Passo a passo, alguns países e seus tribunais começam a inquietar-se com a falta de cumprimento efetivo das normas internacionais de proteção dos direitos humanos e das minorias étnicas e sexuais. Sobre o tema, a Suprema Corte Americana já teve a oportunidade de firmar o entendimento de que não há base legal para tratamento arbitrário diferenciado entre pessoas de classes e categorias distintas.

Em conhecido precedente (Loving v. Virginia 1967) a Corte Suprema Americana decidiu que há discriminação no fato de uma lei permitir a todos de uma mesma raça o casamento e proibir, também a todos, o casamento interracial. Por sua vez Suprema Corte do Canadá, decidiu recentemente em Symes v. Canada 1993 que a discriminação não pode ser justificada, criando-se nova forma de discriminação ("discrimination can not be justified by pointing other discrimination") .

Essa tem sido a tônica das decisões de algumas Cortes Superiores de Estado como Iowa e Massachussets onde restou assentado que as legislações estaduais, de origem puritana com forte orientação religiosa, proibindo atos sexuais não naturais e lascivos não podem ser aplicadas quando a conduta for praticada de forma consensual, por adultos em ambientes privados. O Estado de Iowa, por exemplo, proibia a prática de sexo anal e oral em qualquer situação, inclusive entre heterossexuais casados. Tal lei foi considerada inconstitucional pela Suprema Corte do Estado por interferir na esfera privada de pessoas adultas. Não faz muito tempo, em 1977, a Suprema Corte de New Jersey afastou no caso State v. Sanders a legislação proibitiva de relações sexuais entre heterossexuais solteiros, invocando mais uma vez a liberdade, o consentimento entre adultos e a autonomia individual.

De forma mais explícita, Suprema Corte do Havaí decidiu que a discriminação por orientação sexual configura verdadeira discriminação sexual (Baehr v. Lewin, 1993). No mesmo ano a Corte de Apelação da Califórnia proclamou o resultado do caso (Engel v. Wortington) destacando que a recusa de um editor quanto a inclusão de foto de um casal homossexual em livro de recordações constituía discriminação sexual. Deste modo, "discriminação sexual também envolve discriminação por orientação sexual" (discrimination based on Sex also covers discrimination involving sexual orientation).

Na Europa a questão que tem se colocado perante a Corte Européia de Direitos Humanos é saber até que ponto o Estado, e a sociedade, podem interferir nessa esfera da vida privada, e quais as implicações jurídicas disso. Na Irlanda do Norte, até bem pouco tempo, a conduta homossexual era por lei considerada criminosa. E a Corte Européia, examinando um caso contra o Governo da Irlanda do Norte (Dudgeon v. UK, 1981), entendeu que tal norma violava o direito à vida privada, quando aquela conduta fosse praticada por adultos maiores, com plena capacidade de consentir, e fossem conduzidas em recintos privados. Mais ainda entendeu a Corte Européia de que o respeito a vida privada inclui o respeito a condição sexual de cada pessoa. Assim, a expressão privada deve ser lida de modo a não alcançar apenas os fatos ou circunstâncias pessoais de cada indivíduo que podem ou não ser revelados, mas, sobretudo, de garantir que as escolhas íntimas de cada um fiquem longe da interferência do Estado .

No Brasil se, de fato, não há criminalização da conduta de manifestar preferência ou orientação sexual homossexual, isso não significa a ausência de preconceito ou discriminação. Por exemplo, não faz muito tempo um oficial das forças armadas se viu envolvido em escândalo policial, com comprometimento de sua carreira militar, porque foi flagrado em via pública, com outro homem.

O fato foi comentado pelo eminente Ministro Celso de Mello, quando em exercício da Presidência do Supremo Tribunal Federal, que defendeu o fim da punição a militares homossexuais, e também a união civil de pessoas do mesmo sexo, a proibição constitucional do preconceito, o direito à cirurgia para mudar de sexo e a alteração do registro civil, para modificar nome e identificação sexual. Segundo a Folha de S. Paulo, ele teria sido "particularmente duro ao defender a revogação do artigo do Código Penal Militar que determina a prisão de seis meses a um ano do militar que é flagrado tendo relação homossexual em estabelecimento das Forças Armadas. Mello colocou em dúvida a constitucionalidade dessa norma, em razão de seu caráter discriminatório, afirmou que ela é injusta. Mello afirmou que a discussão desses temas está impregnada de forte componente ideológico e de aspectos religiosos e disse que as restrições de ordem religiosa devem ser afastadas desse debate" .

De fato, a Constituição Federal proíbe a discriminação em razão de origem, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Não se pode alegar que a declaração de direitos postas na Constituição, ao proibir a discriminação sexual, não desejasse a incluir a discriminação por orientação sexual. Tal objeção, se ainda feita, vem sendo totalmente superada pela hermenêutica jurídica, ainda mais quando não se admite interpretação restritiva em questões referentes aos direitos inalienáveis da pessoa humana .

Nesse sentido, embora elogiável do ponto de vista político a proposta de emenda à constituição que venha incluir na vedação a discriminação a expressão a orientação sexual como espécie do gênero discriminação sexual, a jurisprudência dela não precisa para fixar o conceito de que toda a forma de discriminação por orientação sexual é vedada pela Constituição Federal.

O ilustre magistrado gaúcho Roger Raupp Rios teve a oportunidade de afastar a objeção que se fez no caso já citado quanto ao alcance da proteção constitucional contra a discriminação sexual. Disse ele, com grande propriedade, que "argumentar que a diferença se dá tão só pela orientação sexual nada muda, só oculta o verdadeiro – e sempre permanente – fator de discriminação sexual. O sexo da pessoa escolhida (se homem ou mulher) em relação ao sexo A, é que vai continuar qualificando a orientação sexual como causa de tratamento diferenciado ou não, em relação A". Vale dizer, na sua abalizada opinião, "que é impossível qualificar a orientação sexual de A sem tomar como fundamento o sexo do parceiro ou parceira escolhida".

Desse modo, melhor é estabelecermos as bases legais para parceria civil entre pessoas do mesmo sexo, como propôs a deputada Marta Suplicy em seu acertado projeto de lei de união entre parceiros do mesmo sexo, regulando os direitos civis dos homossexuais, reafirmando sua condição de cidadãos, estabelecendo o direito à herança, a extensão de benefícios previdenciários, a aquisição de seguro-saúde em comum e outros direitos advindos da união estável.

Além do mais, há que se reconhecer, como faz o ilustre colega e Professor Luciano Maia, outro grande mérito no projeto da Deputada Marta Suplicy. A discussão chama a atenção para o drama vivido no cotidiano pelos homossexuais. Ele permite que as pessoas comuns observem melhor e atentem para problemas simples e corriqueiros de outros tantos cidadãos e cidadãs também comuns que, por terem manifestado uma opção ou condição sexual, são submetidos no seu dia-a-dia a críticas, chacotas, acintes e agressões .

Para finalizar, devo acrescentar ao debate o seguinte ponto: pode ser, de fato, proveitoso criar uma forma punitiva específica contra os atos de discriminação por orientação sexual. Entretanto, mais importante do que criar novos tipos penais é lutar para a implementação dos direitos civis e políticos das pessoas que relacionam-se com outras do mesmo sexo e pela punição dos crimes hediondos cometidos contra minorias sexuais, especialmente quando causados por homofobia. Para isso não é necessário inventar mais nada, mas fazer valer e cumprir a legislação penal em vigor. Afinal o artigo 121 do Código Penal quando estabelece a pena para quem pratica a conduta de matar alguém, não discrimina neste alguém que ele seja rico ou pobre, brasileiro ou estrangeiro, homossexual ou heterossexual.

Se a cidadania não chegou para muitos, isso não é um problema de poucos. Não respeitar as diferenças existentes na sociedade e em nós mesmos, reforça os preconceitos herdados, criados e construídos discriminando os que não são ou parecem iguais. A defesa dos direitos humanos não tem barreiras geográficas, sexuais ou raciais. O único limite é ético. O desrespeito a eles atinge cada um e todos nós ao mesmo tempo.

 

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POLÍTICAS PÚBLICAS E AÇÕES GOVERNAMENTAIS

 

O SR. COORDENADOR (Deputado Fernando Gabeira) - Dando continuidade ao seminário sobre direito dos homossexuais, entramos agora no capítulo das Políticas Públicas e Ações Governamentais. Tem a palavra o Dr. Ivair Augusto dos Santos, do Departamento de Direitos Humanos.

O SR. IVAIR AUGUSTO ALVES DOS SANTOS - Agradeço o apoio do Deputado Nilmário Miranda. Tão logo assumiu a Presidência da Comissão de Direitos Humanos, propusemos a realização de um seminário sobre esse tema. Pareceu-lhe oportuno, aceitou e realizou o evento.

Quero dizer também que me sinto muito honrado de compor a Mesa juntamente com Marta Suplicy, Deputado Fernando Gabeira, Cláudio Nascimento, o Raldo Bonifácio e o nosso procurador da República Aurélio Rios.

Para muitos talvez esta reunião seja mais uma audiência pública no Congresso, mas para chegar a ela foram necessárias muitas outras anteriores e, muitas vezes, aconselhei-me com Raldo Bonifácio. No momento de discutirmos este tema dentro do Governo, muitas vezes me aconselhei com ele sobre o melhor caminho e a melhor estratégia para introduzir o assunto.

Há muito tempo trabalho, no campo dos direitos humanos, com a discriminação. Quando comecei a trabalhar com a questão dos gays, lésbicas e travestis, pude perceber que a complexidade era muito maior do que imaginava.

Viajo pelo País inteiro e toda vez que falo do Programa Nacional de Direitos Humanos, falo dos vários grupos, inclusive da questão dos gays, lésbicas e travestis. Invariavelmente, quando toco nesse assunto, há na platéia um grupinho que solta um risinho maroto. Invariavelmente. Posso falar com um público de juízes, de delegados, de policiais, sempre que falo desse tema percebo um risinho irônico.

