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 Eugênio
                        Bucci Jornalista
                        
                        
                        
                          
                        
                         Antes
                        de começar, vamos lembrar o “parêntesis irritante”
                        de um velho livro brasileiro:
                        
                          
                        
                         “Um
                        parêntesis irritante: 
                        
                          
                        
                         Abramos
                        um parêntesis...
                        
                          
                        
                         A
                        mistura de raças mui diversas é, na maioria dos casos,
                        prejudicial. Ante as conclusões do evolucionismo, ainda
                        quando reaja sobre o produto o influxo de uma raça
                        superior, despontam vivíssimos estigmas da inferior. A
                        mestiçagem extremada é um retrocesso. O indo-europeu,
                        o negro e o brasílio-guarani ou o tapuia, exprimem estádios
                        evolutivos que se fronteiam, e o cruzamento, sobre
                        obliterar as qualidades preeminentes do primeiro, é um
                        estimulante à revivescência dos atributos primitivos
                        dos últimos. De sorte que o mestiço — traço de união
                        entre as raças, breve existência individual em que se
                        comprimem esforços seculares — é, quase sempre, um
                        desequilibrado. (...) 
                        
                          
                        
                         Como
                        nas somas algébricas, as qualidades dos elementos que
                        se justapõem, não se acrescentam, subtraem-se ou destróem-se
                        segundo os caracteres positivos e negativos em presença.
                        E o mestiço — mulato, mameluco ou cafuz — menos que
                        um intermediário, é um decaído, sem a energia física
                        dos ascendentes selvagens, sem a atitude intelectual dos
                        ancestrais superiores. Contrastando com a fecundidade
                        que o acaso possua, ele revela casos de hibridez moral
                        extraordinários. (...) O mulato despreza, então,
                        irresistivelmente, o negro e procura com uma tenacidade
                        ansiosíssima cruzamentos que apaguem na sua prole o
                        estigma da fronte escurecida; o mameluco faz-se o
                        bandeirante inexorável, precipitando-se, ferozmente,
                        sobre as cabildas aterradas...”
                        
                          
                        
                         Fim
                        do parêntesis.
                        
                          
                        
                         Estamos
                        ainda no início de Os Sertões, na segunda
                        parte, O homem, e só o que se lê são ofensas
                        à qualquer indivíduo que não seja de uma raça pura.
                        Branca, de preferência. Algumas páginas mais adiante,
                        porém, Euclides da Cunha escreveria a sua frase célebre:
                        “O sertanejo é, antes de tudo, um forte”. Assim,
                        concederia um histórico elogio àquele que é produto
                        de uma intensa miscigenação. Interessante é que o
                        elogio vem seguido de uma ressalva: “Não tem o
                        raquitismo exaustivo dos mestiços neurastênicos do
                        litoral.” Euclides detectou no sertanejo, apesar de
                        todas as “conclusões do evolucionismo”, uma
                        subcategoria étnica dotada de uma originalidade
                        surpreendente. Mas quis destacar que o caso constituía
                        uma exceção à mestiçagem.
                        
                          
                        
                         Os
                        Sertões
                        é um clássico, uma obra magnífica sem paralelos na
                        cultura brasileira. Não obstante, está repleto de
                        frases e pensamentos racistas, terrivelmente racistas.
                        Preconceituosos, como dizemos hoje. É verdade que o próprio
                        autor registrou, nas notas que preparou para a terceira
                        edição, de 1905, que se encontram em seu livro
                        “coisas disparatadas”. Explica-se: apesar dos 
                        
                         
                        
 impropérios
                        contra a mestiçagem, ele mesmo escreveu, quase
                        quinhentas páginas adiante, que o sertanejo era “o
                        cerne da nacionalidade”, “a rocha viva da 
                        nossa raça”. Mais ainda, Os Sertões,
                        para além dos trechos que possamos hoje chamar de
                        racismo, é a defesa eloqüente do sertanejo. Euclides
                        descreve, denuncia e condena o crime que contra o
                        sertanejo foi cometido. Em Canudos, “a rocha viva da
                        nossa raça” foi em parte destruída por um poder que
                        não o admitia como interlocutor, como igual, como cidadão.
                        Para conforto daquele poder e de seu exército, era
                        preciso varrer da terra árida o Antônio Conselheiro e
                        sua gente (que não era para ser tratada como gente).
                        
                          
                        
                         Quero
                        insistir nessa idéia de “coisas disparatadas”. Eu
                        poria da seguinte forma essa contradição: um
                        pensamento filiado a uma ciência racista, de fins do século
                        XIX, que acreditava em raça superior e outras coisas
                        assim, serve para erguer uma obra-prima do humanismo,
                        uma obra contra a prepotência, a intolerância e a
                        matança. Retomo a contradição para alertar que, em
                        matéria de preconceitos, as “coisas disparatadas”
                        fazem parte do nosso dia-a-dia. Em matéria de
                        preconceitos, não há pecadores e santos, não há
                        preconceituosos nojentos e não-preconceituosos puros.
                        Entre os dois, há uma bagunça imensa. E é dela que eu
                        gostaria de tratar.
                        
                          
                        
                         O
                        meu tema é a sociedade de consumo. Não vou aqui tratar
                        dos preconceitos já exaustivamente apontados na
                        publicidade, que dá preferência às mulheres jovens e
                        esguias de olhos claros; não vou reclamar dos shopping
                        centers que não têm rampas para as cadeiras de
                        rodas, nem pretendo denunciar a inexistência de xampus
                        para negros no mercado brasileiro. Isso tudo já foi
                        mais do que registrado, denunciado, e até já começa a
                        ser corrigido. Creio que o debate será mais produtivo
                        se buscarmos contradições e preconceitos menos
                        comentados do que aqueles. Daí eu ter recuperado o
                        trecho de Os Sertões. Ele nos obriga a
                        raciocinar a partir do contraditório. Se podemos
                        encontrar e, com os olhos de hoje, delimitar claramente
                        as “coisas disparatadas” no livro de Euclides, na
                        atual sociedade de consumo há coisas ainda muito mais
                        disparatadas, das quais nós mal tomamos consciência.
                        Percebê-las é muito mais difícil. O que pretendo
                        expor aqui é de que modo o ato de consumir mercadorias
                        nos leva a consumir preconceitos inadvertidamente; em
                        muitas ocasiões o desejo de consumir pode nos conduzir
                        a posturas preconceituosas e nós nem percebemos. Para
                        aumentar a confusão, nem sempre esses preconceitos se
                        mostram como tal.
                        
                          
                        
                         A
                        minha hipótese é que a intensa propaganda, a celebração
                        permanente e reiterada do consumo nos meios de comunicação
                        e mesmo o gesto de consumir como via de afirmação e de
                        realização pessoal, para além da simples satisfação
                        de necessidades materiais objetivas, são processos que
                        a um só tempo produzem e ocultam preconceitos de uns
                        homens em relação a outros. Não pretendo cair em
                        generalizações e nem condenar as relações de consumo
                        de um modo dogmático (em princípio, não há nada de
                        errado em consumir mercadorias; trata-se, aliás, de um
                        direito das pessoas), mas a busca obstinada de cada um
                        em saciar desejos, desejos erotizados pela publicidade,
                        a procura do prazer individual como orientação para o
                        consumo, embora possa apresentar-se como um caminho para
                        algum tipo de felicidade, talvez seja o agravamento do
                        egoísmo (e do egocentrismo) numa sociedade em que a
                        autoestima depende da desvalorização do outro, isto é,
                        uma sociedade em que o indivíduo, para afirmar-se,
                        precisa se imaginar melhor, ou maior, ou mais poderoso,
                        ou mais rico, ou mais afortunado, ou mais atraente, ou
                        capaz de ter mais prazer que os seus semelhantes.
                        
