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QUALQUER MANEIRA DE AMAR VALE A PENA...

Alípio de Souza Filho

Professor do Departamento de Ciências Sociais da UFRN

 

23 de junho. Noite de São João. Noite de festa. Sanfona, zabumba e tri­ângulo faziam uma música alegre... ca­sais enfileirados já se mexiam: come­çava uma quadrilha. O marcador, jovem, vibrante e aos gritos, incitava os presen­tes a formarem novas duplas, mas re­petia, insistentemente: “aqui, pode tudo; só não pode homem com homem e mulher com mulher”. A frase, tantas vezes repetida, chamou-me a atenção e a de amigos com quem passava a noite. Entre eles, uma amiga, psicana­lista, com quem passei a fazer humor com o marcador: o assunto parecia in­comodar demais o jovem rapaz. A frase dele lembrou-me também a canção de um Maia, que todos lembram: “vale tudo..., só não pode dançar homem com homem, nem mulher com mulher”. 

28 de junho. Dia Internacional do Orgulho Gay. Data celebrada em diferen­tes países, com manifestações nas di­versas cidades: atos públicos, comícios, shows. Nessa ocasião, diferentemente, não se ouve frases como essas que (ou)vimos acima. Em vários pontos do planeta, nessa data, a palavra de ordem é uma só: abaixo o preconceito! Pode sim!, homem com homem e mulher com mulher. E pode porque se trata de direi­to inquestionável e que não se pode ne­gar a ninguém: o direito à liberdade de escolha. Esse é direito que se aplica ao amor e à sexualidade do mesmo modo como se aplica a outros assuntos. Prin­cípio da Declaração Universal dos Direi­tos do Homem, “todo homem é livre”... 

No preconceito, quando temos “homem com homem” ou “mulher com mulher”, temos os homossexuais — palavra atirada a todos aqueles que, dentro do direito à liberdade de escolha, constróem a afetividade e a sexualidade que são suas fora dos padrões socialmente impostos como os únicos a serem seguidos. Como se sabe, essa é palavra-estigma (assim como gay, lésbica, etc.) que termina por reduzir os as­sim chamados homossexuais a um único rótulo que lhes atribui. No precon­ceito, depois que se impinge a alguém o rótulo de homossexual, não é preciso dizei (conhecer, pensar, saber...) mais nada: homossexual - “ele é homossexu­al” ou o “ela é lésbica” - passa a ser, como uma sombra, a identidade social de todo aquele que ainda que pintor, poeta, músico, professor, médico, advogado, pedreiro, policial, ministro, deputado, vereador, etc. constrói suas relações afetivo-sexuais com pessoas do mesmo sexo, Escapar a esse estigma tem sido a razão pela qual muitos mantêm escon­didas suas escolhas nos campos do amor e da sexualidade e outros tantos conservam reprimidos afetos e desejos sexuais. (E também razão pela qual, em nossas cidades, notadamente no univer­so masculino, muito se pratica uma se­xualidade paralela à sexualidade oficial em tudo semelhante ao que o sociólo­go francês Michel Maffesoli chamou de uma “socialidade subterrânea”,)

Somente a ignorância do precon­ceito leva a que se estigmatize pessoas — às vezes com os maiores insultos - pelo afeto e pela sexualidade que praticam. Não fosse o preconceito, fortemente con­servado no imaginário social, mulheres e homens passariam despercebidos em suas escolhas afetivo-sexuais. É, pois, pelo fim do preconceito — que impõe a confissão, a revelação e a denúncia – pelo que lutam todos aqueles contra quem se atira o estigma de homossexual, bem como essa é também a luta daqueles que se engajaram na construção política de uma sociedade verdadeiramente demo­crática. Assim como nas famílias, nas escolas, nas igrejas, na imprensa, etc. não se comenta (não se quer saber, não se pergunta, não se revela) que alguém seja heterossexual, o que todos aqueles que lutam contra o preconceito buscam é o estado de sociedade em que não mais se tenha a obrigação de confissão da ho­mossexualidade seja como “culpa”, “vergonha”, “pecado”, “desvio”, seja como revelação de “segredo familiar” ou “entre amigos” — e o rótulo de homosse­xual como identidade social que limite a vida de seres humanos, iguais em sua humanidade a todos os outros, mas que são constrangidos a viver como uma es­pécie à parte; constrangimento que pro­duziu a idéia — reacionária! - segunda a qual a homossexualidade seria de “ori­gem genética”. Idéia que já fez adeptos mesmo entre grupos e ativistas do movi­mento em defesa dos direitos dos ho­mossexuais no Brasil e em outros países. 