Começo a contar os casos que tenho recebido no Departamento de Direitos Humanos. Não são casos muito simples, são casos de violência, tortura, descaso, desrespeito, pessoas que querem ter acesso à medicação e, muitas vezes, são destratados pelos funcionários. No caso de muitas das queixas que nos chegam, do outro lado sempre há uma história de intolerância absoluta. É como se um gay, uma lésbica, um travesti não tivesse direitos.

Essa convivência, essa parceria com Cláudio Nascimento foi-me abrindo os olhos para a complexidade do problema, para o desafio que representava. Quando fizemos, neste ano, um panfletinho de apoio ao dia dedicado à causa gay em Brasília, vocês não fazem idéia do número de piadinhas e insinuações que tivemos de ouvir por ter bancado isto. Mas decidimos bancar.

O fato de dizermos de maneira muito explícita que estávamos apoiando tal movimento provocou algumas reações. E o que mais nos assusta é que às vezes são reações de parceiros do próprio campo dos Direitos Humanos. O que mais incomoda é que se pode exigir isso de um outro, mas quando se fala disso, mexe-se com algumas coisas que eu procuro entender, mas é difícil.

Se eu, por exemplo, tenho clareza dos limites de trabalhar com a discriminação aos portadores de deficiência, com o racismo, no caso da discriminação aos gays, lésbicas e travestis, surpreendeu-me a forma como as pessoas reagem. Estou acostumado a trabalhar com a discriminação, mas trabalhar com a discriminação profundamente cínica, ou seja, pessoas que supostamente estariam no seu campo dos direitos humanos têm uma reação profundamente chocante quando se toca nesse assunto.

Então, quando conseguimos qualquer envolvimento do Governo, festejamos com muita tranqüilidade, porque sabemos a dificuldade que existe. Para fazer o folheto, fizemos uma festa, porque sabíamos que estávamos rompendo uma barreira interna muito grande — fazer um folhetinho desse, colocar lá, mostrar que o Ministério da Justiça estava apoiando e tal, isso resultou num grande debate interno pelo convencimento de um, de outro, buscando o conselho de um, de outro.

Para chegarmos a esta reunião, portanto, houve uma longa trajetória. Além disso, começamos a inserir o tema em todos os debates a que vamos, falar de gays, lésbicas e travestis. Faço questão de falar nos três, deixando muito claras as diferenças de cada um desses setores.

Em relação a políticas públicas no campo dos direitos humanos, houve uma que inserimos, graças a Deus, com sucesso. Foi assassinado um travesti e, graças ao atual Programa de Proteção à Testemunha, conseguimos punir as pessoas que estavam envolvidas no crime. Para nós foi uma conquista importante saber que o nosso Programa de Proteção à Testemunha, no momento certo, reconheceu aquele problema e deu um certo amparo às pessoas.

Além disso, em articulação com o Ministério do Trabalho, estamos montando, em vários lugares do Brasil, núcleos de combate à discriminação. Como isso funciona? Temos chamado os portadores de deficiência, o Movimento Negro, o Movimento Gay, os portadores de HIV e, juntamente com o Ministério do Trabalho e os fiscais do trabalho, temos feito fóruns permanentes de encaminhamento de denúncias desse tipo de discriminação.

Então, já conseguimos montar, com esse universo, um trabalho muito importante em alguns Estados, que vou destacar. É um trabalho lento, porque nem sempre as pessoas estão dispostas a falar sobre discriminação, principalmente quando se refere a gays, lésbicas e travestis. Já conseguimos montar núcleos de combate à discriminação nas Delegacias Regionais do Trabalho do Piauí, Rio Grande do Norte, Pernambuco, Estado do Rio de Janeiro e Mato Grosso do Sul. Até o final do ano, vamos ampliar esse nosso trabalho de combate à discriminação no trabalho, envolvendo vários atores — Ministério Público do Trabalho, fiscais do trabalho, e também a Bahia e o Ceará. Esses dois Estados estão predispostos a fazer essa parceria conosco. Isso consiste em quê? Consiste em fazer fóruns permanentes e dar abertura para que as pessoas que se sentem discriminadas possam contar com o apoio do Ministério Público do Trabalho e dos fiscais do trabalho para poder agir nesse caso. Temos conseguido algum sucesso importante em alguns Estados. Esse trabalho só foi possível graças a uma articulação entre o Ministério da Justiça e o Ministério do Trabalho.

Um outro trabalho que estamos fazendo também é com relação à educação. Estamos em articulação com a ABGLT, com Cláudio Nascimento, e com a Anistia Internacional. Estamos querendo fazer um curso em parceria, para poder, de certa forma, levar isso a alguns públicos específicos.

Vou citar um exemplo concreto: a experiência do Rio de Janeiro, do Cláudio Nascimento, parece que está dando certo com relação à PM. Já estou em conversação com algumas academias de polícia que estão predispostas a abrir o debate sobre esse tema. Então, Cláudio Nascimento, junto com a Anistia Internacional, estará fazendo esse ciclo de palestras em outros Estados, como o Rio de Janeiro. A Academia de Polícia de São Paulo, por exemplo, está disposta a fazer essa experiência que o Cláudio Nascimento desenvolveu no Rio de Janeiro e levar para lá também.

Um outro aspecto que queríamos registrar é que a ABGLT fez uma proposta de construção de uma rede. A nossa idéia é dar esse insight inicial, fortalecer essa rede de comunicação ainda neste ano. Esta é a nossa proposta de trabalho concreto.

Além disso, aproveito a presença da Jussara, do INESC, que nos enviou e-mail dizendo que não havia no PPA uma rubrica com relação à questão de apoio aos gays, lésbicas e travestis, para dizer que a Secretaria colocou no PPA, de maneira explícita, "apoiar a rede de gays e travestis". Essa conquista não foi simples, houve um debate interno com a área orçamentária, foi uma loucura tentar explicar que queríamos uma rubrica específica para gays, lésbicas e travestis, porque as pessoas têm mania de colocar todo mundo num grupo chamado minoria, joga todo mundo lá e fica tão diluído que não se sabe bem o que é. Então, estamos com esse trabalho.

Para além desses projetos que temos desenvolvido, é preciso destacar que isto só foi possível porque contamos com algumas conversas e encaminhamentos com os militantes da ABGLT. Se não fosse esse grau de franqueza e de entendimento de que, muitas vezes, não podemos ir em uma velocidade maior, seria impossível.

Queria destacar também a importância do Luiz Motti, que tem feito uma denúncia permanente em relação a esse tema.

Com relação ao Programa Nacional de Direitos Humanos, já foi dito na 3ª Conferência Nacional de Direitos Humanos que na reformulação será contemplada de maneira explícita, mais ampla, a questão dos gays, lésbicas e travestis. Acho que foi uma conquista importante do pessoal que reclamou muito por mais amplitude. Já foi anunciado mais de uma vez, em vários fóruns, que o tema deverá ser contemplado de maneira mais aberta.

Há um outro tema que eu gostaria de propor. Tenho recebido com alguma freqüência denúncias de violação dos direitos dos travestis em Salvador. Participei, há questão de dois meses, de uma audiência pública sobre grupos de extermínio. Havia um grupo de travestis que trouxe, de maneira muito clara, a questão da violação dos seus direitos.

Gostaria de propor, juntamente com a ABGLT e a Comissão de Direitos Humanos, que fosse constituída uma Comissão — para nós, não há nenhum problema em fazer parte dessa Comissão — para conversar com a Secretária de Segurança Pública da Bahia, para evitar esse terrível tratamento aos travestis, que pude presenciar em Salvador.

Com relação ao companheiro da entidade de travestis de São Paulo, acho que a sua denúncia foi muito grave, gostaria de ter acesso a ela, porque vamos entrar em contato com a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo e acompanhar esse caso de perto. Acho que a Comissão serve exatamente para isso, para registrar esses casos e acompanhá-los.

Quero também reforçar e dizer o seguinte: quando recebi o relatório que o Grupo Gay da Bahia fez com relação a assassinatos, tive o trabalho de escrever uma carta para cada uma daquelas delegacias de polícia onde tinha sido aberto o boletim de ocorrência com relação aos crimes contra gays. E posso dizer-lhes que a minha decepção foi grande, ou seja, a tendência, normalmente, é realmente, de que esses casos sejam arquivados. É preciso que a nossa vigilância no campo dos direitos humanos seja cada vez mais permanente. Não dá para esquecermos um crime que aconteceu em 1998, 1997. Precisamos estar fazendo essa cobrança, porque só dessa forma é que vamos conseguir combater a impunidade.

Queria dizer que, em nome da Secretaria de Estado de Direitos Humanos — hoje temos um Ministro da Justiça muito sensível à questão, para nós é importante esse avanço —, em nome de José Gregori, em nome do nosso Departamento, que, muito mais do que aliados, nós nos consideramos seus parceiros nesse processo. Entendemos internamente que isso é um caminhar muito mais lento, muito mais complexo, muito mais difícil.

Muito obrigado. (Palmas.)

O SR. COORDENADOR (Deputado Fernando Gabeira) - Dando prosseguimento ao seminário, passamos a palavra ao Sr. Raldo Bonifácio, da Rede Nacional de Direitos Humanos.

O SR. RALDO BONIFÁCIO COSTA FILHO - De saída, quero agradecer o convite para estar aqui, por ter tido a oportunidade de ouvir companheiros que vieram de outros lugares e que se manifestaram de maneira brilhante, com informações muito importantes na luta pelos direitos humanos. Participar desta Mesa também é um privilégio muito grande. Todos vão concordar comigo, porque não preciso me delongar a respeito do brilhantismo da Mesa que, ao mesmo tempo, me dá uma responsabilidade enorme agora, quando vou falar.

Sou responsável pela Rede de Direitos Humanos da Coordenação Nacional de DST e AIDS do Ministério da Saúde. Na verdade, é Rede de Direitos Humanos em HIV e AIDS e que, mais recentemente, foi acrescido de saúde mental, também, mas isso é uma outra história.

O que tem a ver o fato de eu estar aqui com a Rede de Direitos Humanos em HIV e AIDS, quando estamos discutindo direitos humanos e cidadania dos homossexuais?