                          
                        
                         Sei
                        bem que não se trata de uma hipótese de fácil aceitação.
                        Como eu disse, no início, vamos lidar aqui com
                        “coisas disparatadas”. Há preconceitos onde há
                        satisfação de necessidades, assim como há racismo
                        numa obra clássica, vocacionada a combater a prática
                        da exclusão social e, portanto, a combater o racismo e
                        o próprio preconceito.
                        
                          
                        
                         A
                        ambição da reflexão que proponho não é convencer a
                        todos. A mim bastaria que admitíssemos as ambigüidade
                        das situações, ou melhor, a sua polaridade, bastaria
                        que não nos 
                        
                         
                        
 pretendêssemos
                        libertos de todo preconceito acusando a multidão à
                        nossa volta de preconceituosa. A ambição, aqui, é
                        encarar as polaridades e pensar alguma coisa
                        (“disparatada”) a partir delas.
                        
                          
                        
                         *   *   *
                        
                          
                        
                         Muitos
                        têm preconceito contra filmes brasileiros. Ou têm
                        mesmo uma birra justificada: sentiram-se desconfortáveis
                        vendo filmes nacionais e não querem mais repetir a
                        dose. Assim, dá-se o “não vi e não gostei” a cada
                        novo longa metragem brasileiro que aparece. Quanto a
                        mim, tenho um preconceito ao contrário. De filme
                        brasileiro eu gosto por princípio. Gostei especialmente
                        de um (na verdade uma co-produção entre Brasil e
                        Estados Unidos), lançado em 1995: Jenipapo,
                        dirigido por Monique Gardenberg. É um bom ponto de
                        partida para a nossa discussão.
                        
                          
                        
                         O
                        filme conta a história de um padre estrangeiro no
                        Brasil, o fictício padre Stephen (interpretado por
                        Patrick Bauchau), que apóia o movimento dos
                        trabalhadores rurais sem-terra. Padre Stephen,
                        reconhecido internacionalmente por seu trabalho humanitário,
                        tem sua paróquia numa região marcada por conflitos agrários.
                        O que intriga o espectador é que, enquanto as tensões
                        políticas se agravam no país, e exatamente no momento
                        em que uma importante lei agrária será votada no
                        Congresso Nacional, o padre Stephen se recusa a dar
                        entrevistas. Uma palavra dele poderia influenciar os
                        deputados a adotar uma posição favorável aos
                        sem-terra mas, mesmo assim, ele se recusa a falar. Justo
                        ele que era tão falante. Antes, em seus pronunciamentos
                        dentro e fora do Brasil, ele demonstrava que sobre os
                        sem-terra pesava não apenas a pobreza, mas um certo
                        desprezo da opinião pública. Eles não eram vistos
                        como pessoas no exercício de seus direitos, ou melhor,
                        pessoas que buscam o atendimento de um direito. Eram
                        retratados como baderneiros, não como cidadãos. Antes,
                        as declarações do Padre deixavam claro que os
                        sem-terra, além da violência física, sofriam a violência
                        de um preconceito de classe. Agora, a razão de seu silêncio
                        é um mistério.
                        
                          
                        
                         Um
                        repórter americano, Michael (Henry Czerny), decidido a
                        entrevistar o padre, não se rende àquela resistência.
                        Homem de muita ambição e pouco caráter, Michael
                        resolve inventar uma entrevista. Profundo conhecedor das
                        idéias e da biografia do líder religioso, forja
                        declarações que soam como se fossem verdadeiras. E sua
                        entrevista repercute decisivamente. Graças àquelas
                        falsas declarações, a maioria do Congresso vota
                        favoravelmente aos sem-terra.
                        
                          
                        
                         Surge
                        aí uma primeira contradição. Uma mentira (a
                        entrevista forjada) leva a realização de uma justiça.
                        Em função dela, os excluídos sociais obtém uma vitória
                        legislativa. Uma falsificação jornalística contribui
                        para o não agravamento de um preconceito de classe,
                        para atenuar uma iniqüidade. Vendo isso, o padre
                        Stephen não desmente o repórter sem escrúpulos. Quer
                        dizer: alia-se a um mentiroso. Com sua anuência, torna
                        verdadeiras as falsas declarações.
                        
                          
                        
                         É
                        só então que vem a tona o motivo do silêncio do padre
                        Stephen. Ele vinha sendo chantageado pelos latifundiários.
                        Nunca mais poderia dizer nada à imprensa. Seus inimigos
                        conseguiram contra ele um argumento incontornável:
                        fotos íntimas em que o sacerdote aparece fazendo amor.
                        Caso ele se manifeste, as fotos serão divulgadas.
                        Portanto, após a publicação da entrevista, o
                        religioso se encontra na iminência de sua completa
                        desmoralização diante do país e do mundo.
                        
                          
                        
                         O
                        desfecho será trágico. Se o preconceito contra os
                        despossuídos não bastou para imobilizar o trabalho
                        daquele homem, que dedicou a vida a combater a injustiça
                        no campo, o preconceito sexual terá sido bastante para
                        emudecê-lo. Tivesse ele um romance com uma mulher e a
                        situação poderia até ser vencida de alguma maneira,
                        mas o caso de amor do padre Stephen é um caso de amor
                        homossexual. Isso nem mesmo os trabalhadores sem-terra
                        aceitariam. Vem daí, do preconceito que os excluídos
                        sociais compartilham com os fazendeiros mais reacionários,
                        a grande força da 
                        
                         chantagem
                        armada contra o padre. Se ele não perdeu a guerra
                        contra os latifundiários, arrisca-se a perder a honra
                        (e a própria vida) para o preconceito sexual.
                        
                          
                        
                         Por
                        isso lembro aqui a história de Jenipapo. O filme
                        nos ajuda a perceber que, em matéria de preconceitos, não
                        existem apenas dois lados: um absolutamente compreensivo
                        e generoso e outro perverso e inteiramente intolerante.
                        Os dois pólos se confundem e se entrelaçam, num
                        complexo difícil de ser repartido de modo maniqueísta.
                        É ingênua, ou é pretensiosa, a postura dos que se
                        imaginam livres de preconceitos. Entender os mecanismos
                        pelos quais preconceitos e não-preconceitos se misturam
                        é uma tarefa árdua mas indispensável aos que procuram
                        um mundo mais fraterno e de mais respeito entre os
                        homens. Antes de tudo, temos de assumir que existimos em
                        meio às “coisas disparatadas” que Euclides da Cunha
                        identificou dentro de sua própria obra-prima. Essas
                        “coisas disparatadas” fazem parte da rotina de cada
                        um de nós.
                        