Não se pode mais continuar ad­mitindo que o preconceito limite a expres­são da vida, As pessoas que, por razões de escolhas e preferências, têm suas his­tórias alteradas pelo peso de uma única palavra o que experimentam é um tipo de constrangimento que limita a vida. Uma das idéias mais preconceituosas que se lança contra homens e mulheres a quem se atira o estigma de homosse­xuais é a de que estes “ameaçam a família e a moral”, Naturalmente estamos aqui seus termos, que se pretendem expres­são de realidades fixas e intocáveis, O que esses termos escondem é que existem famílias e que a moral não tem valor ab­soluto, é sempre moral de um grupo ou classe, época ou sociedade determina­das. Contra a moral dominante, é preci­so que se diga que os ‘homossexuais’ também constróem suas famílias: têm lares, moram sob o mesmo teto, adotam filhos, têm amigos, saem de férias. Ca­sais de homens ou de mulheres vivem juntos muitos anos: três, seis, dezessete, vinte e cinco, cinquenta anos. Compram juntos carros, casas, apartamentos. Bri­gam e fazem as pazes como qualquer casal. E também se separam. O amor e o sexo entre dois homens, como entre duas mulheres, são resultados do dese­jo, e este é o mesmo -- e tão legítimo como! desejo que promove o amor e o sexo entre um homem e uma mulher, e são também obras de amizade e de ter­nura, O que se tem feito, até aqui, con­servando-se o preconceito, é fazer sofrer um grande número de pessoas que po­deria viver mais feliz não fosse a estigmatização; sendo muitos aqueles que gostariam de partilhar com pais, ir­mãos e colegas sua vidas, seus proble­mas, suas alegrias, seus sonhos. 

Por que continuar reproduzindo o preconceito anti-homossexual na educação familiar e escolar e através das religiões? Por que continuar com o fa­zer de conta social que insiste em ne­gar a homossexualidade e a bissexualidade masculinas e femininas enquanto expressões da sexualidade humana e também entre os brasileiros? Por que manter afastado das conquistas da cidadania um amplo segmento da sociedade constituído de cidadãos plenos? 

Ao que parece, foram essas questões que motivaram políticos e par­lamentares, em diferentes países do mundo, a defender mudanças nas leis, acabando com o amparo legal do pre­conceito. No Brasil, iniciativas como as dos vereadores e deputados do PT em nível local e nacional são exemplos do esforço na política para livrar o Brasil do preconceito infundado praticado contra aqueles a quem se lança o estima de homossexuais. Entre todas as iniciativas, o projeto apresentado na Câmara Fede­ral pela então deputada Marta Suplicy — agora retomado e modificado pelo De­putado Roberto Jefferson —, que, entre outras coisas, reconhece as uniões de pessoas do mesmo sexo, é sem dúvida o projeto de maior expressão política no tratamento do tema. 

O curioso preconceito que diz “vale tudo”, “pode tudo” — certamente valem a desigualdade, a miséria, a fome, o racismo, a corrupção política, a vio­lência  policial, etc. — “só não pode ho­mem com homem, nem mulher com mulher”... deve ser combatido de todas as formas. Direito pela metade é demo­cracia pela metade! Os homossexuais, pois!, têm direito à cidadania plena. E urgente o fim do preconceito e seu amparo na lei, única maneira pela qual se pode construir o espírito democráti­co nos indivíduos e a cultura da demo­cracia na sociedade brasileira. Estare­mos assim construindo o futuro, e este como queremos vivê-lo: um futuro em que, como anuncia a canção, “qualquer maneira de amor valerá...”

 

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