Isso tem a ver, sim, com a própria história da AIDS. AIDS, antes que se soubesse que era uma síndrome, que se devia à infecção por um vírus e à diminuição decorrente dessa infecção da imunidade necessária à saúde, era conhecida como a doença dos quatro agás; depois, aumentaram para cinco, mas no início eram os quatro agás. Esses quatro agás eram os hemofílicos, os haitianos, os heroinômanos — tudo com agá — e os homossexuais. Reparem que ela surgiu já com esse toque, com essa marca discriminatória, surgiu como discriminação. No caso, um dos elementos de discriminação, de saída, foram os homossexuais.

Quando chega ao Brasil a AIDS, chega, principalmente, com essa marca, ainda mais que não tínhamos os outros agás, os haitianos, os heroinômanos, tínhamos os hemofílicos e os homossexuais.

Então, os homossexuais passam a ter uma importância muito grande no campo da AIDS. É importante marcar isso, porque é da história da AIDS no mundo, especialmente no Primeiro Mundo, na Europa. Se a comunidade homossexual denunciou a epidemia, foi ela também que colaborou ou que marcou o desenvolvimento das descobertas que se fizeram tão rapidamente a respeito da epidemia. Estou quase seguro de que muito em breve vamos tê-la debelado, pelo menos descoberto alguma maneira de debelá-la.

Isso prevalece até hoje. Vamos ver que na Europa os trabalhos de prevenção, de promoção à saúde que puderam acontecer antes de qualquer descoberta assistencial ou de tratamento originaram-se com as comunidades gays organizadas, depois as comunidades organizadas, as organizações não-governamentais, especialmente, na prevenção, ou seja, estabilizar, conter o avanço da epidemia nesses países. O modelo de trabalho nesses países foi o modelo que já ofereciam as organizações gays.

Aqui no Brasil isso também aconteceu, sem dúvida. Hoje não há como não reverenciarmos modelos da comunidade gay organizada, que também pôde expandir-se, ampliar-se e multiplicar-se graças a essa primeira colaboração sua na prevenção da AIDS e pôde, depois, expandir-se e se organizar, podendo usufruir dos benefícios financeiros que pôde ter a luta contra a AIDS no Brasil.

Fora isso, há uma questão que diz respeito a qualquer epidemia. A política pública, em relação à epidemia, é sempre, em sua estrutura, de identificação de quem está infectado ou enfermo, de isolamento, de notificação, ou seja, são necessárias, por medida de saúde pública, em outras epidemias, até para a proteção dos outros cidadãos.

Com a AIDS, ficou muito complicado pensar-se em identificação, notificação, isolamento. Nada disso apresentava benefício para a erradicação da epidemia, além de violar, de atacar diretamente a intimidade dos indivíduos, porque a epidemia de HIV decorre da intimidade extrema do ser humano, seja na relação sexual, seja na amamentação, seja na transfusão de sangue. Então, todas essas medidas de saúde pública, automaticamente, mesmo que as autoridades não quisessem, violariam os direitos fundamentais.

Observem que, quando o programa brasileiro dispensa atenção à AIDS, se defronta com isso. Durante muito tempo, houve muita dificuldade em tratar desse assunto, até que, em vez de ser adotada uma política tradicional em saúde pública, medidas coercitivas, passou-se a adotar uma política de ajuste das medidas de saúde pública, de controle da epidemia aos direitos humanos. Com isso, houve um momento em que o Ministério da Saúde, através da Coordenação de AIDS, teve de criar um lócus onde se pudesse desenvolver, refletir e estabelecer ações em conformidade com os princípios dos direitos humanos.

E aí a comunidade homossexual é beneficiada; ela que, inicialmente, trazia a marca da AIDS. Reparem que toda a política surgiu por força de um empréstimo, de um acordo com o Banco Mundial e as contrapartidas brasileiras, e se dirigiu, desde o seu início, a olhar, na estruturação, na determinação das políticas públicas em relação às epidemias, o que as comunidades, o que as populações específicas, o que a comunidade organizada estava fazendo. Destaca-se aí a comunidade gay, que, sem dúvida alguma, colaborou com a estabilização da epidemia na população gay.

Hoje, podemos dizer que a tendência da epidemia é outra. A população gay vem chamando a atenção para esse fato, mas deve-se ter cuidado, porque em outros países já aconteceu o contrário: estabilizou graças à colaboração da comunidade gay, mas recrudesceu recentemente, porque a população jovem, o adolescente gay não participou disso. Há experiências, estudos claros mostrando isso — a comunidade gay tem alertado para isso —, apesar de, no momento, a epidemia ter, no Brasil, tendência à heterossexualização, à pauperização, à interiorização, como Danne me alertou ainda há pouco, no seu trabalho no Rio Grande do Sul.

Mesmo com essa nova tendência da epidemia, ficará marcado na história que a estabilização se deve à comunidade gay. Digo com isso que se chegarmos a ter uma vacina contra o vírus da AIDS, no Brasil, a comunidade gay estará em primeiro lugar como colaboradora. Se no momento existe alguma coisa de pesquisa para uma futura vacina, é porque temos quatro grandes grupos em Belo Horizonte, em São Paulo e dois no Rio de Janeiro de pesquisa rigorosa da população gay, exclusivamente gay. Se temos idéia sobre a incidência, hoje, do HIV em população específica, devemos isso à solidariedade, à generosidade da população gay. Apesar de toda a violência, há uma colaboração muito grande da comunidade gay.

O Dr. Ivair Augusto — tenho de dizer isto publicamente — disse que eu o aconselhei no início. Mas isso era mútuo: eu o aconselhava e ele me aconselhava. Hoje, mais do que parceiros, do que companheiros de trabalho — ele no Ministério da Justiça e eu no Ministério da Saúde —, já somos até cúmplices, porque há uma afinidade, há um contato freqüente. E há pouco tempo descobri que estava havendo também uma afinidade com o ministério do Trabalho — fazíamos trabalhos comuns; então descobri que era a esposa do Dr. Ivair. Portanto, há uma cumplicidade muito benéfica.

Falando em ações governamentais que beneficiam a população gay, da política de DST e AIDS, posso apontar, na perspectiva de direitos humanos, as interfaces com a rede de assistência que se criou no Brasil a partir dessa doença. Hoje, não há um Estado da Federação que não tenha um serviço credenciado para atender à população infectada pelo vírus da AIDS e assistências alternativas, não só a hospitalar, mas a ambulatorial, o hospital-dia, a assistência domiciliar. Posso mostrar-lhes mapas sobre isso, números dessas ações que têm acontecido, e posso garantir-lhes que elas vêm acontecendo graças à atenção, à vigilância constante da comunidade organizada; e os grupos organizados da população gay têm sido fundamentais.

Posso mostrar isso através de correspondências, de telefonemas, de e-mail, que agora se tornou um meio importante. Por isso, temos fomentado a entrada das organizações no mundo da informática, porque isso tem facilitado muito a comunicação em rede.

Na assistência, observa-se que o medicamento disponível hoje para as pessoas com AIDS também depende de toda uma rede da comunidade organizada; e se há uma ação sobre isso, é necessário que se incentive essa organização.

Às vezes esses grupos se organizam em lugares onde parece não haver a mínima possibilidade. Posso citar como exemplo a comunidade travesti. Pela minha experiência no Ministério da Saúde, é a comunidade mais violentada que conheço. E trabalho com várias comunidades. A população indígena também é muito violentada. Compartilhamos com o Dr. Ivair Augusto de situações neste sentido, mas no dia-a-dia a comunidade travesti sofre violências incríveis.

Partimos para uma política que fomente a organização e a qualificação de vida da população travesti. Posso falar sobre isso em outro momento, a quem estiver interessado. Se a Secretária de Segurança de Salvador pudesse sentar-se, ouvir, dialogar, se interlocutores fossem criados, se emergissem, ou se houvesse a possibilidade da interlocução, é inimaginável o que de fecundo poderia surgir com esse trabalho, inclusive como política do Governo do Estado da Bahia. Pela experiência que temos no Ministério da Saúde, quando trazemos um travesti que já tenha capacidade de organização de um determinado Estado e o levamos para outro extremo, deixando-o lá alguns dias, num trabalho parceiro de cooperação, ele consegue organizar a comunidade travesti, e o que surge daí é uma coisa impressionante. É uma população que, quando organizada, é muito criativa; o trabalho que surge é muito interessante, muito fecundo.

Falei na assistência, na organização, no tratamento. Para que os senhores tenham uma idéia da importância de se olhar tudo isso na perspectiva de direitos humanos, por exemplo, a garantia legal do tratamento para as pessoas que tenham AIDS — estamos cansados de conhecer isso no Brasil — não é suficiente. Mas se precisamos de 600 milhões de reais para comprar medicamentos, durante o ano de 1999, e não houve a previsão no Orçamento, conseguiremos isso pela mobilização. Não sei se os senhores chegaram a ver, mas no dia 8 de setembro houve uma manifestação nacional a respeito disso, e prontamente houve uma resposta governamental. De imediato, estava o Presidente enviando mensagem ao Congresso Nacional. Na verdade, o trabalho do Ministério da Saúde, de alguma maneira, tem um dedo para facilitar, fomentar a organização da sociedade.

Aproveito a oportunidade para apresentar aos senhores a nossa advogada Cláudia de Paula, que está sentada ali no cantinho. Posso garantir-lhes que muitos dos projetos nas câmaras de vereadores, nas assembléias legislativas e no Congresso Nacional têm um dedinho da Cláudia. Quando os projetos que têm a ver com discriminação, preconceito, HIV vão parar no Ministério, há sempre um dedinho da Cláudia. Às vezes contra, para abortar determinados projetos.

Como ações efetivas, formais, temos 23 projetos no Brasil, de orientação e assistência jurídica. São específicos, chamados projetos de orientação e assistência jurídica às pessoas vivendo com HIV e AIDS, mas são extensivos às populações em situação de risco e vulnerabilidade, aos profissionais que trabalham também com HIV e AIDS.

Um desses projetos, estava me lembrando, é de uma organização gay — Grupo Gay de Alagoas —, que implantou agora um projeto jurídico. Eu ficaria muito decepcionado se Midori Amorim não me dissesse que foi ajudada de alguma maneira por algum dos projetos jurídicos de São Paulo; do GAPA de São Paulo ou de São José dos Campos. Lembro-me de que, de alguma maneira, acompanhei o seu caso através do GAPA de São José dos Campos.