                          
                        
                         *   *   *
                        
                          
                        
                         Quando
                        se vai definir o que seja preconceito, diz-se que
                        preconceito é um pré-julgamento. Mas isso é pouco. Os
                        pré-julgamentos são inevitáveis — ainda que suas
                        conseqüências não sejam necessariamente drásticas.
                        Todo mundo, de um jeito ou de outro, acaba pré-julgando
                        e, com base nisso, orienta um pouco de sua conduta
                        individual. É triste: um pré-julgamento pode ser
                        limitante, mesmo sem ferir outra pessoa, pode impedir a
                        expansão cultural e existencial de cada um. É triste
                        mas é assim. Tem gente que nunca vai comer pratos
                        orientais porque se recusa a prová-los. Resolveu assim
                        e ninguém tem nada a ver com isso. Tem gente que não
                        ouve música de um ou de outro gênero porque sequer
                        admite a possibilidade de conhecê-los. Tem gente não
                        quer saber de filme alemão. Ou brasileiro.
                        
                          
                        
                         O
                        que mais importa aqui, no entanto, não é esse pré-julgamento
                        para consumo individual — é a conseqüência do
                        preconceito no campo dos direitos. Em função de
                        preconceitos, muitas vezes, pessoas são excluídas,
                        humilhadas, prejudicadas. Em função do preconceito,
                        muitos vêem cassada a sua possibilidade de felicidade.
                        Nesses termos, é preciso tratar do preconceito como
                        algo associado ao poder — o preconceito nos importa à
                        medida que produz efeitos na vida prática e impõe
                        sofrimentos às suas vítimas.
                        
                          
                        
                         Devemos
                        observar também como os preconceitos são a um tempo
                        causa e conseqüência de realidades perversas. Muitos
                        imaginam que mentes preconceituosas fabricam situações
                        injustas. Outros acreditam que a sociedade de classes é
                        quem gera todos os preconceitos. O fato é que as duas
                        alternativas são verdadeiras. Os negros da África do
                        Sul, para ficarmos num dos exemplos mais recorrentes, não
                        tinham os mesmos direitos dos brancos (e, em certa
                        medida, não os têm até hoje). Isso era (ou é)
                        resultado de preconceito e também era (ou é) origem de
                        mais preconceito. Nessa matéria, não basta mudar a
                        situação concreta. Também não basta mudar as
                        mentalidades. É preciso atuar nas duas frentes.
                        
                          
                        
                         São
                        muitos os meandros, as sutilezas, os fios delicados,
                        quase imperceptíveis, que atam essas duas frentes uma
                        à outra. É muito comum que o preconceito de cor, ou de
                        classe, não se manifeste como tal, mas se expresse,
                        quando não se esconde por completo, como um preconceito
                        cultural. Até o início deste século era bastante
                        generalizada a recusa da sociedade branca à
                        musicalidade da cultura negra. Era o tempo do “madame
                        não gosta que ninguém sambe”.
                        Hoje, não é difícil perceber que, no fundamento
                        daquela recusa, havia um preconceito de cor e de classe.
                        Um preconceito que, bem adiante, ia dar na recusa de
                        democratizar a sociedade. A mesma “madame” que
                        andava “dizendo que o samba é vexame” não queria
                        saber de “mistura de raça, mistura de cor”.Por isso, descaracterizava a produção da cultura
                        negra: “o samba brasileiro, democrata, é música
                        barata sem nenhum valor”. Atualmente, quase como antítese
                        (como negação da “madame” implicante cantada com
                        afinada ironia por João Gilberto), a “música de
                        preto”, no dizer de Djavan, entrou definitivamente na
                        moda. Paul Simon gravou com o Olodum, Caetano Veloso
                        proclamou “eu sou neguinha” e o grupo Raça Negra é
                        o grande fenômeno de vendas de discos em 1996. Podemos
                        identificar aí um desejo mais difundido de democracia,
                        inclusive de uma democracia racial. Mas a pergunta que
                        temos que fazer aqui é: será mesmo? Será que isso nos
                        garante que estamos na direção do final do
                        preconceito?
  
                        
                         A
                        nova abertura do mercado cultural para as produções de
                        antigas minorias políticas, de povos antes oprimidos,
                        de etnias antes desprezadas, ganhou até um rótulo. No
                        campo musical, vivemos hoje um tempo em que se fala em música
                        do gênero étnico. Mas o que significa dizer que uma
                        determinada sonoridade pertence ao gênero étnico? As
                        respostas são bem variadas. Recentemente, folheando um
                        livro francês sobre história da música, em que os
                        compositores são classificados segundo estilos e
                        escolas, vi que Villa-Lobos mereceu um destaque de
                        algumas linhas por seu “valor étnico”.
                        Ora, argumentaria o leitor, mas se Villa-Lobos é étnico,
                        todo mundo é étnico. Temos aí um gênero que pode ser
                        “qualquer nota”.
                        
                          
                        
                         Para
                        fugir da conclusão “qualquer nota”, talvez devêssemos
                        achar um outro caminho para chegar a uma definição.
                        Poderíamos tentar definir, por eliminatória, o que são
                        sonoridades “não-étnicas”. Novamente, porém,
                        corremos o risco de bater no vazio pois, ainda que
                        indireta e remotamente, qualquer som se refere à
                        cultura de alguma etnia, ou de algumas delas. Sim:
                        direta ou indiretamente, qualquer obra humana é étnica.
                        Até Villa-Lobos.
                        
                          
                        
                         Resta-nos
                        então apenas um recurso. Voltando os olhos para os critérios
                        com que são dispostos os discos nas lojas, encontramos
                        um conceito mais aceito: étnico é um tipo de música
                        mais puro, ainda não contaminado pela civilização, um
                        tipo que conserva suas características originais
                        ancestrais.
                        
                          
                        
                         Indo
                        além, é possível supor que étnico seja um termo
                        adotado de forma generalizada a partir das preocupações
                        e da vigilância do movimento conhecido como
                        “politicamente correto”. O termo étnico, nessa
                        perspectiva, pode ser entendido como uma tentativa de
                        superar outros termos, como “primitivo” ou
                        “selvagem”, hoje tidos como depreciativos. Mais ou
                        menos como o termo “afro-americano” substituiu “black”.
                        Assim, o termo étnico não apenas procura revogar uma
                        abordagem antes preconceituosa, que menosprezava expressões
                        culturais de etnias e povos da periferia do capitalismo,
                        como representa um esforço para transformar em
                        mercadoria cultural o que teria sido excluído pelo
                        modelo social globalizado.
                        
                          
                        
                         Claro
                        que, entre a existência e a não existência dos discos
                        étnicos nas prateleiras de lojas de todos os
                        continentes, a existência é moralmente preferível à
                        inexistência. Garante-se, ao menos, o direito de
                        visibilidade (ou audibilidade) às culturas minoritárias.
                        Mas, como o objetivo aqui é problematizar, é útil
                        verificar em que bases o gênero étnico se apóia.
                        
                          
                        
                         Uma
                        hipótese que não deve ser descartada é a de que,
                        sendo um eufemismo, ele seja um mecanismo para aliviar o
                        peso da consciência daqueles que usufruem da riqueza.
                        Comprando o étnico, os consumidores estão sustentando,
                        mesmo que marginalmente, produções culturais que o
                        modelo econômico (quase) matou.
                        
                          
                        
                         
                        
 Vejamos
                        o que acontece com a entrega do Oscar, todo ano. Ali não
                        são premiados os produtores, os atores, os diretores,
                        mas os valores que eles defenderam com
                        seus filmes: as vítimas da guerra, as vítimas do
                        racismo, das agressões sexuais, os explorados, os
                        deficientes físicos, os aidéticos. Na premiação do
                        Oscar, um ritual e uma celebração que unificam a indústria
                        do entretenimento da América e, por extensão, do mundo
                        inteiro, podemos entender ou, no mínimo, vislumbrar um
                        pouco do mecanismo da má consciência que alimenta o próprio
                        mercado cultural. Aplaudindo e premiando a tragédia dos
                        injustiçados, os astros e os administradores da indústria
                        do entretenimento se sentem aliviados.
                        