O SR. MIDORI AMORIM - Logo no início tive o apoio do Luciano Toledo, o Presidente do GAPA de São José dos Campos, mas ele foi tirado do caso por não ser criminalista. Então, era preciso que houvesse advogados criminalistas, e puseram esses dois. Não tenho nada contra evangélicos, mas eles eram.

O SR. RALDO BONIFÁCIO COSTA FILHO - Este é um dos problemas que enfrentamos. Temos conseguido implantar as assistências jurídicas. São 23, como já disse, espalhados pelo Brasil. Mas o grande problema é o Direito Penal. Quando se chega nesse campo é problemático, porque depende de um investimento pessoal dos advogados, pois as violações são de direitos civis. Esses projetos estão voltados para isso. Fora isso, temos investido em ações de capacitação, de aprimoramento, de desenvolvimento das organizações não-governamentais. E entre elas estão as organizações gays.

Poderia falar mais sobre a população atingida por esses projetos, mas no momento temos 21 projetos cujo público alvo é o homossexual. São projetos realizados por comunidades organizadas de homossexuais. Em termos de investimento, são 500 mil reais em 1999, ou seja, até então, para esses 21 projetos, com a cobertura populacional de 35 mil pessoas. Quer dizer que, se no total há cerca de duzentos projetos envolvidos com assistência, casa de apoio, auto-ajuda, prevenção propriamente dita, somente 21 projetos são da população homossexual. Não que se pense em investir somente 10% dos projetos voltados para população homossexual, mas é devido ao fato de nos aparecerem poucos projetos vindos da população homossexual. Há disponibilidade de ouvir, de estabelecer planos de ação, ouvindo sempre a população, no caso dos projetos da população homossexual, ouvindo as organizações homossexuais.

Neste sentido, sempre ouvimos, e nos esforçamos, não só investindo em cursos de capacitação, em congressos, encontros, mas também indo a eventos que são importantes na qualificação e na visibilidade do movimento homossexual.

Muito obrigado. (Palmas.)

 

VOLTA AO SUMÁRIO

DEBATES

O SR. ENILSON FERREIRA BASTOS - Meu nome é Enilson Ferreira Bastos. Sou Presidente do Grupo Estruturação, em Brasília.

O Dr. Aurélio disse que não acredita que seja necessária a tipificação de delitos na área da discriminação, ou qualquer coisa assim. Acredito que seja, sim, porque é desse modo que vamos ter capacidade de punir alguém por algum ato. Meu conhecimento jurídico é muito limitado, mas sei que na Lei Orgânica do Distrito Federal está dito que é proibida a discriminação por orientação sexual. Fosse assim, o próprio Governador seria enquadrado, porque tirou do ar um programa gay só por ser gay. Então, como é que fica? O senhor continua achando que não é necessário? Como é que fica?

O SR. AURÉLIO VIRGÍLIO RIOS - Bom, vamos direto ao ponto. Talvez não me tenha feito entender, mas não é o fato de haver lei contra a discriminação. O que acho pouco produtivo é criar tipos penais como "matar um homossexual" — gay, lésbica ou travesti — ou "submeter um homossexual à tortura". Não é necessário isso. Para que haja punição efetiva de quem tortura, de quem mata, não precisa haver um tipo penal específico, do mesmo modo que não precisa haver a tipificação de genocídio específico de índios, de judeus, de palestinos. Basta dizer "matar um grupo étnico com a intenção de exterminá-lo". Então, é esta a idéia. Se o Código Penal fala "matar alguém", não é necessário dizer mais nada. É claro que a luta contra a impunidade ou a luta para fazer com que as instituições funcionem, nesse caso, é muito difícil. Talvez em Brasília as coisas sejam mais tranqüilas do que no resto do País, mas ainda há um longo caminho a ser percorrido.

É absolutamente elogiável o que a Lei Orgânica do Distrito Federal diz com relação à proibição da discriminação por orientação sexual. Seria ótimo que se tivesse isso com mais freqüência; melhor ainda que isso seja cumprido.

O que quero dizer é que já temos na nossa malha legislativa, que não é pequena, lei para todo tipo de conduta possível e imaginável. Hoje o Deputado Fernando Gabeira me disse que temos agora um decreto regulamentando a lei que criou os crimes ambientais. Ótimo. Boa medida. Mas o que precisamos fazer é tornar efetivas essas leis. Então, mais do que lutar para a criação de novos tipos penais, o que me interessa mais é que os velhos tipos, como homicídio e lesões corporais, que são definidos no Código Penal como delitos graves, sejam punidos.

Hoje não me preocupa tanto tentar aperfeiçoar o modelo, mas fazer com que ele funcione minimamente. O minimamente que digo é o quê? É, por exemplo, quem for vítima, não importa sob que orientação sexual, poder ir à delegacia de polícia, registrar esse fato, isso constar de um inquérito policial, esse inquérito policial resultar em um relatório, as provas serem produzidas satisfatoriamente, para que o promotor seja obrigado a denunciar o criminoso, e para que o juiz o condene com base nas provas.

Dentro dessa questão do Direito Penal, não precisamos de novos tipos. Agora, questões referentes à discriminação, leis específicas em cada Estado são uma coisa ótima. Maravilha! A lei do Distrito Federal é uma boa referência para isso.

Agora, interessa-me muito mais a aprovação do projeto da Deputada Marta Suplicy. Tenho absoluta certeza de que esse é o ponto que está pegando para o exercício da cidadania: a lei civil. Às vezes nos importamos muito com a questão penal, como ocorre dentro do Movimento Negro. E as medidas de discriminação positiva? E as políticas públicas? E como é que fazemos para acertar as questões patrimoniais decorrentes até da discriminação? Como fazemos para assessorar as pessoas que são discriminadas, para que, pelo menos, possamos imputar a quem discrimina uma perda econômica por isso?

O SR. ENILSON FERREIRA BASTOS - O senhor me desculpe, mas o cerceamento da liberdade é uma maneira de se punir quem discrimina; não é só a coisa material, como o senhor está falando, da lei da Deputada. No caso da discriminação, para se prender alguém, para a autoridade policial agir, é preciso uma lei definindo a conduta delituosa e a pena. Entendo que é necessário haver uma lei que permita a prisão de quem esteja cometendo o crime de discriminação.

A SRA. MARTA SUPLICY - Gostaria de fazer uma pergunta complementar, tomando como exemplo essa emenda à Constituição que apresentei quando Deputada, e que agora o Deputado Marcos Rolim reapresentou.

Quando a Constituição diz que não se pode discriminar por religião, por sexo etc. — sexo é masculino ou feminino —, não quer dizer orientação sexual. Se se está diante de um juiz ou de um delegado que entenda dessa forma, como é que fica? Gostaria de uma reflexão a respeito.

O SR. AURÉLIO VIRGÍLIO RIOS - Bom, a senhora me dá oportunidade de falar sobre uma recente decisão judicial do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que é bastante interessante, em um caso que envolvia duas pessoas da comunidade lésbica daquele Estado, que entraram com uma ação ordinária contra a Caixa Econômica Federal. A Fundação dos Economiários pediu a declaração de existência de união estável e a condenação dos réus à admissão do segundo autor — da companheira ou do companheiro — como beneficiário do plano de assistência médica. O tribunal do Rio Grande Sul proferiu uma decisão bastante interessante, numa interpretação com a qual concordo inteiramente, no sentido de que, na prestação da jurisdição, o juiz deve entender que, quando se fala em sexo, há uma proibição contra a discriminação. Aí não se trata tão-somente de gênero: masculino ou feminino. Qualquer que seja a pessoa, ela não pode ser discriminada por motivos sexuais. Se a questão envolve a orientação sexual, isso também pertence a essa questão da discriminação por sexo. Esta é uma interpretação que, acho, tem base constitucional; e tem sido apresentada pelo menos em dois ou três acórdãos. Vocês vão dizer que são acórdãos minoritários. Ainda são; são esporádicos. Agora, tenho a impressão de que, se estivesse de forma mais explícita a questão da orientação sexual, seria melhor. Mas não precisamos dessa emenda constitucional para que, em um trabalho de interpretação da Constituição, estabeleçamos que a nossa ordem constitucional — a Constituição cidadã, como dizia o Dr. Ulysses Guimarães — não permite que se faça uma interpretação restritiva de um direito inalienável de qualquer pessoa.

O SR. ENILSON FERREIRA BASTOS - Desculpe-me, mas me recuso a acreditar que um delgado de polícia vá chegar a esse nível de interpretação da Constituição Federal.

O SR. AURÉLIO VIRGÍLIO RIOS - Mas é o juiz que interpreta.

O SR. ENILSON FERREIRA BASTOS - Sim, mas estou falando na hora da ação.

O SR. AURÉLIO VIRGÍLIO RIOS - Bom, aí é uma outra coisa.

O SR. MIDORI AMORIM - Desculpe-me. Não quero fazer uma pergunta, só

quero expor alguns pontos que considero pertinentes.

Eu sou Midori, do Grupo CORSA, de São Paulo, e da RENATA, de São Paulo. RENATA é Rede Nacional de Travestis.

Queremos que a discriminação aos homossexuais seja uma conduta tipificada como crime. Também acho horroroso ouvir o senhor dizer que isso não é necessário. É necessário, sim. Os negros conseguiram que se proibisse a discriminação racial. Só que eles não conseguiram criminalizar a conduta. Não há uma lei que permita a punição de quem discrimina os negros.

O SR. COORDENADOR (Deputado Nelson Pellegrino) - Não, já há o tipo penal. Você pode dizer que ninguém foi condenado até hoje, mas há a lei.

O SR. AURÉLIO VIRGÍLIO RIOS - Estamos num debate sobre se existe a lei ou se ela é eficiente? Se formos discutir a questão da efetividade é diferente.

O SR. ENILSON FERREIRA BASTOS - Quero uma lei eficiente, é lógico.

O SR. AURÉLIO VIRGÍLIO RIOS - Sim, todos queremos. Mas quando você cita o comportamento do policial na delegacia, entra em outro aspecto que demanda até uma análise sociológica. Não vai ser pelo fato de se inserir na Constituição que as pessoas não devem discriminar por orientação sexual que os policiais que hoje torturam e continuam praticando as maiores violências vão deixar de fazer isso.

O SR. COORDENADOR (Deputado Nelson Pellegrino) - O Cláudio está pedindo um aparte. Há mais dois companheiros que pediram para falar. Vamos deixar o Midori concluir. Após, o Cláudio e os demais inscritos poderão fazer uso da palavra.

O SR. MIDORI AMORIM - Quanto a se criar uma delegacia específica para gays, lésbicas e travestis, ou então estabelecer-se um percentual de vagas na Câmara dos Deputados para Deputados homossexuais, não quero guetos; quero apenas que os Srs. Deputados, que são eleitos por nós, gays, travestis, lésbicas, façam leis que sejam em nosso favor também. Já passamos dessa idéia de guetos. Não queremos mais estar em guetos em que travesti vai resolver problema de travesti, gay vai resolver problema de gay, e o resto da sociedade se isenta disso; inclusive aqueles que são eleitos por nós também. Obrigado.

O SR. CLÁUDIO NASCIMENTO - Entendo, como o Roberto já disse aqui, que mudança de comportamento não se faz por decreto ou por lei, mas sabemos também que uma lei, de certa forma, contribui como referência positiva para grupos que são estigmatizados e marginalizados. Neste sentido, o Movimento Homossexual Brasileiro vem trabalhando com essa estratégia de aprovação de leis que afirmem os direitos dos homossexuais.

Entendo até, como o Dr. Aurélio, essa tempestade de leis que existem no Brasil acerca de vários temas. Agora, em relação à orientação sexual, não concordo, porque não existe uma lei que criminalize, mas também não estão assegurados esses direitos. Por outro lado, o que percebo ainda é que existe na Justiça, por parte dos juízes e dos profissionais da Justiça, uma homofobia muito grande diante desse tema. Então, por mais que entenda que os juízes competentes e de bom senso vão fazer uma análise de bom senso e crítica, como o senhor diz, aqueles juízes que ainda estão impregnados com uma visão evangélica, uma visão preconceituosa acerca da homossexualidade, não vão ter nenhum parâmetro objetivo para guiá-los diante das reclamações dos homossexuais.

Por exemplo, no Rio de Janeiro, em 76 Municípios, aprovamos uma lei que proíbe a discriminação por orientação sexual. No Rio de Janeiro temos a Lei nº 2.475, que não só proíbe a discriminação como estabelece aos estabelecimentos comerciais que discriminarem gays, lésbicas ou travestis punições como multa, advertência, perda do alvará, até o fechamento total da casa. Então, de certa forma, isso cria um impacto social muito grande para a nossa comunidade e para a comunidade em geral.

O SR. CLÓVIS ARANTES - Sou Clóvis, do Grupo Estruturação de Brasília. O Cláudio expôs bem essa questão. Aqui em Brasília temos um exemplo muito claro: temos uma lei que define que não se pode discriminar pela orientação sexual, mas não temos mecanismos de punição. Com o Programa Tolerância Zero, quem é que vai punir a tolerância zero dos policiais? Então, é um exemplo muito claro esse de Brasília.

Não podemos, quando tratamos de leis — entendo muito pouco do assunto, mas acredito nisso —, trabalhar com as exceções, como o Cláudio citou, como a questão dos juízes que vão analisar isso, porque, quando um homossexual comete um crime, ele não é julgado pelo crime somente, mas também pela sua orientação sexual. Então, temos de colocar nessas leis mecanismos que garantam os direitos desses cidadãos homossexuais, que impeçam a interpretação da lei ao bel-prazer do juiz, homofóbico ou não. Temos de garantir mecanismos para que isso não aconteça. É esta a questão.

A SRA. JUSSARA DE GOIÁS - Meu nome é Jussara de Goiás. Sou assessora do INESC e coordeno a área de Defesa dos Direitos de Populações Específicas. Trabalhamos muitos anos na questão da criança e do adolescente. Mas, a partir do ano passado começamos a inserir novas populações — porque somos poucos, e tudo tem que andar devagar.

Por ocasião da IV Conferência Nacional de Direitos Humanos, realizada neste Congresso, na relação que tivemos com os representantes da ABGLT, discutimos por que não conseguiram avançar em relação ao que estava no Plano Nacional de Direitos Humanos, já que todo ano dizem que isso sequer entrou no Plano. Chegamos à conclusão de que nunca foi especificado no Orçamento que essa população existe. Naquele momento, aprovamos que fossem apresentadas emendas à LDO, à LO e ao PPA, no sentido de inserirem isso. Conseguimos fazê-lo em relação à LDO, onde foi consolidado no Capítulo I, inciso VI: "Promover os direitos de minorias vítimas de preconceito e discriminação".

Isso nos abria caminho para atuar junto ao PPA e à LO para o ano 2000 e a cada ano. Recebemos o PPA agora. O Dr. Ivair já me mandou, inclusive, aquela informação, com a qual concordo, que diz respeito especificamente à Secretaria de Direitos Humanos. Mas, o PPA, a orientação estratégica onde o Governo aponta cada item da LDO e chega a promover direitos de minorias vítimas de preconceito, diz:

A defesa dos direitos humanos e particularmente das minorias vítimas de preconceito e discriminação é peça fundamental dentro da estratégia e ação do Governo....

Fortalecer a cidadania implica mais progresso social, imprescindível para a consolidação da democracia no País.

O Governo vai trabalhar para promover a cultura, proteger a mulher e a criança contra a violência sexual e doméstica e garantir os direitos das populações negras indígenas.

Nada disse com relação aos homossexuais, gays e lésbicas. Não está definido, da forma como está, na LDO.

Quem conhece um pouco o funcionamento do processo orçamentário sabe que dificilmente consegue-se verba para o que não está previsto como orientação estratégica. Portanto, o recurso que a Secretaria de Direitos Humanos conseguiria para um ação facilmente poderá ser alocado para outra rubrica, porque não consta como diretriz; tem de estar registrado, escrito.

Existem esses cidadãos, que são muitos no Brasil. Não há só crianças e índios. Até o fato de dizer que o negro é minoria neste País é questionável. Esta é a defesa a que me refiro, respondendo um pouco àquela fala.

A outra questão é que na discriminação do PPA há o Programa Gestão da Política de Direitos Humanos, onde temos a criação de grupos de estudos, promoção e garantia dos direitos de gays, lésbicas e travestis.

Quando consultamos a Lei Orçamentária Anual — LOA para o ano 2000, não encontramos programa nenhum. Vemos contemplados a criança, a mulher, o portador de deficiência, as vítimas e testemunhas ameaçadas, programa por programa. Mas o programa a que se refere esse documento não está contemplado na próximo LO, a ser aprovada para o ano 2000. Não há previsão de trabalho aqui. Portanto, temos que trabalhar essa incoerência, senão nada acontece. Essa era a primeira questão, um esclarecimento com relação à fala do Dr. Ivair Augusto dos Santos.

Sou favorável à especificação na lei. No estágio em que a sociedade brasileira está, precisamos de ações positivas, sim. As mulheres lutaram muito por isso. Estamos lutando desde o Estatuto da Criança em prol das crianças em situação de risco pessoal e social, para dizer quem será a população atingida. Os negros também lutaram muito por isso. Essa luta é viável porque, quem está avaliando um momento desses, de violência ou de processo criminal, não olha aquela pessoa como se ela fosse um ser humano — gay, lésbica, travesti, heterossexual, seja o que for —, mas como se não fosse gente; isso precisa ser eliminado da sociedade. Por isso, temos ainda de batalhar por leis com ações positivas.

Portanto, registro esta minha manifestação de apoio.

A SRA. ELAINE INOCENCIO - Sou Elaine Inocencio, Gerente de Projetos na Secretaria de Estado de Direitos Humanos.

Gostaria de explicar à companheira que na Secretaria fazemos apenas aquela parte esmiuçada do PPA, onde constam programas de trabalho com gays, lésbicas e travestis.

Quando o programa sai da nossa mão, vai para o Ministério do Orçamento e Gestão.

A partir daí, não sabemos o que acontece. A parte estratégica já é elaborada pela Presidência da República. Não temos nenhum controle sobre o que vai acontecendo, porque o Orçamento é montado em vários blocos; cada setor faz o seu, e depois ele é consolidado. Na hora da consolidação, ele foge totalmente ao nosso controle; só vamos ter conhecimento dele novamente quando já estiver aprovado. Na Câmara, ele é mais modificado ainda. Portanto aquilo que é sancionado pelo Presidente da República não é necessariamente o que foi elaborado no início.

A Secretaria de Estado de Direitos Humanos teve a preocupação de pontuar a questão dos homossexuais. Mas, não podemos garantir que na aprovação do PPA esse projeto continue contemplado.

O SR. AURÉLIO VIRGÍLIO RIOS - Queria apenas fazer mais um esclarecimento sobre esse tema.

Sou inteiramente a favor das ações positivas. Penso que elas são absolutamente necessárias, e que na parte cível há milhões de coisas a fazer. O projeto da ex-Deputada é um avanço considerável.

Apenas para esclarecer e para que não sejamos ingênuos o suficiente: podemos ter a lei mais perfeita contra discriminação, mas o juiz ou promotor homófobo sempre vai encontrar um meio de interpretá-la para afastar sua incidência no caso concreto. Contra essas pessoas não há remédio. Tenho colegas que, por melhor que fosse a lei, saberiam como achar uma maneira de não dar segmento à ação.

Portanto, a lei em si, por mais perfeita que seja, não resolve a questão do preconceito. Mas, o que resolve então? Uma lei contra a discriminação? Ótimo, desde que também pensemos nos modos de implementá-la.

Penso que isso deve estar casado com a parte cível, as políticas públicas e o comprometimento do Estado, porque uma lei mais bonita do mundo numa sociedade extremamente racista e discriminatória não vai dar seguimento a nada.