                         
                          
                          
 
 
                          
                         
                          
                          Assim
                          há de se dar com os consumidores. Mas, se trata mesmo
                          de má consciência, devemos então presumir que ela não
                          se empenha em corrigir as barbaridades: a ela basta
                          bater palmas para o sofrimento de suas vítimas, ou
                          talvez comprar um disco de suas culturas minoritárias,
                          étnicas, que isso serviria para aplacar-lhe a culpa.
                          Aparentemente, o gênero “étnico” desponta como
                          reação ao preconceito contra sonoridades
                          “primitivas” ou “selvagens” e, por decorrência,
                          busca atenuar, pelo mercado cultural, os efeitos
                          nefastos da exclusão social e da pobreza econômica
                          que se encontram, com enorme freqüência, nas
                          localidades produtoras das sonoridades étnicas.
                          
                            
                          
                           O
                          problema é que, se isso é verdade, as próprias leis
                          de mercado (que produzem a valorização mercantil do
                          étnico) nos põe diante de uma outra ordem de
                          preconceito, um preconceito reciclado, moderno.
                          Trata-se de um preconceito que reduz uma identidade
                          cultural a um tipo qualquer de exotismo, uma beleza em
                          estado bruto, em estado virginal — mas política e
                          economicamente indefesa. Esta beleza, por não ter
                          meios próprios para se defender e se preservar, por não
                          representar uma cultura soberana, chega ao mercado
                          precisando de proteção e compreensão, carente de
                          caridade — ela só pode sobreviver da indulgência
                          dos mais ricos. Ao ser vista assim, essa beleza foi
                          envolvida por um novo tipo de preconceito. Trata-se de
                          um preconceito que reduz o outro a um estereótipo e,
                          logo, torna-o de mais fácil consumo. Esse preconceito
                          que se apresenta como a negação do velho
                          preconceito, ou esse preconceito disfarçado pelo
                          manto do politicamente correto, consome o diferente
                          como quem consome o exótico porque o exótico é
                          inofensivo, inócuo, superficial, decorativo,
                          bonitinho mas impotente. Com isso, a vítima desse
                          preconceito não encontra no mundo seu lugar de
                          sujeito. Tem que se contentar com o seu lugar de
                          objeto. Objeto de consumo. Ou, pior ainda, objeto
                          desnaturado de consumo. Objeto desinfectado,
                          esterilizado, pasteurizado e plastificado para o
                          consumo.
                          
                            
                          
                           Outra
                          vez, dentro do que aparece como um não-preconceito,
                          temos uma nova forma de preconceito. A “música de
                          preto” não é mais rechaçada como antigamente, mas
                          aplaudida pela “madame”. As conseqüências do
                          velho preconceito, no entanto, que são a exclusão, a
                          injustiça, a ausência de direitos iguais, não
                          necessariamente estão revogadas. Ao contrário,
                          muitas vezes são reforçadas pelo novo preconceito e
                          pela mercantilização do gênero étnico: étnico,
                          afinal, é aquilo que não foi tocado pela civilização
                          e assim deve permanecer, intocado, sob pena de perder
                          o fetiche que lhe dá o valor de troca.
                          
                            
                          
                           *   *   *
                          
                            
                          
                           Na
                          base desse novo preconceito (um preconceito cínico
                          que consome e aplaude o oprimido sem resgatá-lo da
                          opressão) está o funcionamento de um mercado
                          obstinado por traficar intimidades, prazeres e
                          caprichos. Seduzida pela esfera privada, a sociedade
                          de consumo esvazia o debate das soluções políticas
                          próprias da esfera pública. Richard Sennet, em O
                          declínio do homem público, identifica a
                          falência dos espaços públicos, da esfera pública e
                          do domínio público no mundo contemporâneo. Segundo
                          ele, estaríamos hoje fascinados pelos processos
                          intimistas, e só podemos ter uma visão e uma
                          compreensão da esfera pública a partir de modelos
                          dados pela psicologia, pela desenfreada busca do
                          “eu” (uma busca necessariamente egocêntrica).
                          Sennet afirma que “vemos a 
                          
                           
                          
 sociedade
                          como uma coisa significativa somente quando a
                          convertemos num grande sistema psíquico”. É assim
                          que, no nosso tempo, os debates políticos são
                          permeados e até formatados pelos códigos da
                          publicidade, que personalizam, sentimentalizam e
                          dramatizam todos os temas públicos. Quer dizer: os
                          temas públicos são tratados como assuntos da
                          intimidade feito os namoros, as intrigas pessoais e as
                          fofocas.
                          
                            
                          
                           Nesse
                          contexto, o mercado cultural cuida da absorção
                          sentimental —fútil — das realidades alheias como
                          se fossem elas meros bens descartáveis, retratos num
                          álbum de figurinhas ou acessórios de decoração da
                          sala de estar. É por isso que ele, mercado cultural,
                          apresenta-se como um exercício inconseqüente:
                          transforma até mesmo a miséria alheia num bem de
                          consumo (em fotos caríssimas, filmes de gigantesca
                          bilheteria, documentários laureados) mas nada reverte
                          de substantivo para sanar a miséria original. O
                          consumidor do Primeiro Mundo, nos países
                          desenvolvidos, vê-se convidado a contemplar com certo
                          encantamento a produção rítmica de povos esquecidos
                          e excluídos. Isso lhe dá uma doce sensação de
                          indignação, um gozo humanitário, um prazer
                          existencial. Mas dessa contemplação não resulta uma
                          alteração das injustiças. Diz Richard Sennet: “A
                          crença nas relações humanas diretas em escala
                          intimista nos seduz e nos desvia da conversão de
                          nossa compreensão das realidades do poder em guias
                          para nosso próprio comportamento político. O
                          resultado disso é que as forças de dominação ou a
                          iniqüidade permanecem inatacadas”.
                          
                            
                          
                           Assim,
                          o que vemos hoje é o consumo do exótico, do único,
                          daquele que está ameaçado de extinção e que,
                          portanto, adquire valor (de mercado) cultural. A
                          mercadoria étnica parece portar algum resquício de
                          aura sagrada, vindo intacta de um estágio anterior à
                          era da reprodutibilidade técnica da obra de arte.
                          Temos assistido à distribuição em escala planetária
                          de mercadorias culturais étnicas, primitivas,
                          intocadas no melhor estilo “pegue antes que
                          acabe”. O vendedor promete: diretamente da barbárie
                          para você. E você compra.
                          
                            
                          
                           *   *   *
                          
                            
                          
                           Se
                          a loja de discos promete “diretamente da barbárie
                          para você”, nas agências de turismo mais
                          “modernas” o vendedor promete levar você
                          diretamente para a barbárie. Desenvolve-se no turismo
                          um novo fetiche: ver de perto, ver in loco,
                          olhar e consumir com os olhos, os ouvidos, o olfato, o
                          tato, o paladar e o sexo o primitivo, o “étnico”,
                          o produto genuíno da barbárie que viceja nos subúrbios
                          da civilização. Recentemente, ficamos sabendo no
                          Brasil da empresa que faz citytour nas
                          favelas cariocas.
                          Sim, há um lado positivo na iniciativa. Há gente
                          interessada em conhecer como moram, quem são, como
                          vivem os favelados — e isso é bom. Melhor conhecê-los
                          que ignorá-los. Mas, novamente, há o que
                          problematizar nesse ecoturismo que passeia por
                          paisagens humanas.
                          