Não posso minimizar, por exemplo, a importância dos passos dados por parte da jurisprudência, por ela ser minoritária. Lembro que o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, por ampla maioria, já decidiu que um casal de mulheres lésbicas tem direito patrimonial, e de colocar uma como companheira da outra. Eles fizeram nada menos do que aplicar o projeto de lei da ex-Deputada, que ainda não está em vigor, mas é concretamente justo e precisa ser dado a essas pessoas. Portanto, é um projeto interessante.

Para terminar, vou lembrar que, em dezembro de 1997, o Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Celso de Mello, fez uma declaração importantíssima à Folha de S.Paulo. Disse S.Exa. que a questão da discriminação contra os homossexuais era gravíssima, e que era necessário que o Poder Judiciário tivesse outros olhos para isso. Que se desse esse passo em relação aos homossexuais, a exemplo do que fez o Judiciário em relação à questão indígena, que hoje está suficientemente resolvida na Justiça — pelo menos, em grande parte, favorável aos índios. Vejam que o Presidente do Supremo Tribunal Federal não é pouca coisa!

O SR. COORDENADOR (Deputado Nelson Pellegrino) - Estamos no final da reunião, mas gostaria de saber se ainda há quem queira manifestar-se.

Ao final, vou conceder a palavra aos que estão na Mesa. Posteriormente, o Sr. Cláudio Nascimento apresentará a proposta da carta, fruto do seminário.

O SR. DANNE ROOS - Irei dirigir-me ao Dr. Aurélio. Só quem sofre na pele a discriminação, Dr. Aurélio, pode realmente avaliar o grau e a circunstância de risco que ela enfatizou em relação aos gays. O dia-a-dia de um cidadão não perseguido é diferente do cotidiano de quem é perseguido.

Quando entramos no banheiro de um shopping, por exemplo, temos o direito de pentear o cabelo. Mas assim não pensa o segurança, quando nota que somos homossexuais. E aí entra a questão: se somos homossexuais e temos o direito de na sociedade vivenciar e extrapolar nossos limites e compreender a nós mesmos, é direito nosso entrar no banheiro de um shopping e arrumar o cabelo. No caso de travestis, eles são proibidos de entrar em banheiros femininos, a não ser de boate — pelo menos no Rio Grande do Sul; não sei em São Paulo. Lá no Rio Grande do Sul, quando um travesti entra num banheiro feminino, vários seguranças vão atrás dele e o expulsam de lá, apenas porque ele está se maquiando.

Portanto, concordo plenamente com o senhor, no que se refere a discriminações positivas. Tem de haver alguma ação bem concreta para inibir o preconceito. Se a pessoa sabe que discriminar um gay é crime, ela vai pensar duas vezes antes de fazê-lo. Eu mesma sou vítima disso; desde o momento em que me aceitei como homossexual, protagonizei cenas que não gostaria de fazer, mas em que fui envolvida, talvez por ingenuidade.

Com relação à discriminação dos homossexuais, temos de considerar que a palavra-chave é perseguição. As pessoas encurralam-nos. As pessoas homofóbicas, de certa maneira, começam, têm meio e fim. E, como foi dito, querem livrar-se dos gays.

Aconteceu um fato comigo, num domingo do ano de 1991, quando passeava no Conjunto Nacional. Sou um cidadão; portanto, tenho direito de passear, a exemplo de algum familiar seu, de você mesmo, de outras pessoas aqui presentes. Pois bem. Veio um segurança e me expulsou de onde eu estava. Disseram: "Não, você tem que se prostituir..." Mas, eu não estava me prostituindo. Agora, será que tenho que provar a ele que não estava me prostituindo? E havia testemunhas ali. Só que, se eu fosse na delegacia de polícia, como sempre acontece...

A discriminação aos homossexuais é causada primeiramente por dois alicerces: a Igreja em si — não que a religião seja ruim —; e a mídia.

Disse muito bem o menino de Brasília. A questão de deixar à la volonté, para que a pessoa decida se vai discriminar alguém porque é gay, ou não vai discriminar porque acredita em Jesus Cristo, não é certa. A lei tem que ser aplicada independente da vontade de quem vai aplicá-la. Se um gay quiser entrar num shopping ou num banco, e for discriminado, o policial tem que chegar e dizer: "Mas, que discriminação é essa"? Ele quer saber. Ah, danos morais! Mas, é diferente. Tem que estar escrito num papel. Vejam o que aconteceu comigo: sou gay, entrei de salto alto, acompanhado de uma sobrinha, numa fila de um banco, mas o rapaz não me atendeu. Aí, vou saber por que ele não me atendeu, vou abrir inquérito policial em cima desse fato. Um homem que não se aceita na condição de homossexual não pode ter os privilégios de um homossexual.

Essa lei que estamos implorando nesta Comissão é para que seja tipificado. Qualquer delegado de polícia ou escrivão fica perdido. Se estamos transitando numa rua e dez pessoas começam a dizer palavras de baixo calão, como é que fica? Eu não sou travesti, mas, e os meninos que são? Se eles entram num shopping, um rapaz mexe; se entram num supermercado, um rapaz mexe e diz palavrão. Como é que fica? Se a Da. Ruth Cardoso entrar num mercado ninguém vai mexer com ela. Portanto, já existe desrespeito à cidadania do cidadão comum e do que não é comum.

Como disse, no BANRISUL, passei por uma situação de preconceito, no ano passado, com a minha sobrinha. O Jorge Lafond, no Rio de Janeiro, — o Cláudio deve saber disso — ganhou uma indenização de 20 mil reais em menos de três dias.

Acredito que a perseguição — não é a discriminação — aos homossexuais deve ser combatida rapidamente. Umas das sugestões que daria à Comissão é a cobrança de indenização. Quando a pessoa vir que terá de pagar mil ou 2 mil reais, vai tomar cuidado e educar os filhos. O próprio chefe da empresa vai educar o funcionário.

O SR. MARCOS DE ABREU FREIRE - Meu nome é Marcos, representante do Núcleo de Gays e Lésbicas do PT de São Paulo.

Dr. Aurélio, gostaria de, mais uma vez, afirmar que esta nossa discussão está pautada justamente na questão de como vamos nos proteger, de como vamos ter assegurada na lei a defesa de nossos direitos enquanto cidadãos. É isso o que temos.

Num país onde a Constituição é genérica, um juiz ou delegado vai interpretar a lei de acordo com a defesa do cidadão, dos seus direitos. No nosso País, infelizmente, não é assim. Precisamos mostrar a lei e dizer: "Olha, sr. cidadão, juiz ou delegado, não discrimine o negro, porque há uma lei que o protege da discriminação racial". Infelizmente, no nosso País é assim, e tem que ser assim, senão fica genérico: "Ah! Mas, você não está enquadrado na questão da lei, a sua defesa".

A nossa luta é justamente essa: estar garantidos, sim, para não sermos mais vítimas da exclusão social, e não considerarem que não somos cidadãos. Somos cidadãos — já foi afirmado isso várias vezes — e queremos ser atendidos, porque na lei está especificada a nossa condição de cidadãos.

O SR. MÁRCIO ANTÔNIO KOSHAKA - Meu nome é Márcio Koshaka. Sou do Grupo Estruturação Homossexual de Brasília.

Queria saber da ex-Deputada Marta Suplicy se está sendo inserido o assunto homossexualidade nas escolas, se ele é discutido quando se introduz a matéria sobre educação sexual. Por meio da educação para as crianças poderemos estar formando uma geração mais tolerante, que respeite mais as diferenças e as diversidades.

A SRA. MARTA SUPLICY - O número de escolas no Brasil com orientação sexual ainda é mínimo. O Ministério da Saúde tem alguns programas, que nem sei em que pé estão. Quando os profissionais e professores são bem capacitados, realmente esse é um dos instrumentos mais eficazes na luta contra o racismo, o machismo, o preconceito contra a homossexualidade. Mas, isso não tem sido prioridade do Governo.

Na Legislatura passada, o Deputado Elias Murad, de Minas Gerais, foi autor de um projeto sobre AIDS, ao qual apresentei um substitutivo para AIDS e orientação sexual nas escolas — orientação entendida como educação, não em relação à homossexualidade.

O projeto não foi para a frente, apesar de o Deputado ser do PSDB, partido do Governo. Quando chegava a hora de a matéria ser votada em qualquer Comissão, ela era barrada. Começamos a achar que havia algo esquisito e fomos conversar com o Ministro Paulo Renato, da Educação. Disseram-nos que era um projeto muito custoso, que era muito caro capacitar um professor, e que ele poderia ser mudado para um projeto-piloto em algum canto. Na época, até indagamos o porquê do piloto, se no Ministério da Saúde havia vários projetos exitosos. Portanto, não havia necessidade de projeto-piloto. Todo mundo já sabe que é melhor a prevenção do que depois tratar de casos de AIDS, de aborto, de adolescentes grávidas, e que se investe muito menos ao capacitar professores. Mas, parece que houve certa dificuldade.

É isso o que sei com relação à orientação sexual na escola. A Deputada Iara Bernardi, de São Paulo, apresentou um projeto, que irá encontrar as mesmas dificuldades, porque, provavelmente, o Governo ainda mantém as mesmas restrições. Entretanto, seria um instrumento muito importante.

O SR. RALDO BONIFÁCIO COSTA FILHO - Srs. Deputados, mais uma vez quero agradecer a V.Exas. a oportunidade de estar aqui.

As manifestações foram muito interessantes. Saio daqui com novos elementos para melhor trabalhar e planejar, e para poder contribuir cada vez mais e com melhor qualidade nas políticas públicas.

Muito obrigado.

O SR. AURÉLIO VIRGÍLIO RIOS - Sr. Presidente, quero, igualmente, agradecer à Comissão de Direitos Humanos a oportunidade de estar aqui. Agradeço a presença a todos que vieram conversar sobre assunto tão complicado, que apresenta nuanças complexas.

Quando falamos sobre os aspectos jurídicos, nunca nos podemos esquecer dos aspectos políticos, sociológicos e educacionais. A ex-Deputada Marta Suplicy começou a falar sobre educação, que infelizmente foi um tema até pouco abordado, embora fundamental.