                            
                          
                           Nós,
                          que já sabemos da violência que o preconceito de
                          classe produz contra os necessitados — os recusados
                          no mundo do conforto, da cidadania e mesmo no mundo do
                          consumo —, agora somos apresentados, de novo, a um
                          outro preconceito invertido. É o caso de perguntarmos
                          aos visitantes o que é que eles achariam de ônibus
                          lotados de favelados visitando seus condomínios em
                          Paris, em Hamburgo, em Amsterdã, em Londres. Será
                          que eles abririam a esses viajantes os seus espaços
                          privativos? Como é que eles reagiriam ao ver turistas
                          de terras longínquas olhando com olhos cobiçosos as
                          suas filhas, verificando suas salas, fotografando suas
                          roupas a secar, comentando em línguas incompreensíveis
                          o vai-e-vem pelas portas de suas casas?
                          
                            
                          
                           
                          
 São
                          perguntas que talvez pareçam forçadas, mas devem ser
                          consideradas. A favela é um espaço compartilhado de
                          moradia: a casa, o domínio particular de cada um ali
                          não começa da porta para dentro, pois às vezes nem
                          porta existe direito. Na favela, o domínio da
                          privacidade se confunde com o espaço coletivo em
                          reentrâncias, em limites permeáveis, porosos, onde o
                          que é íntimo atinge o que é público e o que é público
                          abriga o que é pessoal de um modo improvisado,
                          singular, mutante. Os turistas que adentram as favelas
                          em cima de jipes estão passeando dentro da intimidade
                          de cada um habitantes. É mesmo provável que
                          pressintam isso, que saibam disso, mas se julgam no
                          direito de fazê-lo. Com sua consciência antenada
                          para as desigualdades sociais, ficam à vontade para
                          observar de perto a miséria alheia, embora não
                          permitissem intromissões iguais em suas próprias
                          vidas.
                          
                            
                          
                           Eis
                          aí uma outra face do preconceito produzido pela má
                          consciência do mercado. Talvez os turistas e as
                          empresas desse tipo de turismo nem se dêem conta de
                          que a exposição das intimidades nas favelas não é
                          uma opção, não é uma realidade voluntária, mas é
                          uma condenação social que vitima gerações inteiras
                          sem que lhes tenha sido dada alguma escolha. Eles
                          sobrevivem daquela forma porque aquela forma de
                          sobreviver é a única que lhes restou — e não os
                          dignifica fazer deles atração turística. Quem
                          consome o favelado como atração, por mais que as
                          intenções sejam boas, está reforçando o
                          preconceito que exclui o favelado. Quem consome o
                          favelado como atração turística, e se delicia em
                          seu city tour pelas ruelas da miséria,
                          está reforçando a violência que o atinge.
                          
                            
                          
                           *   *   *
                          
                            
                          
                           O
                          público adquire os bens (culturais, turísticos e vários
                          outros) e, junto com os bens, consome os preconceitos
                          que eles carregam. Esses preconceitos, que nunca se
                          apresentam como preconceitos (preferencialmente,
                          apresentam-se como a negação de qualquer
                          preconceito), penetram a existência de quem consome
                          acabando por lhe dar, a ela própria, existência do
                          consumidor, uma significação mais coerente com a
                          ordem que está posta no mundo. Consumindo, o indivíduo
                          se situa. Num tempo em que a esfera e os espaços públicos
                          estão enquadrados pelos meios de comunicação e pela
                          linguagem publicitária, o homem se contextualiza pelo
                          consumo. 
                          
                            
                          
                           Com
                          a indústria cultural refeita em indústria do
                          entretenimento, a linguagem publicitária, amplificada
                          meios de comunicação e seus desdobramentos tecnológicos,
                          globalizou-se. No mesmo movimento, globalizou seus
                          valores próprios, mundializou-os, dando o contexto
                          em que a sociedade de consumo está posta. Como
                          veremos, as relações de consumo, mediadas pelos
                          valores da linguagem publicitária, proporcionam ao
                          homem, em grande medida, o seu sentimento de estar no
                          mundo — e mesmo o seu sentimento de cidadania. Já
                          no início da década de 60, Habermas detectava: “A
                          cultura integracionista preparada e difundida pelos
                          meios de comunicação de massa, embora pretenda ser
                          apolítica, representa ela mesma uma ideologia política.”
                          Agora, na era da globalização, podemos dizer que a
                          categoria de cidadão foi englobada pela categoria de
                          consumidor, o que nos leva a uma potencialização
                          jamais vista dos preconceitos próprios do consumo.
                          
                            
                          
                           Em
                          Consumidores e Cidadãos, Nestor García
                          Canclini, é preciso ao afirmar: “Homens e mulheres
                          percebem que muitas das perguntas próprias dos cidadãos
                          — a que lugar pertenço e que direitos isso me dá,
                          como posso me informar, quem representa meus
                          interesses — recebem suas respostas mais através do
                          consumo privado de bens e dos meios de comunicação
                          de massa do que das regras abstratas da democracia ou
                          pela participação coletiva em espaços públicos.”
                          De fato, como veremos a seguir, em inúmeros aspectos
                          o consumo como conceito e como prática expandiu-
                          
                           
                          
 se
                          demais e deixou de ser um dos direitos próprio da
                          cidadania. Em conseqüência, foi a cidadania que se
                          tornou um dos vários atributos do consumidor. É
                          exercendo a sua condição de consumidor que o homem
                          se reconhece cidadão.
                          
                            
                          
                           Todos
                          os dias, em comícios de políticos, em programas de rádio
                          e televisão, em artigos de jornais e revistas e em
                          conversas informais, todos os dias alguém reclama do
                          poder público invocando a sua condição de
                          contribuinte. Por pagar impostos, homens e mulheres se
                          sentem cidadãos e, como cidadãos que são
                          contribuintes, cobram ruidosamente providências dos
                          governantes. (A verdade, como sabemos, é que nem
                          cobram tanto assim. Mas fazem lá sua encenação cívica.)
                          Ninguém aqui pretende contestar o direito de reclamar
                          que tem o contribuinte. Não se vai recusar a ele o
                          direito de exigir, de cobrar, de contestar as providências
                          da administração pública. Ao contrário, o
                          contribuinte até que poderia exercer com mais eficácia
                          e mais método esse direito. O que se perde de vista,
                          no entanto, é que o imposto de renda é também (ou
                          deveria ser principalmente) um mecanismo de distribuição
                          de renda. Perde-se de vista que o contribuinte paga não
                          porque ele, contribuinte, tem prerrogativas: ele paga
                          porque aqueles que se encontram abaixo da linha de
                          pobreza, que não ganham o suficiente para recolher
                          impostos, têm direitos sociais a ser satisfeitos. Ele
                          está pagando não a sua própria cidadania, mas a do
                          outro — o outro que ele despreza.
                          