Por ser operador do Direito, estou absolutamente convencido de que melhor do que qualquer lei seria a introdução da questão do respeito às minorias na própria escola e na Academia de Polícia, já no começo do curso de formação policial. Esse ponto é fundamental, senão vamos discutir sempre qual é o melhor remédio e nunca as medidas preventivas que poderemos adotar.

Quero dizer a todos que é muito bom estar aqui. Acho que este é o primeiro passo, é um caminho. Podemos imaginar um monte de medidas a serem adotadas a curto, médio e longo prazos. Mas, qualquer medida legislativa — é necessário dizer isto — é de médio ou longo prazo. Se quisermos alguma medida de curto prazo, teremos que pensar em outros mecanismos. E as medidas administrativas e políticas públicas inserem-se perfeitamente nisso.

Sou plenamente favorável à reestruturação legislativa, concordando com o que foi dito. A Sra. Danne Roos falou sobre algo muito interessante: a questão da indenização. As penas pecuniárias são extremamente eficientes, porque oneram a pessoa que discrimina naquilo que dizem que para o ser humano é mais caro: o bolso.

Basicamente, é preciso trabalhar com processo de ligar as pessoas, quer dizer, dar mais transparência e deixar que saibam que, independente do fato de ser negro ou homossexual, ali está um colega, um cidadão, alguém com quem sempre podemos contar.

A idéia de que estamos todos no mesmo planeta e somos parte de uma cidadania é essencial — e aí voltamos à questão dos juízes, promotores e delegados homófobos. Quando isso se quebra, não há solução, porque não adianta pensarmos no ideal quando a questão desamarra no possível. Então, é bom pensar no possível, no ideal, na possibilidade de estarmos juntos discutindo isso por muito mais tempo.

Muito obrigado.

A SRA. ROSÂNGELA CASTRO - Sr. Presidente, quero dizer que foi muito prazeroso para a Secretaria de Direitos Humanos abrir esse novo espaço de trabalho. Essa área ainda não tinha sido trabalhada pela Secretaria, embora nesses últimos anos tenhamos tido condições de abrir o diálogo e de participar, principalmente através do pessoal da ABGLT.

Estamos abertos e receptivos ao estabelecimento de parcerias por meio do financiamento de projetos voltados para a área de direitos humanos. É claro que o nosso orçamento praticamente já está estourado para este ano; já fizemos o que nos possível fazer.

Peço aos grupos organizados — ONGs, sociedade civil etc. — que tiverem interesse específico em desenvolver atividades dentro da questão dos direitos humanos e da cidadania homossexual que nos procurem no Ministério da Justiça para discutirmos a possibilidade de parcerias já para o início do próximo ano.

Muito obrigada.

A SRA. MARTA SUPLICY - Quero dizer que foi um grande prazer voltar a esta Casa para discutir a questão da homossexualidade, do projeto da parceria civil e da cidadania dos homossexuais.

Pude constatar que houve dois progressos. Primeiro, a abertura na Comissão de Direitos Humanos da discussão do tema, o que é alvissareiro.

Quando eu era Deputada, a Secretaria de Direitos Humanos sempre tinha enorme dificuldade para se pronunciar a respeito dessa questão, sempre escapulia e ficava em cima do muro. Então, acho que houve um progresso acentuado, talvez em razão de nova direção. Tenho certeza de que isso ocorreu por pressão dos grupos organizados. Portanto, parabenizo todos vocês.

Continuem a fazer essa pressão, porque é a única maneira de mudarmos a sociedade preconceituosa.

Muito obrigada. (Palmas.)

O SR. CLÁUDIO NASCIMENTO - Sr. Presidente, quero dizer que a Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Travestis e todos os grupos presentes também se sentem muito satisfeitos pela realização deste evento.

Contabilizei a presença de mais de dez grupos homossexuais neste seminário, o que demonstra a mobilização e a vontade de mudança de todos. Estão aqui grupos como o NGL, do PT de São Paulo; a AGLT — Associação Goiana de Gays, Lésbicas e Travestis; o Grupo Arco-Íris, do Rio de Janeiro; o Grupo Gay, da Bahia; o Grupo Lésbico, da Bahia; o Grupo CORSA; o Grupo Estruturação; o Grupo Dignidade, do Rio Grande do Sul; além de vários outros. Todos viemos para, juntos, pensar um pouco sobre a questão da homossexualidade e as maneiras de promover ações e implementações concretas em relação a ela.

Pontuamos algumas questões que quero compartilhar com os membros da Mesa e todos os participantes deste seminário. Estabelecemos três ações importantes a serem adotada pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados e pelo Departamento de Direitos Humanos, ligado à Secretaria de Estado. Peço aos grupos homossexuais e às pessoas aqui presentes que nos ajudem a pressionar para que de fato tais ações sejam implementadas.

Sei que muitas ações têm caráter de médio ou longo prazo. Por isso, em primeiro lugar estão as ações imediatas, que são necessárias. O Sr. Ivair Augusto dos Santos sugeriu a formação de comissão tripartite — formada pela ABGLT, pelo Departamento de Direitos Humanos e pelo Câmara dos Deputados — para ir à Bahia, onde realizará audiência com a Secretaria de Segurança Pública daquele Estado. Então, peço ao Departamento de Direitos Humanos e à Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados que assumam essa proposta conosco.

Em segundo lugar, com relação ao combate à impunidade, há três casos de violação aos direitos humanos de homossexuais. O primeiro foi o do Vereador Renildo José dos Santos, de Coqueiro Seco, Alagoas, assassinado em 1993. Até hoje o caso está parado no Superior Tribunal de Justiça. Então, pedimos à Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados e ao Departamento de Direitos Humanos do Executivo que vejam a quantas anda esse processo, que está parado desde 1995 .

Há também o caso da Marli Rosana, com relação ao qual foram apresentados dados bastantes ricos na audiência pública do dia 25; e o do Sr. Midori Amorim, que foi apresentado hoje. Sugerimos à Comissão de Direitos Humanos que receba as denúncias, verifique os detalhes e veja a melhor maneira de serem encaminhados os casos. Essas são as ações imediatas.

Em relação à legislação, propomos à Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados que requeira que o projeto da parceria civil, de autoria da Sra. Marta Suplicy, que ainda está em validade, seja apreciado em regime de urgência .

Pedimos à Comissão que apóie o projeto de lei do Deputado Marcos Rolim, que proíbe a discriminação por orientação sexual, e assuma, juntamente com a comunidade homossexual, a proposta de inclusão de tipificação de crimes contra homossexuais no novo anteprojeto de Código Penal. Por último, que ela apóie o projeto de redesignação de sexo para transexuais, de autoria do ex-Deputado Marcos Coimbra, que está tramitando nesta Casa desde 1995.

Em relação às ações afirmativas do Executivo, propomos primeiramente a reformulação do Plano Nacional de Direitos Humanos, incluindo a questão de orientação sexual,, não só no aspecto retórico, mas também em termos concretos. Em segundo lugar, ações jurídicas pontuais do Departamento de Direitos Humanos da Secretaria de Estado e do Ministério da Justiça. Em terceiro, ações afirmativas em direitos humanos, no que tange à educação sexual nas escolas, respeitando-se a livre orientação sexual. Para viabilizar isso, que se busque parceria das áreas de direitos humanos e de projetos especiais do Ministério da Educação.

Em relação ao que propôs a Jussara, que haja não só vigilância em relação à Lei Orçamentária, mas que esta Comissão de Direitos Humanos apresente emenda à LDO incluindo a questão das minorias sexuais.

Em relação à educação em direitos humanos para policiais, sugerimos que não só a Secretaria de Estado de Direitos Humanos do Ministério da Justiça assuma a proposta e tente divulgá-la em âmbito nacional, mas que esta Casa, por meio dos Deputados e da Comissão de Direitos Humanos, também tenha o compromisso de ajudar-nos a aprová-la. Trata-se da capacitação e sensibilização de policiais militares em âmbito nacional — e sabemos muito bem como é fundamental educar para os direitos humanos.

Também em relação a policiais militares e civis, percebemos que existe grande dificuldade para assimilarem as questões dos homossexuais, no sentido de protegê-los e garantir sua segurança pública. No Rio de Janeiro, por meio de interlocução entre a Secretaria de Segurança Pública e os grupos homossexuais, foi criado um centro de referência de acompanhamento de crimes e violência contra homossexuais. O Grupo Arco-Íris e os grupos do Rio de Janeiro podem estar ajudando na assessoria desse trabalho, a fim de que também seja pensada em todos os Estados a possibilidade de os homossexuais terem um lugar de referência.

A questão de delegacias específicas para atendimento a homossexuais ainda é polêmica na comunidade homossexual, mas achamos que é possível a criação do centro de referência com o caráter de agregador de denúncias, dos processos de violação aos direitos humanos no âmbito policial. Creio que é possível, sim, realizarmos isso.

Agradeço à Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados e ao Departamento dos Direitos Humanos a oportunidade de estar aqui.

Agradeço, pela presença, à Sra. Marta Suplicy, ao Sr. Aurélio Virgílio Rios e ao Sr. Raldo Bonifácio, que muito nos ajudaram a ilustrar a luta pela promoção dos direitos humanos dos homossexuais.

Acredito que um dia um simples beijo entre homossexuais será assim considerado; ele não será alvo da discriminação tão ferrenha que existe ainda hoje.

Muito obrigado. (Palmas.)

O SR. COORDENADOR (Deputado Nelson Pellegrino) - As sugestões feitas pelo Sr. Claúdio Nascimento estão dentro do conjunto das manifestações sobre o assunto. Acho que não há divergência em relação a elas; portanto, serão inseridas numa carta a ser divulgada e efetivamente debatida no âmbito da Comissão de Direitos Humanos, para que sejam traduzidas em medidas concretas. Inclusive há proposta de parceria entre o Departamento de Direitos Humanos do Executivo e a Comissão de Direitos Humanos.