                            
                          
                           É
                          preciso dizer, aliás, que o direito de fiscalizar o
                          que se faz com a arrecadação fiscal não é
                          exclusivo de quem é contribuinte, mas pertence ao
                          cidadão (mesmo daquele cidadão que não paga um
                          centavo de imposto). Infelizmente, a noção de que
                          cidadãos também são os que não pagam imposto e que
                          devem receber benefícios sociais é algo que
                          contraria o senso comum da nossa época. Segundo esse
                          senso comum que eleva o conceito de contribuinte acima
                          do conceito de cidadão, a cidadania é uma mercadoria
                          que se compra do Estado. E dentro desse senso comum
                          mora um preconceito (uma variante do preconceito de
                          classe). Muitas vezes, quando alguém vocifera algo
                          como “o contribuinte exige” está excluindo
                          aqueles que não são contribuintes do direito de
                          exigir. Como se a sociedade fosse um condomínio. Quem
                          não paga está fora.
                          
                            
                          
                           Mas
                          não é somente aí que podemos flagrar a cidadania
                          sendo vista como mercadoria, como um incremento a mais
                          na vida do consumidor. É comum em quase toda a
                          propaganda anti-socialista da segunda metade deste século:
                          ela sempre ignorou o esforço dos modelos e ideais
                          socialistas pelo atendimento dos direitos sociais,
                          direitos próprios da cidadania, e sempre criticou
                          neles a ausência dos paraísos consumistas das
                          grifes, dos brinquedos eletrônicos, da televisão
                          comercial e do entretenimento. Segundo essa ideologia,
                          fazer parte dos paraísos do consumo seria mais
                          importante que garantir os direitos sociais. Os próprios
                          regimes socialistas, por outro lado, ao negligenciar
                          os direitos políticos dos cidadãos, atrofiaram a noção
                          de cidadania: conceberam o homem como um ser que
                          apenas “consome” a satisfação de
                          seus direitos sociais diversos (saúde, escola, habitação,
                          emprego etc), mas que não tem o direito fundamental
                          de interferir politicamente nos rumos da sociedade.
                          Sob muitos pontos de vista, veremos que a cidadania
                          plena tem sido postergada, adiada, desprezada.
                          
                            
                          
                           Não
                          surpreende que, em nosso tempo, até mesmo as
                          propostas políticas passaram a se apresentar como
                          mercadorias. O discurso político, à direita e à
                          esquerda, passou a ser totalmente organizado segundo
                          as regras da linguagem publicitária. A argumentação
                          política não é racional, não busca convencer o
                          cidadão com argumentos lógicos, próprios dos
                          debates públicos, mas o que vemos é a tentativa
                          (muitas vezes bem sucedida) de seduzir o consumidor
                          com abordagens próprias da vida privada. O
                          consumidor-eleitor é assediado pela propaganda política
                          individualmente (e não coletivamente), ele é
                          seduzido, convidado a comprar com seu voto, isto é,
                          com seus direitos (votos e direitos, nessa
                          perspectiva, equivalem-se, são moedas), aquela
                          determinada proposta, aquele postulante a um cargo
                          eletivo. Votando naquele candidato, ele se sentirá
                          alguém menos arcaico, ou 
                          
                           
                          
 mais
                          avançado, ou mais vitorioso. (Da mesma forma, quando
                          é abordado por propagandas de refrigerantes, cigarros
                          ou automóveis, o consumidor recebe aqueles bens como
                          benefícios que poderão lhe melhorar o status
                          individual, seja diante dos filhos, seja diante da
                          mulher (ou das mulheres), ou diante de si mesmo.)
                          
                            
                          
                           A
                          política, os direitos e a própria cidadania,
                          transformadas em mercadorias dentro da linguagem
                          publicitária, não são mais a política, os direitos
                          ou a cidadania, mas são versões mercadológicas da
                          política, dos direitos e da cidadania. Essas versões
                          mercadológicas, a exemplo que qualquer outra
                          mercadoria, vendem-se a partir do desejo do consumidor
                          de se tornar melhor que os outros. O consumo toma
                          impulso pela competitividade que a sociedade de
                          consumo estimula entre os indivíduos. Assim como a
                          mensagem política tenta garantir que votar em tal
                          candidato significa ser mais bonito, mais moderno
                          (quem vota no outro candidato é menos bonito, menos
                          moderno), um refrigerante se anuncia a partir da
                          diminuição daquele que não o consome. E assim por
                          diante: uma marca de cigarro é vendida zombando do
                          homem que não fuma aquele cigarro e que, por isso, não
                          consegue seduzir as mulheres; um automóvel se promove
                          à medida que humilha quem anda de carro velho. É
                          essa ordem extensa de fomentos para a competição que
                          organiza a sociedade de consumo — e, a cada dia
                          mais, é ela quem organiza a significação da vida
                          humana. É sintomático que, quando alguém se
                          descreve, quando alguém busca traduzir em palavras
                          sua própria identidade, descreve normalmente as
                          mercadorias de sua preferência. Nas palavras de
                          Canclini, “consumir é tornar mais inteligível um
                          mundo onde o sólido se evapora.”
                          
                            
                          
                           Há
                          muito tempo já deixamos para trás a cultura do
                          ser. Agora, o que vai se formando é uma
                          cultura um grau acima da tão denunciada cultura
                          do ter. Forma-se a cultura do ter o que
                          o outro não tem. Os bens de consumo retiram
                          seu valor de um sentimento de exclusividade: é o cartão
                          de crédito que dá uma identidade especial, sobretudo
                          quando no hotel de Nova York já não pedem o
                          passaporte, mas aquele cartão superespecial; o automóvel
                          é tanto melhor quanto menos mortais possam comprá-lo;
                          a roupa tem uma grife exclusiva. É bom pensar no que
                          significa a palavra “exclusiva”: ela significa
                          exclusão, significa excluir o outro. Na raiz mesma do
                          ato de consumir, dentro desse modelo, há um desejo de
                          excluir o outro.
                          
                            
                          
                           Há,
                          portanto, na lógica da competitividade encorajada (e
                          forjada) pela socidade de consumo, uma visão
                          preconceituosa do outro. Se o desejo de consumir é
                          comum a todos (os homens se identificam entre si à
                          medida que consomem), o exercício do consumo existe
                          para diferenciar os homens uns dos outros dentro da
                          competição individualista e narcisista. O que
                          interessa é ser melhor que o outro. O outro precisa
                          ser necessariamente pior do que eu. Pois se o consumo
                          dá sentido, e um sentido ritualizado, às vidas de
                          todos, é por meio dele que o indivíduo se sente
                          pertencente a um círculo de privilegiados. Nem que
                          sejam os privilegiados por algumas migalhas: um carnê
                          do baú, uma sandália, o retrato de um ídolo afixado
                          do lado de dentro da porta do guarda-roupa.
                          