Informo aos participantes que a Comissão de Direitos Humanos constituiu subcomissão com o objetivo de levantar os projetos relacionados a direitos humanos na Câmara dos Deputados e estabelecer um processo de negociação direto com o Executivo, com vistas a acelerar a aprovação desses projetos. Fizemos isso com o Programa Nacional de Proteção a Vítimas e Testemunhas, e agora estamos começando a discutir a reformulação do CDDPH (Conselho Nacional de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana). Acredito que essas e outras medidas poderão ser objeto de apreciação dessa subcomissão, que coordeno para que possamos estabelecer o diálogo também com o Executivo.

Penso que o objetivo desta audiência pública — um misto de audiência pública com seminário — foi plenamente alcançado. A Comissão de Direitos Humanos cumpriu o seu papel de debater e promover a questão dos direitos humanos — onde estão inseridos os direitos dos homossexuais.

Esta Comissão não poderia se omitir de promover o debate de questões a ela trazidas — o que tem feito. Mas, o importante é não só fazer o trabalho de recepção e pedir a punição ou reparação, quando os casos acontecem. Acho que a Comissão de Direitos Humanos tem também o papel de fazer a prevenção — que passa pela conscientização, por uma legislação que proteja o segmento, e por ações que inibam determinados comportamentos.

Pude perceber, no conjunto das manifestações, a angústia pela falta de um arcabouço legislativo e de mecanismos que inibam a discriminação contra homossexuais e punam quem a praticar.

Esta audiência foi muito rica, porque nela estiveram envolvidos diversos atores, dentre eles o Ministério da Saúde, o Ministério Público Federal, o Ministério da Justiça, a Comissão de Direitos Humanos e o segmento organizado. Acho que essa interação é fundamental para trocarmos idéias e informações.

Tenho certeza de que todos saímos bastante enriquecidos deste evento, e vamos poder traduzir isso em medidas concretas.

Agradeço a contribuição inestimável à ex-Deputada Marta Suplicy; ao Sr. Aurélio Virgílio Rios; ao Sr. Raldo Bonifácio; ao Sr. Ivair Augusto dos Santos; à Sra. Elaine Inocencio, da Secretaria de Estado de Direitos Humanos; ao companheiro Cláudio Nascimento; e às entidades aqui presentes.

Muito obrigado a todos. (Palmas.)

Está encerrada a reunião.

 

ENTIDADES PRESENTES

 

Grupo Gay da Bahia

Grupo Arco-Iris

ABGLT-Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Travestis

Grupo Lésbicas da Bahia

Associação dos Travestis de São Paulo

Associação Goiana de Gays e Lésbicas

Grupo Dignidade do Rio Grande do Sul

Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão

Departamento de Direitos Humanos do Ministério da Justiça

Grupo Estruturação de Brasília

INESC

Grupo Estruturação Homossexual de Brasília

Núcleo de Gays e Lésbicas do PT de São Paulo

Movimento Nacional de Direitos Humanos

PISTA-Grupo de Travestis

Grupo Corsa/SP

SINTRAGERS/RJ

Conselho Nacional dos Direitos da Mulher

ANDES

ICCAB/MS

Universidade de Brasília

CHM Memória Popular

Secretaria Nacional de Direitos Humanos

CECRIA

Corpo de Bombeiros do Distrito Federal

 

CARTA DE BRASÍLIA

 

Nós, representantes de várias entidades de defesa dos direitos dos homossexuais, participantes do seminário "Direitos Humanos e Cidadania Homossexual", realizado pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados(CDH) e Secretaria de Estado dos Direitos Humanos, no dia 21 de setembro de 1999, com a presença de diversos parlamentares, solicitamos às autoridades dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário maior empenho para que os direitos humanos dos homossexuais sejam efetivamente atendidos, principalmente no que se refere:

-Ao combate à Impunidade: Foram apresentados diversos casos de denúncias envolvendo violações dos direitos individuais dos homossexuais como a denúncia de homicídio supostamente cometidos por duas lésbicas em Pernambuco(caso Marli e Rosana); denúncia de envolvimento em crime de tráfico e tortura contra uma travesti de São Paulo(caso Midouri Amorim); caso do vereador Renildo José dos Santos, assassinado em março de 1993 com processo até hoje parado no STJ a espera de julgamento, grupo de neo fascistas denominado Frente Anti-Caos em São Paulo e na Bahia as perseguições policiais sofridas pelos travestis e que neste caso seja feita uma visita imediata a este Estado através de uma comissão com autoridades e outros. Que nestes casos e em todos os apresentados através de dossiês à Comissão de Direitos Humanos, sejam tomadas providências para que a verdade seja restaurada e os criminosos condenados, bem como as autoridades policiais, judiciárias e outras envolvidas em casos de violações aos direitos humanos sejam punidas.

-Ações Legislativas: Neste item, ficou decidido a importância do pedido de urgência na aprovação do projeto de lei da ex-deputada Marta Suplicy sobre "Parceria civil registrada entre pessoas do mesmo sexo" , que a Comissão de Direitos Humanos recomende a aprovação e assuma as medidas necessárias para protocolizar o referido pedido de urgência. Que a CDH apoie o projeto do Dep. Marcos Rolim de emenda constitucional que proíbe a discriminação por orientação sexual e o projeto de lei de mudança de sexo para transexuais, de autoria do deputado Marcos Coimbra. Que esta Comissão apresente um projeto de lei ordinária objetivando a tipificação penal da prática de discriminação por orientação sexual. E ainda que a Comissão apresente emendas ao Plano Plurianual e Lei Orçamentária com vistas a garantir recursos para ações e políticas voltadas aos direitos humanos dos homossexuais.

-Ações Governamentais: Que a Secretaria de Estado de Direitos Humanos implemente a reformulação do Plano Nacional de Direitos Humanos no que tange ações e promoção dos direitos humanos de gays, lésbicas, travestis e transexuais. Que a Secretaria assuma ações e políticas de combate à violência contra homossexuais acolhendo denúncias e promovendo assessoria jurídica específica aos casos apresentados e que monitore ações voltadas ao combate à impunidade e promoção da cidadania homossexual. Que esta Secretaria implemente programas de treinamento e sensibilização com objetivo de educar para os direitos humanos e homossexualidade, principalmente nas corporações militares e policiais, ministério público e magistratura. E por último, que esta Secretaria recomende às Secretarias de Segurança Públicas Estaduais a criação de espaços de interlocução do Poder Público com a comunidade homossexual, através de um órgão específico para receber e acompanhar denúncias de violações de direitos humanos dos homossexuais.

 

Brasília, 21 de setembro de 1999.

ABGLT- Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Travestis

Arco-Íris de Conscientização de Homossexual/RJ

Associação Goiana de Gays, Lésbicas e Travestis/Go

Corsa- Cidadania, Orgulho, Respeito, Soliedariedade e Amor/SP

Núcleo de Gays e Lésbicas do PT/SP

Núcleo de Gays e Lésbicas do PT/GO

Grupo Gay da Bahia

Grupo Lésbico da Bahia

Grupo Dignidade/RS

Grupo Lésbico de Goiás

Grupo Estruturação/DF

PROJETO DE LEI SUGERIDO PELOS PARTICIPANTES DO SEMINÁRIO

E APRESENTADO PELO DEPUTADO NILMÁRIO MIRANDA

 

PROJETO DE LEI N° 1.904/99

(Do Sr. Nilmário Miranda)

 

Altera o art.1º da Lei 7.716 de 05 de Janeiro de 1989 que "Define os Crimes Resultantes de Preconceitos de Raça ou de Cor" e dá outras providências.

 

O Congresso Nacional decreta:

Art.1º O art.1º da Lei nº 7.716, de 1989, alterado pela Lei 9.459 de 1997, passa a vigorar com a seguinte redação:

"Art.1º Serão punidos na forma desta lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceitos de raça, cor, etnia, religião, procedência nacional ou orientação sexual."

Art 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

 

JUSTIFICAÇÃO

Os homossexuais na sociedade brasileira sofrem todo tipo de discriminação e preconceito, representando hoje um dos setores mais vitimizados. As estatísticas demonstram que cresce o número de crimes contra os homossexuais como assassinatos, tortura, maus-tratos, lesões corporais etc. Também são numerosos os casos de ação de grupos de extermínio e de violência policial contra essas pessoas. As cidades que registram maior número de violações são Rio de Janeiro, Salvador, São Paulo e Goiânia.

No entanto, a violação mais comum aos homossexuais é a discriminação e o preconceito que acontecem cotidianamente nos locais públicos e instituições. Recentemente, foi instalado no Rio de Janeiro um disque-denúncia de violações contra os homossexuais, registrando cerca de 60 denúncias de discriminação por dia, somente nos primeiros dias de funcionamento.

Os gays, lésbicas, travestis e transexuais enfrentam humilhações, intolerância e os mais diversos preconceitos. Porém, quando chegam a denunciar tais condutas nada é feito pelas instituições judiciárias. Na própria delegacia de polícia essas ações delituosas, quando registradas, sequer são averiguadas, sob a alegação de que não há o tipo penal de discriminação por orientação sexual. Assim não originam inquéritos nem mesmo ação penal.

A Constituição Federal dispõe sobre a garantia do princípio da dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos da República Federativa do Brasil. Há também dispositivos que asseguram o direito à intimidade e à vida privada.

No entanto, é mister que se tenha no ordenamento jurídico a previsão para a discriminação por orientação sexual, da mesma forma que já existe essa conduta tipificada como delituosa para o racismo.

No dia 21 de setembro de 1999, foi realizado na Comissão de Direitos Humanos desta Casa Legislativa um seminário com a presença de diversas entidades de defesa dos direitos humanos dos homossexuais. Após um dia inteiro de debate com juristas e deputados, ficou deliberado que esta Comissão ingressaria com um projeto de lei tipificando o crime de discriminação por orientação sexual. Optamos assim, em alterar a lei 7.716/89 que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor, ao invés de criar nova lei ordinária para a tipificação penal de preconceito por orientação sexual, uma vez que há grande semelhança nas condutas discriminatórias.

Em face do exposto, conclamo os nobres colegas a apoiarem a presente iniciativa, na certeza de que estarão contribuindo para acabar com a discriminação e o preconceito contra os homossexuais.

Sala das Sessões, outubro de 1999

 

Deputado Nilmário Miranda (PT-MG)

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