                            
                          
                           O
                          estímulo a tanta competitividade pode ser fatal. Em
                          nossos dias, o desejo de possuir grifes (de tênis,
                          jeans ou bonés) tem sido a motivação de assaltos e
                          de latrocínios. Jovens que se vêem expulsos do paraíso
                          do consumo, segregados daquela “cidadania” que
                          pode ser comprada pelo consumo, insurgem-se de forma
                          violenta contra os privilegiados. Tomam à força o
                          que o mercado não lhes permite adquirir dentro da
                          lei. Depois do assalto, desfilam realizados, passeando
                          com um par de tênis americano (made in Taiwan). A
                          mesma publicidade que reforça a visão preconceituosa
                          dos que podem consumir contra os que não podem,
                          acentua também a humilhação (ou o ódio) dos que não
                          podem comprar em relação aos que esbanjam dinheiro.
                          É por isso que, num artigo recente, o escritor
                          uruguaio Eduardo Galeano aponta a publicidade nos
                          meios de comunicação, e na TV de modo especial, como
                          uma dos principais causas da violência nas grandes
                          cidades. Ele também 
                          
                           
                          
 observa
                          que todo o discurso da televisão é perpassado pela
                          visão preconceituosa do outro. O paraíso do consumo
                          é a única perspectiva de salvação:
                          
                            
                          
                           “Automóveis
                          imbatíveis, sabonetes prodigiosos, perfumes
                          excitantes, analgésicos mágicos: através da
                          telinha, o mercado hipnotiza o público consumidor.
                          Mas, às vezes, entre anúncios e anúncios, a televisão
                          cola imagens de fome e de guerra. Esse horrores, essas
                          fatalidades, vêm do ‘outro’ mundo, onde o inferno
                          acontece, e não fazem mais do que destacar o caráter
                          paradisíaco das ofertas da sociedade de consumo. Com
                          freqüência essas imagens vêm da África. A fome
                          africana se exibe como uma catástrofe ‘natural’,
                          e nas guerras africanas não se enfrentam etnias,
                          povos ou religiões, mas ‘tribos’, e não são
                          mais que ‘coisas de negros’.” 
                          
                            
                          
                           Os
                          preconceitos traficados pela sociedade de consumo
                          traduzem uma visão de mundo que, se não for recebida
                          criticamente, converte-se na visão de mundo dos próprios
                          consumidores. Ai dos negros africanos, ai dos pobres,
                          ai dos que não podem comprar: eles jamais serão
                          vistos como cidadãos, jamais serão vistos como seres
                          humanos iguais aos seres humanos que usufruem das delícias
                          do consumo.
                          
                            
                          
                           *   *   *
                          
                            
                          
                           Na
                          opinião de Roger Garaudy, o mercado virou uma religião.
                          Ou melhor: ele fala em “monoteísmo do mercado”.
                          É uma idéia a ser levada a sério. Pois se consumir
                          dá sentido ritual a um mundo desencontrado, e se
                          consumir é uma (ou a) via de acesso à
                          cidadania e torna compreensível a cada um o seu estar
                          no mundo, e se não se pensa em outra coisa, estamos
                          mesmo diante de algo bem parecido com uma religião.
                          Tanto assim que podemos sentir os valores dessa religião
                          intermediando (e mediando) as nossas próprias relações
                          pessoais mais próximas. Elas são também relações
                          consumistas. Basta observar. O relacionamento íntimo
                          entre duas ou mais pessoas já não mais é mediado
                          pelo sagrado das religiões convencionais; não é
                          mediado por um código moral ou ético (pois esses
                          valores andam confusos, embaralhados); ele é mediado
                          pela cultura que foi organizada segundo a linguagem da
                          publicidade e os meios de comunicação. O modo de
                          beijar, de conversar, de se apresentar, de sorrir, de
                          amar são disciplinados segundo essa cultura. Somos os
                          consumidores uns dos outros. Somos os consumidores de
                          nós mesmos. Nós nos desejamos e nos repelimos
                          segundo os parâmetros (preconceituosos) que
                          absorvemos através de nossos desejos (realizados ou não)
                          pelos bens de consumo.
                          
                            
                          
                           É
                          então que nós nos consumimos — e nos consumimos
                          — como vitrines recíprocas uns dos outros. O
                          problema é que as relações de consumo nunca podem
                          nos saciar plenamente e é assim que, esgotada a
                          curiosidade, as relações humanas tendem a se
                          dissipar. Podemos usar aqui as palavras de Richard
                          Sennet: “Quando duas pessoas já não têm revelações
                          a fazer, e a troca comercial chegou ao fim, quase
                          sempre o relacionamento se acaba. Esgota-se porque
                          ‘não há mais nada a dizer’, cada um acaba
                          aceitando o outro ‘como um fato dado’. O tédio é
                          a conseqüência lógica da intimidade nessa relação
                          de troca.”
                          Eu não descarto a perspectiva espiritualista adotada
                          por Garaudy porque há, sim, um vazio dentro de cada
                          homem que o consumo é incapaz de preencher. Há um tédio
                          que o consumo produz e não consegue matar.
                          
                            
                          
                           
                          
 Como
                          eu disse no início, não há como superar o mundo
                          profundamente preconceituoso em que existimos a não
                          ser pela perspectiva dos direitos humanos e da
                          cidadania. É preciso que saibamos pôr a noção de
                          cidadania acima da noção de consumidor, invertendo o
                          que tem sido natural nessa nova ordem globalizada. Mas
                          talvez eu devesse acrescentar que é preciso também
                          deixar de odiar os outros homens, ou seja, deixar de
                          odiar as diferenças. O que se põe para todos é a
                          necessidade de reeducação, e daí o grande valor
                          deste seminário. Para finalizar a minha participação
                          aqui eu gostaria de tomar emprestadas as palavras de
                          Renato da Silva Queiroz, em seu livro Não vi e não
                          gostei o fenômeno do preconceito, dedicado a essa
                          causa essencial da reeducação: “Da mesma forma que
                          aprendemos a atribuir valores negativos às diferenças,
                          podemos se educados para perceber que a variabilidade
                          humana não constitui uma monstruosidade, mas sim a
                          expressão da nossa própria natureza.”
                          
                            
                          
                           Eu
                          penso de novo no exemplo de Euclides da Cunha. As idéias
                          e os modelos teóricos aos quais ele se aferrava eram,
                          sabemos hoje, modelos racistas. Mas o que o movia não
                          era o impulso de excluir o outro e sim de respeitá-lo
                          em sua diferença. O que o moveu foi o 
                          amor pela humanidade. Parece patético dizer
                          isso a essa altura dos tempos, mas o que faz falta
                          neste mundo é um pouco de amor. Penso nisso,
                          experimento uma certeza profunda, que no entanto logo
                          se desfaz. Até o amor a linguagem publicitária
                          absorveu e deteriorou. Hoje o “amor” é um tempero
                          que se adiciona dentro da panela de sopa numa
                          propaganda de televisão. O marido olha para a patroa
                          e ela diz que pôs “amor” na comida dele. E todos
                          nós achamos uma graça danada.
                          
                            
                          
                           Aldeia
                          Global?...
                          
                            
                          
                           P:
                          Daqui a três semanas será que os jornais ainda
                          estarão falando dos sem-terra, ou estarão esperando
                          a notícia de um novo massacre? Os assassinatos no
                          campo não ocorrem o ano todo?
                          
                            
                          
                           Esse
                          é o ponto que eu acho importante. Sábado passado
                          escrevi exatamente sobre isso. De que forma os meios
                          de comunicação, ao não noticiarem a realidade do
                          campo, contribuem para que as situações violentas
                          ocorram ainda mais, porque não há uma preocupação
                          generalizada sobre isso no país. Isso é produto de
                          um preconceito. O que acontece? Na hora de elaborar o
                          telejornal, são trinta e quatro milhões de lares com
                          televisão no Brasil, o jornal de maior circulação
                          tem em média um milhão, que já é uma grande coisa,
                          mas na hora de elaborar um telejornal, a discussão é
                          a discussão do espetáculo, para ficar um produto que
                          atraia a atenção e mexa com o desejo do
                          telespectador, porque o telejornal é um produto de
                          entretenimento também, e sem-terra é feio, é sujo,
                          fala mal, não é romântico, não tem "sex
                          appeal", é um problema. É um problema, por
                          isso, no telejornal. O massacre entrou porque ele
                          tinha imagens espetaculares, acho que todos vocês
                          viram, e o espetáculo no telejornal se confunde com o
                          massacre dos turistas gregos no Egito. As imagens
                          chocantes fazem o telejornal e garantem que o
                          telespectador não vai desligar, não vai mudar o
                          canal, porque aquilo é impressionante. Todos os dias
                          o telejornal tem que ter coisa impressionante. Esse é
                          o problema. Então eu duvido que isso seja assunto
                          importante ao longo do ano, embora essas situações
                          continuem acontecendo. Aquilo é novidade, aquilo vai
                          ser um espetáculo, aquilo vai proporcionar um choque
                          nunca antes experimentado pelos telespectadores? Se a
                          resposta é negativa, é mais difícil que aquilo
                          entre. 
                          
                            
                          
                           Isso
                          tem conexão com essa lógica do grande espetáculo,
                          com essa lógica do consumo que nos chega como espetáculo,
                          com a lógica da linguagem publicitaria, enfim 
                          a função é menos 
                          
                           
                          
 informar
                          e mais emocionar. O que eu quero acreditar é que o
                          escândalo foi muito grande, foi uma coisa horrorosa.
                          Então é muito possível que os dirigentes do país
                          estejam tentando tomar uma providência e que a situação
                          não seja tão ruim como era antes. Mas o lamentável
                          é que foi necessário que vinte pessoas morressem
                          para que isso merecesse atenção do telejornalismo.
                          Existe uma postura preconceituosa em relação a quem
                          é feio, sujo, quem não sabe falar direito na hora de
                          elaborar o telejornal. A gente precisa prestar atenção
                          nisto.
                          
                            
                          
                           P:
                          Por qual razão quando se fala em preconceito
                          muitas vezes o negro é mencionado e não se cita o
                          caso dos nordestinos?
                          
                            
                          
                           Toda
                          a temática dos "Sertões" que a gente
                          estava falando aqui trata disso. Os Sertões é um 
                          livro que descreve o abandono. O Euclides
                          considera que o abandono em que ficou o nordestino
                          durante tanto tempo propiciou o aparecimento dessa
                          subcategoria, que ele chama uma subcategoria étnica,
                          que fez, que produziu o sertanejo, que é antes de
                          tudo o forte. E ele fala muito do nordestino. Hoje nós
                          temos o problema de que o abandono continua, é claro
                          que eu não compartilho das idéias racistas que
                          existem no livro, mas o abandono continua, e continua
                          mais intenso nas grandes cidades, porque hoje nós
                          vemos a todo momento a rejeição aos nordestinos nas
                          grandes cidades. Eu acho que pelo menos hoje, aqui, nós
                          tocamos um pouco nesse assunto, pelo menos um pouco. O
                          problema da rejeição ao nordestino é um problema
                          candente hoje na nossa democracia e nas grandes
                          cidades, não tem dúvida.
                          
                            
                          
                           P:
                          Como reverter a situação propícia ao
                          preconceito?
                          
                            
                          
                           A
                          situação não é própria do nosso país, mas ela
                          tem muito a ver com a globalização e a maneira como
                          a globalização chega excluindo, chega dizimando
                          culturas, chega dizimando o diferente, porque ela
                          precisa de canais próprios e canais universais. Essa
                          resposta binária do Você Decide é a própria
                          linguagem dos computadores da Internet, e não é por
                          acaso que essa linguagem binária é a linguagem dos
                          computadores, então para escapar disso e para
                          procurar refletir criticamente sobre isso, e mais ou
                          menos se proteger contra os horrores que isso tem
                          produzido, eu acho importante sair de cena, fazer um
                          exercício que não tem nada a ver com a sociedade de
                          consumo e com a linguagem dos meios de comunicação
                          de massa, e procurar disseminar, procurar difundir o
                          espírito crítico. Por isso eu queria cumprimentar
                          muito, e acho muito, muito importante isso que está
                          acontecendo aqui, talvez seja essa a atividade mais
                          importante daqueles que hoje se preocupam com os
                          direitos humanos, 
                          discutir com as pessoas, demonstrar, fazer com
                          que elas olhem criticamente as coisas. 
                          O que eu queria dizer é viva, que legal, parabéns,
                          acho que é por aí que e gente vai conseguir alguma
                          coisa, muito obrigado pelo convite, espero ter
                          contribuído com alguma coisa aí. É isso.
                          
                            
                          
                           Belisário:
                          Duas palavras que entendo pertinentes neste momento
                          final dos debates. A primeira diz respeito ao valor
                          solidariedade que, entendemos todos, deve informar uma
                          nova ética. Essa nova dimensão da solidariedade,
                          antes que alternativa jurídica, se impõe como uma
                          nova opção ético-política. É uma luta contra o
                          individualismo, contra o "jeitinho", contra
                          a "lei de Gerson". É uma luta que não
                          perde de vista a utopia, mas inicia no presente uma ação
                          transformadora. É um processo educativo individual e
                          coletivo. No entanto, é preciso dizer uma coisa e
                          viver de acordo com o que se diz. Um levantamento
                          feito em Pernambuco, por entidades de direitos
                          humanos, mostra que das cinqüenta histórias
                          infantis, que contamos às nossas crianças, quarenta
                          e nove apontam saídas individuais e apenas uma
                          apresenta saída coletiva. Aí há uma pista
                          reveladora para reflexão sobre a nossa coerência do
                          dia a dia.
                          
                            
                          
                           Em
                          segundo lugar, aproveitando as recomendações de
                          livros e filmes muito bem lançados pelos
                          conferencistas, arrisco uma sugestão. É o filme
                          "The thin blue line", a estreita linha azul,
                          literalmente, numa referência à identificação da
                          viatura da polícia americana. Está à disposição
                          nas locadoras de vídeo. Morto um oficial de polícia,
                          a polícia americana, movida por preconceito,
                          "escolheu" o suspeito entre as pessoas que
                          estavam próximas. O filme conta a história do
                          processo e da condenação à morte sofrido por um
                          migrante hispânico, notória vítima de
                          discriminação. Anos depois, em atividade da Anistia
                          Internacional, encontrei seu diretor. Ele me disse
                          algo lapidar sobre o sistema judiciário americano:
                          "Nos Estados Unidos, quando não há pena de
                          morte requerida, a Justiça decide se o réu é
                          culpado. Quando o caso envolve a pena de morte,
                          decide-se se o réu deve ou não morrer...".
                          
                            
                          
                           Com
                          mais esta pista de reflexão sobre a questão do
                          preconceito, agradeço a presença de todos
                          convidando-os para a próxima sessão deste evento.
                          
                            
                          
                           
                            
                            
 
                              
                             
                              
                             
                              
                             
                              
                             
                              
                             
                              
                              Artigo “A escola do crime”, de Eduardo Galeano,
                              na revista Chasqui (Revista Latinoamericana de
                              Comunicación), Quito, Equador, número 53, de março
                              de 1996, página 56.
                              
                                
                              
                               
                              
                             
                              
                             
                              
                             |